quinta-feira , 21 novembro 2024
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TRF1 condena empresas por dano material ambiental decorrente de fraudes no sistema de emissão de Documento de Origem Florestal (DOF)

“O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apelaram da sentença do Juízo da 9ª Vara da Seção Judiciária do Pará que condenou  uma empresa e duas pessoas a pagarem indenização a título de danos materiais no valor de R$ 375 mil a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/85, e o reflorestamento de área equivalente a 833,333 hectares, através de projeto de reflorestamento aprovado pelo órgão ambiental competente. O magistrado rejeitou o pedido referente aos danos morais coletivos.
MPF e Ibama requerem a reforma parcial da sentença recorrida a fim de que o valor da indenização a título de danos ambientais seja apurado mediante a aplicação do preço médio de mercado de madeira na região, e não pelo valor dos resíduos de madeira. Pedem a condenação dos promovidos ao pagamento de danos morais coletivos.
Consta dos autos que o ilícito ambiental praticado pelos acusados consistiu de supostas fraudes no sistema de emissão de Documento de Origem Florestal (DOF), que corresponde a uma licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos florestais de origem nativa, implantado pelo Ibama.
O relator do caso, desembargador federal Souza Prudente, assinalou que a reparação in natura haveria de corresponder ao reflorestamento suficiente para cobrir toda a madeira ilícita que foi utilizada, e os danos materiais deveriam ser fixados mediante a adoção de critérios objetivos, tais como a utilização do preço médio de mercado da madeira, que, no caso, seria de R$ 929,33, totalizando o montante de R$ 23 milhões, decorrente da multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada, 25 mil metros cúbicos, pelo valor do preço médio de mercado na época, entendimento firmado pela 5ª Turma ao examinar caso semelhante.
No tocante ao dano moral coletivo, o desembargador sustentou que a sua caracterização decorre da ‘agressão a valores imateriais da coletividade, cristalizada pela conduta ilícita dos promovidos, no afã de enriquecimento às custas da degradação ambiental, atingindo, em cheio, a moralidade coletiva’.
Assim, ressaltou o relator, ‘sopesados as variáveis elencadas pelo douto Ministério Público Federal na peça de ingresso, decorrentes da ação agressora dos promovidos, quais sejam: perda de solo e nutrientes; deslocamento de mão-de-obra, depleção do capital natural; incremento do dióxido de carbono na atmosfera e diminuição da disponibilidade hídrica, reputa-se razoável fixar o valor da indenização por danos morais no montante indicado, correspondente a R$ 1 milhão’.
Seguindo o voto do relator, a 5ª Turma negou provimento aos recursos dos promovidos e deu provimento às apelações  do MPF e do Ibama para reformar, em parte, a sentença recorrida”.

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL  2008.39.00.011962-4/PA

Processo na Origem: 119292420084013900

 

RELATOR(A) : DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE
APELANTE : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
PROCURADOR : DANIEL CESAR AZEREDO AVELINO
APELANTE : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS – IBAMA
PROCURADOR : ADRIANA MAIA VENTURINI
APELADO : OS MESMOS
APELADO : EDUARDO OLIVEIRA PATRICIO
ADVOGADO : PA00011809 – RAFAELA CRISTINA BERGH PEREIRA E OUTROS(AS)
APELADO : J O DE BRITO E CIA E OUTRO(A)
ADVOGADO : PA00017848 – ADRIANO MODA SILVA E OUTRO(A)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE (RELATOR):

Cuida-se de recursos de apelação interpostos contra sentença proferida pelo Juízo da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará, nos autos da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra J O DE BRITO E CIA LTDA., JOSELITO OLIVEIRA DE BRITO e EDUARDO OLIVEIRA PATROCÍNIO, figurando, como litisconsorte ativo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em que se busca a concessão de provimento judicial, no sentido de que os promovidos sejam condenados no pagamento de indenização, a título de dano material e dano moral coletivo, em virtude de ilícito ambiental, bem assim, na obrigação de fazer, consistente na recomposição de área degradada.

A controvérsia instaurada nestes autos restou resumida, na sentença monocrática, nestes termos:

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra (1) J O DE BRITO E CIA LTDA, (2) JOSELITO OLIVEIRA DE BRITO, (3) EDUARDO OLIVEIRA PATROCÍNIO, (4) RANULFO SILVA SANTOS, e (5) INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, objetivando obter a recomposição do dano ambiental em decorrência de fraude supostamente praticada pelos requeridos que teria resultado na degradação do meio ambiente em prejuízo de toda a coletividade, cumulada com indenização por danos materiais e morais.

Narrou a inicial que os ilícitos imputáveis aos requeridos vieram à tona na operação policial denominada Ouro Verde II, na qual foi constatada a existência de fraude no sistema de controle ambiental implantado pelo IBAMA para fins de emissão do Documento de Origem Florestal (DOF) que veio a substituir as chamadas Autorizações de Transporte de Produtos Florestais – ATPF’s, tendo por escopo a adoção de um procedimento informatizado para o controle do transporte de produtos florestais.

O modus operandi consistia na inserção de dados falsos no sistema DOF, permitindo que um grande número de empresas passassem a ter créditos fictícios, legitimando, desse modo, operações de comercialização de madeiras extraídas de forma ilegal. Além da inserção dos créditos, o ilícito se materializava também na impressão dos DOF’s para acobertar o produto durante o seu transporte.

No que tange a individualização da conduta dos requeridos (empresa e respectivos sócios), a inicial esclarece que receberam na pasta da empresa créditos na modalidade “ajuste” e compraram DOF’s na volumetria total de 25.000,00m³ de madeira, beneficiando-se da fraude.

Inicial instruída com os documentos de fls. 129/450.

Citado, o IBAMA apresentou contestação às fls. 457/470, pleiteando, em síntese, sua exclusão do pólo passivo e inclusão no pólo ativo da demanda, porquanto teria interesse na condenação dos requeridos, reiterando todos os pedidos do MPF, mormente no que diz respeito ao embargo de todas as suas atividades.

Juntou os documentos de fls. 471/484, notadamente a Nota Técnica nº 01/2009 – GABIN/IBAMA/SUPES/PA que descreve as empresas que teriam recebidos créditos fraudulentos gerados no sistema DOF.

EDUARDO OLIVEIRA PATROCÍNIO apresentou contestação às fls. 549/555, alegando, em síntese, que fazia parte do quadro societário da empresa Requerida apenas formalmente sem ter qualquer ingerência em suas atividades, além de não receber dela qualquer rendimento oriundo de sua participação formal em seu quadro societário. Disse também que na esfera penal no âmbito da Justiça Estadual, não ficou reconhecida a sua responsabilidade, o que o isentaria de culpa também nesta esfera cível. Ademais, sustenta que não estariam demonstrados o dano ambiental, nem tampouco o nexo de causalidade, necessários ao reconhecimento da responsabilidade pela reparação do dano ambiental. Por fim, considera excessivo o valor atribuído pelo Requerente ao dano para fins de reparação no âmbito cível, pugnando pela improcedência da demanda.

JOSELITO OLIVEIRA DE BRITO e na condição de representante da empresa J O BRITO E CIA LTDA ofertou contestação às fls. 635/649, afirmando que em março de 2006 transferiu a empresa a uma pessoa de nome João Carlos Zoppe Brandão, mas que nunca restou formalizada a transferência nos assentamentos da empresa na Junta Comercial do Estado (JUCEPA) e este é quem executava as atividades da empresa. Alegou que não houve ocorrência de dano ambiental porque a empresa não teria utilizado nenhum crédito ilícito no sistema de controle – DOF que a gestão das atividades da empresa estava sob a responsabilidade de terceiro (João Carlos Brandão). No mais, reproduziu os argumentos da contestação de EDUARDO OLIVEIRA PATROCÍNIO, pedindo a improcedência da ação.

Réplica às contestações às fls. 662/666.

Em decisão de fls. 671/672 foi indeferida a liminar requerida pelo parquet, além de determinada a transposição do IBAMA do pólo passivo para o pólo ativo.

Interposição de agravo de instrumento do MPF noticiado às fls. 692/700 e do IBAMA às fls. 706/714.

Em decisão de fl. 728 foi extinto o processo sem julgamento do mérito em relação ao réu RANULFO SILVA SANTOS, em virtude de seu falecimento.

O MPF apresentou suas alegações finais às fls. 779/784 e o IBAMA às fls. 788/790. Os Requeridos deixaram de apresentá-las, não obstantes intimados a fazê-lo (fl. 786)”.

Após regular instrução dos autos, o juízo monocrático julgou parcialmente procedente, “para condenar, de forma solidária, os Requeridos J O DE BRITO E CIA LTDA, JOSELITO OLIVEIRA DE BRITO e EDUARDO OLIVEIRA PATROCÍNIO, ao pagamento de indenização a título de danos materiais no valor de R$ 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil reais) a ser revertido ao fundo fluido de que cuida o art. 13 da Lei n. 7.347/85, e ao reflorestamento de área equivalente a 833,333 hectares, através de projeto de reflorestamento, concretamente aprovado pelo órgão ambiental competente, nos termos acima fundamentado. Rejeitou, contudo, o pedido alusivo aos danos morais coletivos.

Houve a interposição de apelação pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, pugnando pela reforma parcial da sentença recorrida, a fim de que o valor da indenização, a título de danos ambientais, seja apurado mediante a aplicação do preço médio de mercado de madeira na região, conforme Boletim Informativo de Preços publicado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Pará, e não pelo valor dos resíduos de madeira, conforme assim ordenado pelo juízo monocrático. Insistem, ainda, na condenação dos promovidos no pagamento de danos morais coletivos, repisando os fundamentos elencados na peça de ingresso.

Sem contrarrazões, subiram os autos a este egrégio Tribunal, manifestando-se a douta Procuradoria Regional da República pelo provimento dos recursos interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.

Este é o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE (RELATOR):

Como visto, a pretensão deduzida nestes autos é no sentido de impor-se aos promovidos o pagamento de indenização, a título de danos morais coletivos e danos materiais, decorrentes da prática de ilícito ambiental, consistente na realização de supostas fraudes no sistema de emissão de Documento de Origem Florestal – DOF, que corresponde a uma licença obrigatória para o controle do transporte e armazenamento de produtos e subprodutos florestais de origem nativa, implantado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Postulou-se, ainda, a imposição de obrigação de fazer a recomposição da área degradada.

O juízo monocrático, julgou parcialmente procedente a demanda, para acolher, tão-somente, o pedido de indenização, a título de danos materiais, e o pleito de reparação da área degradada, nestes termos:

É cediço que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, elevado à categoria de direito fundamental pela Constituição Federal em seu art. 225, tem, como um de seus instrumentos de garantia de efetividade, a disposição inserta em seu §3º, no sentido de que “As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Significa dizer, portanto, que a par das consequências de cunho sancionatório decorrentes de conduta lesiva, deverá o infrator arcar ainda com os ônus de reparar os agravos causados ao meio ambiente, como forma de mitigar ou compensar os reflexos negativos de seu ato 

junto à coletividade, titular maior do direito consagrado no artigo 225 da CF/88.

Trata-se, aqui, do instituto da responsabilidade civil ambiental, o qual, em decorrência da relevância do bem tutelado, recebeu por parte do legislador infraconstitucional tratamento bem mais rigoroso do que o dispensado às responsabilidades civil e administrativa, positivando-se na modalidade objetiva, a qual sequer admite a discussão acerca da existência de culpa ou excludentes de responsabilidade.

Destarte, dispõe o §1º do art. 4º da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), que: 

Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (Grifei). 

A doutrina pátria, por seu turno, em análise acurada do citado dispositivo, houve por bem identificar cinco consequências da adoção da responsabilidade objetiva no campo ambiental, destacando-se:

 […] a) a irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, mo nexo de causalidade, alguém tenha participado, e, tendo participado, de alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas de responsabilidade objetiva); c) inversão do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo causal (…).

(Sérgio Ferraz citado por José Afonso da Silva, na obra Direito Ambiental Constitucional, 6ª ed., Malheiros, 2007, p. 315). (grifado no original).

 Observa-se, portanto, que a configuração da responsabilidade civil ambiental terá como pressupostos a existência de uma conduta, lícita ou ilícita, o nexo causal e, por fim, o dano, sendo despicienda qualquer discussão da existência de culpa do agente.

Por outro lado, em que pese a Constituição consagrar o princípio da livre iniciativa, reconhece que o desempenho das atividades econômicas deve observar uma série de princípios. Dentre estes, está o princípio da propriedade privada, condicionado à sua função social, bem como à defesa do meio ambiente.

Nessa ordem de idéias, sobreleva notar, pois, que sendo uma só a matéria prima da Ecologia e da Economia, na medida em que as árvores que compõem a floresta são, a um só tempo, bens utilizados na atividade econômica e bens de uso comum do povo, em face da sua função ecológica, deve-se reconhecer que a nova formatação do direito de propriedade impõe o atendimento de sua função sócio-ambiental.

Tais ponderações partem sempre da premissa de que as atividades empresariais em tela tenham se pautado numa atuação lícita, situação bem distinta da retratada na peça inicial. Isso significa que mesmo o desempenho regular de uma sociedade empresária encontra no interesse difuso uma limitação ao seu exercício, na medida em que a busca do rendimento econômico encontra-se associada à preservação dos recursos naturais e à manutenção e estabilidade do meio ambiente.

Com efeito, os documentos trazidos à colação indicam que a empresa requerida beneficiou-se da volumetria de 25.000,00 mdc de carvão vegetal na forma de créditos ilicitamente inseridos no sistema DOF/IBAMA, conforme Nota Técnica 01/2009 – GABIN/IBAMA/SUPES/PA (vide fl. 477), documento juntado aos autos pelo IBAMA, onde se demonstra que efetivamente recebeu em sua pasta os créditos em referência, sendo todos esses créditos utilizados, conforme se verifica da mesma nota técnica.

Impende consignar que muito embora o MPF diga que os Requeridos foram beneficiados com créditos fraudulentos da ordem de 25.000,00m³ de madeira, o fato é que o Auto de Infração n. 600348-D (fl. 568) demonstra que os créditos são relativos à utilização de volumes de carvão e não de madeira.

Ainda sobre a comprovação dos fatos articulados na prefacial, a ocorrência da infração ambiental é reforçada pela lavratura do Auto de Infração em referência (nº 600348-D) contra empresa sob o fundamento de “Vender 25.000,00m³ de carvão vegetal, sem licença válida outorgada pelo órgão competente”.

Note-se que os créditos somente poderiam ingressar na conta da empresa constante no referido sistema após a emissão, por seu representante e mediante a utilização de senha própria, do “aceite”, procedimento necessário ao seu recebimento. Verificada sua emissão, resta demonstrado o vínculo da empresa à fraude descrita na peça inicial, na condição de beneficiária de créditos irregulares, que não possuem outra utilidade senão a de “esquentar” substrato florestal extraído em desconformidade com a legislação ambiental pátria.

Nesse particular, muito embora a empresa e os demais requeridos suscitem exclusão de culpa por falta de comprovação de participação nas fraudes perpetradas no sistema DOF, os documentos constantes dos autos demonstram o contrário, já que conscientemente a empresa recebeu e utilizou créditos ilícitos, resultando em lucro para si e seus respectivos sócios que auferiram ganhos econômicos resultantes das fraudes.

Ademais, como já ressaltado alhures, a Nota Técnica 01/2009 trazida aos autos pela autarquia ambiental demonstra que a empresa não apenas negociou créditos fictícios, mas também efetivamente os utilizou integralmente, o que necessariamente resultou em dano ambiental, já que propiciou a comercialização de madeira sem o respectivo plano de manejo e causando desmatamento ilegal. Tal dano ao meio ambiente é passível de ressarcimento por meio da presente ação.

Nessa toada, não prospera a alegação do Requerido EDUARDO OLIVEIRA PATRÍCIO de que não participou das fraudes, pois sua alegação de compor o quadro societário da empresa Requerida apenas formalmente não encontra eco nos autos, não havendo prova a comprovar essa alegação.

Do mesmo modo, não merece acolhida a alegação de JOSELITO OLIVEIRA BRITO de que teria transferido a empresa para terceiro e de que não teria nenhuma participação nas fraudes, pois não há nenhuma prova nos autos a indicar a veracidade de tal assertiva, não tendo se desincumbido do ônus probatório de sua alegação.

Quanto à alegação de que não foram responsabilizados na esfera penal pelo mesmo fato, deve-se consignar que a responsabilidade pela prática lesiva ao meio ambiente comporta as esferas administrativa, penal e cível, todas independentes entre si, conforme o disposto no § 3º do art. 225 da CRFB/88. Sendo assim, muito embora aleguem os Requeridos terem sido absolvidos na esfera criminal, tal circunstância não tem o condão de isentá-los da obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente, salvo hipótese de comprovação, na esfera penal, de que não ocorreu o fato ou de que não concorreram para ele, o que não se afigura na hipótese em exame.

Acresce que, em se tratando de proteção ambiental, a responsabilidade que recai sobre o(s) causador(es) do dano é de natureza objetiva e solidária, podendo ser obrigado à reparação do dano todos os responsáveis diretos ou indiretos pelo dano causado ao meio ambiente, sendo possível reclamar a obrigação de qualquer dos devedores.

A esse respeito tem ensinado a doutrina amparada na jurisprudência do STJ:

Além de objetiva e, para a maioria, calcada na teoria do risco integral, a responsabilidade civil por dano ao meio ambiente no Brasil é também solidária, ou seja, todos os responsáveis diretos ou indiretos pelo dano causado ao meio ambiente responderão solidariamente, podendo a obrigação ser reclamada de qualquer dos devedores (poluidores). Tal artifício técnico é utilizado para facilitar e agilizar a reparação do dano ambiental. Vale lembrar que para o fim de apuração do nexo de causalidade e da solidariedade no dano ambiental equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem faz mal feito, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando os outros fazem. 

No mesmo sentido a jurisprudência do c. STJ:

PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. LOTEAMENTO IRREGULAR. ADQUIRENTES POSSUIDORES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. EMENDA À INICIAL ANTES DA CITAÇÃO. POSSIBILIDADE. (…).

6. No plano jurídico, o dano ambiental é marcado pela responsabilidade civil objetiva e solidária, que dá ensejo, no âmbito processual, a litisconsórcio facultativo entre os vários degradadores, diretos ou indiretos. Segundo a jurisprudência do STJ, no envilecimento do meio ambiente, a “responsabilidade (objetiva) é solidária” (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.8.2005, p. 202), tratando-se de hipótese de “litisconsórcio facultativo” (REsp 884.150/MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 7.8.2008), pois, mesmo havendo “múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio”, abrindo-se ao autor a possibilidade de “demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo” (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.5.2010). – Grifei (REsp. 843.978/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJE de 09.03.2012). 

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. QUEIMADA. MULTA ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 14, § 1º, DA LEI N. 6.398/1981. DANO AO MEIO AMBIENTE. NEXO CAUSAL. VERIFICAÇÃO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA N. 7/STJ.

1. A responsabilidade é objetiva; dispensa-se portanto a comprovação de culpa, entretanto há de se constatar o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano causado, para configurar a responsabilidade.

2. (…). Grifei – (AgRg no AREsp. 165.201/MT, Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJE de 2206.2012).

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANOS AMBIENTAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE. TERRAS RURAIS. RECOMPOSIÇÃO. MATAS. TEMPUS REGIT ACTUM. AVERBAÇÃO PERCENTUAL DE 20%. SÚMULA 07 STJ.

1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ:RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003. (…). Grifei (REsp. 1.090.968/SP, Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJE de 03.08.2010). 

No mesmo sentido e especificamente em relação à ação civil público decorrente da denominada operação policial Ouro Verde, como a da hipótese em questão, o Eg. TRF1 já se pronunciou veementemente, conforme se observa do julgado abaixo colacionado:

 AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DANO MORAL COLETIVO. FRAUDE AO SISTEMA DOF DO IBAMA. CONTRATAÇÃO DE HACKERS PARA INSERÇÃO DE CRÉDITOS FICTÍCIOS NA BASE DE DADOS PARA LEGALIZAR MADEIRA ORIUNDA DE DESMATAMENTO ILÍCITO NA REGIÃO AMAZÔNICA. OPERAÇÃO OURO VERDE II. DANO AMBIENTAL COMPROVADO. QUANTIFICAÇÃO DO DANO. PREÇO MÉDIO DA MADEIRA SEGUNDO TABELA DA SECRETARIA DE FAZENDA DO ESTADO DO PARÁ. DANO MORAL COLETIVO CABÍVEL NO CASO.

1. A sentença recorrida julgou parcialmente procedente pedido em ação civil pública para condenar a empresa ré ao pagamento de indenização por danos materiais, a ser revertido ao fundo previsto no art. 13 da Lei da ACP, ao reflorestamento de área de 166,5 hectares e julgou improcedente pedido de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.

2. Os fatos imputados a empresa ré foram documentados na operação policial Ouro Verde II, na qual se descobriu a existência de quadrilha que fraudava o sistema de controle ambiental DOF – Documento de Origem Florestal, que substituiu a ATPF, para fins de extração, comercialização e transporte de madeira.

3. Constatou-se nas investigações que a quadrilha contratou hackers para inserir dados falsos no sistema DOF para se obter créditos fictícios com o objetivo de legalizar extração criminosa de madeira na região amazônica e permitir a impressão de DOFs para serem apresentados às autoridades fiscalizadoras no transporte da madeira ilegalmente extraída.

4. A empresa ré recebeu créditos fictícios na modalidade “ajuste” e adquiriu DOFs na volumetria total de 9.990 m3 de madeira, conforme Nota Técnica no. 01/2009/GABIN/IBAMA/SUPES/PA.

5. É benéfico à empresa infratora o critério de quantificação do dano proposto pelo autor ministerial com base apenas no valor da tora de madeira, sem considerar o valor da mercadoria em seu valor final de mercado e desconsidera ainda o custo da finalização e do aparato institucional para apreensão.

6. Na hipótese de conflito coletivo, tendo como tema interesses difusos, as conseqüências dos efeitos da deficiência da prova, ou da ausência dela, vai atingir toda uma coletividade. Por isso, é mais sensato que em casos de defesa de direitos difusos haja flexibilização da dinâmica do ônus da prova e a parte em melhor situação para produzi-la possa fazê-lo, segundo as circunstâncias de cada caso concreto.

7. A devastação do meio ambiente causa dano para a coletividade como um todo. O desmatamento ilegal da região amazônica atinge direito de um grupo indeterminado de pessoas. E o dano moral coletivo é lesão injusta a toda uma comunidade e na hipótese de dano ambiental é contra o Direito se enriquecer à custa da degradação do meio ambiente, mediante conduta criminosa com ofensa intolerável aos interesses do país. Não se indaga, no caso dos autos, o elemento subjetivo dos autores da lesão. Uma ação perpetrada mediante ardil e corrupção de servidores públicos para causar dano imenso à geração atual e às futuras atinge a esfera da moralidade coletiva.

8. Apelação parcialmente provida. – Grifo nosso (AC 2008.3900.012221-8/PA, Rel. Desembargadora SELENE MARIA DE ALMEIDA, Quinta Turma, E-DJF1 de 22.02.2012, p. 1208).

 Assim sendo, deve a empresa Ré e os Requeridos, na condição de beneficiários de lucros indevidos, arcarem com os danos materiais aos quais deram causa em decorrência do recebimento e uso indevido de créditos no sistema DOF/SISFLORA, da comercialização ilegal de carvão e, do consequente dano ambiental decorrente destas condutas.

Diante disso, passa a mensurar o dano material a ser reparado.

Em verdade, o cálculo de conversão volumétrica apresentado pelo Ministério Público Federal afigura-se inadequado ao caso. Assim, tenho que a quantidade de carvão utilizada pelos Requeridos, qual seja, 25.000,00 mdc conforme Auto de Infração n. 600348-d (fl. 568), convertida em metros cúbicos resultam em 50.000,00 m³, adotando-se o índice de conversão constante do art. 29 da Instrução Normativa 112/2009 do IBAMA, onde 2m³ de madeira equivale a 1mdc.

Por outro lado, considero que o critério apresentado pelo Ministério Público para obtenção do valor do dano – a saber, a multiplicação da madeira comercializada ilegalmente pelo valor de R$ 929,33 (valor médio da pauta da Secretaria da Fazenda para madeira em tora) – não é o mais apropriado para questão ora em discussão. Isso porque não leva em conta a espécie utilizada na comercialização ilícita, mas o valor médio da madeira em tora segundo a tabela da Secretaria da Fazenda do Estado do Pará (fls. 146/151). Explico.

Ora, os créditos em questão envolvem a utilização indevida de 25.000,00 mdc – volume de resíduo sólido (metro cúbico) carbonizado, não sendo razoável considerar o valor médio da madeira em tora (R$ 929,33) para efetuar o referido cálculo, ante a sua superioridade ao carvão, sendo certo que, em regra, o carvão é produzido com sobras de madeira.

Diante disto, considerando que não restou demonstrado nos autos a(s) espécie(s) efetivamente comercializada(s) ilegalmente, afigura-se razoável utilizar para o cálculo da indenização por dano material o valor do metro cúbico de resíduos (R$15,00 – quinze reais) constante do item XIII-23 do Boletim de Preços Mínimos de Mercado da Secretaria de Estado da Fazenda (Portaria 0090/2008- SEFA/PA), onde se enquadram as sobras de madeira, material do qual geralmente é produzido o carvão.

Assim, multiplicando-se o preço do metro cúbico de resíduos (R$15,00) pela quantidade com a qual a empresa foi favorecida (25.000,00mdc) chegamos ao quantum de R$ 375,000,00 (trezentos e setenta e cinco mil reais), importância devida a título de indenização por dano material.

No que se refere ao pedido de reflorestamento — consistente na condenação da requerida a reparar o dano ambiental efetivado — tenho que o cálculo deve tomar por base os parâmetros previstos no art. 9º da Instrução Normativa 06/2006 do Ministério do Meio Ambiente, que disciplina a reposição florestal nos seguintes termos: 

Art. 9º O detentor da autorização de supressão de vegetação natural cumprirá a reposição florestal por meio da apresentação de créditos de reposição florestal, considerando os seguintes volumes: 

I – para Floresta Amazônica:

a) madeira para processamento industrial, em tora: 40m3 por hectare;

b) madeira para energia ou carvão, lenha: 60m³ por hectare:

II – para Cerrado: 40m³ por hectare;

III – para Caatinga e outros biomas: 20 m³ por hectare.

§ 1º Os volumes especificados no caput deste artigo poderão ser reduzidos, mediante apresentação de inventário florestal, que justifique essa alteração.

§ 2º O detentor da autorização de supressão de vegetação natural cumprirá a reposição florestal ou destinará a matéria-prima florestal extraída para o consumo até o prazo final da vigência da autorização de supressão de vegetação. (grifei).

 

Esclareço que aplico a alínea b mormente por se tratar nos autos de unidade de carvão vegetal (mdc = metro de carvão vegetal).

Desse modo, e considerando que o débito florestal da demanda alcança a volumetria de 50,000,00 m³, conclui-se, mediante simples cálculo aritmético, que a empresa, para realizar a reposição do dano ambiental ocasionado, deve proceder ao reflorestamento da área de 833,333 hectares, cujo cumprimento deverá obedecer às normas ambientais vigentes, ou seja, através de projeto de reflorestamento, concretamente aprovado pelo órgão ambiental.

 Em relação à pretensão de indenização por danos morais coletivos, entendo que não se trata de condenação intrínseca ao cometimento de ilícitos ambientais, de modo que sua configuração, tal como se dá no que tange aos danos materiais, deve ser efetivamente demonstrada, a partir, por exemplo, do abalo sofrido pela comunidade imediatamente prejudicada pelo ilícito ambiental. Em outras palavras, o dano moral, ainda que coletivo, não é presumido, precisa ser demonstrado, motivo pelo qual não considero procedente o pedido de condenação em indenização para tal espécie de dano.

Por fim, quanto ao pedido de dissolução da empresa Requerida, observo que sua acolhida restou condicionada, pelo próprio Ministério Público Federal (fls. 124) à constatação de que seu titular figurasse como mero “laranja”, em benefício de terceiros não identificados, o que, todavia, não foi comprovado nos autos. Inviável, portanto, o deferimento de tal pedido.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para condenar, de forma solidária, os Requeridos J O DE BRITO E CIA LTDA, JOSELITO OLIVEIRA DE BRITO e EDUARDO OLIVEIRA PATROCÍNIO, ao pagamento de indenização a título de danos materiais no valor de R$ 375.000,00 (trezentos e setenta e cinco mil reais) a ser revertido ao fundo fluido de que cuida o art. 13 da Lei n. 7.347/85, e ao reflorestamento de área equivalente a 833,333 hectares, através de projeto de reflorestamento, concretamente aprovado pelo órgão ambiental competente, nos termos acima fundamentado.

No tocante às verbas de sucumbência, deixo de condenar os requeridos em honorários advocatícios, porquanto, conforme recente entendimento do STJ, de que “em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada má-fé do Parquet. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública” (Resp 895.530/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe18.12.2009). O entendimento sobredito se aplica também ao IBAMA. Inteligência dos arts. 17 e 18 da Lei n. 7.347/85.

Todavia, condeno-os a arcar com o valor relativo às custas processuais”.

Em casos assim, impende consignar que a Constituição da República Federativa do Brasil impõe, em primeiro plano, ao poder público (poderes Legislativo, Executivo e Judiciário) o dever de assegurar a efetividade desse direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, afastando-se, assim, numa interpretação sistêmica, a noção privatista do princípio da dominialidade estatal que ainda literalmente restou escrito no texto constitucional como uma lembrança histórica do texto revogado, a discriminar bens da União, bens dos Estados e dos municípios, quando a rigor, em se tratando de bem ambiental, há de se afastar a idéia de patrimonialidade do Estado, deixando agora prevalecer a inteligência sistêmica e finalística de um dever constitucional de proteção e não de domínio desses bens. É nesse sentido que o art. 225, § 1º, da mesma Carta Magna determina o dever impositivo ao poder público de assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente sadio como direito de todos e também a responsabilidade social de todos em garantir esse direito fundamental. No mesmo capítulo constitucional, capitaneado pelo art. 225 da Constituição, ressalta-se a norma do § 4º do mesmo dispositivo constitucional no sentido de que “a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”. E é por isso que o § 3º, desse comando constitucional, estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Observe-se que o texto magno não faz distinção quanto à responsabilidade penal e administrativa dessas pessoas jurídicas, no sentido de excluir de tais responsabilidades as pessoas jurídicas de direito público.

Nesse contexto constitucional é que observo a importância de se destacar o que a lei da política nacional do meio ambiente, que é anterior ao texto constitucional e que lhe serviu de inspiração, já estabelecia e ainda estabelece, ao instituir a política nacional do meio ambiente neste país, iluminada pelas conclusões da Conferência Mundial de Estocolmo, em 1972, no sentido de que compete ao IBAMA executar essa política nacional do meio ambiente e atuar, ainda que supletivamente, no licenciamento de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras.

Registre-se, ainda, que, na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeneracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável.

Na hipótese dos autos, apontou o Ministério Público Federal as ações imputadas aos promovidos, conforme apuração levada a efeito no bojo do Procedimento Investigatório Criminal e de Inquérito Civil Público, consistente na comercialização de créditos virtuais correspondentes a 25.000,00m³, lançados fraudulentamente no sistema eletrônico DOF.

A reparação in natura, haveria de corresponder ao reflorestamento suficiente para cobrir toda a madeira ilícita que foi utilizada, em decorrência das ações ilícitas dos promovidos.

Por sua vez, os danos materiais, a despeito da ausência de diploma específico para a sua fixação em casos assim, haveria de ser aferido mediante a adoção de critérios objetivos, tais como a utilização do preço médio de mercado da madeira, que, no caso, seria de R$ 929,33 (novecentos e vinte nove reais e trinta e três centavos), totalizando, assim, o montante de R$ 23.233.125,00 (vinte e três milhões, duzentos e trinta e três mil, cento e vinte e cinco reais), decorrente da multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada (25.000,00m³) pelo valor do seu preço médio de mercado, na época.

Por sua vez, concluiu o juízo monocrático não ser “razoável considerar o valor médio da madeira em tora (R$ 929,33) para efetuar o referido cálculo, ante a sua superioridade ao carvão, sendo certo que, em regra, o carvão é produzido com sobras de madeira”, razão por que, “considerando que não restou demonstrado nos autos a(s) espécie(s) efetivamente comercializada(s) ilegalmente, afigura-se razoável utilizar para o cálculo da indenização por dano material o valor do metro cúbico de resíduos (R$15,00 – quinze reais) constante do item XIII-23 do Boletim de Preços Mínimos de Mercado da Secretaria de Estado da Fazenda (Portaria 0090/2008- SEFA/PA), onde se enquadram as sobras de madeira, material do qual geralmente é produzido o carvão”.

Examinando caso similar, envolvendo, justamente, a apuração do quantum do dano ambiental derivado dos atos ilícitos a que se reporta a denominada “Operação Ouro Verde II”, como na espécie, a colenda Quinta Turma deste egrégio Tribunal assentou o entendimento na mesma linha da pretensão recursal deduzida pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, nestes termos:

CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM ÁREA SITUADA NA AMAZÔNIA LEGAL. FRAUDES NO SISTEMA DOF/IBAMA. IMPACTO AMBIENTAL E SOCIAL DIRETO E INDIRETO NO BIOMA AMAZÔNICO. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. DANOS MATERIAIS. DEFINIÇÃO DO QUANTUM DEVIDO. PROVA EMPRESTADA DE AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, DE INÉPCIA DA INICIAL E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

(…)

V – “Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) (CF, art. 225, § 1º, IV)” (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.172 de 12/06/2012).

VI – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem” (REsp 1164587/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 13/04/2012).

VII – Demonstrada, na espécie, a ocorrência do dano ambiental, caracterizada pela comercialização ilegal de 9.991,385m³ (nove mil, novecentos e noventa e um vírgula trezentos e oitenta e cinco metros cúbicos de madeira), bem assim, do dano moral coletivo, resultante da agressão difusa derivada dessa conduta ilícita, impõe-se o dever de indenizar.

VIII – O quantum do dano ambiental material haverá de corresponder à multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada (9.991,385m³) pelo valor do seu preço médio de mercado, na época – R$ 929,33 (novecentos e vinte nove reais e trinta e três centavos), totalizando R$ 9.285.662,06 (nove milhões, duzentos e oitenta e cinco mil, seiscentos e sessenta e dois reais e seis centavos).

IX – O dano moral, à míngua de parâmetro legal definido para o seu arbitramento, deve ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto, bem assim em consonância com a função sancionatória e pedagógica da reparação. Na hipótese em exame, sopesados as variáveis elencadas pelo douto Ministério Público Federal, na peça de ingresso, decorrentes da ação agressora dos promovidos, quais sejam: perda de solo e nutrientes; deslocamento de mão-de-obra; depleção do capital natural; incremento do dióxido de carbono na atmosfera; e diminuição da disponibilidade hídrica, reputa-se razoável, na espécie, fixar o valor da indenização a esse título, no montante correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

X – Provimento das apelações do Ministério Público Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis – IBAMA. Sentença reformada, em parte.  XI – Desprovimento dos recursos dos promovidos.

(AC 0011734-39.2008.4.01.3900 / PA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 25/11/2016)

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DANO MORAL COLETIVO. FRAUDE AO SISTEMA DOF DO IBAMA. CONTRATAÇÃO DE HACKERS PARA INSERÇÃO DE CRÉDITOS FICTÍCIOS NA BASE DE DADOS PARA LEGALIZAR MADEIRA ORIUNDA DE DESMATAMENTO ILÍCITO NA REGIÃO AMAZÔNICA. OPERAÇÃO OURO VERDE II. DANO AMBIENTAL COMPROVADO. QUANTIFICAÇÃO DO DANO. PREÇO MÉDIO DA MADEIRA SEGUNDO TABELA DA SECRETARIA DE FAZENDA DO ESTADO DO PARÁ. DANO MORAL COLETIVO CABÍVEL NO CASO.

(…)

6. É benéfico à empresa infratora o critério de quantificação do dano proposto pelo autor ministerial com base apenas no valor da tora de madeira, sem considerar o valor da mercadoria em seu valor final de mercado e desconsidera ainda o custo da finalização e do aparato institucional para apreensão.

(AC 0012187-34.2008.4.01.3900 / PA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.1208 de 22/08/2012)

Prospera, pois, na espécie, a pretensão recursal em referência, no tocante a esse tema, devendo o quantum indenizatório, a título danos materiais, ser fixado no montante de R$ 23.233.125,00 (vinte e três milhões, duzentos e trinta e três mil, cento e vinte e cinco reais), decorrente da multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada (25.000,00m³) pelo valor do seu preço médio de mercado, na época  – R$ 929,33 (novecentos e vinte nove reais e trinta e três centavos).

***

No que se refere à pretendida indenização decorrente do dano ambiental, a orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem” (REsp 1164587/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 13/04/2012).

Em face da sua manifesta percuciência com a pretensão deduzida nestes autos, transcrevo os lúcidos fundamentos em que se amparou o voto condutor do julgador em referência, nestes termos:

1. Reparação in integrum e deveres de restauração e reparação dos danos ambientais

 No Direito brasileiro, a reparação do dano ambiental se faz em bases objetivas, sem a exigência de prova de culpa e independentemente de eventual sanção penal e administrativa cabível na espécie. A propósito:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA – DANO AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – AUSÊNCIA DE NEXO – REEXAME DE PROVAS: SÚMULA 7/STJ – ARTS. 4º, VII E 14 DA LEI 6.938/81 – RECUPERAÇÃO NATURAL DA NATUREZA – AUSÊNCIA DE INDENIZAÇÃO – DISPOSITIVOS APONTADOS COMO VIOLADOS INSUFICIENTES PARA AMPARAR A PRETENSÃO DA RECORRENTE.

(…)

4. Nos termos do § 1º, art. 14 da lei 6.938 de 1991, é o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido (REsp 1045746/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 4/8/2009). 

Na linha do estatuído no texto constitucional, o art. 4º da Lei 6.938/1981 dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente visará, entre outras medidas (grifei): 

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

 Por sua vez, o art. 14, § 1º, da referida lei assim estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor: 

Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (grifei).

Ao contrário do que afirma o Tribunal de origem, os deveres de indenização e de recuperação ambientais não são “pena”, mas providências ressarcitórias de natureza civil de natureza propter rem que buscam, simultânea e complementarmente, a restauração do status quo ante da biota afetada e a reversão à coletividade dos benefícios econômicos auferidos com a utilização ilegal e individual de bem que, nos termos do art. 225 da Constituição, é “de uso comum do povo”.

Além disso, a interpretação sistemática das normas e princípios ambientais não agasalha a restrição imposta no acórdão recorrido. A reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível, de modo que a condenação a recuperar a área degradada não exclua o dever de indenizar, sobretudo pelo dano que permanece entre a sua ocorrência e a plena recuperação do meio ambiente degradado (= dano interino ou intermediário). Cito precedente da Segunda Turma:

PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA CR/88, DAS LEIS N. 6.938/81 E 8.625/93 E DO CDC. EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.

1. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Precedente.

2. O art. 3º da Lei n. 7.347/85 deve ser lido de maneira abrangente e sistemática com a Constituição da República, com as Leis n. 6.938/81 e 8.625/93 e com o Código de Defesa do Consumidor – CDC, a fim de permitir a tutela integral do meio ambiente, com possibilidade de cumulação de obrigações de fazer, não fazer e pagar. Precedentes.

3. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido

(REsp 1178294/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 10/9/2010, grifei). 

Com efeito, vimos acima, vigora em nosso sistema jurídico o princípio da reparação integral do dano ambiental, do qual é corolário o princípio do poluidor-pagador, a impor a responsabilização por todos os efeitos decorrentes da conduta lesiva, incluindo o prejuízo suportado pela sociedade até que haja a fundamental e absoluta recuperação in natura do bem lesado. Se a recuperação é imediata e plena, não há, como regra, falar em indenização. Contudo, hipóteses existem em que a recuperação é lenta e leva muitos anos. Nesses casos, poderá haver remanescente de prejuízo coletivo (e também individual) até o completo retorno ao status quo ante ecológico.

Álvaro Luiz Valery Mirra, magistrado em São Paulo, leciona que o princípio da reparação integral “deve conduzir o meio ambiente e a sociedade a uma situação na medida do possível equivalente à de que seriam beneficiários se o dano não tivesse sido causado” (Ação Civil Pública e a Reparação do Dano Ambiental , 2ª ed., São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2004, fl. 314). Prossegue o autor (op. cit., p. 315, grifos no original):

Nesse sentido, a reparação integral do dano ao meio ambiente deve compreender não apenas o prejuízo causado ao bem ou recurso ambiental atingido, como também, na lição de Helita Barreira Custódio, toda a extensão dos danos produzidos em conseqüência do fato danoso, o que inclui os efeitos ecológicos e ambientais da agressão inicial a um bem ambiental corpóreo que estiverem no mesmo encadeamento causal, como, por exemplo, a destruição de espécimes, habitats, e ecossistemas inter-relacionados com o meio afetado; os denominados danos interinos, vale dizer, as perdas de qualidade ambiental havidas no interregno entre a ocorrência do prejuízo e a efetiva recomposição do meio degradado; os danos futuros que se apresentarem como certos, os danos irreversíveis à qualidade ambiental e os danos morais coletivos resultantes da agressão a determinado bem ambiental.

 Nesse panorama, a indenização, além de sua função subsidiária (quando a reparação in natura não for total ou parcialmente possível), é cabível de forma cumulativa, como compensação pecuniária pelos danos reflexos e pela perda da qualidade ambiental até a sua efetiva restauração, insisto. A degradação pode, sim, reclamar a sua condenação também ao pagamento de indenização, sem falar da reversão à sociedade dos benefícios econômicos que o degradador auferiu com a exploração ilegal dos recursos do meio ambiente, “bem de uso comum do povo”, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal, sobretudo por queimada em Área de Preservação Permanente, destituído de qualquer licença ambiental para funcionamento ou autorização de desmatamento. Saliento que tal medida não configura bis in idem, pois a indenização não é para o dano especificamente reparado, mas para seus efeitos, especialmente a privação temporária da fruição do patrimônio comum a todos os indivíduos, até sua efetiva recomposição.

Nessa linha de raciocínio, cito doutrina de Annelise Monteiro Steigleder (Responsabilidade Civil Ambiental: as Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro , Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 236, grifei): 

A partir da compreensão de que o dano ambiental tem uma dimensão material a que se encontram associados danos extrapatrimoniais, que abarcam os danos morais coletivos, a perda pública decorrente da não fruição do bem ambiental, e a lesão ao valor de existência da natureza degradada, importa definir diferentes formas de reparação para cada classe de danos.

Esclareça-se que os pedidos de condenação em obrigações de fazer e de indenização serão cumulados, inexistindo bis in idem, pois o fundamento para cada um deles é diverso. O pedido de obrigação de fazer cuida da reparação in natura do dano ecológico puro e a indenização visa a ressarcir os danos extrapatrimoniais, pelo que o reconhecimento de tais pedidos compreende as diversas facetas do dano ambiental. 

A despeito de não estar em discussão a questão processual, convém acrescentar que a Ação Civil Pública comporta a cumulação de pedidos em debate.

Embora o art. 3º da Lei 7.347/1985 disponha que “a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, é certo que a conjunção “ou” contida na citada norma (assim como no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981) não é de cunho alternativo, mas sim aditivo. Vedar a cumulação dessas sanções limitaria, de forma indesejada, a Ação Civil Pública, instrumento de persecução da responsabilidade civil de danos causados ao meio ambiente, por exemplo, inviabilizando – se possível e realizada a recuperação do meio ambiente degradado – a condenação em dano moral coletivo.

Acrescente-se, por oportuna, a observação de Délton Winter de Carvalho, entendendo em casos tais que a causa de pedir estaria fundada no dever de preventividade objetiva (Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental . Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 151):

A ação civil pública, tida como instrumento processual para imposição de responsabilização civil em casos de danos ambientais coletivos, prevê a possibilidade de imposição de obrigações de fazer ou não fazer (medidas preventivas) a um determinado agente. Assim, o dano ambiental futuro consiste em todos aqueles riscos ambientais que, por sua intolerabilidade, são considerados como ilícito, justificando a imposição de medidas preventivas. (grifos no original )

 Não bastassem esses argumentos, o juiz, diante das normas de Direito Ambiental, recheadas que são de conteúdo social atrelado às presentes e futuras gerações, deve atentar para o comando do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe que, ao se aplicar a lei, deve-se atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Corolário dessa regra é o fato de que, em caso de dúvida ou outra anomalia técnica, a norma ambiental deve ser interpretada ou integrada de acordo com o princípio in dubio pro natura.

A cumulatividade da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado e à adequação da Ação Civil Pública para esse fim é reconhecida pelo STJ, que referenda a cumulação ora discutida no universo da Lei 7.347/1985. Destaco o seguinte precedente (no mesmo sentido, o REsp 605.323/MG):

 

PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.

1. A Lei nº 7.347/85, em seu art. 5º, autoriza a propositura de ações civis públicas por associações que incluam entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral.

3. Deveras, decorrem para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso.

4. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III) e submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material, a fim de ser instrumento adequado e útil.

5. A exegese do art. 3º da Lei 7.347/85 (“A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins).

6. Interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor (“Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”) bem como o art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (…)”.

7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa.

8. Ademais, a proibição de cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo nas regras do procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito.

9. Recurso especial desprovido (REsp 625249/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 31/08/2006 p. 203, grifei).

 

In casu, a violação dos dispositivos legais sobressai, pois, evidente porque o Tribunal a quo negou a possibilidade, mesmo em tese, de cumular a reparação específica já determinada com a indenização pecuniária pretendida pelo Parquet.

Sem embargo do êxito recursal nesse ponto, o Recurso Especial somente pode ser provido em parte, tendo em vista não caber ao STJ, como regra, perquirir a existência ou não de dano no caso concreto – análise que esbarra, ressalvadas situações excepcionais, na Súmula 7/STJ. Tal juízo fático é de competência das instâncias de origem, diante da prova carreada aos autos.

Pelas razões expostas, dou parcial provimento ao Recurso Especial para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur”.

Nessa mesma linha de entendimento, confiram-se, dentre outros, o seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.

1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura – mais ainda se a perder de vista – do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.

7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

8.Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.

(REsp 1145083/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/09/2012).

No que pertine ao dano moral coletivo, especificamente, impende consignar que, em casos assim, a sua caracterização decorre, justamente, da agressão a valores imateriais da coletividade, cristalizada pela conduta ilícita dos promovidos, no afã de enriquecimento às custas da degradação ambiental, atingindo, em cheio, a moralidade coletiva.

Examinando questão similar à debatida nestes autos, a colenda Quinta turma deste egrégio Tribunal firmou o entendimento de que “a devastação do meio ambiente causa dano para a coletividade como um todo. O desmatamento ilegal da região amazônica atinge direito de um grupo indeterminado de pessoas. E o dano moral coletivo é lesão injusta a toda uma comunidade e na hipótese de dano ambiental é contra o Direito se enriquecer à custa da degradação do meio ambiente, mediante conduta criminosa com ofensa intolerável aos interesses do país. Não se indaga, no caso dos autos, o elemento subjetivo dos autores da lesão. Uma ação perpetrada mediante ardil e corrupção de servidores públicos para causar dano imenso à geração atual e às futuras atinge a esfera da moralidade coletiva”. (AC 0012187-34.2008.4.01.3900 / PA, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.1208 de 22/08/2012)

Sobre o tema, já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça que “a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado”, e que “o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado” e que “o dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado (REsp 1269494/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013).

Para a sua configuração, é imprescindível ser injustificável e intolerável a ofensa, ferindo gravemente os direitos de uma coletividade, como no caso dos autos.

Nessa linha de inteligência, confiram-se, dentre outros, os seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EMPRESA DE TELEFONIA – PLANO DE ADESÃO – LIG MIX – OMISSÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES – DANO MORAL COLETIVO – RECONHECIMENTO – ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE – OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA – DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS MEDIANTE REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS – DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE  EXECUÇÃO INDIVIDUAL – CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO ESTADUAL ADEQUADO.

1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.

2.-Já realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.

Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).

3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela sociedade.

4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos e difusos.

5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do “LIG-MIX”, pelo período de duração dos acréscimos indevidos: a) por danos materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares; b) por danos morais, individuais  mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da cobrança indevida em cada caso;

c) por dano moral difuso mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina; d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas; e) informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas telefônicas.

6.- Recurso Especial improvido, com determinação (n. 5 supra).

(REsp 1291213/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/08/2012, DJe 25/09/2012).

RECURSO ESPECIAL – DANO MORAL COLETIVO – CABIMENTO – ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – REQUISITOS – RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E REPULSA SOCIAL – OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE – CONSUMIDORES COM DIFICULDADE DE LOCOMOÇÃO – EXIGÊNCIA DE SUBIR LANCES DE ESCADAS PARA ATENDIMENTO – MEDIDA DESPROPORCIONAL E DESGASTANTE – INDENIZAÇÃO – FIXAÇÃO PROPORCIONAL – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I – A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente.

II – Todavia, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.

Ocorrência, na espécie.

III – Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa transitória, à situação desgastante de subir lances de escadas, exatos 23 degraus, em agência bancária que possui plena capacidade e condições de propiciar melhor forma de atendimento a tais consumidores.

IV – Indenização moral coletiva fixada de forma proporcional e razoável ao dano, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

V – Impõe-se reconhecer que não se admite recurso especial pela alínea “c” quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.

VI – Recurso especial improvido.

(REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012)

ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE – PASSE LIVRE – IDOSOS – DANO MORAL COLETIVO – DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO – APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL – CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO – ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE – ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO – LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.

1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.

2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.

(…)

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010).

Caracterizada, pois, a ocorrência de dano moral coletivo, na hipótese dos autos, impõe-se o seu ressarcimento. Relativamente à sua quantificação, cumpre verificar que inexiste parâmetro legal definido para o seu arbitramento, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto, bem assim em consonância com a função sancionatória e pedagógica da reparação.

Dessa forma, sopesados as variáveis elencadas pelo douto Ministério Público Federal, na peça de ingresso, decorrentes da ação agressora dos promovidos, quais sejam: perda de solo e nutrientes; deslocamento de mão-de-obra; depleção do capital natural; incremento do dióxido de carbono na atmosfera; e diminuição da disponibilidade hídrica, reputa-se razoável, na espécie, fixar o valor da indenização por danos morais, no montante indicado, correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

***

Com estas considerações, nego provimento aos recursos dos promovidos e dou provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, para reformar, em parte, a sentença recorrida, para condenar os promovidos no pagamento de danos morais coletivos, fixados no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), e elevar o montante da indenização, a título de danos materiais, para R$ 23.233.125,00 (vinte e três milhões, duzentos e trinta e três mil, cento e vinte e cinco reais), nos termos acima explicitados, mantendo-se, no mais, o referido julgado.

Este é meu voto.

EMENTA

CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM ÁREA SITUADA NA AMAZÔNIA LEGAL. FRAUDES NO SISTEMA DOF/IBAMA. IMPACTO AMBIENTAL E SOCIAL DIRETO E INDIRETO NO BIOMA AMAZÔNICO. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL E DO POLUIDOR-PAGADOR. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE INDENIZAR. POSSIBILIDADE. DANOS MATERIAIS. DEFINIÇÃO DO QUANTUM DEVIDO.

I – “Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a “defesa do meio ambiente” (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (…) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC nº 3540/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que “o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) (CF, art. 225, § 1º, IV)” (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.172 de 12/06/2012).

II – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que “a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem” (REsp 1164587/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 13/04/2012).

III – Demonstrada, na espécie, a ocorrência do dano ambiental, caracterizada pela comercialização ilegal de 25.000,00m³ (vinte e cinco mil metros cúbicos de madeira), bem assim, do dano moral coletivo, resultante da agressão difusa derivada dessa conduta ilícita, impõe-se o dever de indenizar.

IV – O quantum do dano ambiental material haverá de corresponder à multiplicação da quantidade de madeira ilegalmente comercializada (25.000,00m³) pelo valor do seu preço médio de mercado, na época – R$ 929,33 (novecentos e vinte nove reais e trinta e três centavos), totalizando R$ R$ 23.233.125,00 (vinte e três milhões, duzentos e trinta e três mil, cento e vinte e cinco reais). Precedentes.

V – O dano moral, à míngua de parâmetro legal definido para o seu arbitramento, deve ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto, bem assim em consonância com a função sancionatória e pedagógica da reparação. Na hipótese em exame, sopesados as variáveis elencadas pelo douto Ministério Público Federal, na peça de ingresso, decorrentes da ação agressora dos promovidos, quais sejam: perda de solo e nutrientes; deslocamento de mão-de-obra; depleção do capital natural; incremento do dióxido de carbono na atmosfera; e diminuição da disponibilidade hídrica, reputa-se razoável, na espécie, fixar o valor da indenização a esse título, no montante correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

VI – Provimento das apelações do Ministério Público Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis – IBAMA. Sentença reformada, em parte.

ACÓRDÃO

Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos naturais Renováveis – IBAMA, nos termos do voto do Relator.

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal – 1ª Região – Em 20/09/2017.

Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE

Relator

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