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O CONAMA, o Código Florestal e mais um golpe no Federalismo Cooperativo

Por Marcus de Almeida Lima

Uma decisão recente do CONAMA, em sua última reunião ordinária conduzida “on-line” no dia 28/09, gerou enormes polêmicas.  Aliás, como todas as decisões e manifestações que vêm da área ambiental nos últimos tempos, num ambiente social e político extremamente polarizado em que vivemos, a revogação da Resolução nº 303 desse órgão colegiado não poderia ter sido diferente.

Diante desse ambiente efervescente, onde opiniões e manifestações divulgadas sobre praticamente qualquer fato, cotidiano ou não, são tidas como declarações políticas de apoio a uma ou outra corrente (aparentemente só existem duas), torna-se quase uma “missão” desmistificar alguns pontos que permeiam discussões dentro de um tema como o ambiental.  Esclarecer conceitos, buscar as origens e razões dos atos polemizados na fonte originária (de preferência com os próprios autores), para finalmente compreender e só assim externar um parecer bem estruturado, didático e imparcial, é necessário.  Daí por diante, torna-se responsabilidade do ouvinte (ou leitor) tirar suas próprias conclusões e posicionar-se diante do tema, com liberdade e embasamento para opinar.

No universo do Direito Ambiental, e das políticas de proteção do meio ambiente e da qualidade de vida em nosso país, esse ambiente não é diferente.  Pelo contrário, talvez esteja ainda mais “incendiado”, potencializado pelo efeito de um combustível que, a meu ver, resume-se em uma estratégia governamental no mínimo inadequada, de comunicação e de relação com os diversos setores envolvidos.  Uma estratégia que ao invés de aproximar e reduzir as diferenças, só acirra os ânimos, estimula a polarização e desencadeia cada vez mais desinformação para a sociedade, que fica sem saber como se posicionar de forma isenta e racional.  Em um ambiente como esse, a responsabilidade da mídia convencional, ganha ainda mais importância.

A proposta desse artigo é apresentar ao leitor um panorama claro sobre a função das leis e das instituições normatizadoras – o Poder Legislativo e os órgãos vinculados ao Poder Executivo com função de elaborar normas e parâmetros com caráter regulador.  A idéia é fazer isso a partir de uma análise do sistema de normatização ambiental vigente no Brasil, com base na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente[1], que em 1981 criou um sistema chamado SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente) e pôs a serviço desse sistema alguns instrumentos para controle das atividades potencialmente poluidoras, e proteção dos recursos.

Como parte dos instrumentos criados para garantir a realização destes objetivos, e talvez propositadamente sendo listado logo no primeiro inciso, surge então o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) para funcionar com “órgão consultivo e deliberativo”, com a finalidade de “assessorar, estudar e propor, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”.[2]

Ao defender a importância desse instrumento mesmo diante de outros que completam a lista do Artigo 9º tais como o licenciamento ambiental e o zoneamento econômico ecológico, é possível afirmar que sem “padrões de qualidade ambiental”, não há como exercer esse controle.  Seria como tentar controlar o número de acidentes nas estradas, sem que se estabelecessem limites de velocidade.  Não há como aplicar multa por excesso de velocidade se não houver parâmetro que estabeleça a velocidade máxima adequada de acordo com o trecho específico da estrada, com base nos riscos envolvidos. Com base na ciência.

Qualquer sistema de controle de atividades só pode funcionar adequadamente com base nessa lógica, e na área ambiental, onde se observa uma relação complexa de interações e fatores que causam os efeitos que se pretende impedir, para que se garanta o direito da sociedade ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado” essa relação se torna ainda mais indispensável.  Daí a importância das Resoluções do CONAMA, que trazem para o ordenamento jurídico o detalhamento técnico, daquilo que se pode ou não fazer, e como.  Isso, a partir de conhecimentos técnicos que devem guardar uma relação com a “vida real”, ou seja, que possam ser cumpridos de forma a viabilizar a “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”, que é um dos objetivos da PNMA[3].

Em qualquer ordenamento jurídico normas precisam “dialogar” entre si.  É necessário que se relacionem de forma harmônica, evitando, por exemplo, a sobreposição entre elas.  Existe uma hierarquia, que deve ser respeitada, e mais importante, existe uma relação de “complementação” entre elas.  Para o bem daquilo que se costuma chamar “segurança jurídica”.

Quanto ao quesito de hierarquização das normas, as resoluções do CONAMA são consideradas de nível “secundário”, e possuem o papel de definir conceitos técnicos e estabelecer parâmetros de forma a subsidiar as leis federais, emanadas do poder legislativo.  Existem limites para o poder normativo do CONAMA, e um deles é o de não inovar ao criar restrições ao direito do cidadão.  Para exercer esse poder, a sociedade delegou, por meio do voto, representantes escolhidos dentro de um processo democrático eleitoral – os deputados e senadores.

O CONAMA, por sua vez um órgão colegiado técnico cujos membros não são escolhidos pelo voto popular, não tem essa prerrogativa. Impor restrições ao direito de propriedade ou ao direito de implantar atividade econômica, ainda que causadora de potencial impacto ao meio ambiente, não está no alcance das suas prerrogativas.

No caso específico das Áreas de Preservação Permanente, criadas por Lei Federal (Código Florestal), o CONAMA não poderia ter criado novas APPs, ou alterado a sua extensão, quando aprovou a Resolução 303. Por outro lado, exerceu seu legítimo papel normativo quando, preenchendo lacuna legislativa, definiu critérios técnicos para caracterização dos ecossistemas em questão – restingas e mangues.  Dessa forma, fecha o círculo desse sistema normativo, iniciado pelo Poder Legislativo Federal,  diminuindo a discricionariedade do técnico que vai a campo analisar um pedido de licença ambiental, e aumenta a segurança jurídica do ato licenciador.

Um dos principais fatores de insegurança jurídica na área ambiental em nosso país, é exatamente a falta de clareza e entendimento sobre a competência de cada uma das instituições.  O mesmo acontece no âmbito do sistema de normatização.   A falta de segurança jurídica, quando se trata de tema ambiental, tem consequências diretas na proteção do meio ambiente.  Imaginar que as regras mais “restritivas” são necessariamente as mais benéficas para o meio ambiente, é incorrer em erro comum que em muitos casos já se comprovou atingir resultado adverso.

De acordo com a nossa Constituição Federal de 1988, a repartição de competências para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”, deve ser dividida de forma “concorrente” entre a União, os Estados e o Distrito Federal,  sendo que, de acordo com esse modelo, a União deve limitar-se à estabelecer normas gerais, cabendo aos Estados e ao D.F. atuar de forma a suplementar essas normas, através de leis próprias.[4]

Ora, dentro dessa lógica não caberia mesmo às leis federais de proteção do meio ambiente, esmiuçar nos mínimos detalhes técnicos as normas designadas a este tema. Exemplo claro dessa “extrapolação de competência”, por assim dizer, encontra-se no próprio Código Florestal, quando este define, por exemplo, as distâncias específicas ao caracterizar as áreas de preservação permanente de margem de rio[5].

Já no outro lado da moeda, a normatização por meio de órgão que avança sobre competência que não possui, é igualmente responsável pela desestabilização do sistema normativo, e gerando também insegurança.   Tal foi o que aconteceu quando em 1997, ao criar Resolução para disciplinar o licenciamento ambiental, regulamentando um instrumento criado pela Lei Federal da Política Nacional do Meio Ambiente, com atraso de quase 16 anos, o CONAMA nitidamente exacerbou de sua competência, pois “atreveu-se” a criar atribuições para os entes federativos[6].  Erro esse que acabou sendo “aceito” pelo judiciário, já que o “dever de casa” deixado para o legislador ordinário, através do parágrafo único do Artigo 23 da Constituição Federal[7], levou nada menos do que 23 anos para ser executado, quando da aprovação da Lei Complementar 140 de 2011.

Resoluções do CONAMA, como bem assevera o renomado jurista Paulo de Bessa Antunes em artigo publicado no proeminente periódico Direitoambiental.com, não tem força de lei[8]:

“Ao longo de sua existência uma enorme quantidade de resoluções foi produzida e, de fato, em não poucas oportunidades, o CONAMA invadiu atribuições típicas do parlamento, havendo quem sustente equivocadamente que as suas resoluções têm “força de lei”, o que em nosso regime constitucional só ocorre com as medidas provisórias, por tempo limitado. Todavia, apesar das críticas doutrinárias, fato é que em raríssimas oportunidades o Judiciário anulou-as”.

Ainda que assim o seja, o CONAMA quando se atém às suas competências, é um dos pilares mais importantes da estrutura de controle criada pela tão alardeada legislação ambiental brasileira.  Basta que se analisem algumas das normas e parâmetros da maior importância já elaborados e aprovados no citado órgão colegiado, como as resoluções que estabelecem parâmetros de emissão de poluentes no ar a partir de fontes fixas, ou aquelas que definem parâmetros para lançamento de efluentes nos corpos hídricos.

A corroborar essa afirmação, cabe transcrever as palavras do Ministro do STJ, Antônio Hermann Benjamin, jurista destacado na área de direito ambiental, durante a inauguração do “Seminário de Revisão Jurídica frente à Lei Complementar 140/2011 bem como ao Código Florestal de 2001”[9], promovido pelo CONAMA em 29 de Maio de 2014:

“A Lei Complementar 140 e o Código Florestal de 2012 não esmagaram e não destruíram o Conama, o Conama continua com seus poderes intactos, exceto naquilo que eventualmente a lei tenha dito de forma contrária. Então, a interpretação que nós estamos fazendo no Superior Tribunal de Justiça e nos Tribunais Brasileiros é de que as Resoluções do Conama estão intactas, à exceção daqueles casos em que elas foram contrariadas expressamente pelo texto da Lei Complementar 140 e também do Código Florestal”                       

Partindo-se então dessas premissas quanto ao papel de cada “casa” normatizadora, o Congresso Nacional e o CONAMA, passamos a uma análise detalhada do caso da revogação da Resolução 303, face ao advento do Código Florestal, apenas para estreitar o foco do estudo.  Certamente, a mesma conclusão poderia ser obtida ao se analisar a revogação da a Resolução 302, que trata das áreas de preservação permanente no entorno de lagos e reservatórios artificiais.

Com base na prerrogativa legal da administração pública de rever seus próprios atos, em 2014, o CONAMA em parceria com a Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente (CONJUR/MMA), promoveu seminário com o objetivo específico de “traçar diretrizes para uma revisão técnica e estratégica das resoluções do CONAMA, a fim de aumentar a segurança jurídica nas relações entre agentes públicos e privados regulados pelo órgão”[10].

O Procurador Federal da União, na época a serviço do MMA, e atual Presidente do IBAMA, Dr. Eduardo Fortunato Bim, durante a apresentação do evento, deixou bem claro o importante papel do CONAMA, sem deixar de reconhecer a necessidade da revisão de certas Resoluções a partir da vigência do Código Florestal, versão 2012:

O Conama tem o papel sim de regular e, regulando, trazer a segurança jurídica.  Então, pelos pareceres jurídicos aqui, nós propomos um grupo de estudos, ou a forma de trabalho do Conama, para reconhecer as revogações de acordo com o impacto do Novo Código Florestal.

Analisando em especial a Resolução CONAMA 303, e o histórico de normas que protegem especificamente as vegetações de mangues e restingas, pode-se perceber a seguinte evolução legislativa.

Em 1965, o projeto-de-lei do Código Florestal que substituía o anterior, de de 1934, e que foi aprovado como Lei 4.771, ao tratar das áreas de preservação permanente, disciplinou o seguinte sobre esses ecossistemas:

 

Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

(…)

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

 

Tratando-se de uma legislação anterior inclusive à Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), esse tipo de previsão legal, estabelecia uma limitação administrativa ao direito de propriedade, como é prerrogativa do Poder Legislativo Federal, porém não adentrava na definição técnica de como caracterizar restinga, ou mangue, o que demonstrava, por suposição, a intenção do legislador de deixar que os aplicadores da lei – a administração pública – adotassem os critérios que entendessem adequados.   Necessário se faz contextualizar no tempo, 1965, quando não havia licenciamento ambiental previsto como instrumento legal a avaliar atividades potencialmente poluidoras, e praticamente não havia órgãos ambientais em nenhuma das esferas administrativas.

 

Na sequência (37 anos depois) e já na vigência da PNMA que criava o CONAMA e a este atribuía prerrogativa de “deliberar, no âmbito de sua competência sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado”, este colegiado aprovou em 2002, a Resolução 303, que no sentido de preencher essa “lacuna legislativa”, e dar segurança jurídica para as decisões dos órgãos ambientais, especialmente em processos de licenciamento, assim dispôs:

 

Art. 2º Para os efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições: 

VIII – restinga: depósito arenoso paralelo a linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorrem mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e arbóreo, este último mais interiorizado

                                    Ingressavam então no ordenamento jurídico, definições técnicas para restinga e mangue.   Cumpria assim, o CONAMA, seu papel de “órgão normatizador”. Por outro lado, no artigo seguinte da mesma resolução, o colegiado extrapolava sua competência, quando, inovando com relação ao Código Florestal em vigor, criava (ou pelo menos alterava) nova modalidade de APP, estabelecendo uma “faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima”:

Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:

IX – nas restingas:

  1. a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;
  2. b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues;

 

X – em manguezal, em toda a sua extensão;

 

Importante ressaltar ainda que, na interpretação do Estado do RJ, conforme preconizado pelo Parecer Jurídico exarado pelo Procurador do Estado, Dr. Rafael Daudt D’Oliveira[11], esses dispositivos da Resolução 303 violavam diretamente a Constituição Federal, por motivo diverso do explanado acima.  Na visão do Procurador do Estado, esses dispositivos agrediam a prerrogativa constitucional dos Estados de “legislar sobre direito ambiental de forma suplementar”. Com base nesse parecer, ao longo de todos esses anos, o órgão ambiental do Estado, o Inea, deixou de aplicar esses dispositivos da Resolução 303, até os dias de hoje, sem que isso tenha sido objeto de questionamento judicial, muito menos da imprensa, à época:

Dessa forma, nas linhas que seguem, demonstrar-se-á que esses dispositivos das

Resoluções em comento, que criam novas espécies de APP ou estabelecem limites superiores àqueles previstos nas leis, são inconstitucionais, pois, a pretexto de regulamentá-las, acabam violando diretamente a própria Constituição, no caso, o princípio da reserva de lei (art. 5º,inciso II, CRFB), a regra que confere aos Estados a competência concorrente para legislar sobre direito ambiental de forma suplementar (art. 24, §2º, CRFB) e o princípio da razoabilidade (art. 5º, inciso LIV, CRFB).

Essa visão abre um outro aspecto sobre a atuação normativa do CONAMA: a sua interferência no direito do ente Estadual de legislar de forma suplementar.  Certamente, poderia o legislador ordinário federal, ter tomado essa decisão.  Caso assim o desejasse, bastaria que incorporasse ao texto do Código Florestal algo como “cabe aos Estados, através dos seus Conselhos de Meio Ambiente, definir tecnicamente as categorias de APP criadas por este Código Florestal.”

Houvesse legislado dessa forma, estaria o Legislativo se atuando em plena harmonia com o modelo de Federalismo adotado pelo Constituinte de 1988, o Federalismo Cooperativo.

Durante a discussão em plenário, na 135ª audiência do CONAMA, em que a decisão de revogação da Resolução 303 foi aprovada pelo placar de 12 a 7, a manifestação de um dos representantes dos governos Estaduais[12], o Secretário de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, Artur José de Lemos Junior,  votou contra a revogação integral da Resolução defendendo uma alteração no texto legal, de forma que fossem mantidos apenas aqueles dispositivos que não conflitam com o Código Florestal.

Importante esclarecer que as restingas e mangues não perdem proteção com a revogação da Resolução CONAMA 303.  Isto porque, conforme demonstrado de forma clara, no quadro comparativo abaixo, o Código Florestal (Lei 12.651/2012) “assumiu” o papel de proteger esses ecossistemas, ao caracterizá-las como áreas de preservação permanente, ou seja, impedindo de forma explícita qualquer intervenção nas mesmas quando comprovadamente exercerem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, ainda que não cobertas por vegetação nativa.

O meio ambiente definitivamente não será prejudicado por esse “ajuste” na ordem normativa.  Quem de fato está sendo prejudicado é o Federalismo Cooperativo que oscila entre momentos de centralização e descentralização, ao longo de sua história, que se iniciou com a Constituição de 1891.  Movimento esse descrito pela cientista social Aspásia Camargo como o de um “efeito sanfona”,  conferindo ao nosso federalismo uma “maleabilidade e capacidade natural de adaptar-se a ondas sucessivas de centralização e descentralização”[13].

A perda de representatividade dos Estados-membros na composição plenária do CONAMA, a partir da mais recente alteração do regimento interno do colegiado exemplifica um desses movimentos no sentido da centralização.  De 26 representantes na formação anterior, o CONAMA passou a ter apenas um representante de cada região do Brasil, ou seja, são apenas 5 estados representados[14].

Em conclusão, pode-se dizer que ainda há muito a se evoluir em nosso sistema legislativo ambiental.  A competência concorrente, proposta no Artigo 24 e parágrafos da Constituição Federal não está ainda amadurecida suficientemente.  Existe uma desconfiança por parte da sociedade na capacidade dos Estados-membros em exercerem o seu papel de suplementar a legislação ambiental, sobre a qual a União deveria estar se limitando a criar “normas gerais”.

Não raramente, levanta-se a suspeita de que ao se permitir que os Estados deliberem cada um sobre a regulamentação em tema ambiental, criam-se condições para uma “guerra fiscal/ambiental”, pela qual os Estados passariam a  estabelecer regras cada vez menos restritivas para facilitar o licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras, e dessa forma atrair mais investimentos.

Esse tem sido um argumento frequente, embora errôneo, dentre aqueles que, ao discutirem o Projeto de Lei Geral do Licenciamento (há 11 anos tramitando no Congresso), defendem a tese de que uma Lei Federal deve estabelecer, de forma detalhada, um procedimento de licenciamento ambiental igual para todo o país.   Argumenta-se assim em nome de uma suposta “segurança jurídica”, mas que no fundo representa apenas mais um “golpe” no federalismo cooperativo, esvaziando a competência dos Estados de legislarem de forma suplementar sobre o tema ambiental.  Mais um movimento na direção da centralização.

O Brasil precisa resolver essa crise de identidade, e assumir as suas características de federalismo.  O legislador federal precisa permitir que os Estados tenham margem para legislar.  Regulamentando leis federais de forma suplementar, como determina o artigo 24 da Constituição Federal, levando em conta as suas peculiaridades locais. Empreendimentos de grande porte não vão ignorar fatores como logística e mercado para escolherem onde se instalar, com base em possíveis “facilidades” ambientais. Essa “guerra” não existe e nem vai existir.

Estados, por sua vez, precisam respeitar as competências municipais.  Entes federativos não têm que ser fiscais uns dos outros, já há órgãos de controle suficientes para essa tarefa.  O Federalismo Cooperativo é o sistema mais adequado para países de dimensões como o Brasil, com variedades culturais e regionais tão díspares como temos aqui.  Já está na hora de deixarem esse “gigante” respirar para que ele possa crescer, com qualidade ambiental, respeito às populações tradicionais e mais igualdade entre seus cidadãos.

 

CONAMA-comparativo-de-legislacoes

 

[1] BRASIL. Lei 6.938/1981.

[2] BRASIL. Lei 6.938/1981. Artigo 9º, Inc. I.

[3] BRASIL. Lei 6.938/1981. Artigo 4º, Inc. I.

[4] BRASIL. Constituição Federal. Artigo 24 e parágrafos.

[5] BRASIL. Lei 12.651/2012. Artigo 4º, Inciso I e alíneas.

[6] BRASIL. CONAMA. Resolução 237/1997.

[7] BRASIL. Constituição Federal. Artigo 23, parágrafo único: “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”

[8] ANTUNES, Paulo de Bessa.  “O Que é e Para Que Serve o CONAMA”, localizado em: https://direitoambiental.com/o-que-e-e-para-que-serve-o-conama/

[9] Disponível em http://www2.mma.gov.br/port/conama/reunalt.cfm?cod_reuniao=1698

[10] Texto extraído do convite oficial para o evento, disponível em http://www2.mma.gov.br/port/conama/reunalt.cfm?cod_reuniao=1698

[11] Parecer ASJUR/FEEMA/PGE RD n.º 04/2008 – Rafael Lima Daudt d’Oliveira

[12] Cabe esclarecer que na nova composição do plenário do CONAMA, a representatividade dos Estados foi reduzida drasticamente, caindo de 23 Estados para 5

[13] CAMARGO, Aspasia. Federalismo Cooperativo e o princípio da subsidiariedade: notas sobre a experiência recente do Brasil e da Alemanha. In: Federalismo na Alemanha e no Brasil. Organizadores: Wilhelm Hofmaster & José Mario Brasiliense Carneiro. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, p.70.

[14] Decreto 9.806 de 28 de maio de 2019, alterando o Decreto 99.274 de 6 de junho de 1990, alterando a composição do CONAMA.

 

 

Marcus-de-Almeida-LimaMarcus de Almeida Lima
OAB/RL 157.284

Formado em direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Direito da Cidade pela Uerj. Atualmente, é membro da UBAA (União Brasileira dos Advogados Ambientalistas) e da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ.

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