Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro.
Os Municípios brasileiros enfrentam, hoje, complexos e grandiosos desafios para a realização de suas políticas públicas.
Dentre as várias obrigações, destaca-se o cumprimento da Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos.
A Lei Federal nº 12.305/10 revolucionou a forma de gestão de resíduos sólidos no país, com a imposição de deveres antes impensados pela sociedade e pelo Estado. Porém, não tratou de prover os meios para que fosse implementada pelos municípios.
Mas, para que seja possível dar efetividade a esta norma, cabe ao Poder Público empreender forte investimento, para que seja possível criar infraestrutura necessária para a execução do serviço.
A necessidade de injeção considerável de recursos para financiar este serviço e sua infraestrutura se soma ao dever de cooperação de todos os setores da sociedade, usuários, Estado e setor privado, para a consecução dos objetivos da PNRS.
Peculiaridades no serviço a ser prestado, transcendem a necessidade urgente de recursos. O dinamismo das tecnologias aplicáveis na execução de algumas das atividades, a imposição de contínua prestação, o dever de alcançar metas audaciosas e ainda distantes, implicam arranjo diferenciado.
É neste contexto que o instituto da Parceria Público-Privada se apresenta como melhor e, talvez, única possibilidade para a gestão de resíduos sólidos que respeite os princípios e objetivos da Política Nacional.
A propósito, a Lei Federal nº 11.079/04, que dispõe sobre as Parcerias Público-Privadas, teve como finalidade precípua equacionar situações complexas como as apresentadas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos e responde a questões recorrentes no setor, a saber:
1.Como licitar ou conceder de forma simples um sistema integrado, que se encerra num conjunto ordenado de diversas e interdependentes atividades?
2.Como aplicar vultosos recursos em tecnologias inovadoras somente com o custeamento de tarifas? E, sobretudo,
3.Como atender aos princípios e objetivos mencionados na PNRS?
Há possibilidade, como na concessão comum, do ressarcimento pelo concessionário de todas as despesas prévias com estudos técnico/jurídicos preliminares à contratação, pois o artigo 21 da Lei de concessões (Lei Federal n.º 8.987/95), é também aplicável às PPP’s, expresso pelo artigo 3º da Lei 11.079/04.
O Decreto Federal 5.977/2006, aliás, foi especificamente editado para regulamentar o procedimento de estudos prévios para a implantação de uma PPP. Este regulamento foi posteriormente revogado pelo Decreto Federal 8.428 de 2 de abril de 2015, que ampliou ainda mais o escopo, permitindo regulamentar a possibilidade de empresas e consultores externos subsidiarem, com estudos e projetos, a administração pública na estruturação de empreendimentos objeto de concessão ou permissão de serviços públicos, da parceria público-privada, de arrendamento de bens públicos ou de concessão de direito real de uso (art. 1º).
Essa é uma importante inovação com relação ao antigo Decreto, que só regulamentava o Procedimento de Manifestação de Interesse Para as modelagens de Parceria Público Privada. Outra inovação foi com relação à competência para abertura, autorização e aprovação de Procedimento de Manifestação de Interesse, que foi dada à autoridade máxima ou órgão colegiado máximo do órgão ou entidade da administração pública federal competente para proceder à licitação (art. 2º), quando no antigo Decreto apenas o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal tinha competência para tanto.
Pelo regulamento, excepcionalmente, o edital do chamamento público pode prever o impedimento de participação no futuro empreendimento, do autor ou responsável economicamente pelos estudos apresentados no Procedimento de Manifestação de Interesse (art. 18), sendo conceituado “economicamente responsável” aquele que de qualquer forma contribuiu financeiramente para custeio do trabalho apresentado. Desta forma, o autor do projeto integra o mesmo grupo econômico do autorizado.
O regulamento, assim, detalha as três fases previstas para o Procedimento de Manifestação de Interesse: a- abertura (por meio de publicação de edital de chamamento público); b- autorização (para a apresentação de projetos, levantamentos, investigações e estudos); e c- a chamada avaliação, seleção e aprovação dos documentos apresentados (a cargo da comissão designada pelo órgão público interessado).
Assim, a simples possibilidade de captação de recursos para proposição, planejamento e implantação de todas as etapas do serviço é bastante para eleger a PPP como melhor instrumento a ser utilizado pela Administração Municipal, permitindo a esta arcar com os custos de maneira diferida no tempo e partilhada com seus usuários. Neste sentido o financiamento pelo grupo econômico concessionário e a complementação de sua remuneração pelo Município permitem a viabilidade financeira das obras e serviços e sua implantação em curto espaço de tempo.
A PPP permite que a Administração contrate o serviço de manejo de resíduos sólidos e imponha ao concessionário que execute todas as obras devidas para a criação da infraestrutura necessária, o que não ocorreria em uma licitação tradicional, pois nesta, além de serem dissociadas as atividades de serviço e execução de obra, o construtor, uma vez executada e entregue a obra à Administração, não terá mais responsabilidade sobre ela.
Outra vantagem é a possibilidade de se atrelar a contraprestação pública ao alcance de metas de qualidade objetivamente determinadas pela Administração. Na atual realidade do país, isto é imprescindível.
A aplicação de metas fará com que, de fato, não só os resíduos sejam reciclados com máxima eficiência, como a disposição em aterro seja a mínima possível, aumentando sua capacidade e sobrevida.
Tais características apontam para a PPP, seja Patrocinada, seja Administrativa, como instrumento apto a cumprir com a demanda de infraestrutura e prestação de serviço.
A PPP Patrocinada, por seu turno, apresenta qualidades que se adequam melhor às necessidades do Poder Público e do setor empresarial.
O grande fator que diferencia a PPP Patrocinada da PPP Administrativa é a possibilidade de cobrança de tarifa, em complementação à contraprestação pública, fator de viabilidade do serviço.
Terreno politicamente sensível, a tarifação dos serviços de gestão pública dos resíduos sólidos urbanos é matéria que precisa ser corajosamente enfrentada pelo Poder Público, se quiser mesmo implementar o saneamento do meio e evitar o afogamento das cidades em lixo, num futuro muito próximo.
De fato, a tarifa, ainda que incapaz de cobrir com todos os custos inerentes ao serviço, pode ser primordial. Sua aplicação eficaz não impactará os cofres públicos com a totalidade dos custos e haverá compartilhamento da responsabilidade de sua implantação.
O setor empresarial não fica restrito a uma única fonte pagadora, no caso o Poder Público, pois o serviço também será custeado pelos usuários.
A redução do impacto nos cofres públicos é, portanto, condição viabilizadora, dada a limitação do impacto oriundo de PPP’s de 5% sobre a receita corrente líquida do exercício anterior, exigido pelo artigo 28 da Lei das PPP’s, assim redigido pela Lei 12.024/2009:
“A União não poderá conceder garantia ou realizar transferência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios.”
Este é um importante motivo para que os custos do serviço sejam partilhados, quando se denotar que nenhuma das duas fontes é capaz de arcar sozinha com os dispêndios necessários.
Como se vê, é da própria PNRS a exigência que os indivíduos e o Estado compartilhem deveres e obrigações por ela criados.
Em verdade, a própria figura jurídica da responsabilidade compartilhada, criada pela Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, exige a cooperação de esforços para a viabilização econômica do serviço, que pode ser concretizado com o custeamento conjunto por meio do pagamento de tarifa pelo usuário e contraprestação pecuniária a cargo da Administração Pública.
Com isto, a demanda por novos aterros sanitários será reduzida, pois a utilização destas estruturas será potencializada, redefinindo progressivamente o critério de segregação do rejeito a ser disposto e permitindo uma gama de aproveitamentos sustentáveis ao resíduo destinado – tal qual um moderno “posto de serviços e abastecimento”, onde o combustível é apenas um dos produtos servidos ao usuário.
Isso, permitirá a aplicação eficaz dos cofres públicos para alcançar o importante objetivo da lei, que é a valorização econômica dos resíduos e diminuição do volume dos rejeitos.
Hora dos prefeitos saírem das cordas, trabalhando com inteligência, contratando consultorias inteligentes e permitindo manifestações de interesse que agreguem valor e tecnologia ao necessário saneamento do meio.
[* Artigo originalmente publicado no Blogue The Eagle View]