sexta-feira , 26 abril 2024
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O Enigma das Embalagens Plásticas

Por Enio Fonseca e Decio Michellis Jr.

O tema embalagens é do interesse geral de toda a população mundial, em especial para todos os consumidores. Os produtos precisam ser protegidos nas diferentes etapas de seu manuseio, incluindo o transporte e o armazenamento. E num mundo consumista, as embalagens ajudam a vender.

Trata-se de uma questão com implicações mercadológicas, comerciais, financeiras, de saúde, bem-estar, atendimento de necessidades diversas, e ambientais, sobretudo quando falamos de seu descarte.

Não pretendemos esgotar um assunto tão complexo nesse artigo, e vamos focar em especial nas embalagens plásticas, pelo seu impacto no meio ambiente em função do descarte inadequado. Além de considerações de caráter geral, pretendemos que o artigo alcance os consumidores e aqueles ligados ao marketing mercadológico, responsáveis pelo design de embalagens.

Hoje, um terço do lixo doméstico é composto por embalagens. Cerca de 80% das embalagens são descartadas após usadas apenas uma vez, sendo baixo o percentual de reciclagem, o que tem como consequência a superlotação dos aterros e das Centrais de tratamentos de Resíduos, além da contaminação de rios, mares e solos.

No mercado altamente competitivo o design de uma embalagem é fator chave para o sucesso comercial de um produto.

O design desta embalagem precisa chamar a atenção do consumidor, destacando o produto dos concorrentes e adicionando valor como forma, cores e promover a marca. Qualidade e confiabilidade são valores intrínsecos na embalagem mesmo que o consumidor não perceba objetivamente estes valores.

Mas há momentos em que gostaríamos de perguntar aos designers de embalagens: de que planeta você veio?

A embalagem nem sempre valoriza as características do produto, e prende a atenção do consumidor visualmente, mas pelos motivos errados.

Reza a lenda que uma embalagem deve reunir quatro competências fundamentais: Marketing, Design, Logística e Meio Ambiente não necessariamente nesta ordem.

A parte de proteger o produto (logística) para que ele chegue de forma íntegra até nós consumidores é compreensível. Mas não é compreensível o desperdício, a redundância (embalagem dentro de embalagem) e a falta de bom senso em alguns invólucros de produtos. O esbanjamento/profusão no uso do plástico choca visualmente.

 

A “Tese do Caos Polimérico”

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), “uma redução drástica do plástico desnecessário, evitável e problemático é crucial para enfrentar a crise global de poluição. A poluição plástica é uma ameaça crescente em todos os ecossistemas, de onde a poluição se origina até o mar… 7 bilhões das 9,2 bilhões de toneladas de plástico produzidas de 1950 a 2017 se tornaram resíduos plásticos”. É quase uma tonelada de plástico por cada habitante da Terra!

Em seu relatório “Da Poluição à Solução: Uma Análise Global sobre Lixo Marinho e Poluição Plástica” (From Pollution to Solution: A Global Assessment of Marine Litter and Plastic Pollution -https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/36963/POLSOL.pdf)   “rejeitam a possibilidade de reciclagem como uma saída para esta crise e alertam para alternativas nocivas aos produtos de uso único, tais como plásticos de base biológica ou biodegradáveis, que atualmente representam uma ameaça química semelhante aos plásticos convencionais”.

“Uma grande preocupação é o destino dos micros plásticos, aditivos químicos e outros produtos fragmentados, muitos dos quais são conhecidos por serem tóxicos e perigosos para a saúde humana, a vida selvagem e os ecossistemas… O corpo humano também é vulnerável à contaminação por resíduos plásticos em fontes de água, que podem causar alterações hormonais, distúrbios de desenvolvimento, anormalidades reprodutivas e câncer. Os plásticos são ingeridos através de frutos do mar, bebidas e até mesmo sal comum, mas também penetram na pele e podem ser inalados quando suspensos no ar.”

“O documento analisa ainda, falhas críticas do mercado, tais como preços baixos de matérias-primas fósseis virgens versus materiais reciclados; esforços mal articulados no gerenciamento formal e informal de resíduos plásticos; e a falta de consenso sobre soluções globais”.

“O relatório destaca que o plástico representa 85% dos resíduos que chegam aos oceanos e adverte que até 2040, os volumes de plástico que fluem para o mar quase triplicarão, com uma quantidade anual entre 23 e 37 milhões de toneladas. Isto significa cerca de 50 kg de plástico por metro de costa em todo o mundo”.

“O relatório pede a redução imediata dos plásticos, incentiva a transformação de toda a cadeia de valor envolvida e indica que há necessidade de reforçar os investimentos em sistemas de monitoramento muito mais abrangentes e eficazes para identificar a origem, escala e destino do plástico, bem como o desenvolvimento de uma estrutura de risco, que atualmente não existe globalmente.”

“O estudo conclui que é necessária uma mudança para abordagens circulares, incluindo práticas de consumo e produção sustentáveis, o desenvolvimento e adoção rápida de alternativas pelas empresas, e uma maior conscientização do consumidor para encorajar escolhas mais responsáveis.”

O Relatório do SENAC ¨6 Informações chocantes sobre o plástico no meio ambiente” disponível em https://www.sp.senac.br/blog/artigo/plastico-no-meio-ambiente, pontua ainda que “ o plástico é responsável pela morte de 100 mil animais marinhos a cada ano”, que 91% do plástico utilizado no mundo não é reciclado, que no mundo, 1 milhão de garrafas de plástico são compradas a cada minuto, e que todos os anos são usadas até 500 bilhões de sacolas plásticas descartáveis e  que, anualmente, 8 milhões de toneladas de plástico são descartados em nossos oceanos”.

Artigo intitulado Resíduos Sólidos: 5 dicas para você ser parte da solução, de autoria do advogado especialista em direito ambiental, publicado na Revista Nova Família, site www.novafamília.com.br, “atualmente são produzidos no mundo cerca de 2 bilhões de toneladas de resíduos por ano.

O artigo afirma ainda que “de acordo com relatório do Banco Mundial, estima-se que esse número deve chegar a 3,40 bilhões de toneladas até 2050. No ranking de maiores produtores de resíduos, publicado pelo WWF (World Wildlife Fund), os quatro primeiros colocados são: Estados Unidos, China, Índia e Brasil”.

Somente no Brasil, afirma o autor, “em 2021 passamos dos 213 milhões de habitantes (dados do IBGE), e geramos 82.477.300 toneladas de resíduos domiciliares (de acordo com a ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). Ou seja, cerca de 390 kg ao ano por habitante, mais de 1 quilo por dia.

E desse volume de resíduos gerados e descartados em 2021 no Brasil, 30.277.390 toneladas (39,8%) tiveram destinação inadequada. De alguma forma, contribuíram para o aquecimento global e contaminação do solo.

Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA), 30% dos resíduos que foram parar nos aterros têm potencial para ser reciclado, porém, menos de 4% são realmente aproveitados.

Além disso, conclui o autor, “segundo consta no relatório da ABRELPE, essa disposição inadequada impacta diretamente a saúde e a qualidade de vida de 77,5 milhões de brasileiros e tem um custo ambiental/social e para tratamento de saúde de cerca de USD 1 bilhão por ano”.

São números que impressionam, e fazem com que a sociedade venha discutindo essa questão em diferentes fóruns. Por isso, em 2018, a ONU (Organização das Nações Unidas) iniciou um movimento de conscientização global, sobre os impactos ambientais do uso crescente e do descarte inadequado do plástico, inclusive das embalagens.

Segundo a organização, a poluição causada pelo descarte de objetos de plástico é um dos grandes desafios da atualidade.

 

“Algo assustador representa um risco percebido. Algo perigoso representa um risco real.” ( Hans Rosling)

Nossas percepções de risco diferem do próprio risco real. Temos fatos objetivos sobre um risco, mas as ciências sociais afirmam que nossa interpretação desses fatos é em geral subjetiva. Existe uma distinção clara entre os julgamentos profissionais sobre o risco e a percepção pública do risco. A percepção de risco é individual e envolve fatores sociais, culturais e psicológicos, além da própria experiência vivida.

Vivemos um dilema permanente entre os riscos detectáveis x riscos indetectáveis; os controláveis x incontroláveis; voluntários x riscos impostos; conhecidos x vagos/indeterminados; riscos fundamentais para o dia a dia x riscos incomuns; riscos futuros x imediatos.

É comum nos preocuparmos com algumas coisas mais do que os fatos apontam (por exemplo, energia nuclear, alimentos geneticamente modificados) e menos com outras ameaças reais (por exemplo, obesidade, uso de telefones celulares ao dirigir). Este paradoxo produz políticas públicas que nos protegem mais do que temos medo do que realmente nos ameaça.

Como resultado desta retórica apocalíptica, que explora a percepção de risco humano sobre os plásticos, temos políticas públicas cada vez mais restritivas para uso dos plásticos descartáveis (uso único), embalagens plásticas, filme plástico não laminado, folha de plástico, espuma de poliestireno e garrafas plásticas.

 

Políticas Públicas

Existem algumas normas que tratam da questão de descartes de embalagens plásticas, como a. Lei 3369/ 2000 que estabelece normas para a destinação final de garrafas plásticas.

O Art. 8º desta norma determina que é proibido o descarte de lixo plástico no solo, em corpos d’água ou em qualquer outro local não previsto pelo órgão municipal competente de limpeza pública, sujeitando-se o infrator a multa aplicada pelos órgãos competentes…”

A Lei 12.305/2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos sólidos e definiu, dentre outros, os procedimentos para descarte de embalagens vazias de agrotóxicos, boa parte delas de plástico.

O Decreto 10388/2020, regulamentou parcialmente a Lei 12.305, instituindo o Sistema de logística reversa para medicamentos e suas embalagens.

No Estado de São Paulo foi promulgada a Lei 17.110/2019 que proíbe o fornecimento de canudos plástico em estabelecimentos desta unidade da federação. Muitos outros estados e municípios brasileiros, legislaram nessa linha.

A Resolução n° 9/ 1993, do CONAMA, disciplina que todo óleo lubrificante usado ou contaminado e suas embalagens, deverão ser recolhidos e ter uma destinação adequada.

Do ponto de vista prático o consumidor deve praticar pequenas ações do dia a dia que podem contribuir para reduzir a poluição desse material na natureza:

  • A primeira providência é alertar e conscientizar as pessoas sobre a gravidade do problema associado ao descarte inadequado do plástico, promovendo padrões de consumo sustentáveis e conscientes.
  • Lembre-se sempre de levar ecobags ou sacolas de feira para evitar a utilização das sacolas plásticas.
  • Vale pedir caixas de papelão para colocar suas compras.
  • Prefira comprar produtos com embalagens biodegradáveis, que seguem um processo de decomposição natural no meio ambiente. Já existem opções com matéria-prima orgânica, como bagaço de cana-de-açúcar, fécula de mandioca, fibra de coco etc.
  • Adote garrafas retornáveis para produzir menos lixo.
  • Prefira sempre embalagens de vidro e caixas em vez de garrafas de plástico.
  • Evite o uso de descartáveis, como copos, talheres, pratinhos e canudos plásticos.
  • Prefira pedir bebidas em garrafas de vidro.
  • Tente reutilizar embalagens de plástico, como potes de sorvete e manteiga, por exemplo, em vez de comprar novos recipientes.
  • Lave as embalagens de plástico que vão para o lixo e separe para a devida coleta de material reciclável.
  • Priorizar embalagens recicláveis.
  • Estimular os outros membros da sua família, colegas de trabalho e amigos a adotarem a mudança de hábitos também.
  • Ter sua própria caneca para bebidas como água e café, evitando o uso de copos descartáveis.
  • Promova o consumo consciente.

 

Plásticos Não São Para Sempre

Cabe lembrar que os plásticos são materiais orgânicos poliméricos sintéticos. O petróleo geralmente é a principal matéria-prima dos plásticos. São mais de 6.000 produtos derivados do petróleo bruto que são a base dos nossos estilos de vida e da nossa economia. São fundamentais, por exemplo, em medicamentos, equipamentos médicos, vacinas, embalagens de alimentos frescos e congelados (só para citar algumas aplicações). Mas ainda não temos um plano reserva para substituir produtos derivados do petróleo (entre eles os plásticos), em qualidade, disponibilidade e preço.

Conforme relata Joanne Nova, em seu artigo “Plastics not forever: Bugs already evolved 30,000 new plastic eating enzymes”;  https://www.cfact.org/2022/01/05/plastics-not-forever-bugs-already-evolved-30000-new-plastic-eating-enzymes/:

“Plásticos não são para sempre: os insetos já desenvolveram 30.000 novas enzimas que comem plástico.

Os plásticos são um jantar grátis para a vida na Terra, então era apenas uma questão de tempo até que os micróbios evoluíssem para comê-los.

Uma garrafa PET normalmente leva de 16 a 48 anos para quebrar, mas se fosse um lanche para a microflora levaria semanas. Os hidrocarbonetos são, em última análise, apenas formas diferentes de CHO esperando para serem liberados como dióxido de carbono e água. A única questão era “quanto tempo” levaria para as bactérias e fungos quebrar essas ligações incomuns.

Mais cedo ou mais tarde, todo o plástico será biodegradável.

A primeira bactéria que mastiga garrafas PET foi descoberta em um lixão japonês em 2016. Mas não tínhamos ideia de quão avançado era o mundo microbiano do processamento de plástico.

Em vez de caçar uma única bactéria, Zrimec et al exploraram metagenomas coletados do solo e do oceano e encontraram não apenas 5 ou 10 novas enzimas, mas 30.000. Parece que eles podem metabolizar pelo menos dez tipos diferentes de plástico.

E em lugares onde havia mais poluição por plástico, havia mais enzimas. Em todo o mundo, um novo ecossistema está surgindo das poças, bolhas e grãos de areia.

Insetos em todo o mundo estão evoluindo para comer plástico, segundo estudo.

A explosão da produção de plástico nos últimos 70 anos, de 2 milhões de toneladas para 380 milhões de toneladas por ano, deu aos micróbios tempo para evoluir para lidar com o plástico, disseram os pesquisadores. O estudo, publicado na revista Microbial Ecology, começou compilando um conjunto de dados de 95 enzimas microbianas já conhecidas por degradar o plástico, frequentemente encontradas em bactérias em lixões e locais semelhantes repletos de plástico.

Cerca de 12.000 das novas enzimas foram encontradas em amostras do oceano, coletadas em 67 locais e em três profundidades diferentes. Os resultados mostraram níveis consistentemente mais altos de enzimas degradantes em níveis mais profundos, combinando com os níveis mais altos de poluição de plástico conhecidos por existir em profundidades mais baixas.

As amostras de solo foram coletadas em 169 locais em 38 países e 11 habitats diferentes e continham 18.000 enzimas que degradam o plástico. Os solos são conhecidos por conter mais plásticos com aditivos de ftalato do que os oceanos e os pesquisadores descobriram mais enzimas que atacam esses produtos químicos nas amostras de terra.

Quase 60% das novas enzimas não se encaixam em nenhuma classe conhecida de enzimas, disseram os cientistas, sugerindo que essas moléculas degradam os plásticos de maneiras até então desconhecidas.”

Uma equipe de cientistas do Instituto Oceanográfico Harbor Branch da Florida Atlantic University, da Universidade Normal da China Oriental e da Universidade do Nordeste conduziu um estudo exclusivo, publicado no Journal of Hazardous Materials, para ajudar a elucidar o mistério de fragmentos de plástico ausentes no mar. 98% dos plásticos no mar desaparecem a cada ano.

As fotorreações causadas pela luz solar podem ser um importante sumidouro de plásticos flutuantes no mar. A luz solar também pode ter um papel na redução de plásticos para tamanhos inferiores aos capturados por estudos oceânicos. Essa teoria poderia explicar em parte como mais de 98% dos plásticos que entram nos oceanos desaparecem todos os anos.  Este estudo está disponível em https://pdf.sciencedirectassets.com/271390/1-s2.0-S0304389419X00175/1-s2.0-S0304389419310192/main.pdf.

Polêmicas à parte sobre a poluição plástica, estudos mostram que plásticos são mais leves, mais flexíveis e menos propensos a causar lesões que alternativas como papel, metais e vidro, além de ser de menor custo.

 

Designers de Embalagens: Que Tal Cuidar do Planetinha Azul?

Tanta “criatividade” nas embalagens plásticas nos leva a seguinte pergunta: qual a estratégia que está por trás dos conceitos aplicados?

Caríssimos diretores de Branding Marketing (Gestão de Marca) e diretores de arte: a poluição por plásticos do planeta realmente importa? Nós, meros consumidores mortais e ignorantes não conseguimos as vezes compreender objetivamente a sua sutil mensagem (Inbound Marketing?) de sustentabilidade e redução da pegada ecológica. Usem e abusem do “Business Intelligence”.  A tartaruga que foi salva do canudo de plástico promete aprender a utilizar a internet só para visitar o site de sua empresa de design de embalagem e dar “likes” gerando “bons rankings orgânicos”.

O Planetinha Azul agradece!

Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização

em Engenharia Ambiental, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation.

 

Decio Michellis Jr. – Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.

 

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