“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve, na última semana, liminar que assegura o direito de posse e guarda doméstica de um papagaio para uma senhora de 82 anos de idade, moradora do município de Santa Maria (RS). A liminar impede o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) de retirar o animal, que convive com a idosa há mais de 40 anos, de seu lar.
O animal, chamado de Loro, é domesticado, tem alimentação balanceada e acompanhamento de um médico veterinário.
No mês de abril de 2014, houve uma denúncia de que havia um papagaio em cativeiro com possíveis maus tratos. O IBAMA manifestou-se requerendo que a família comprovasse que tratava a ave corretamente, caso contrário as medidas administrativas para o recolhimento do animal seriam tomadas.
Com medo de perder seu companheiro, a idosa ajuizou ação com pedido de tutela antecipada para ter o direito de posse e guarda doméstica do Loro. A 2ª Vara Federal do município concedeu liminar, levando o IBAMA recorrer ao tribunal. O Instituto alega que para o animal, por mais que ele esteja acostumado ao seu ‘dono’, a convivência com animais da mesma espécie é melhor.
O relator do caso, desembargador federal Luis Alberto D’ Azevedo Aurvalle, manteve a liminar, destacando que a idosa possui idade considerável e forte vínculo de afeto com seu animal, o que implica dizer que a privação da presença do Loro poderá ocasionar danos à sua saúde física e psicológica. ‘A readaptação desses animais ao seu ‘habitat natural’ é procedimento complexo, muitas vezes inviável, a permanência do animal com o interessado normalmente não redunda danos ao meio ambiente; preservando, de outra parte, vínculo afetivo já estabelecido ao longo de anos, indefiro o pedido” declarou o desembargador’.
Fonte: TRF4, 24/04/2017.
Confira a íntegra da decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5000813-94.2017.4.04.0000/RS
RELATOR
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LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
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AGRAVANTE
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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
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AGRAVADO
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IOLANDA GARCIA XAVIER
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ADVOGADO
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ALETHÉIA CRESTANI
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RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo IBAMA contra decisão proferida pelo Exmo. Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Santa Maria/RS, com pedido de efeito suspensivo, que deferiu o pedido de tutela de urgência para ‘assegurar provisoriamente à Autora o direito de posse e guarda doméstica do espécime Papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) que já se encontra em seu convívio’.
Sustentou a parte agravante, em síntese, que é melhor para o animal, por mais que ele esteja acostumado ao seu ‘dono’, a convivência com animais da mesma espécie; que a Lei 5.197/67 já determinava que todo animal silvestre é de propriedade da União, ou seja, o fato da posse do papagaio por mais de trinta anos não é excludente da ilicitude; que a necessidade de proceder à autuação e à conseqüente apreensão do animal atendem os dispositivos legais em vigor, conforme o Decreto nº 6.514/2008, que regulamenta a Lei nº 9.605/98. Requereu a imediata reforma da decisão combatida.
Indeferido o pedido de efeito suspensivo.
Não foi apresentada contraminuta.
A arte agravante formulou pedido de reconsideração (evento 9).
É o relatório.
VOTO
Ao analisar o pedido de efeito suspensivo foi proferida decisão assim lavrada:
As tutelas provisórias podem ser de urgência ou da evidência (art. 294 do CPC), encontrando-se assim definidas no novo diploma processual:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
Na hipótese, peço vênia para transcrever os fundamentos da decisão recorrida, que conformam adequada análise do contexto jurídico-legal, razão pela qual os elejo como razões de decidir, ‘verbis’:
DESPACHO/DECISÃO
‘Trata-se de ação de conhecimento, sob o procedimento comum, ajuizada por IOLANDA GARCIA XAVIER em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA buscando provimento jurisdicional antecipatório de tutela que autorize a posse ou guarda de animal silvestre.
Narrou que sua família foi presentada com um papagaio na década de 1970, o qual já era domesticado. Referiu que o animal sempre recebeu os devidos cuidados e carinho, sendo tratado como membro da família, constituída também por seu esposo e suas duas filhas, Lúcia e Lenise, as quais saíram de casa nos anos de 1979 e 1982, respectivamente. Afirmou que, desde a saída das filhas de casa, o papagaio passou a ser o único a conviver diariamente com o casal, no que aprendeu a imitar várias frases e até mesmo a cantarolar o hino do clube de futebol.
Relatou que, em 22.04.2014, foi realizada denúncia de que haveria um papagaio em cativeiro com possíveis maus tratos, tendo a diligência policial que se seguiu certificado o contrário, de que o animal não apresentava maus tratos. Informou que no processo criminal decorrente da denúncia, em trâmite no Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Maria/RS, foi extinta a punibilidade pelo cumprimento de transação penal, porém, ficou pendente a destinação a ser dada ao papagaio, o qual permanece até o presente momento em sua posse, ainda que de forma provisória. Esclareceu que o Juízo criminal acolheu manifestação do Ministério Público e determinou ao IBAMA que adotasse as providências necessárias à avaliação da melhor destinação para a ave, tendo o órgão ambiental, como já o fizera anteriormente naqueles autos, apresentado motivos para o não recolhimento do papagaio. Disse que foi concedido nos o prazo de 30 dias para que a Autora comprove a adoção de providências no sentido de regularizar a situação, a partir do ajuizamento de ação judicial.
É o sucinto relatório.
Decido.
A concessão da medida antecipatória de tutela requer a demonstração sumária da probabilidade do direito, aliada ao perigo de dano (art. 300 do NCPC).
A Constituição da República estabelece o direito fundamental de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, atribuindo ao Poder Público o dever de adoção das políticas necessárias à concretização desse direito, dentre elas, mais especificamente no que toca à proteção da fauna e da flora, a coibição de práticas que coloquem em risco a sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(…)
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade;
(…)
Verifico que, nessa linha, sugeriu o Ministério Público estadual a provocação do IBAMA a realizar as diligências necessárias à avaliação da melhor destinação para o animal, conforme manifestação exarada nos autos do processo nº 2.14.0017505-1, em 31.05.2016 (anexo ‘OUT3’, evento nº 1):
‘No termo circunstanciado versando, em tese, crime previsto no art. 29, §1º, inc. III, da Lei nº 9605/1998, dado por ocorrido no dia 22/04/2014, atribuível a IOLANDA GARCIA XAVIER, a qual mantinha em cativeiro 01 papagaio com aproximadamente 35 anos de idade, houve aceitação e cumprimento de transação penal, com declaração de extinção de punibilidade (fl. 41).
Contudo, considerando que a polícia ambiental não procedeu à apreensão efetiva do animal, deixando a autora do fato como fiel depositária (termo de fls. 07 e 27), e que seu advogado postulou fosse tornada definitiva essa situação (fl. 32), por sugestão do Ministério Público (fl. 32v), esse Juízo questionou o IBAMA (fls. 35 e 36), tendo sido respondido que tudo dependeria de deliberação em processo administrativo específico (fls. 37 e 38); ocorre que, finda a persecução penal, enviou-se ao órgão ambiental cópia do termo circunstanciado, para implementação de suas próprias ponderações ao Juízo (fl. 43), tendo aportado nova manifestação do IBAMA, aludindo a ‘elementos que extrapolam a aplicação pura e simples da lei ambiental…’, ‘…fatores relacionados a questões emocionais e afetivas, que precisam ser avaliadas pelos agentes das esferas cível e judicial – de tal forma a formar uma decisão embasada não somente nos aspectos legais relacionados ao caso, mas também aos vínculos sócio-afetivos que o mesmo envolve’. (fl. 44).
É o sucinto relatório.
Fica nítido que o Chefe do IBAMA local, após manifestar-se longa e fundamentadamente no sentido da quase-impossibilidade de o papagaio permanecer com a autora do fato IOLANDA, devido às restrições legais, e ainda assim tudo dever ser avaliado em processo administrativo, optou por transferir sua responsabilidade na situação ao Juízo, referindo-se à ‘necessidade’ de avaliação cível e judicial da situação.
Ora, deve ele proceder conforme a legislação lhe determina; se é caso de apreensão do papagaio e impossibilidade de permanência do bicho em poder da autora do fato IOLANDA, que assim o faça, em processo administrativo próprio, no qual deliberará a autoridade administrativa a respeito de tudo isso.
Caso a providência que daí resultar der azo a inconformidade de IOLANDA, então ela é que deverá demandar em Juízo, argumentando com suas questões emocionais e afetivas, e solicitar que a decisão venha embasada não somente nos aspectos legais estritos.
Diante do exposto, o Ministério público sugere a expedição de novo ofício ao Chefe do IBAMA, com cópia desta manifestação, determinando-lhe a adoção das medidas administrativas que o caso enseja e seu cargo impõe.
No âmbito criminal, após o envio da missiva, deverá ser arquivado em definitivo o termo circunstanciado.’
A sugestão foi acolhida, tendo sido determinada ao IBAMA ‘a adoção de medidas administrativas cabíveis ao caso, conforme cópia do parecer do Ministério Público’ (pág. 13 do mesmo anexo), ao que o órgão assim respondeu, em 15.07.2016:
‘Na data de 13.7.2016 foi realizada diligência visando o recolhimento da ave (Papagaio-verdadeiro) que, através do Termo de Apreensão e Fiel Depositário/Brigada Militar Nº. 22031 (…)
No endereço fornecido foram recebidos pela Srª Lenise Salete Garcia Xavier Clave, filha da Srª. Iolanda Garcia Xavier. A mesma informou que a sua progenitora passou a residir no novo endereço (vizinho ao apartamento da filha) em razão do recente falecimento de seu pai, Valter Xavier, esposo da Srª Iolanda Garcia Xavier, ocorrida no dia 19 de junho último. Informou, também, que naquele momento sua mãe encontrava-se repousando no apartamento da atendente (filha), tendo em vista que desde o falecimento de esposo vem apresentando profunda melancolia, da mesma forma que toda a família.
Ao tomar conhecimento da motivação da visita da equipe, no intuito do recolhimento da ave, a Srª Lenise Salete Garcia Xavier Clave rogou aos servidores que não o fizessem naquele momento, pois isto certamente acarretaria um novo choque emocional em sua mãe – que, atualmente com 82 anos e muito apegada à ave há décadas, teria agravado o seu atual estado emocional decorrente da recente viuvez.
A equipe solicitou permissão para adentrar no apartamento da Srª Iolanda Garcia Xavier com o objetivo de realizar verificação do estado atual da ave, o que foi realizado, constatando-se que a mesma apresenta boas condições, estando alocada em local limpo e arejado.
Tendo em vista a situação familiar constatada pelos integrantes da diligência, entenderam os mesmos adotar, naquele momento, uma atitude de prudência – compreensível tendo em vista tratar-se de pessoa idosa e deprimida por razões emocionais justificadas; e, de comum acordo entre as instituições participantes da diligência, não foi realizado, por ora, o recolhimento da ave.
Expomos, desta forma, a situação a este Juízo, solicitando que a providência determinada np Ofício Nº. 1102/2016 ocorra em momento menos desfavorável à idosa.’
A partir dessa informação, o Juízo estadual concedeu um prazo de 30 dias à interessada a fim de que esta adotasse as ‘providências no sentido de permanecer com a ave, devendo juntar aos autos comprovação de ajuizamento de ação e decisão liminar, se for o caso’; diligência que, em não sendo atendida, acarretaria a expedição de novo ofício ao IBAMA para adoção das medidas administrativas tendentes, em princípio, ao recolhimento da ave.
Ao que se apresenta dos autos, portanto, não há determinação judicial direta dirigida ao órgão ambiental para a prática do ato administrativo, ou seja, para que o papagaio gremista Loro seja retirado do convívio da Sra. Iolanda, o que dependeria da formalização de processo administrativo próprio – nos termos da manifestação do Ministério Público -, ao qual se antecipa a Autora com o ajuizamento da presente ação. Neste aspecto, consigno apenas ser viável a apreciação, por este Juízo, do direito alegado, sem que se invada a competência jurisdicional do âmbito estadual.
E, no caso em tela, a melhor solução parece ser a pretendida pela Autora.
O contexto trazido aos autos demonstra que os agentes públicos do IBAMA estão receosos em dar andamento ao itinerário administrativo legalmente estabelecido e que viria, em tese, a culminar com o recolhimento da ave. Tal hesitação mostra-se plenamente justificada ante as circunstâncias peculiares do caso concreto.
Isso porque se trata de animal domesticado e que se encontra sob os cuidados da Autora, hoje pessoa idosa, há mais de 30 (trinta) anos.
Em que pese tenha o IBAMA se manifestado em mais de uma oportunidade nos autos referidos, não acrescentou informação técnica que permita concluir de que o recolhimento do animal e posterior destinação legal concorreria no sentido da proteção à fauna, à exceção do caráter punitivo e repressivo que a medida representaria, que se mostraria, por este mesmo prisma, inadequada como solução para o caso concreto. Outrossim, ao que se apresenta, o papagaio denominado cientificamente de Amazona aestiva (Papagaio-verdadeiro) não se trata de espécie ameaçada ou em risco de extinção.
Ou seja, não se pode excluir, inclusive, de que eventual retirada do papagaio do convívio da autora possa acarretar dano ao próprio animal, pois, como mostram as declarações que instruem o pedido, feita por pessoas próximas à Autora e pelos próprios agentes do IBAMA, a ave se encontra perfeitamente adaptada ao ambiente em que vive e sempre recebeu cuidados e afeto dignos de animal de estimação. Por esse motivo, aliás, concluo inexistir perigo de dano reverso.
O TRF4 já apreciou casos análogos, conforme se exemplifica pelo seguinte acórdão:
EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO DE MANTER A POSSE DE ANIMAL SILVESTRE. PAPAGAIO. Caso em que a ave está na posse e guarda da autora há mais de 09 (nove) anos, recebendo todos os cuidados necessários. A devolução da ave ao seu habitat natural não seria razoável, uma vez que a mesma está protegida e sob cuidados adequados e necessários à garantia e manutenção de sua saúde e bem-estar, sendo que, devido ao longo período de tempo em que permanece sob a guarda da autora, dificilmente se habituaria em outro local fora do cativeiro. Por essa razão, dano maior ao animal seria causado na hipótese de sua devolução à vida selvagem, o que se contrapõe ao objetivo legal, de proteção ao meio ambiente, incluída a fauna (CF, art. 225, §1º, VII). Sentença de procedência mantida. (TRF4 5001285-32.2013.404.7115, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 24/05/2016)
Por fim, ressalto de que a Autora possui idade considerável e, notadamente, forte vínculo de afeto com seu animal de estimação, o que implica dizer que a privação da presença do ‘papagaio Loro’ poderá ocasionar danos à sua saúde física e psicológica.
Desse modo, tenho que o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300 do NCPC) encontra-se demonstrado, impondo-se, assim, o deferimento da tutela de urgência postulada.
1. Ante o exposto, defiro o pedido de tutela de urgência antecipada para assegurar provisoriamente à Autora o direito de posse e guarda doméstica do espécime Papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) que já se encontra em seu convívio.
2. Intimem-se as partes do inteiro teor da presente decisão.
3. Com apoio no §4º, II, do art. 334, do NCPC, verificando ‘ab initio’ que o direito postulado não admite a autocomposição, tenho como prejudicada a realização da audiência de mediação/conciliação. Dessa forma, cite-se a Ré para, querendo, no prazo legal, ofertar a contestação, cujo termo inicial submete-se ao regramento do inciso III do art. 335 do NCPC.
4. Apresentada contestação, intime-se a parte autora para réplica e para que diga se pretende produzir outras provas, especificando-as e justificando a sua necessidade, nos termos dos art. 350 e 351 do NCPC.
5. Após, intime-se a parte ré, para que, de forma fundamentada, especifique as provas que pretende produzir.
Entendo que a decisão atacada muito bem enfrentou a questão em cognição sumária.
No caso vertente, a parte autora, ora agravada, requereu decisão antecipatória, que, desde já, assegurasse-lhe a posse e guarda doméstica de um papagaio, o qual já se encontra domesticado e vem sendo criado por ela há mais de 30 anos, com consolidado vínculo afetivo.
A jurisprudência majoritária deste Tribunal tem entendido ser possível assegurar-se a posse doméstica de animais silvestres mantidos por muitos anos em cativeiro doméstico, especialmente porque a readaptação desses animais ao seu ‘habitat natural’ é procedimento complexo, muitas vezes inviável – além do que, em tais circunstâncias, a permanência do animal com o interessado normalmente não redunda danos ao meio ambiente; preservando, de outra parte, vínculo afetivo já estabelecido ao longo de anos. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ibama. GUARDA DOMÉSTICA DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. RAZOABILIDADE. 1. A proteção da fauna mereceu expresso destaque no texto constitucional, cuja premissa maior é a não-admissão de práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou que contribuam para a sua extinção. Há, neste sentido, um compromisso ético com a preservação da biodiversidade, com o escopo de assegurar as condições que favoreçam e propiciem a vida no Planeta em todas as suas formas. 2. As normas conduzem ao mesmo objetivo: o uso moderado dos recursos ambientais, sejam eles a água, a fauna, o solo, o ar, as florestas, sempre com vistas a assegurar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesta perspectiva, podemos aduzir que o direito a um meio ambiente equilibrado é instrumentalizado, precipuamente, pelos deveres previstos na Carta Magna, dentre os quais se insere o dever geral de não degradar, direcionado tanto ao Estado como à sociedade civil, enquanto parceiros da preservação do meio ambiente, com vistas a sustentabilidade. 3. Caso em que a solução da lide demanda mais que a mera aplicação do texto da lei, exigindo do julgador a tentativa de melhor adequar os interesses postos em conflito. Não há dúvidas que a legislação ambiental, em casos como o retratado nos autos, impõe à Administração Pública, o dever de apreensão do animal silvestre e sua reinclusão em ambiente que propicie a convivência com outros da mesmo espécime. Todavia, não podemos nos afastar da situação fática trazida a julgamento, já que o animal silvestre há mais de duas décadas tem sido mantido afastado de seu habitat natural. Precedente da Turma. (TRF4, AC 0000230-83.2007.404.7102, 4ª Turma, Relator Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, D.E. 22/01/2014)
Assim, para efeito de manutenção da posse do animal em exame, em face de tudo que já veio aos autos até o momento, considero verossímil o direito invocado na inicial.
Por outro lado, a urgência na obtenção do provimento reclamado restou demonstrado em face da própria possibilidade de dano que pode advir da retirada do animal do meio doméstico, onde vive há tempo considerável, uma vez que, caso reinserido em local mais próximo ao seu habitat natural, poderá ensejar dificuldades de readaptação e, por consequência, arriscar a vida da ave mantida sob a posse da demandante. Ademais, como bem afirmou o Magistrado de Primeiro Grau: ‘ressalto de que a Autora possui idade considerável e, notadamente, forte vínculo de afeto com seu animal de estimação, o que implica dizer que a privação da presença do ‘papagaio Loro’ poderá ocasionar danos à sua saúde física e psicológica’.
Não vejo razões para alterar o trato alcançado pelo Julgador de origem.
A possibilidade da manutenção da guarda e posse de ave silvestre ao particular, como visto, já foi referendada pela 4ª Turma, quando inclusive, concluiu-se pela nulidade do auto de infração, pelo que penso que a decisão deve ser mantida, até exame de cognição exauriente.
Ante o exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo.
Considerando que a jurisprudência majoritária deste Tribunal tem entendido ser possível assegurar-se a posse doméstica de animais silvestres mantidos por muitos anos em cativeiro doméstico, na hipótese em tela mais de trinta anos, especialmente porque a readaptação desses animais ao seu ‘habitat natural’ é procedimento complexo, muitas vezes inviável – além do que, em tais circunstâncias, a permanência do animal com o interessado normalmente não redunda danos ao meio ambiente; preservando, de outra parte, vínculo afetivo já estabelecido ao longo de anos, indefiro o pedido de reconsideração e mantenho o entendimento expendido para negar provimento ao agravo de instrumento.
Frente ao exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. IBAMA. GUARDA DOMÉSTICA DE PAPAGAIO. ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. RAZOABILIDADE.
1. A proteção da fauna mereceu expresso destaque no texto constitucional, cuja premissa maior é a não-admissão de práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou que contribuam para a sua extinção. Há, neste sentido, um compromisso ético com a preservação da biodiversidade, com o escopo de assegurar as condições que favoreçam e propiciem a vida no Planeta em todas as suas formas.
2. As normas conduzem ao mesmo objetivo: o uso moderado dos recursos ambientais, sejam eles a água, a fauna, o solo, o ar, as florestas, sempre com vistas a assegurar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesta perspectiva, podemos aduzir que o direito a um meio ambiente equilibrado é instrumentalizado, precipuamente, pelos deveres previstos na Carta Magna, dentre os quais se insere o dever geral de não degradar, direcionado tanto ao Estado como à sociedade civil, enquanto parceiros da preservação do meio ambiente, com vistas a sustentabilidade.
3. Caso em que a solução da lide demanda mais que a mera aplicação do texto da lei, exigindo do julgador a tentativa de melhor adequar os interesses postos em conflito. Não há dúvidas que a legislação ambiental, em casos como o retratado nos autos, impõe à Administração Pública, o dever de apreensão do animal silvestre e sua reinclusão em ambiente que propicie a convivência com outros da mesmo espécime. Todavia, não podemos nos afastar da situação fática trazida a julgamento, já que o animal silvestre há mais de três décadas tem sido mantido afastado de seu habitat natural. Precedente da Turma.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de abril de 2017.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
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