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Decisão do TRF4 aborda a competência do Município para o licenciamento ambiental a partir da Lei Complementar nº 140/2011

“O município de Bombinhas (SC) vai poder concluir as obras de revitalização da orla da praia de Bombas. Na última semana, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou recurso do Ministério Público Federal (MPF) que pedia o embargo das atividades por suposto desrespeito à legislação ambiental.

Em 2014, o MPF moveu a ação alegando que a prefeitura iniciou a construção sem a realização de um estudo ambiental prévio dos órgãos competentes. Além disso, o projeto resultaria no desmate da vegetação nativa em área de preservação ambiental.

O município sustentou não ser necessário o estudo por órgão ambiental, já que a obra não tem potencial degradante. Argumentou que o seu principal objetivo é a recuperação da área, uma vez que já foi alvo da intervenção humana, com a construção de propriedades privadas indevidas.

Após perder em primeira instância, o MPF recorreu ao tribunal, que negou o recurso.

No entendimento do relator do processo, desembargador federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, as provas anexadas aos autos são contundentes no sentido de que a obra não possui potencial poluidor, sendo dispensadas as obrigações cobradas pelo MPF.

‘A Lei Complementar nº 140, de 2011, que dispõe sobre o licenciamento ambiental, atribui ao município o licenciamento de atividades que causem impacto em âmbito local, e a Resolução nº 237/97, do Conama, não prevê essa necessidade para obras civis ou serviços de utilidade que não sejam considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental’, afirmou o magistrado em seu voto”.

bombinhas

Notícia e imagem divulgadas pelo TRF4 em 11/11/2015.


 

Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004883-69.2014.4.04.7208/SC 
RELATOR
:
RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
MUNICÍPIO DE BOMBINHAS/SC
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) em face do Município de Bombinhas/SC, postulando provimento jurisdicional que condene o réu aabster-se de efetuar o assim chamado calçadão da orla da praia de Bombas, bem como a demolição da obra na parte já edificada, a recuperação do meio ambiente e o pagamento de indenização, defendendo a necessidade de realização prévia de estudo de impacto ambiental.

Instruído o feito, sobreveio sentença que julgou improcedentes os pedidos, nos termos do art. 269, I, do CPC. Sem condenação em custas e honorários.

O MPF apelou. Em suas razões, sustenta a reforma integral da sentença, para que a ré (…) 1) se abstenha de suprimir vegetação configuradora de Área de Preservação Permanente – APP, situada sobre as praias objeto da presente demanda, especificamente localizadas na zona costeira; 2) promova estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente – EIA/RIMA-, perante o órgão licenciador competente para tal fim (licenciamento corretivo); 3) a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos causados aos interesses difusos e referente a eventual passivo ambiental irrecuperável, requerendo que o ressarcimento em dinheiro seja revertido em favor de obras de proteção do meio ambiente da região, a serem definidas posteriormente, com a apresentação de projetos específicos, sem prejuízo dos demais pedidos dispostos em petição inicial (evento 84).

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal, nesta Corte, lançou parecer opinando pelo desprovimento da apelação (evento 5).

É o relatório.

Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004883-69.2014.4.04.7208/SC
RELATOR
:
RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
MUNICÍPIO DE BOMBINHAS/SC
VOTO
Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do Município de Bombinhas/SC, postulando provimento jurisdicional que condene o réu a abster-se de efetuar o assim chamado calçadão da orla da praia de Bombas, bem como a demolição da obra na parte já edificada, a recuperação do meio ambiente e o pagamento de indenização, defendendo a necessidade de realização prévia de estudo de impacto ambiental.

Quanto ao caso dos autos, a controvérsia foi analisada pela julgadora singular nos seguintes termos (evento 4, doc. 271):

(…)

2. FUNDAMENTAÇÃO.

Pela ocorrência de danos ao meio ambiente, ocasionados pela interferência antrópica em área de preservação mediante omissão do Poder Público no seu dever de fiscalizar, conforme alegação contida na inicial, a presente ação objetiva a restauração do equilíbrio ecológico com a condenação do réu, na medida da sua culpabilidade, a adoção de medidas fiscalizatórias e de recuperação da área degradada, bem como ao pagamento de indenização pelos referidos danos.

A análise dos pedidos exige que se esclareça o posicionamento do juízo acerca das normas que tutelam o meio ambiente e a responsabilidade decorrente do dano ambiental, seja por ação de particulares, seja por omissão de órgãos do Poder Público

É garantia constitucional de ordem econômica o direito à propriedade privada, no entanto esta também deve cumprir sua função social, devendo estar de acordo com as normas de defesa do meio ambiente equilibrado, conforme preceitua o art. 225, caput, da Constituição:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A Lei 6.938, de 1981, recepcionada pela Constituição Federal, estabeleceu em seu art. 2º, as finalidades ou planos de atuação da Política Nacional do Meio Ambiente. Dentre estas finalidades, encontra-se o inciso II que determina:

Art 2º – A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;

A obrigação de reparação do dano ambiental foi expressamente estabelecida pelo art. 14 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, nos seguintes termos:

Art 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(…)
§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

A reparação do dano ambiental, no entender deste Juízo, deve ocorrer preponderantemente in natura, ou seja, buscando-se a reconstrução do meio ambiente em suas condições originais, fazendo-o voltar ao status quo ante. A indenização, ou seja, a compensação em pecúnia deve ocorrer tão somente nos casos que a recomposição in natura mostre-se inviável tecnicamente ou insatisfatória, apresentando cunho subsidiário.

Fixadas estas premissas, passo a examinar os pedidos formulados na petição inicial desta ação civil pública.

2.1 Interferência do imóvel com área de marinha

Já previa o Decreto-Lei 9.760, de 1946, incluírem-se entre os bens imóveis da União os terrenos de marinha e seus acrescidos.

Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:

a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
(…)
Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Nos termos do art. 20 da Constituição:

Art. 20. São bens da União:

(…)
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)
(…)
VI – o mar territorial;
VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Entretanto, em casos como o da espécie, em que se busca tutelar o meio ambiente, entendo que o fato de o imóvel se localizar em terreno de marinha tem importância apenas para fixar a competência da Justiça Federal, pois indica interesse federal. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. TERRENO DE MARINHA. BEM DA UNIÃO. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.1. Existindo interesse federal na causa, por envolver possíveis danos em terreno de marinha (art. 20, VII da Constituição Federal), a competência para processar e julgar a ação é da Justiça Federal.2. A competência da Justiça Federal, além de ser fixada em face do interesse federal, decorre também do fato de ser o Ministério Público Federal um dos autores da ação (art. 109, inc. I da Constituição Federal). Precedentes. (TRF4, AG 5021667-17.2014.404.0000, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 05/12/2014)

Quanto à questão ambiental propriamente dita, na qual se funda a demanda, o fato da área abranger bem da União não tem influência para o deslinde da causa, uma vez que terras de marinha são, em princípio, edificáveis.

Registro, por oportuno, que são edificáveis apenas as terras de marinha que se apresentem como bens dominiais, pois aquelas que configuram bens de uso comum do povo não são passíveis de edificação.

2.2. Licienciamento e Responsabilidade ambiental

No tocante ao cerne do processo, verifico que a inconformidade do MPF em relação à obra impugnada reside na alegada ilegalidade do ato do Município em construir o calçadão sem a elaboração do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA.

A questão central, portanto, é averiguar se a construção em questão comporta a dispensa de licenciamento ambiental.

Antes, porém, entendo pertinente mencionar, nessa sentença, o voto condutor do Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz no agravo de instrumento interposto nestes mesmos autos, o qual acolheu na íntegra o parecer do MPF naquela instância, e que avaliou com maestria a matéria de direito controvertida:

A controvérsia cinge-se à possibilidade de permitir a continuidade das obras relativas à implantação do ‘Projeto Orla’ na praia de Bombinhas/SC.

O art. 273 do CPC dispõe que para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial devem estar presentes a verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação:

‘Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)

§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)

§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)

§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 2002)

§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)

§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 1994)

§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 2002)

§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 2002)’

O MPF sustenta que o ‘Projeto Orla’ depende de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA, nos termos do § 2º do art. 6º da Lei nº 7.661/1988:

‘Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.

§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.

§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.’

Em suas razões recursais, o Município agravante refere que (Evento 1 – INIC): i) ‘a obra objeto da presente ação, conforme destaca a própria FAMAB, está dispensada do licenciamento ambiental suscitado pelo MPF’; ii) ‘A Resolução CONAMA nº 237/1997, destaca-se de plano, não menciona em seu Anexo I a exigência de licenciamento ambiental para tal atividade’; iii) ‘de acordo com o Código Estadual de Meio Ambiente são passíveis de licenciamento ambiental pela FATMA as atividades que, por meio de resolução do CONSEMA, são consideradas potencialmente causadoras de degradação ambiental’; iv) ‘A Resolução CONSEMA nº 12/2014, por sua vez, não estabelece a necessidade de licenciamento ambiental para o tipo de atividade que está em andamento na orla da praia de Bombas’; v) ‘a Lei Estadual nº 14.736/09, que instituiu o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, em seu art. 1º, § 2º, estabelece que para fins de licenciamento o órgão competente solicitará ao interessado pela obra e/ou atividade a elaboração dos estudos necessários, de acordo com suas características e seu porte, tudo conforme a resolução antes mencionada’; e vi) sendo assim, ‘andou bem o órgão ambiental competente, in casu a FAMAB, ao condicionar a realização da obra ao C adastramento Ambiental (e não licenciamento), bem como a realização do Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD (e não Estudo de Impacto Ambiental – EIA), exigindo ainda, a Consulta de Viabilidade Ambiental Prévia. E nem poderia ser diferente, pois o Decreto Municipal nº 1.688/12 dispõe que a análise e a emissão de laudo prévio de viabilidade ambiental ou licenciamento ambiental é pressuposto obrigatório para o licenciamento de atividades e/ou obras no Município de Bombinhas. Ademais, destaca-se ainda que o Parecer Técnico nº 4895/13, elaborado pela FAMAB, ao contrário do que sustenta o MPF, não autorizou corte e/ou supressão de vegetação, conforme se percebe da leitura do art. 3º, § 1º’ (Evento 1 – INIC).

Quanto à supressão de vegetação natural de restinga e mata ciliar, o Município agravante refere que ‘cabe salientar que a praia de Bombas apresenta apenas sistema de dunas embrionárias e que o mesmo também se encontra totalmente fragmentado, sendo que em alguns trechos não há a presença de vegetação, mas sim de benfeitorias como muros de concreto, rampas de acesso, piscinas e quiosques (vide figuras 3, 6, 8, 11 e 12 do PRAD – Evento 18 OUT9, 10 e 11). Tais estruturas, ao longo dos tempos, causaram um forte processo erosivo na orla, dificultando a passagem de pessoas durante as marés cheias’, e ‘que o PRAD contempla a recuperação não só desta área, mas de toda a orla da praia de Bombas, providência que restaurará o sistema de dunas embrionárias de forma contínua, diferentemente da fragmentação atual, com a reintrodução das espécies características desse tipo de ambiente (vegetação herbácea)’, bem como ‘no tocante à suposta previsão de supressão de mata ciliar, também considerada de preservação permanente, registre-se que a orla da praia de Bombas apresenta dois cursos d’água, o ribeirão José Estevão e o Rio da Barra. Importante frisar, nesse aspecto, que a obra em questão, apesar de já ter alcançado o ribeirão José Estevão, não chegará ao Rio da Barra, uma vez que o traçado do projeto termina na Rua Uirapuru, localizada antes daquele curso d’água. No que pertine ao ribeirão já alcançado, conforme demonstra a figura 2 do PRAD (Evento 18 – OUT9), percebe-se que este já estava totalmente descaracterizado, sem a presença de mata ciliar em ambas as margens, onde é possível, inclusive, visualizar Capim-branco e muro de concreto locado dentro do leito do curso d’água. Dando sequência, as fotos apresentadas pelo MPF não ilustram a realidade da orla da praia de Bombas como um todo, sendo que demonstra apenas trechos de vegetação, que a própria técnica do órgão ministerial afirma ser uma vegetação descaracterizada e fragmentada pela presença de vegetação exótica (Figura 6 da Informação Técnica nº 22/2014 – Evento 1 LAU3). Tal fato, por si só, já explica a necessidade de elaboração e execução do PRAD’ (Evento 1 – INIC).

Em relação à inexistência de avanço das obras sobre a faixa de areia e da não utilização de aterro por parte do agravante, o Município referiu que ‘em nenhum momento foi realizado qualquer atividade sobre a faixa de areia, sendo que o projeto aprovado encontra-se com a estrutura de contenção a partir da Linha de Preamar (LPM), sendo que esta se destina a recuperação da faixa de restinga e varia entre 2 (dois) a 7 (sete) metros de largura. O projeto contempla, ainda, uma calçada de 4 (quatro) metros e uma ciclovia de 2 (dois) metros de largura, ambas locadas fora da faixa de areia, em terrenos de marinha outrora ocupados por particulares. No mais, como se vê, todo o projeto foi baseado em um levantamento topográfico do local, onde consta a LPM homologada pelo Serviço de Patrimônio da União (SPU), e que, por razões lógicas, jamais seria aprovado pelo referido órgão caso a obra estivesse locada sobre a faixa de areia. Já quanto à afirmação de que está havendo deposição de sedimentos e aterro no local, é imperioso ressaltar que o aterro registrado pelo órgão ministerial é, na verdade, um aterro preexistente, ou seja, é oriundo das obras anteriores (casas, pousadas e restaurantes), material esse que está sendo nivelado e reutilizado na área de implantação da calçada e da ciclovia (figuras 6, 7 e 8 do Registro Fotográfico da Obra – Evento 18 FOTO4 e 5)’ (Evento 1 – INIC) (grifou-se).

O Município agravante ainda sustentou que ‘a cessão de uso de terras de marinha requerida pela Municipalidade e concedida pelo SPU devolve o uso público a uma área que antes estava tão somente sob o domínio de poucos particulares, ocupação essa que, aliás, foi a responsável pela descaracterização do local, com o avanço do processo erosivo impedindo, em alguns casos, a passagem de pessoas pela praia em dias de maré cheia’. Aduz, ainda, que ‘e a paralisação da referida obra está trazendo enormes prejuízos ao Poder Público Municipal, notadamente porque este está impossibilitado de fazer valer os termos da Portaria nº 13/2014, da Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina (SPU/SC), que autorizou a cessão de uso da área de marinha justamente para que a Municipalidade pudesse recuperar/reconstituir a vegetação de restinga, bem como devolver o uso público àquele espaço, através de acessibilidade por meio de calçadão e ciclovia (Evento 26 – PORT2). Ademais, vale ressaltar que a paralisação total da obra poderá resultar, inclusive, no cancelamento do repasse financeiro que é oriundo de um convênio celebrado junto ao Ministério do Turismo, haja vista que a liberação dos recursos está atrelada às metas e às fases de execução da obra (Evento 26 – CONTR3)’ (Evento 1 – INIC).

No caso concreto, a verossimilhança da alegação pode ser dessumida a partir do reconhecimento de que, a LC nº 140/2011, que dispõe que o licenciamento ambiental, atribui ao Município o licenciamento de atividades que causem impacto em âmbito local:

‘Art. 9º São ações administrativas dos Municípios:

XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:

a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou

b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);

(…)

XV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, aprovar:

a) a supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em florestas públicas municipais e unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e

b) a supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Município.’

Ainda, a Resolução CONAMA nº 237/1997 não prevê a necessidade de licenciamento ambiental para ‘obras civis’ ou ‘serviços de utilidade’ que não sejam considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como não sejam empreendimentos capazes de causar degradação ambiental:

‘Art. 2º – A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.

§ 1º- Estão sujeitos ao licenciamento ambiental os empreendimentos e as atividades relacionadas no Anexo 1, parte integrante desta Resolução.

Anexo 1

Serviços de utilidade

(…)

– interceptores, emissários, estação elevatória e tratamento de esgoto sanitário;

(…)

– tratamento e destinação de resíduos sólidos urbanos, inclusive aqueles provenientes de fossas;

– dragagem e derrocamentos em corpos d’água;

– recuperação de áreas contaminadas ou degradadas.’

Ainda, a verossimilhança da alegação pode ser dessumida a partir da existência de: i) Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD para ‘recuperação da vegetação de restinga da Praia de Bombas, Bairro de Bombas, Bombinhas/SC’, no qual restou definida uma estratégia de recuperação da área: ‘Primeira fase: Retirada das benfeitorias irregulares e da vegetação exótica invasora; Segunda fase: Implantação do sistema de contenção com toras de eucalipto tratado e manta geotêxtil; Terceira fase: Ordenamento das águas pluviais e recomposição das dunas, com o preenchimento de areia de tabuleiro; Quarta fase: Revegetação da área com espécies vegetais como Blutaparon portulacoides, Panicum racemosum, Spartina ciliata, Hydrocotyle bonariensis, Andropogon arenarius e Androtrichum trigynum e Senecio crassiflorus; Quinta fase: Implantação de calçada, ciclovia e de passarelas de acesso a praia’. Também há previsão de uma ‘definição de sistema re reflorestamento’ com o intuito de promover a ‘recuperação da cobertura vegetal’, com a utilização de ‘espécies nativas da região e para isso são necessários levantamentos florísticos de formações remanescentes no local e proximidades’ (Evento 18 – OUT9 a OUT11 – Processo originário); ii) Relatório Técnico da FAMAB – Fundação de Amparo ao Meio Ambiente de Bombinhas o qual refere que: a) a FAMAB tem competência para autorizar a obra, nos termos da LC nº 140/2011; b) que o obra está dispensada de licenciamento ambiental, nos termos do Decreto Municipal n° 1.688, de 14 de dezembro de 2012, da Resolução do CONSEMA nº 12/2014 e da Resolução CONAMA n° 237, de 19 de dezembro de 1997, na qual ‘não há nenhuma menção em seu Anexo 01 da exigência de licenciamento ambiental para tal atividade’; c) ‘A vegetação existente antes da implantação da obra e a que ainda encontra-se em alguns trechos da orla, é uma vegetação totalmente fragmentada e descaracterizada, constatada pela grande presença de espécies exóticas agressivas como Pinus, Casuarina, Mamona, Capim-branco, sombreiro entre outras’; d) a existência de PRAD com o ‘objetivo de restaurar o sistema de dunas embrionarias, que hoje encontra-se praticamente inexistente e muito prejudicado, substituindo a vegetação exótica e as benfeitorias irregulares pelo replantio das espécies características desse tipo de ambiente’; e) ‘em nenhum momento foi realizado qualquer atividade sobre a faixa de areia, sendo que o projeto aprovado encontra-se com a estrutura contenção a partir da linha de Prea-mar (LPM) destinada a recuperação da faixa de restinga que varia entre dois a sete metros destinados a revegetação da área’; f) a inexistência de aterro no local, pois ‘quanto a afirmação de que está havendo deposição de sedimentos, provenientes de aterro no local, o que temos a informar é contraditório ao exposto pelo MPF, pois o aterro que está registrado nas fotos nada mais é do que o aterro pré existente das obras anteriores (casas, pousadas e restaurantes anteriormente existentes) que está sendo nivelado e reutilizado na área de implantação da calçada e da ciclovia. Na área destinada a contenção e reconstituição da duna embrionária está sendo trabalhado com areia de praia’; g) a necessidade da ‘reposição da vegetação nativa e restabelecimento total da duna frontal embrionária’, tendo em conta que ‘hoje os fragmentos de vegetação existentes não representam nenhum ganho ambiental significativo para o local, pois esta não impede os avanços dos processos erosivos, tão pouco mantém a salubridade da fauna e flora local, haja visto a grande quantidade de resíduos (lixo), dos mais diversos, dentro dessa vegetação descaracterizada, proporcionando um aumento da propagação de vetores (animais) que transmitem doenças contagiosas como leptospirose, contribuindo para o agravamento do problema de saúde publica’; h) que o uso do terreno por particulares causou ‘a descaracterização do local’, sendo que a ‘Cessão de Uso de Terras de Marinha requerida pela municipalidade devolve ao uso público (de todos) uma área que antes estava sob o domínio de particulares’, e i) que se trata de providência destinada à recuperação da orla e que inclui-se como alternativa de mobilidade urbana (Evento 18 – RELT2 – processo originário).

Ademais, deve-se destacar que não se trata de construção/obra potencialmente poluidora, ao contrário, trata-se de projeto destinado a recuperação da orla marítima para o qual foi elaborado Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD no qual é buscada a recuperação da área antropizada pela intervenção humana, e que, segundo estudo técnico elaborado pela Fundação de Amparo ao Meio Ambiente de Bombinhas – FAMAB o PRAD tem por objetivo específico: ‘a apresentação de uma programação de fases, com fundamentação técnica, para revegetação em áreas de preservação e o seu enriquecimento florístico em área equivalente a 1,6 ha, com localização no final da Rua Aracuã até a Rua Tiriba. A função primordial da ação da recuperação e compensação ambiental reporta-se na transformação de uma configuração ambiental de baixa qualidade em áreas perfeitamente adequadas à composição de um espaço com equilíbrio ecológico, paisagístico e ambiental’ (Evento 18 – OUT11 – Processo originário).

Também restou evidenciada a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pois ‘o grave prejuízo à população se traduz no fato de que Poder Público Municipal está impossibilitado de fazer valer os termos da Portaria nº 13/2014, da Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina (SPU/SC), que autorizou a cessão de uso da área de marinha justamente para que a Municipalidade pudesse recuperar/reconstituir a vegetação de restinga, bem como devolver o uso público àquele espaço, através de acessibilidade por meio de calçadão e ciclovia, circunstâncias que, sem dúvida alguma, são benéficas à coletividade (Evento 26 – PORT2)’, e que ‘o grave prejuízo ao erário, por sua vez, está consubstanciado no fato de que a paralisação total da obra resultará, inclusive, no cancelamento do repasse financeiro que é oriundo de um convênio celebrado junto ao Ministério do Turismo, haja vista que a liberação dos recursos está atrelada às metas e às fases de execução da obra’ (Evento 26 – CONTR3).

Com efeito, por tratar-se de projeto de revitalização de área consolidada, cuja atuação do Município deve ser destacada em razão da regularização de área pública indevidamente ocupada por particulares, data venia, impositiva a antecipação parcial de tutela para que o Município agravante possa dar prosseguimento às obras, abstendo-se, contudo, de realizar o corte e/ou a redução/supressão de vegetação nativa existente no local, cuja analise ficará a cargo de eventual perícia que seja requerida para a verificação detalhada das obras que estão sendo realizadas, bem assim em relação ao cumprimento do PRAD.

Da conclusão

Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina seja concedida parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela recursal para permitir que o Município agravante possa dar prosseguimento às obras, abstendo-se, contudo, de realizar o corte e/ou a redução/supressão de vegetação nativa existente no local, cuja analise ficará a cargo de eventual prova técnica que seja requerida para a verificação detalhada das obras que estão sendo realizadas, bem assim em relação ao cumprimento do PRAD.’

É imperioso reconhecer, de início, que a LC 140/11 e a Resolução CONAMA nº 237/1997 amparam a realização da obra sem a realização de estudo de impacto ambiental. A primeira norma prevê a competência do Município em promover o licenciamento de ‘atividades ou empreendimentos que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local‘ (artigo 9º, XIV, ‘a’ – grifei), assim como a possibilidade de ‘supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Município’ (artigo 9º, XV, ‘b’). A segunda,  não prevê a necessidade de licenciamento ambiental para ‘obras civis’ ou ‘serviços de utilidade’ que não sejam considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como não sejam empreendimentos capazes de causar degradação ambiental. E esta é justamente a questão posta, já que, no caso, deve ser destacada a louvável intenção do Município em tentar recuperar a área apontada nesta ação – não o contrário -, nos exatos moldes do que dispõe o anexo I da Resolução citada.

A questão que remanesce, mesmo que não tenha sido o pedido principal da demanda, diz respeito à influência da obra em vegetação de APP, dada a proibição constante do agravo de instrumento 50110292220144040000. Para sustentar essa decisão, invoco trecho das informações prestadas pelo próprio Município no evento 18:

2.2 Da vegetação existente no local e da não supressão da vegetação natural de restinga e de mata ciliar

A vegetação existente antes da implantação da obra e aquela que ainda

se encontra em alguns trechos da orla, é uma vegetação totalmente fragmentada e descaracterizada, constatada pela grande presença de espécies exóticas agressivas como Pinus, Casuarina, Mamona, Capim-branco, Sombreiro, dentre outras.

Cabe salientar que a praia de Bombas apresenta apenas sistema de dunas embrionárias e que o mesmo também se encontra totalmente fragmentado, sendo que em alguns trechos não há a presença de vegetação, mas sim de benfeitorias como muros de concreto, rampas de acesso, piscinas e quiosques (vide figuras 3, 6, 8, 11 e 12 do PRAD). Tais estruturas, ao longo dos tempos, causaram um forte processo erosivo na orla, dificultando a passagem de pessoas durante as marés cheias.

Em relação à flora, as dunas frontais são exclusiva mente colonizadas por plantas herbáceas. Logo, é forçoso reconhecer que a Dalbergia ecastaphylun (arbustiva) não é encontrada naturalmente na duna embrionária, indicando que a mesma foi introduzida naquele ambiente.

Sendo assim, a fotografia contida no documento OUT4 (Evento 1) não serve para caracterizar o suposto corte/supressão de vegetação natural de restinga.

Além disso, tal imagem ilustra a ocorrência de outros exemplares exóticos, bem como a existência de benfeitorias irregulares naquele local (muro de concreto), circunstância que demonstra ainda a descaracterização do ambiente em tela.

No mais, é bom que se diga, que o PRAD contempla a recuperação não só desta área, mas de toda a orla da praia de Bombas, providência que restaurará o sistema de dunas embrionárias de forma contínua, diferentemente da fragmentação atual, com a reintrodução das espécies características desse tipo de ambiente (vegetação herbácea).

Continuando, é importante frisar que a vegetação arbustiva/arbórea está restrita às dunas interiores mais antigas, o que não ocorre na praia de Bombas.

Devido a formação recente do ambiente costeiro a maioria das espécies são provenientes de províncias biogeográficas vizinhas (outros ecossistemas) e as espécies endêmicas são raras.

Portanto, nesse tipo de ecossistema é nula ou quase inexistente a presença de espécies raras e/ou ameaçadas de extinção.

Já no tocante à suposta previsão de supressão de mata ciliar, também considerada de preservação permanente, registre-se que a orla da praia de Bombas apresenta dois cursos d’água, o ribeirão José Estevão e o Rio da Barra.

Importante frisar, nesse aspecto, que a obra do calçadão de Bombas, apesar de já ter alcançado o ribeirão José Estevão, não chegará ao Rio da Barra, uma vez que o traçado do projeto termina na Rua Uirapuru, localizada antes daquele curso d’água.

No que pertine ao ribeirão já alcançado, conforme demonstra a Figura 02 do PRAD, percebe-se que este já estava totalmente descaracterizado, sem a presença de mata ciliar em ambas as margens, onde é possível, inclusive, visualizar Capim-branco e muro de concreto locado dentro do leito do curso d’água.

Dando sequência, as fotos apresentadas pelo MPF não ilustram a realidade da orla da praia de Bombas como um todo, sendo que demonstra apenas trechos de vegetação, que a própria técnica do órgão ministerial afirma ser uma vegetação descaracterizada e fragmentada pela presença de vegetação exótica (Figura 6 da Informação Técnica nº 22/2014).

Tal fato, por si só, já explica a necessidade de elaboração e execução do PRAD.

Hoje os fragmentos de vegetação existentes não representam nenhum ganho ambiental significativo para o local, pois esta não impede os avanços dos processos erosivos causados pela força das marés, tão pouco mantém a salubridade da fauna e flora local, haja vista a grande quantidade de resíduos (lixo) dentro dessa vegetação descaracterizada, proporcionando um aumento da propagação de vetores (animais) que transmitem doenças contagiosas como a leptospirose, contribuindo para o agravamento de problemas relacionados à saúde pública

Por todo o exposto, nota-se, então, que não houve a supressão de vegetação natural de restinga, mas tão somente o desbaste, a limpeza e a retirada da vegetação exótica fragmentada existente no local.

Ao que se vê de todos os documentos juntados nesses autos, mormente aqueles destacados no ev. 18 – OUTROS9 a 12, o projeto licenciado pelo Município não contempla apenas a construção de um calçadão, mas a redemocratização de um espaço público ocupado até então por poucos particulares que pretenderam privatizar a orla, e a revitalização de ambiente reconhecido até mesmo em âmbito nacional por sua natureza privilegiada, mas já atingido por alto grau de antropização, como extensamente comprovado pelo réu.

Nesse particular, deve ser reconhecida a ação do MPF, que se mostra sensível a esse patrimônio difuso de importância inquestionável, mas entendo inegável que a obra representa em si um benefício ambiental significativo. Chamo a atenção, a título de exemplo, para o PRAD e os viveiros de plantas nativas que estão sendo cultivadas para o replantio e recuperação/restauração de toda a orla, projeto esse que já se encontra em andamento e que representa um indiscutível avanço no trato com o maior bem humano – a natureza.

A agregar a esse contexto, tem-se o laudo do evento 43 que, não obstante ter sido produzido de forma unilateral, corrobora um fato infelizmente corriqueiro nas praias da região, apontando que a vegetação nativa está quase que em sua totalidade extinta (LAU3):

Toda a área objeto apresenta hoje cobertura vegetal de caráter secundário de Formação Pioneira com Influência Marinha (Pm), associada com espécies exóticas, invasoras e ruderais em área com evidente alteração pretérita da paisagem.

A cobertura vegetal estudada apresenta , na caracterização de campo, baixa diversidade de espécies nativas ao longo de toda a porção praia -paleodunas, resultado da interferência antrópica instalada, identificada na terraplanagem das dunas preexistentes, aterro e edificação de muros, cercas, casas e edifícios, condições que,associadas as naturais restrições edáficas e a influência marinha, restringem seu crescimento e desenvolvimento a uma pequena e estreita faixa de cobertura vegetal.

Nesta estreita faixa, os escassos remanescentes de vegetação nativa, convivem com um evidente predomínio da espécie Dalbergia ecastaphyllum, cujo desenvolvimento resulta em densos e pontuais arbustos que predominam proporcionando sombras e dificultando o desenvolvimento das demais espécies.

Torna-se evidente perceber que para a manutenção da cobertura vegetal ao longo da praia, bem como a recuperação parcial da paisagem natural e do sistema praia – vegetação e a reabilitação ecológica de Formação Pioneira com Influência Marinha faz-se necessário executar um programa técnico, específico, com a utilização de medidas e espécies adequadas a situação em que se encontra o processo atual de uso do solo na praia de Bombas, SC.

No mais, deve-se observar que, como já reconhecido, a competência para o licenciamento da obra é do Município, o qual está se valendo do acompanhamento de órgão ambiental competente para tanto (FAMAB) e fiscalizado pela União (proprietária dos terrenos de marinha), e que o corte eventual da vegetação já fragmentada e descaracterizada pela invasão de espécies exóticas, ainda que constante de APP, já que a vegetação nativa deve ser mantida consoante expressa determinação do TRF4, será certamente compensado pelos benefícios postos acima e previstos no PRAD.

Por tais razões, entendo que os pedidos deduzidos na inicial não merecem procedência.

(…)

Registro que esta 3ª Turma já teve oportunidade de se pronunciar quanto ao tema por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 5011029-22.2014.4.04.0000, decisão essa que foi parcialmente transcrita na sentença e que com ela se harmoniza.

O parecer do Ministério Público Federal nesta instância, da lavra do Procurador Regional da República Waldir Alves, a propósito, foi pelo desprovimento da apelação. Em sua manifestação, após transcrever excerto do voto proferido no Agravo de Instrumento 5011029-22.2014.4.04.0000 acima referido, o representante do Ministério Público acrescenta:

Oportuno referir que a LC nº 140/2011, ao dispor sobre o licenciamento ambiental, atribui ao Município o licenciamento de atividades que causem impacto em âmbito local:

‘Art. 9º São ações administrativas dos Municípios:
(…)
XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
(…)
XV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, aprovar:
a) a supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em florestas públicas municipais e unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e
b) a supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Município.’
Além disso, a Resolução CONAMA nº 237/1997 não prevê a necessidade de licenciamento ambiental para ‘obras civis’ ou ‘serviços de utilidade’ que não sejam considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como não sejam empreendimentos capazes de causar degradação ambiental:
Art. 2º – A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis.
§ 1º- Estão sujeitos ao licenciamento ambiental os empreendimentos e as atividades relacionadas no Anexo 1, parte integrante desta Resolução.
Anexo 1
Serviços de utilidade
(…)
– interceptores, emissários, estação elevatória e tratamento de esgoto sanitário;
(…)
tratamento e destinação de resíduos sólidos urbanos, inclusive aqueles provenientes de fossas;
– dragagem e derrocamentos em corpos d’água;
recuperação de áreas contaminadas ou degradadas.’ (grifou-se)
Constam nos autos os seguintes documentos técnicos: i) Projeto de Recuperação de Área Degradada – PRAD para ‘recuperação da vegetação de restinga da Praia de Bombas, Bairro de Bombas, Bombinhas/SC’, no qual restou definida uma estratégia de recuperação da área: ‘Primeira fase: Retirada das benfeitorias irregulares e da vegetação exótica invasora; Segunda fase: Implantação do sistema de contenção com toras de eucalipto tratado e manta geotêxtil; Terceira fase: Ordenamento das águas pluviais e recomposição das dunas, com o preenchimento de areia de tabuleiro; Quarta fase: Revegetação da área com espécies vegetais como Blutaparon portulacoides, Panicum racemosum, Spartina ciliata, Hydrocotyle bonariensis, Andropogon arenarius e Androtrichum trigynum e Senecio crassiflorus; Quinta fase: Implantação de calçada, ciclovia e de passarelas de acesso à praia’. Também há previsão de uma ‘definição de sistema re reflorestamento’ com o intuito de promover a ‘recuperação da cobertura vegetal’, com a utilização de ‘espécies nativas da região e para isso são necessários levantamentos florísticos de formações remanescentes no local e proximidades’ (Evento 18 – OUT9 a OUT11); e ii) Relatório Técnico da FAMAB – Fundação de Amparo ao Meio Ambiente de Bombinhas, o qual refere que: a) a FAMAB tem competência para autorizar a obra, nos termos da LC nº 140/2011; b) que a obra está dispensada de licenciamento ambiental, nos termos do Decreto Municipal n° 1.688, de 14 de dezembro de 2012, da Resolução do CONSEMA nº 12/2014 e da Resolução CONAMA n° 237, de 19 de dezembro de 1997, na qual ‘não há nenhuma menção em seu Anexo 01 da exigência de licenciamento ambiental para tal atividade’; c) ‘A vegetação existente antes da implantação da obra e a que ainda encontra-se em alguns trechos da orla, é uma vegetação totalmente fragmentada e descaracterizada, constatada pela grande presença de espécies exóticas agressivas como Pinus, Casuarina, Mamona, Capim-branco, sombreiro entre outras’; d) a existência de PRAD com o ‘objetivo de restaurar o sistema de dunas embrionarias, que hoje encontra-se praticamente inexistente e muito prejudicado, substituindo a vegetação exótica e as benfeitorias irregulares pelo replantio das espécies características desse tipo de ambiente’; e) ‘em nenhum momento foi realizado qualquer atividade sobre a faixa de areia, sendo que o projeto aprovado encontra-se com a estrutura contenção a partir da linha de preamar (LPM) destinada a recuperação da faixa de restinga que varia entre dois a sete metros destinados a revegetação da área’; f) a inexistência de aterro no local, pois ‘quanto a afirmação de que está havendo deposição de sedimentos, provenientes de aterro no local, o que temos a informar é contraditório ao exposto pelo MPF, pois o aterro que está registrado nas fotos nada mais é do que o aterro pré existente das obras anteriores (casas, pousadas e restaurantes anteriormente existentes) que está sendo nivelado e reutilizado na área de implantação da calçada e da ciclovia. Na área destinada a contenção e reconstituição da duna embrionária está sendo trabalhado com areia de praia’; g) a necessidade da ‘reposição da vegetação nativa e restabelecimento total da duna frontal embrionária’, tendo em conta que ‘hoje os fragmentos de vegetação existentes não representam nenhum ganho ambiental significativo para o local, pois esta não impede os avanços dos processos erosivos, tão pouco mantém a salubridade da fauna e flora local, haja visto a grande quantidade de resíduos (lixo), dos mais diversos, dentro dessa vegetação descaracterizada, proporcionando um aumento da propagação de vetores (animais) que transmitem doenças contagiosas como leptospirose, contribuindo para o agravamento do problema de saúde pública’; h) que o uso do terreno por particulares causou ‘a descaracterização do local’, sendo que a ‘Cessão de Uso de Terras de Marinha requerida pela municipalidade devolve ao uso público (de todos) uma área que antes estava sob o domínio de particulares’, e i) que se trata de providência destinada à recuperação da orla e que inclui-se como alternativa de mobilidade urbana (Evento 18 – RELT2 )Assim, não se trata de construção/obra potencialmente poluidora, mas ao contrário, trata-se de projeto destinado à recuperação da orla marítima para o qual foi elaborado Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD, no qual é buscada a recuperação da área antropizada pela intervenção humana, e que,
segundo estudo técnico elaborado pela Fundação de Amparo ao Meio Ambiente de Bombinhas – FAMAB o PRAD tem por objetivo específico: ‘a apresentação de uma programação de fases, com fundamentação técnica, para revegetação em áreas de preservação e o seu enriquecimento florístico em área equivalente a 1,6 ha, com localização no final da Rua Aracuã até a Rua Tiriba. A função primordial da ação da recuperação e compensação ambiental reporta-se na transformação de uma configuração ambiental de baixa qualidade em áreas perfeitamente adequadas à composição de um espaço com equilíbrio ecológico, paisagístico e ambiental’ (Evento 18 – OUT11).
Ademais, como restou destacado: ‘o grave prejuízo à população se traduz no fato de que Poder Público Municipal está impossibilitado de fazer valer os termos da Portaria nº 13/2014, da Superintendência do Patrimônio da União em Santa Catarina (SPU/SC), que autorizou a cessão de uso da área de marinha justamente para que a Municipalidade pudesse recuperar/reconstituir a vegetação de restinga, bem como devolver o uso público àquele espaço, através de acessibilidade por meio de calçadão e ciclovia, circunstâncias que, sem dúvida alguma, são benéficas à coletividade (Evento 26 – PORT2)’, e que ‘o grave prejuízo ao erário, por sua vez, está consubstanciado no fato de que a paralisação total da obra resultará, inclusive, no cancelamento do repasse financeiro que é oriundo de um convênio celebrado junto ao Ministério do Turismo, haja vista que a liberação dos recursos está atrelada às metas e às fases de execução da obra’ (Evento 26 – CONTR3).Por fim, o Laudo Técnico produzido por Geólogo e Biólogo, requerido pelo Município de Bombinhas/SC, destacou que ‘da vegetação presente na área estudada e de acordo com o descrito no Art. 6º da Resolução CONAMA 417/09, somos de parecer que, não se pode caracterizar a vegetação ali presente como remanescente de vegetação de Restinga (Formação Pioneira com Influência Marinha), considerada a evidente e expressiva existência de espécies ruderais nativas ou exóticas, e o fato de tratar-se de áreas já ocupadas com agricultura, cidades, pastagens e florestas plantadas, desprovidas de significativa diversidade’ (Evento 43).
Além disso, no Laudo Técnico da FAMAB foi asseverado que ‘a obra de construção do Parque Linear e futura recuperação da vegetação Fixadora de dunas está de acordo com a decisão judicial, além de caminhar também no sentido do desenvolvimento sustentável, pois em nenhum momento até a presente data foi constatado ofensa ao remanescente de vegetação fixadora de dunas, tampouco a Faixa de Praia da Orla de Bombas’ (Evento 80 – LAU2).
Da conclusão
Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do
apelo do MPF, mantendo-se a sentença pelos seus próprios fundamentos.

Merece manutenção a sentença pelos próprios fundamentos, aos quais se acrescem aqueles expostos no Agravo de Instrumento 5011029-22.2014.4.04.0000 e no parecer do Ministério Público Federal nesta instância, ambos acima transcritos parcialmente.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.

Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004883-69.2014.4.04.7208/SC
RELATOR
:
RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
MUNICÍPIO DE BOMBINHAS/SC
EMENTA
AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. DESNECESSIDADE. PROJTO DE RECUPERAÇÃO DE ORLA MARÍTIMA DEGRADADA POR AÇÃO ANTRÓPICA.
1. A LC nº 140/2011, que dispõe sobre o licenciamento ambiental, atribui ao Município o licenciamento de atividades que causem impacto em âmbito local, e a Resolução CONAMA nº 237/1997 não prevê a necessidade de licenciamento ambiental para ‘obras civis’ ou ‘serviços de utilidade’ que não sejam considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental.
2. Não se tratando de construção/obra com potencial poluidor, mas de projeto destinado à recuperação da orla marítima, no qual é buscada a recuperação da área degradada pela intervenção humana, não há que se falar em demolição da obra ou de indenização por parte do Município.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de novembro de 2015.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator

 

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