quinta-feira , 21 novembro 2024
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Licenciamento ambiental e mineração: é possível ir além?

Ênio Fonseca*
Germano Vieira**

O licenciamento ambiental como – infelizmente – ainda o conhecemos hoje remonta a década de 80 do século passado. Ele tem norteado grande parte da política ambiental nacional, com a esperança de, através dele, se alcançar a preservação e conservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

A sociedade brasileira enxerga o licenciamento como uma ferramenta que pode induzir ou impedir o desenvolvimento econômico; garantir o atendimento de diversas demandas sociais do povo brasileiro; evitar desastres ambientais, garantir a segurança e atestar preceitos e projetos de engenharia; enfim, algo que resolva problemas de infraestrutura, saúde, segurança, educação, de populações tradicionais, patrimônio cultural, histórico, paisagístico e turístico, por exemplo. Frustram-se todos que pensam assim. Mas é possível a empresa ir além de atender ao que se está exigindo em um licenciamento, voluntariamente? Sim!

De fato, não se consegue resolver tudo através do licenciamento ambiental por um simples fato: ele não surgiu para isso. Não surgiu para substituir o papel que o poder público possui para conosco em diversas áreas, por mandamento constitucional. Essa informação, porém, não chega a todos.

O licenciamento ambiental é um procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos preestabelecidos, sob a ótica ambiental, ou seja, que possam conduzir a análise de potenciais impactos no meio ambiente, identificados nos estudos pertinentes.

Em Minas Gerais, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades minerárias é atribuição da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Semad, e do Conselho Estadual de Política Ambiental – Copam, que conta com o apoio da estrutura dos órgãos do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – Sisema, na elaboração de estudos se pareceres técnico jurídicos.

O COPAM, por sua vez, foi criado em abril de 1977, sendo um órgão colegiado, normativo, consultivo e deliberativo, subordinado à Semad possuindo diversas competências, dentre elas, aprovar normas relativas ao licenciamento e às autorizações para intervenção ambiental (ex. supressão de vegetação) e decidir, por meio de suas câmaras técnicas, sobre processo de licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos, observados porte, potencial poluidor e localização.

Para execução de suas atribuições, o Copam possui diversas estruturas colegiadas como a Presidência, Secretaria Executiva, Plenário, Câmara Normativa e Recursal, Câmara de Políticas de Energia e Mudanças Climáticas, Câmara de Proteção à Biodiversidade e de Áreas Protegidas, Câmara de Atividades Minerárias (CMI), Câmara de Atividades Industriais, Câmara de Atividades Agrossilvipastoris, Câmara de Atividades de Infraestrutura de Energia, Transporte, Saneamento e Urbanização e Unidades Regionais Colegiadas.

A CMI é a unidade competente do COPAM para decidir sobre as licenças ambientais do setor mineral em Minas Gerais.

O principal aspecto positivo da governança do COPAM está no fato de que sua composição se dá, em todas as estruturas, de forma paritária entre poder público e sociedade civil, estando nesse grupo as entidades ambientalistas, de classe, setor produtivo e academia.

O rito operacional do COPAM permite a participação popular, seja em suas reuniões públicas e transmitidas pela internet, mas também em vistas aos processos, audiências e reuniões públicas, e através de seus conselheiros.

Os principais procedimentos e modalidades para o licenciamento ambiental em Minas Gerais estão consubstanciados na Deliberação Normativa 217, de 2017, norma esta que procedeu grande modernização nas regras ambientais tendo sido usada como parâmetro para todos os demais estados e para a lei federal de licenciamento, que ainda está em trâmite no Senado Federal.

De acordo com a norma, constituem modalidades de licenciamento ambiental em MG o Licenciamento Ambiental Trifásico LAT, com emissão da Licença Prévia – LP, Licença de Instalação – LI e da Licença de Operação – LO em etapas sucessivas; o Licenciamento Ambiental Concomitante – LAC, com a expedição simultânea de duas ou mais licenças; o Licenciamento Ambiental Simplificado, realizado em uma única etapa, mediante o cadastro de informações relativas à atividade ou ao empreendimento junto ao órgão ambiental competente, ou pela apresentação do Relatório Ambiental Simplificado – RAS, contendo a descrição da atividade ou do empreendimento e as respectivas medidas de controle ambiental.

O licenciamento anda de “mãos dadas” com outro instrumento da política ambiental denominado Avaliação de Impactos Ambientais, que abarca os estudos exigidos no licenciamento. Em nosso estado, diversos são os estudos para a mineração, como: Relatório Ambiental Simplificado – RAS; Relatório de Controle Ambiental – RCA; Estudo de Impacto Ambiental – EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – Rima; Plano de Controle Ambiental – PCA; Relatório de Avaliação do Desempenho Ambiental – Rada. Tudo a depender do porte, potencial poluidor e fatores locacionais.

Face ao princípio da precaução, a deliberação normativa mencionada tem orientação específica para o setor mineral, quando estabelece que “não será admitido o licenciamento na modalidade LAS/Cadastro para as atividades minerárias enquadradas nas classes 1 ou 2”.

Além disso, os empreendimentos e atividades do setor podem ser enquadrados em diferentes classes que avaliam porte e o potencial poluidor/degradador desta atividade proposta.

Esse enquadramento ainda leva em conta critérios locacionais, que torna o procedimento ainda mais rigoroso a depender do território onde ele está planejado para se instalar e operar.

Durante o ano de 2022, conforme o Relatório oficial da Semad “Atuação das Unidades Colegiadas do Copam”, ano 2022, datado de 06 de dezembro de 2022, verificamos que a Câmara de Atividades Minerárias – CMI avaliou e concluiu 169 processos de licenciamento.

Ou seja, concluir o processo de licenciamento e alcançar a titularidade de uma licença ambiental não é tarefa fácil. Esse caminho traz ao projeto, obviamente, mais publicidade, tecnicidade e, em especial, sustentabilidade com base na lei.

Porém, além da necessária regularização ambiental definida nas normas legais, mediante rigoroso processo conduzido pelo COPAM, quando do licenciamento, os empreendedores em geral, e aqueles ligados à mineração, tem desenvolvido um conjunto grande de iniciativas voluntárias, que vão além das condicionantes ambientais, e que tem como objetivo obter a validação de suas atividades junto à sociedade local, através do denominado Licenciamento Social.

Essas iniciativas feitas em parceria com a população, tem aderência com os princípios ESG (Environment, Social and Governance), e ODS (Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável) 2030, amparando compromissos e realizações associadas à sustentabilidade.

Frisa-se, todavia, que não existe um procedimento padrão, uma legislação específica para se obter a dita Licença Social, o que demanda do empreendedor habilidades multidisciplinares que vão além do ato vinculado ao Estado (Licenciamento Ambiental) e que não se encontram “logo ali na esquina”. É preciso (e querer) ter a comunicação, a negociação e, também, o relacionamento institucional ao seu lado, que certamente serão requisitados no curso do tempo. Em resumo, o “feeling” do empreendedor é importante, porém, há técnicas para chegarmos ao licenciamento socioambiental.

Temos hoje muitos exemplos de empresas de mineração que atuam em absoluta conformidade com a legislação ambiental e possuem robustos programas de legitimação social, trabalhando com o envolvimento das populações locais e entregando robustos benefícios sociais e econômicos.

Uma delas é a empresa Sigma Lithum, com uma planta sendo instalada entre os municípios de Araçuaí e Itinga, no rico Vale do Jequitinhonha, devidamente licenciada junto ao COPAM, e com previsão de entrada em operação em abril de 2023.

A empresa desenvolverá um produto concentrado com alto valor agregado, o “lítio verde”, sem uso de produtos químicos poluentes no processo de purificação, empilhamento a seco e recirculação da água captada e tratada do Rio Jequitinhonha.

Atualmente o País detém 8% da produção do lítio mundial. O mineral tem ampla utilização na cadeia industrial e é classificado como o combustível do futuro. É utilizado na produção de baterias para veículos elétricos e de smartphones (telefonia celular); graxas/lubrificantes, cerâmicas, vidros, polímeros e na indústria farmacêutica.

A proposta da empresa é transformar o Vale do Jequitinhonha no “Vale do Lítio verde”. tendo já investido mais de R$ 2,3 bilhões no País — cifra que vai chegar a R$ 4,8 bilhões ao longo dos próximos anos.

Quando chegou à região, em 2010, a companhia encontrou um local em que 94% da renda era oriunda de algum tipo de assistência governamental.

Em Araçuaí, a estimativa é que o PIB local cresça 47% logo no primeiro ano de operações da planta. Em Itinga, o salto será ainda maior, de 135%. Além da geração de empregos – mil diretos, e a estimativa de 13 mil indiretos, numa região que soma 60 mil habitantes -, a empresa está implantando um programa de microcrédito direcionado às famílias lideradas por mulheres.

O propósito de sustentabilidade social da empresa levou à decisão de estabelecer que a arrecadação dos “royalties da mineração” se daria sobre o preço final de venda aos clientes na Ásia, Europa e nos Estados Unidos. Ou seja, com um valor agregado 100 vezes superior ao da matéria-prima, que ao longo do processo sobe de US$ 60 para US$ 6 mil a tonelada. No primeiro ano de operação, a estimativa é de arrecadação de R$ 178 milhões, que poderão ser investidos pelo poder público em saúde, educação e outras necessidades da população.

Neste sentido, o interessante são os diversos programas socioambientais que atualmente contam com envolvimento dos municípios e da sociedade civil, e são totalmente voluntários, ou seja, sem exigência em lei ou licenças. Estão estruturados sobre os valores da empresa. A exemplo:

i) Programa de Microcrédito “Dona de Mim”: A Sigma fez uma doação de R$1 milhão para a inauguração do programa de microcrédito para mulheres empreendedoras nas municipalidades de Araçuaí e Itinga, desenvolvido em parceria com o Grupo Mulheres do Brasil, Banco Pérola e N2. O programa tem por objetivo o desenvolvimento de 500 mulheres empreendedoras locais por meio de mentoria financeira e, após conclusão desta, a concessão de um microcrédito no valor de R$2,000 por mulher. Tendo em vista o sucesso do programa, a Sigma já comunicou que o ampliará para até 10.000 mulheres.

(ii) Programa “Volta ao Lar”: Este programa tem como objetivo priorizar a contratação de mão de obra local, dando a oportunidade de profissionais que saíram do Vale do Jequitinhonha para outras regiões em busca de empregos retornassem às suas famílias. Atualmente, cerca de 40% dos 750 profissionais alocados na implantação do projeto é originária de Araçuaí e Itinga.

(iii) Programa de Educação Técnica em Mineração: Parceria com as Universidades Federais do Jequitinhonha e Mucuri (Campus Janaúba) e Instituto Federal de Educação de Araçuaí para estabelecer o primeiro programa de educação técnica em mineração na região. A Sigma comunicou a Prefeitura que, até o momento, o programa conta com 40 inscritos com graduação prevista para 2024.

(iv) Programa “Seca Zero”: Durante a COP27 a Sigma anunciou a contribuição financeira de aproximadamente R$4 milhões para a construção de 2.000 estruturas de captação de águas pluviais, tendo alocado os recursos para 1.000 estruturas em Araçuaí e 1.000 estruturas em Itinga. Atualmente, as Prefeituras estão trabalhando em conjunto com a Sigma para concluir a formalização do Programa e início da implementação.

(v) Programa de “Planejamento Familiar”: A Sigma irá implementar um Programa de Planejamento Familiar nos municípios de Itinga e Araçuaí, em parceria com o Instituto de Planejamento Familiar. O programa compreenderá um curso gratuito, um observatório com informação técnica gratuita e conscientização dos gestores municipais.

(vi) Adesão ao Programa “Restaurar” de Combate à Violência Doméstica: Em conjunto com a Justiça Estadual (liderada pelo Juiz de Araçuaí Jorge Arbex), a Sigma busca aderir ao Programa “Restaurar”, um programa multidimensional de combate à violência doméstica, para facilitar o acesso à justiça, servir como banco de empregos para vítimas e oferecer programas educativos.

(vii) Ação “Fome Zero”: Doação de um total de 14 mil cestas básicas para as famílias vulneráveis da região do Vale do Jequitinhonha.

(viii) Ação de Combate à COVID-19 e Alívio em Desastres.

Não temos dúvida que a Legitimação Social se soma ao Licenciamento formal para garantir a melhoria da qualidade de vida das populações e comunidades.

O maior defensor da empresa é seu trabalhador e as comunidades que com ela convivem.

 

*Enio Fonseca

*Enio Fonseca
Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização
em Engenharia Ambiental e em Gestão Empresarial , Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, CEO da PACK OF WOLVES Assessoria Socioambiental, parceiro da Econservation Estudos e Projetos Ambientais.

 

O licenciamento ambiental como – infelizmente – ainda o conhecemos hoje remonta a década de 80 do século passado. Ele tem norteado grande parte da política ambiental nacional, com a esperança de, através dele, se alcançar a preservação e conservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.

**Germano Vieira 

Mestre em Direito Público e Internacional pela Universidade Católica Portuguesa, Porto/Portugal. Pós-graduado em Educação Ambiental e Advogado. Consultor especializado nas áreas e meio ambiente e sustentabilidade. Professor universitário. Atuou como servidor público efetivo na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, quando exerceu os cargos de Secretário de Estado, Secretário Adjunto e Presidente do Conselho de Política Ambiental de MG entre 2016 e 2020. Presidente da ABEMA 2019/2020. Sócio Fundador da Alger Consultoria Socioambiental.

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