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RESOLUÇÕES CONAMA 302 e 303 – Nem tudo que é legal é Justo, mas tudo que é justo é Legal.

por Francisco Carrera*

 

Por mais uma vez o cenário político e legal nacional na área ambiental põe em cheque aqueles que realmente estudam e são reconhecidos profissionais da área jurídica ambiental. Admitir-se profissionais que não sejam da área jurídica a realizar opinamentos públicos, midiáticos e altamente políticos, tudo bem. Contudo, assistir advogados, membros do ministério público e outros profissionais do Direito a expor suas opiniões públicas sobre o ato de revogação das Resoluções nºs 302 e 303 do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Inicialmente cumpre-nos destacar que o CONAMA é um órgão consultivo e deliberativo portanto não possui nenhuma competência legislativa, com força o suficiente para dispor sobre novos conceitos que não estejam previstos regularmente em Lei. Portanto, somente cabe ao CONAMA regulamentar o que já está devidamente conceituado no ordenamento legal vigente, conforme o disposto nos Arts. 6º inciso II  e  Art. 8º da Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Literalmente cabe a este conselho propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e para os recursos naturais, bem como deliberar sobre normas e padrões compatíveis para o meio ambiente sadio, além de ditar critérios, fixar índices e padrões técnicos que não são familiares ao Poder Legislativo.  Tais iniciativas em nenhum momento se comungam ou se comparam ao ato de legislar, que na forma do disposto em texto constitucional, cabe ao Poder Legislativo.

Na verdade tanto a Resolução CONAMA  302 quanto a 303, ambas de  2002, trouxeram conceitos totalmente inovadores, que em momento algum conseguem recepção  tanto pelo atual Código Florestal, como também pela atual Lei de proteção à Mata Atlântica. Ambos os dispositivos legais já possuem conceituação expressa no que se refere às Áreas de Preservação Permanente e as áreas de ocorrência de manguezais, em toda a sua extensão, como adiante apontamos:

Lei 12.651/12 (Código Florestal)

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

(…)

VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

VII – os manguezais, em toda a sua extensão;

Lei 11.428/06 ( Lei da Mata Atlântica)

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.

Portanto, não pode, um ato administrativo, de caráter meramente normativo, ousar legislar e criar definições supralegais que não estejam plenamente consagradas nas leis federais vigentes. Na verdade, deve o CONAMA esclarecer, ditar critérios, fixar índices e padrões técnicos e propor diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente sadio. Mas nunca, e em nenhuma hipótese, criar conceitos que não estejam em lei. E era exatamente isto que a Resolução CONAMA Nº 303/02, estava fazendo, pois a mesma inovava à luz do que as leis acima já previam, e traziam conceitos legais novos tais como:

Art. 3o Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

(…)

IX – nas restingas:

 a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;

b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;

 X – em manguezal, em toda a sua extensão;

 XI – em duna;

Ora, se o atual Código Florestal já dispunha sobre o tema, em nenhuma hipótese o texto da resolução acima poderia continuar em vigor, uma vez que totalmente conflitivo com o texto da Lei 12.651/12.  De outra sorte a proteção aos manguezais, também já estava disposta na Lei nº 11.428/06( Lei da Mata Atlântica), que em seu Art. 2º, leva em consideração os manguezais, no que se refere à sua abrangência. Desta forma, ambos os dispositivos normativos, na  verdade valiam apenas para causar entraves e imbróglios judiciais que na verdade valiam para apenas atrasar o caminho para o desenvolvimento sustentável.

As Resoluções CONAMA são atos administrativos normativos secundários, materialização do dever-poder regulamentar.  O Artigo 8º do Decreto Federal nº 10.139 de 28 de novembro de 2019, é  expresso ao impor a revogação de normas cujos efeitos tenham se exaurido no tempo ou ainda já revogadas tacitamente, como adiante apontamos:

( Decreto nº 10.139 de 28.11.19)

Art. 8º  É obrigatória a revogação expressa de normas:

I – já revogadas tacitamente;

II – cujos efeitos tenham se exaurido no tempo; e

III – vigentes, cuja necessidade ou cujo significado não pôde ser identificado.

Portanto, inadmissível é a criação por parte de um conselho integrante do Poder Executivo, editar regras, normas e obrigações até então não previstas em Lei, sendo totalmente vedada a atuação além dos ditames já previstos pela legislação federal vigente. A revisão destes textos normativos, no âmbito do Poder Executivo Federal, tornou-se obrigatória.

Até porque a resolução CONAMA 303/02 foi editada especificamente com o intuito de promover a regulamentação do Código Florestal anterior (Lei nº4771/65), que atualmente foi revogado pela atual e vigente Lei nº 12.651/12.  Devendo, assim, o CONAMA, ao invés de ratificar o já disposto em uma resolução que aborda uma lei revogada, na verdade revisar os conceitos e promover uma atualização de suas resoluções, sobretudo no que se refere a estes temas.

Este ato, certamente promoveria uma reestruturação conceitual no ordenamento jurídico vigentes, orientaria os Tribunais em suas decisões e contribuiria sobremaneira para a paz social no cenário conflitivo conceitual ambiental.

Entende-se, ainda, que os parâmetros serem observados pelas APPs de reservatórios artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de naturais, são os constantes da Lei nº 12.651/2012, sendo que  suas faixas serão definidas no licenciamento do empreendimento. Portanto as disposições da Resolução CONAMA 302/02  hodiernamente devem seguir os parâmetros e limites estabelecidos pelos órgãos licenciadores locais, à luz do que já se estabeleceu pela LC 140/11.

A justificar a caducidade do dispositivo normativo ora elencado, destacamos eminente parecer n. 1104/2014/CGAJ/CONJUR/MMA/fvf, devidamente aprovada pelo coordenador e Consultor Jurídico, Cotejando o disposto na Resolução CONAMA nº 302, de 20 de março de 2002, com a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, com redação dada pela Lei nº 12.727, de 17 de outubro de 2012,  com a seguinte ementa:

“EMENTA: CGAJ. ANÁLISE JURÍDICA DA RESOLUÇÃO Nº 302/2002, DO CONAMA, APÓS A VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 12.651/2012 E 12.727/2012. REVOGAÇÃO DA LEI Nº 4.771/1965, QUE SERVIU DE PARÂMETRO PARA SUA EDIÇÃO. PERDA DE COMPETÊNCIA. ELEMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO. INSUBSISTÊNCIA DO ATO INFRALEGAL. – Diante das modificações legislativas, os parâmetros a impostos às APPs existentes no entorno dos reservatórios artificiais decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, são os constantes na Lei nº 12.651/2012, sendo que suas faixas serão definidas no licenciamento ambiental do empreendimento. – Quanto ao regime de uso do seu entorno, deverão ser observadas as regras impostas no licenciamento ambiental e as demais aplicáveis à espécie, diversas da Resolução CONAMA 302/2002. 15. Detendo-se aos aspectos que guardam íntima correlação com os questionamentos veiculados no Ofício n. 00017/2020/PATRIMONIO/PSUSRC/PGU/AGU (Seq. 01 do Sapiens), cumpre salientar os seguintes trechos de entendimento alinhavado ao longo da referida manifestação, a saber: (…) 6. Pois bem. O § 6º, do art. 4º, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que compunha o antigo Código Florestal, estabelecia o seguinte: § 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA. (grifei) 7. Nesse contexto, foi editada a Resolução nº 302/2002, pelo CONAMA, dispondo sobre os parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais e o regime de uso do seu entorno. 8. No entanto, com o advento da Lei nº 12.651/2012, modificada pela Lei nº 12.727/2012, aquele órgão perdeu o mandato legal para exercer tal disciplina. (…) 14. Atualmente, a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012, essa competência foi revogada, visto que esse diploma normativo regulou inteiramente a matéria de que tratava o Código Florestal anterior, retirando daquele órgão o referido mandato. 15. Nesse cerne, a nova legislação florestal passou a determinar que a faixa de APP no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, será definida na licença ambiental do empreendimento. (…) 26. O art. 4º, inciso III, da Lei nº 12.651/2012, modificado pela Lei nº 12.727/2012, passou a considerar como APP, em zonas rurais ou urbanas, apenas as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento. 27. Inclusive, o § 1º do aludido dispositivo legal, estabelece expressamente que “não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais”. (…) 36. Diante dos comentários acima expendidos, em resumo, é possível concluir que: a) O CONAMA não possui mais respaldo jurídico para definir os parâmetros e o regime de uso das APPs constituídas pelas áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais. Portanto, a Resolução nº 302/2009 não mais subsiste, em virtude de vício formal por caducidade do ato administrativo, haja vista o antigo Código Florestal, que conferia-lhe competência para disciplinar a matéria, foi revogado pela Lei nº 12.651/2012; b) Não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais; c) Os artigos 2º, incisos II e V, 3º, salvo o § 4º, e o 4º, todos da resolução em comento, são materialmente incompatíveis com a novel legislação ambiental. d) Os parâmetros a serem observados pelas Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, são os constantes na Lei nº 12.651/2012, sendo que suas faixas serão definidas no licenciamento ambiental do empreendimento. Por sua vez, no que concerne ao regime de uso de seu entorno, deverão ser observadas as regras constantes no licenciamento ambiental e as demais aplicáveis à espécie, diversas da Resolução CONAMA 302/2002.”

No mesmo diapasão, destacamos o Acórdão publicado no DJe 13.08.2019  que sinalizou para a decisão unânime do Plenário do STF para a constitucionalidade do art. 62 Lei n. 12.651/2012, que assim se expressou:

“(h) Artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62 (Redução da largura mínima da APP no entorno de reservatórios d’água artificiais implantados para abastecimento público e geração de energia): O estabelecimento legal de metragem máxima para áreas de proteção permanente no entorno de reservatórios d’água artificiais constitui legítima opção de política pública ante a necessidade de compatibilizar a proteção ambiental com a produtividade das propriedades contíguas, em atenção a imperativos de desenvolvimento nacional e eventualmente da própria prestação do serviço público de abastecimento ou geração de energia (art. 175 da CF). Por sua vez, a definição de dimensões diferenciadas da APP em relação a reservatórios registrados ou contratados no período anterior à MP nº 2166-67/2001 se enquadra na liberdade do legislador para adaptar a necessidade de proteção ambiental às particularidades de cada situação, em atenção ao poder que lhe confere a Constituição para alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III). Trata-se da fixação de uma referência cronológica básica que serve de parâmetro para estabilizar expectativas quanto ao cumprimento das obrigações ambientais exigíveis em consonância com o tempo de implantação do empreendimento; CONCLUSÃO : Declaração de constitucionalidade dos artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62, do novo Código Florestal;”(STF- ADI 4.903 – Ministro Relator Luiz Fux, publicado DJe 13.08.2019)

Desta forma, clamamos aos atuais  profissionais da área do direito ambiental, que não se deixem levar pelos anseios do clamor político. E restrinjam-se na hipótese kantiana e teleológica de análise do texto legal,  e não considerem tal  fato como um retrocesso e sim como um avanço rumo a novos cenários ambientais, em que pese este momento socioambiental controverso, para que o vetusto, porém atual aforisma dura lex sede lex , seja  plenamente reconhecido.  Modernos princípios do Direito do Ambiente, nos trouxeram inovações importantes, porém, como fontes do Direito, não poder pautar a dogmática e ignorar as hierarquias  kelsenians já plenamente estabelecidas.  O ordenamento pátrio está plenamente estabelecido nos Artigos 22, 23, 24 e 30 da emérita Constituição Cidadã.  Ignorá-los é lesar,  de forma efetiva, não apenas um texto constitucional, mas também direitos fundamentais que hoje equivalem-se aos direitos humanos. Afinal, nem tudo que é legal é justo, mas tudo que é justo é legal, já afirmava Aristóteles.  Um jurista há que ser jurista. Um político há que ser político.

*Advogado, paisagista, especialista em serviços ecossistêmicos, mestre em direito da Cidade pela UERJ, pós graduado em Auditoria e perícias ambientais, Membro da UBAA, Presidente da Comissão de Direito Municipal da OAB-RJ, professor de Direito Ambiental e Agrário do IBMEC, professor da EMERJ.

Fonte: https://carreraadvogados.wordpress.com/ 

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