“A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento à apelação do autor, pesqueiro que usava equipamento proibido em sua atividade, contra a sentença, da 19ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, que julgou improcedente o pedido de anulação de auto de infração que impôs ao demandante multa por ter ele sido flagrado utilizando tarrafa (petrecho proibido) para pescar, conduta considerada infração ambiental.
Muito embora o apelante tenha sido encontrado com o objeto, consta dos autos que não houve apreensão de peixes no momento da autuação, o que, segundo o juiz sentenciante, não retira a tipicidade da conduta. A proibição é de pescar com utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos, segundo a Lei nº 9.605/98. ‘Na realidade, não exige a norma em destaque que a pesca seja frutífera, o que representaria exaurimento da conduta, mas se contenta com a simples utilização de instrumentos indevidos’.
Em suas alegações, o recorrente sustenta que foram preenchidos todos os requisitos para a anulação da multa administrativa. Pleiteia, ainda, a reapreciação da prova e das razões de fato e de direito constantes dos autos com a consequente reforma da sentença.
Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Kassio Marques, esclareceu que a Lei nº 9.605/98 caracteriza o crime como formal, de perigo abstrato, não exigindo o resultado para a sua configuração.
O magistrado destacou, ainda, que “mesmo na eventualidade de não ter ocorrido proveito do ato de pesca, não há que se falar em atipicidade do fato motivador da infração”.
Por fim, de acordo com desembargador Kassio, a respeito da adequação e gradação da penalidade, ‘não há evidências de que a ponderação da autoridade tenha sido feita de modo errôneo. Aliás, há que se ressaltar que a multa fora fixada no seu valor mínimo, considerados os critérios dispostos na própria lei’.
Diante do exposto, a Turma negou provimento à apelação nos termos do voto do relator”.
Fonte: TRF1, 24/03/2017.
Confira a íntegra da decisão:
Numeração Única: 0023550-27.2008.4.01.3800
APELAÇÃO CÍVEL N. 2008.38.00.024298-8/MG
RELATOR | : | DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES |
APELANTE | : | ISAIAS DOS ANJOS |
DEFENSOR COM OAB | : | ZZ00000001 – DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO – DPU |
APELADO | : | INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS – IBAMA |
PROCURADOR | : | DF00025372 – ADRIANA MAIA VENTURINI |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Isaías dos Anjos, por intermédio da Defensoria Pública da União (DPU), contra sentença que, em ação ordinária, julgou improcedente o pleito, em que se objetivava (i) a anulação do Auto de Infração n° 286709-D, que lhe impôs multa administrativa, na forma da Lei 9.605/98 e do Decreto 3.179/99, além de, eventualmente, (ii) a redução do seu valor ou a sua substituição por prestação de serviços. Ainda, (iii) a determinação de ordem ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis – IBAMA – para que cumpra o acordo firmado com a DPU, com vistas a recuperação, preservação e melhoria do meio ambiente, sob pena de multa diária.
Nas razões, fls. 124/127, o recorrente sustenta que: (i) foram preenchidos todos os requisitos para a anulação da multa administrativa, de modo que pede a reapreciação da prova e das razões de fato e de direito constante dos autos, com a consequente reforma da sentença; (ii) é beneficiário da assistência judiciária gratuita, devendo ser exonerado da condenação em honorários advocatícios, ou suspensa a exigibilidade de sua cobrança pelo período de 05 (cinco) anos, com a extinção após esse período.
Contrarrazões, fls. 132/137, em que o IBAMA argui seja o recurso preliminarmente inadmitido, por inépcia da peça recursal, em razão de que o apelante não se desincumbiu do ônus de ilidir especificamente as razões de decidir da sentença, fazendo mera remissão ao que constou do processo. No mérito, pugna pela manutenção integral da sentença.
É o breve relatório.
VOTO
De início, em ordem preliminar, aprecio a arguição de inadmissão do apelo, por suposta inépcia da peça recursal.
De fato, a parte recorrente ao pleitear a reforma da sentença, propriamente ao mérito da questão, limitou-se a remeter as razões de fato e de direito constantes do processo, e pedir a reapreciação da prova. Não expôs argumentos nem teses de modo a demonstrar seu direito. Preocupou-se, notadamente, em pedir a ausência de condenação na verba honorária. Neste ponto, discutiu a matéria e colacionou jurisprudência.
Embora a parte tenha declinado da faculdade de debater os fundamentos a fim de revolver a matéria por esse Tribunal, o que faz a seu próprio risco, entendo suficientemente demonstrada a intenção em ver devolvida a matéria e reformado o decisório.
Dessa maneira, presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.
Referente ao mérito da demanda, o juízo bem analisou a questão, expondo os seguintes fundamentos, por mim ora acolhidos:
“Não há que se falar em atipicidade do fato porque não houve apreensão de peixes no momento da autuação. A proibição é de pescar com utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos (art. 34, II, fine da Lei n°. 9.605/98), tendo o autor se utilizado de tarrafa, o que é vedado. Na realidade, não exige a norma em destaque que a pesca seja frutífera, o que representaria exaurimento da conduta, mas se contenta com a simples utilização de instrumentos indevidos, o que é absolutamente compreensível, porquanto o que se quer coibir já é o próprio manejo de meios agressivos ao meio ambiente. Então, houve a lesão pela congruência entre conduta e tipificação legal da mesma, descabendo-se falar em insignificância.
O desconhecimento da infração não tem condão para invalidar a autuação, uma vez que ninguém se escusa de cumprir a lei por desconhecimento, como estatui o art. 3° da LICC, sendo a situação levada em consideração para aplicação da penalidade, e, no caso, a multa foi aplicada no mínimo.
Já me manifestei anteriormente até pela possibilidade de aplicação de perdão administrativo, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, anulando as multas fixadas pelo IBAMA. Porém, revejo o meu ponto de vista.
É de se ter presente que estamos diante da tutela do meio ambiente, que se revela como direito difuso de terceira geração de enorme importância nos tempos atuais. Com efeito, o bloco normativo de regência (CF/88 e a Lei n°. 9.605/98) procura densificar o direito ao meio ambiente íntegro, cujos resultados importam a afirmação de direitos humanos que atingem a própria coletividade social (Neste sentido, STF, RE 134.297, DJ 22.09.1995 e STF, MS 22.164, DJ 17.11.1995).
Então, quando entra em cena a proteção ao meio ambiente, a atitude do Estado, evidentemente incluídas as hipóteses de eventuais aplicações de penalidade, não pode resultar em simples flatus voei (palavras ao vento). Em outros termos, na aferição da necessidade de sanção administrativa, o momento final do processo do poder de polícia – que se inicia com a fase legislativa, passando pela sujeição do exercício de liberdade dos particulares ao consentimento da Administração e pela consequente fiscalização – não deve cair no vazio.
Não se discute que as esferas penais e administrativas áão independentes, mas isto não implica a exclusão, tout court, de determinados institutos e princípios de ordem penal no campo administrativo; e, no caso, isto ocorre.
As infrações administrativas ambientais são punidas com sanções que devem observar o princípio da individualidade da pena (art. 72 c/c art. 6° da Lei n°. 9.605/98). Vejamos se a penalidade aplicada (multa) foi conforme a juridicidade admimstrativa.
Diz o art. 75 da Lei n°. 9.605/98 que os valores das multas aplicadas às infrações administrativas devem variar entre R$ 50,00 e R$ 50.000.000,00, de acordo com norma infralegal, vindo a lume o Decreto n° 3.179/99; o qual, por seu turno, reza no art. 19, II que a multa para a infração em comento é de R$ 700,00.
Por fim, não há que se falar em determinação de cumprimento do acordo firmado entre as partes na esfera administrativa. Trata-se de ato de natureza bilateral que, como tal, pressupõe acordo de vontades, e não imposição unilateral.
A multa aplicada é a penalidade adequada, diante do efeito pedagógico que possui -como forma de prevenção especial (penaliza a autora) e de prevenção geral (desestimula condutas semelhantes), descabendo falar em prestação de serviços ou redução, vez que aplicada em seu patamar mínimo -, além de observar os parâmetros estabelecidos no bloco normativo de regência (Lei n°. 9.605/98 e Decreto n° 3.179/99), não sendo o valor da multa exagerado que implique agressão aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Outra atitude do Poder Judiciário acabaria resultando em violação ao princípio de independência dos poderes, pois estaria agindo como legislador positivo (criando figuras normativas para “melhor” enquadramento da conduta) ou até invadindo a seara da discricionariedade administrativa (já que não há excesso ou uso inadequado do poder de polícia), o que não se tolera.
Ressalto que o objeto de discussão dos autos permaneceu inalterado pelo Decreto n° 6.514/08, que revogou o Decreto n° 3.179/99.”
Na Lei 9.605/98, o crime tipificado no art. 34 caracteriza-se como formal, de perigo abstrato, não exigindo, portanto, o resultado danoso para sua configuração, ou seja, o dano concreto ao meio ambiente, tendo em vista que a própria norma – art. 36, da Lei nº 9.605/1998 – forneceu a definição legal da conduta de pescar, como “(…) todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora”.
Ainda que esse juízo perfaça a análise sobre a órbita administrativa apenas, a disciplina é a mesma aplicada a seara penal, razão porque, mesmo na eventualidade de não ter ocorrido proveito do ato de pesca, não há que se falar em atipicidade do fato motivador da infração. Neste ponto, sublinho inclusive que o apelante admite que estava em posse dos petrechos utilizados na pesca, o que reputo como fato incontrovertido.
Ademais, gozando os atos administrativos de presunção de legalidade e legitimidade, é ônus do autuado desconstituí-los, o que não se verifica na hipótese, razão porque se reconhece a validade da autuação promovida pelo IBAMA.
Sobre a adequação e gradação da penalidade, não há evidências de que a ponderação da autoridade tenha sido feita de modo errônea. Aliás, há que se ressaltar a multa fora fixada no seu valor mínimo, considerados os critérios dispostos na própria lei. Não identifico razões outras a tê-la por desproporcional.
Referente a possibilidade de conversão da multa em prestação de serviços, a decisão tem natureza discricionária, cabendo ao IBAMA, no presente caso, exercer certo grau de discricionariedade técnica, que lhe é privativo, de maneira a inibir condutas infracionais e a estimular a preservação ambiental, não podendo o Judiciário imiscuir nessa matéria de ordem administrativa e técnica – inerente ao poder de polícia ambiental-eis que lhe é vedado exercer o controle do mérito administrativo.
Nesse sentido: “Cabe ao administrador público, em virtude do seu poder discricionário, aferir a gravidade das condutas e a culpabilidade do agente, bem como a razoabilidade da sanção imposta, sendo, portanto, inviável que o Poder Judiciário venha a reduzir ou substituir a penalidade aplicada.” (STJ; AgRg no Ag nº 1.261.699/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 26/11/2010)
Assim, a conversão da multa em prestação de serviço não figura direito subjetivo do autuado, tendo que ser deferido mediante a demonstração do interesse e oportunidade da Administração e no benefício ambiental direto gerado pela prestação do serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental.
Com base em tais premissas, é de todo indevido o cumprimento forçado do acordo celebrado entre o IBAMA e a DPU, com fins a regulamentar a conversão de multa administrativa em prestação de serviços, com vistas a melhoria e conservação do meio ambiente.
O pedido cautelar feito na ação, em que buscava a suspensão da exigibilidade do crédito correspondente a multa aplicada perde seu objeto com a confirmação da validade daquela autuação.
Ante o exposto, conheço da apelação, e nego-lhe provimento.
É como voto.
DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES
Relator
EMENTA
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APELAÇAO. AÇÃO ORDINÁRIA. IBAMA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. APLICAÇÃO DE MULTA. ANULAÇÃO. ONUS DO AUTUADO. PESCAR COM A UTILIZAÇÃO DE PETRECHOS PROIBIDOS. DANO AMBIENTAL CONCRETO. DESNECESSIDADE. CONTROLE SOBRE LEGALIDADE E ADEQUAÇÃO DA SANÇÃO APLICADA. CONVERSÃO EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DECISÃO ADMINISTRATIVA DISCRICIONÁRIA. INTERESSE PÚBLICO. DESPROVIMENTO
1. As autuações lavradas pelo IBAMA por cometimento de infrações ambientais, atos administrativos que são, gozam do atributo de presunção de legalidade e legitimidade, cabendo ao administrado desconstituí-los, mediante prova em contrário, o que não se verificou na hipótese.
2. A infração ambiental consistente em pescar mediante a utilização de petrechos proibidos, prevista no art. 19, parágrafo único, II, do Decreto 3.179/99, não exige, para sua configuração, dano concreto ao meio ambiente, na forma da disciplina dada pela Lei 9.605/98 ao definir legalmente a conduta de pescar, sendo o efetivo proveito da pesca mero exaurimento da infração.
3. Cabível a conversão da penalidade de multa em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, na forma do art. 72, §4°, da Lei 9.605/98, compete a autoridade administrativa a apreciação sobre seu deferimento ou não, no exercício da discricionariedade técnica que lhe é privativa.
4. “Cabe ao administrador público, em virtude do seu poder discricionário, aferir a gravidade das condutas e a culpabilidade do agente, bem como a razoabilidade da sanção imposta, sendo, portanto, inviável que o Poder Judiciário venha a reduzir ou substituir a penalidade aplicada.” (STJ; AgRg no Ag nº 1.261.699/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 26/11/2010)
5. Apelação conhecida e desprovida.
ACÓRDÃO
Decide a Turma, por unanimidade, conhecer da apelação, e negar-lhe provimento, nos termos do voto do relator.
6ª Turma do TRF da 1ª Região – Brasília, 13 de fevereiro de 2017.
Desembargador Federal KASSIO MARQUES
Relator