“A empresa de terraplanagem CNS, de São Francisco do Sul (SC) foi condenada a recuperar e reflorestar, juntamente com o empresário Augusto Gozdeki, a área no Morro do Forte da qual extraiu saibro irregularmente provocando deslizamento de parte da encosta. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deu provimento, na última semana, ao recurso do município que pedia a inclusão da empresa.
O fato ocorreu depois das chuvas que assolaram o estado de Santa Catarina em 2008. Uma das áreas afetadas foi o Morro do Forte, onde o deslizamento de lama causou desmoronamentos e bloqueio da Estrada do Forte.
Gozdeki, que era dono de uma das propriedades atingidas, foi autorizado pelo município a fazer a limpeza da área, retirando o barro do trecho da rodovia afetado. Entretanto, segundo denúncia da prefeitura, o empresário permitiu que a CNS, contratada para o serviço, extraísse saibro do morro sem autorização.
O município ajuizou uma ação civil pública na Justiça Federal de Joinville (SC) buscando a recuperação da área. A ação foi julgada procedente, condenando Gozdeki a apresentar Projeto de Recuperação da Área e custear a recuperação ambiental.
A prefeitura recorreu ao tribunal buscando a condenação conjunta da empresa de terraplanagem, alegando que a CNS foi a executora da intensa exploração realizada no local.
A 4ª Turma deu provimento ao recurso do município. Segundo o relator, desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, os réus removeram o material da encosta além da quantidade permitida e devem dividir a responsabilidade solidariamente. Para o desembargador, ‘a CNS agiu sem cautela na execução de obra de terraplanagem e também deu causa ao dano ambiental gerado pelo deslizamento de parte da encosta’.
Fonte: TRF4, 13/07/2016.
Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000419-23.2014.4.04.7201/SC
RELATOR
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LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
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APELANTE
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AUGUSTO GOZDEKI
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ADVOGADO
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CLAITON RODRIGUES MEIRA
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APELANTE
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MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DO SUL
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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APELADO
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CNS COMERCIO E SERVICOS LTDA – ME
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ADVOGADO
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FÁBIO ALESSANDRO MACHADO
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INTERESSADO
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DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL – DNPM
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UNIDADE EXTERNA
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PAB JUSTIÇA FEDERAL JOINVILLE
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ED ALCEU GERBER
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ERLI APARECIDA SCHROEDER
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INTERESSADO
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UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
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RELATÓRIO
Cuida-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Município de São Francisco do Sul/SC em face de AUGUSTO GOZDEKI e CNS COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA ME, objetivando a condenação dos réus a absterem-se de realizar a extração de barro/saibro em área de preservação permanente, bem como a recuperarem a área degradada, mediante apresentação de PRAD – Plano de Recuperação da Área Degradada à FATMA, bem ainda, a pagarem indenização por danos ambientais.
Na exordial, narrou o autor que, as fortes chuvas ocorridas em todo o estado de Santa Catarina, no ano de 2008, resultaram no deslizamento de parte do Morro do Forte, em São Francisco do Sul/SC. Alega o Município que, diante do ocorrido, autorizou o réu a proceder a retirada do barro que encobria, inclusive, parte da rodovia que passa em frente à área do desmoronamento, porém, o réu permitiu que a segunda ré extraísse saibro do morro, sem autorização.
Sobreveio sentença (evento122 – SENT1) que julgou parcialmente procedente a ação, condenando o réu Augusto Gozdeki a proceder à recuperação da área degradada, de acordo com laudo pericial e mediante a apresentação de PRAD, a ser homologado pela FATMA. Foi fixado prazo de 60 dias para elaboração do PRAD e multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) para o caso de descumprimento.
Recorre o réu Augusto Gozdeki (Evento134 – APELAÇÃO1), alegando, em sede preliminar, cerceamento de defesa, pela falta de análise do pedido de cópia do processo administrativo em trâmite perante o DNPM. No mérito, sustenta que não autorizou a extração de saibro realizada no local. Referiu que os deslizamentos se deram por caso fortuito proveniente das fortes chuvas ocorridas no Estado de Santa Catarina na época. Requer a reforma da decisão, pede que, caso mantida a condenação em reparar o dano, a condenação deverá ser imposta unicamente à ré CNS, que efetivamente procedeu à extração.
Recorre também o Município de São Francisco do Sul/SC (Evento145-APELAÇÃO1). Refere que: em virtude da intensa exploração não autorizada de saibro, bem como da má execução do PRAD, ocorreram novos deslizamentos, inclusive com o rompimento de nascentes, o que motivou o pedido de abstenção dos réus a realizarem intervenções no local. Sustenta que não concorda com a improcedência do pedido quanto à ré CNS, sendo que foi justamente a empresa que executou o serviço contratado pela Defesa Civil do Estado de Santa Catarina. Requer sejam condenados ambos os réus a recuperarem a área degradada.
Apela o MPF (Evento155 – APELAÇÃO1). Demonstra irresignação com a sentença que deixou de condenar o réu Augusto Gozdeki à obrigação de pagar indenização pelos danos ambientais causados, ao argumento de que, quando possível a recomposição da área degradada, não se faz necessária a condenação ao pagamento de indenização por dano ambiental. Requer seja reformada a sentença, de modo que seja condenado o réu Augusto Gozdeki ao pagamento de indenização pecuniária pelos danos causados ao patrimônio ecológico, em valor a ser fixado por este Tribunal.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para Julgamento.
O parecer do Ministério Público Federal (evento 5 – PARECER1) é pelo provimento do apelo do MPF e pelo improvimento das apelações de Augusto Gozdeki e do Município de São Francisco do Sul.
É o relatório.
VOTO
Eis o teor da sentença recorrida:
FUNDAMENTAÇÃO
Proteção ao meio ambiente
A Constituição Federal, em seu art. 20, inciso IX, reserva à União o domínio sobre os recursos minerais, inclusive os do subsolo. O art. 176 da CF dispõe que as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
Sobre o dano ambiental, extraio lição de Patrícia Lemos: ‘(…) o dano ao meio ambiente se configura a partir do alcance de determinado nível de impacto. Isso porque qualquer atuação humana, até mesmo o simples existir gera impacto no meio ambiente.’ (LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio Ambeinte e Responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 105). Ainda, para Paulo Afonso Leme Machado ‘Seria excessivo dizer que todas as alterações no meio ambiente vão ocasionar um prejuízo, pois dessa forma estaríamos negando a possibilidade de mudanças e inovações, isto é, estaríamos entendendo que o estado adequado do meio ambiente é o imobilismo, o que é irreal.’ (MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 8ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 335).
Caso concreto
Conduta do réu Augusto
O cerne da questão diz respeito à alegada extração de minério (barro/saibro) da encosta do Morro do Forte, em São Francisco do Sul, após as fortes chuvas que assolaram o Estado em novembro de 2008; bem como a sua comercialização irregular.
Quanto à alegada extração de material, é fato incontroverso nos autos, e também demonstrado pelos documentos acostados no evento 1 – fls. 19-21, que houve autorização por parte dos órgãos municipais para que o réu Augusto efetuasse a limpeza de seu imóvel, com a extração do material resultante do acontecimento notório descrito na inicial.
A mesma conclusão é retirada do laudo pericial acostado no evento 100, donde extrai-se a resposta da perita ao primeiro quesito formulado por este juízo:
No presente caso, não cabe falar exatamente de minério extraído, já que não houve, como será mostrado adiante, extração propriamente dita do minério. Em conseqüência, não é apropriado quantificar o volume total de minério extraído da cava existente na área e o respectivo período. No local objeto da lide, apesar de existirem três processos minerários junto ao DNPM: 815.567/2010; 815.783/2012 e 815.197/2014, nunca houve, de fato, extração mineral.
Os fatos ou dados considerados pela perita para alcançar esta conclusão foram: a perícia realizada no local objeto da lide na data de 17 de dezembro de 2014 (Foto 2) e o histórico do presente processo junto ao Evento 1 e dos três processos minerários que existiram ou existem junto ao DNPM.
Com efeito, as conclusões expostas pela perita foram corroboradas pelo parecer técnico apresentado pelo assistente da autora – DNPM – no evento 108 – MEMORANDO2.
Logo, não houve extração ilegal.
Do mesmo modo, não há nos autos nenhum elemento que indique que houve de fato comercialização irregular de barro, conforme alegado na inicial, em descumprimento do art. 333, I do CPC. A acrescentar, o documento juntado no evento 1 – fl. 61 demonstra que de fato houve doação de material extraído por parte do autor para a Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, razão pela qual a comercialização irregular não está configurada.
Todavia, merece atenção o fato que segue.
É que após a limpeza do local, verificou-se a necessidade de adoção de medidas para evitar novos desmoronamentos, conforme o Relatório de Vistoria n. 113/09 (evento 1 – fl. 27-28). Ainda, verifico que o réu Augusto chegou a apresentar projeto de recuperação da área, o que foi autorizado pela Seinfra, conforme Certidão Informativa n. 680/2009 (evento 1 – fl. 20).
Contudo, a perita atestou que a obra de terraplanagem foi mal executada, causando danos, conforme conclusões que seguem:
c) Houve dano ao meio ambiente em decorrência da extração efetuada pelo réu? Em caso positivo, qual a extensão do dano e as medidas necessárias para recuperação do meio ambiente?
Resposta: Sim, houve dano ao meio ambiente em decorrência da obra de terraplenagem mal executada.
A extensão do dano abrange uma área de aproximadamente 2.000 m2, envolvendo um volume ao redor de 15.000m3, conforme medidas feitas no dia da perícia e com as distâncias calculadas no PRADE (Anexo 6).
As medidas necessárias para a recuperação do meio ambiente envolvem a recomposição da encosta com a construção de taludes e bancadas nesta porção da encosta do Morro do Forte no local objeto da lide, com drenagem das águas subterrâneas e superficiais, o que exigirá a contratação de profissional com conhecimento e experiência profissional para a elaboração dos projetos de terraplenagem, drenagem subterrânea, drenagem superficial além do acompanhamento da execução da obra.
Assim, a conduta ilícita por parte do réu Augusto resume-se à má execução do projeto de recuperação da área, elaborado às suas expensas, por terceiros por si contratados, razão pela qual a sua responsabilização se impõe.
Recuperação da área prejudicada
Com efeito, a perita designada nos autos sugeriu as medidas compensatórias adequadas e passíveis de implementação através de PRAD – Projeto de Recuperação da Área Degradada, em resposta aos quesitos ‘d’ e ‘e’ formulados pelo juízo, senão vejamos:
d) Sim, é possível a recuperação ambiental da área degradada.
As medidas compensatórias passíveis de implementação para a execução de Projeto de Recuperação da Área Degradada – PRAD na área objeto da lide devem envolver:
– levantamento topográfico da situação atual da encosta para servir de base para a elaboração de um projeto de terraplenagem;
– projeto de terraplenagem, dimensionando a extensão e altura dos taludes e bancadas;
– projeto de drenagem subterrânea da água do lençol freático que aflora na encosta;
– projeto de drenagem superficial da água da chuva;
– recobrimento dos taludes e bancadas com vegetação de gramíneas imediatamente após a fase de terraplenagem;
– apresentar por meio da Anotação da Responsabilidade Técnica (ART) os responsáveis técnicos pela elaboração dos projetos, execução e acompanhamento dos mesmos.
e) O retaludamento da encosta, com recobrimento vegetal de gramíneas, não garante por si só a perenidade da obra. Há necessidade de manutenção permanente para desobstrução do sistema de drenagem. Só assim a drenagem poderá cumprir a sua função, após cada período de chuvas intensas, evitando-se o seu entupimento e consequentemente novos deslizamentos, vista a ocorrência de uma nascente na encosta do morro, conforme verificado no dia da perícia (Foto 3).
Por tal razão, o acolhimento do pedido formulado no item ‘d’ da petição inicial é medida que se impõe, o que deve ser feito observando-se os critérios levantados pela experta. Obrigação esta que se impõe, a toda evidência, ao proprietário do imóvel, ou seja, ao réu Augusto.
Indenização por danos ambientais
No entanto, com relação ao pedido de condenação do réu na obrigação de pagar indenização pelos danos ambientais materiais, tenho que não pode ser acolhido. Isto porque a indenização em dinheiro pelo dano ambiental deve ter lugar apenas quando comprovada a inviabilidade técnica de recomposição da área e o retorno ao status quo ante, o que não restou comprovado nestes autos, mormente diante do próprio pedido da autora de que seja imposta oa réu a obrigação de efetuar a integral recuperação da área degradada. Portanto, não havendo comprovação da existência de danos irreversíveis causados pelo réu, entendo que não há espaço para a indenização.
Conduta da ré CNS
Finalmente, não há conduta ilícita a ser imputada à ré CNS Terraplanagem Ltda., que, segundo a inicial, teria efetuado a extração de minério do terreno do réu Augusto para fins de comercialização. Conforme já exposto, não houve comercialização irregular do material.
A acrescentar, extrai-se do documento acostado no evento 1 – fl. 134 (Ordem de Serviço n. 091/2011), que houve autorização da Secretaria de Estado da Defesa Civil para que a ré CNS executasse os serviços assim descritos: ‘777 horas de escavadeira hidráulica para auxiliar da recuperação do município de São Francisco do Sul/SC atingido por enxurrada no mês de janeiro, nas condições previstas na dispensa de licitação n. 283/SDC/2011)’.
Assim, a procedência parcial dos pedidos é medida que se impõe, com a obrigação do réu Augusto Gosdeki a proceder a recuperação da área em questão, de acordo com os critérios ora adotados, mencionados no laudo pericial.
Sobre o cerceamento de defesa suscitado pelo réu Augusto Gozdeki, anoto a descaracterização do mesmo, em virtude da desnecessidade da análise de cópia do processo administrativo em trâmite perante o DNPM para o deslinde do presente feito. A documentação constante dos autos mostra-se suficiente para a análise da demanda.
Em breve síntese pela compulsa dos autos, tem-se que em novembro/2008, após período de fortes chuvas, o Município de São Francisco do Sul/SC autorizou a retirada de árvores do Morro do Forte, que ameaçavam cair na residência ocupada por Augusto (evento100-LAU2 -Anexo1).
Feita a retirada, o Município autorizou a remoção do barro/saibro restante, pelo período de dois meses (evento100-LAU2-Anexo2), para estabilizar o terreno, assim como a remoção de outras árvores, visando evitar a ocorrência de outro deslizamento. Em 2009, foi recomendada pelo Corpo de Bombeiros a construção de taludes na área (evento100-LAU2-Anexo5), de modo a evitar novos deslizamentos.
Para tanto ao realizar o cumprimento das determinações houve extração material em excesso, o que deu causa a novos deslizamentos da encosta.
Verifico do laudo pericial que Houve dano ao meio ambiente em decorrência da obra de terraplanagem mal executada. A extensão do dano abrange uma área de aproximadamente 2.000 m², envolvendo um volume ao redor de 15.000 m³…
Na primeira ocorrência de desmoronamento, em novembro de 200, a área não havia sido requerida. No entanto, em 03/08/2010 a área foi requerida no processo 815.567/2010 em nome de Charles Nery da Silva e obteve o Alvará de Pesquisa 4.595/2011, datado de 20/4/2011. Após esta data, foi feita a Cessão total dos direitos minerários para a CNS Administração de Serviços Gerais, em 9/9/2012, o que gerou novo processo minerário, de número 815.783/2012. Em 10/3/2014 a CND Comércio e Serviços Ltda. apresentou ao DNPM um Requerimento de Mudança de Regime para Licenciamento (Anexo 13), um mês antes do Alvará de Pesquisa do processo minerário 815.783/2012 caducar, ou seja, antes de 20/4/2014.
Não cabe falar em minério extraído.
Conforme explicado anteriormente, não houve extração mineral na área objeto da perícia e sim obra de terraplenagem com remoção de material excedente para fora do local da obra o qual, segundo consta no Anexo9, foi doado m27/4/2010 para a Prefeitura de São Francisco do Sul, atendendo ao artigo 3º do Código de Mineração e a Portaria 441 de 2009. A retirada do material excedente foi feita entre janeiro de 2009 e julho de 2012, quando foi feita a vistoria pelo geólogo e pelo engenheiro agrônomo da FATMA. No dia da perícia não havia nenhum indício de movimentação de terra recente.
Não ocorreu extração mineral não autorizada e sim retirada do excesso do solo decorrente de obra de terraplanagem. O responsável pela execução da obra, segundo a vistoria feita por técnicos da Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, foi a CNS Administração de Serviços Gerais Ltda., contratada pelo senhor Augusto Gozdeski.
A remoção do minério foi feita estritamente por interferência humana. Embora deslizamentos representem uma das formas naturais de evolução da paisagem, não foi o que ocorreu no presente caso. Aqui, o que ocorreu foi deslizamento inicial causado por uma terraplanagem feita sem observância dos critérios técnicos necessários, o que induziu a ocorrência de novos deslizamentos.
Não houve deslizamento natural.
Houve deslizamento no local conforme o Corpo de Bombeiros (Anexo 5). No entanto, a remoção do material deslizado foi feita sem critério técnico, o que gerou a ocorrência de novos deslizamentos, numa sequência de retirada de material e novos deslizamentos.
A remoção inadequada do material é que gerou a ocorrência de novos deslizamentos.
Do ponto de vista técnico, o réu Augusto Gozdeki foi responsável por ter ordenado a retirada do material sem o devido acompanhamento técnico, ainda que com autorização da prefeitura de São Francisco do Sul e a CNS por ter retirado o material sem o necessário acompanhamento técnico, para evitar os novos desmoronamentos que se sucederam.
O réu Augusto Gozdeki provavelmente não tinha condições técnicas de saber sobre o dano que possivelmente estaria causando, bem como, a sua extensão e, por isso mesmo, deveria ter se assessorado com técnicos competentes justamente para evitar o agravamento da situação, como fato ocorreu.
… qualquer empresa deve sempre portar as devidas autorizações emitidas por órgãos públicos
Da análise processual e dos documentos que encartam a demanda, tenho que o réu Augusto Gozdeki, conquanto sempre tenha buscado as autorizações devidas para a retirada de material da encosta do morro (documentos de páginas 13-25 constantes no Evento 100-LAU2), deve sim, responder pelo excesso de retirada de material da encosta quando na atuação da empresa contratada para serviço de terraplanagem. Nos mesmos termos, considerou a sentença recorrida.
A ré CNS foi a executora do serviço contratado pela Defesa Civil. No Relatório de Vistoria emitido pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente consta a informação de que a exploração que ora se discute no presente autuado não se deu somente na propriedade do réu Augusto, como também em outras residências fixadas no entorno do referido morro. Nesse sentido, me parece que a ré CNS provavelmente tenha executado serviços de terraplanagem não só na encosta situada aos fundos da residência do réu Augusto, como também de outras residências ameaçadas/danificadas pelo deslizamento ocorrido no local. Tanto o é que detinha direitos de exploração mineral no local.
Conquanto entenda que a responsabilidade da fiscalização da execução dos serviços que lá estavam sendo realizados – considerando que se tratava de situação acompanhada pela Defesa Civil, não possa ser atribuída apenas aos particulares envolvidos no local, situação que me leva até a cogitar a responsabilidade do próprio autor da ação, enquanto protetor do meio ambiente – tenho que tampouco se pode excluir, como feito pela sentença recorrida, a responsabilização da empresa envolvida na terraplanagem e na retirada de material da encosta.
O material retirado da encosta foi, inclusive, doado à Prefeitura e recebido mediante assinatura de responsável, conforme comprova o anexo 9 do Evento100-LAU2. Não houve conclusão acerca de comercialização do material, o que não afasta a responsabilidade da empresa CNS, na medida em que executora do dano ambiental no local.
A omissão/ação do dever de proteção ambiental contribuiu efetivamente para a lesão do direito público subjetivo ao ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida, tutelado pelo art. 225, caput e inciso VII da Constituição Federal.
Ainda assim, é importante frisar que se está diante responsabilidade objetiva, máxime considerando ser o réu Augusto proprietário do imóvel onde ocorrido o dano ambiental (retirada de mineral da encosta em excesso) e ter o mesmo contratado a empresa que agiu diretamente para a existência do dano.
O fato de ser a ré CNS COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA ME, contratada pelo coréu, não lhe retira a responsabilidade pelo ocorrido – retirada de material em excesso, certo que conhecedora do meio ambiente afetado, contratada pela Defesa Civil do Estado de Santa Catarina para a retirada dos minerais deslizados.
A responsabilidade da CNS exsurge dos fatos e do laudo pericial:
A remoção do minério se deu por causas naturais ou estritamente interferência
humana?
Resposta: A remoção do minério foi feita estritamente por interferência humana. Embora deslizamentos representem uma das formas naturais de evolução da paisagem, não foi o que ocorreu no presente caso. Aqui, o que ocorreu foi um deslizamento inicial causado por uma terraplenagem feita sem observância dos critérios técnicos exigidos e posteriormente agravado pela retirada da base da encosta, novamente sem respeitar os critérios técnicos necessários, o que induziu a ocorrência de novos deslizamentos. (sem grifos no original)
A obra de terraplanagem foi executada em desatenção à planta de corte dos taludes (Evento100-LAU2-Anexo 6), ou seja, os réus removeram o material da encosta além da quantidade permitida, conforme consta no PRAD autorizado pela FATMA e pelo Município (Evento100-LAU2-Anexo 8), o que torna inviável que a responsabilidade fique a cargo somente a um dos réus. É a mesma responsabilidade solidária.
No caso em apreço, foi devidamente comprovado o nexo de causalidade entre as condutas desempenhadas pelos réus e o dano ocorrido, como se verifica do laudo pericial.
No mais, correta a sentença que priorizou a aplicação do princípio da reparação in natura e estabeleceu a condenação em realização de PRAD, obrigação agora direcionada também à ré CNS que, conforme a fundamentação acima exposta, agiu sem cautela na execução de obra de terraplanagem e também deu causa ao dano ambiental gerado pelo deslizamento de parte da encosta.
Friso que ainda que possível a este Colegiado, dentre as medidas cabíveis para o retorno do equilíbrio ambiental, ditar a cumulação de obrigação de pagar aquela de elaborar plano de recuperação ambiental, tenho que a obrigação de fazer determinada mostra-se medida suficiente para promover a completa reparação do local degradado.
Por oportuno, transcrevo excerto de julgamento desta Quarta Turma, que bem elucida a questão:
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM DUNAS. DANOS AO MEIO AMBIENTE. RECUPERAÇÃO IN NATURA E INDENIZAÇÃO. CUMULAÇÃO. 1. Em sendo incontroverso que a área litigiosa classifica-se como de preservação permanente, por ser região com vegetação de restinga fixadora de dunas, é inafastável o dever do agente à integral recuperação do meio ambiente degradado. 2. Se a recuperação in natura é suficiente para a recomposição do meio ambiente degradado, não há razão para impor ao infrator, cumulativamente, o dever de indenizar em pecúnia o dano perpetrado. 3. A responsabilidade do Município à restauração do meio ambiente é solidária, uma vez que a obra irregular foi autorizada, mediante a concessão de alvará em desacordo com a legislação ambiental.
(TRF-4 – APELREEX: 50026449320124047101 RS 5002644-93.2012.404.7101, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 10/12/2015, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 06/01/2016) – sem grifos no original
Ante o exposto, voto por negar provimento aos apelos de Augusto Gozdeki e do MPF e dar provimento à apelação do Município.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000419-23.2014.4.04.7201/SC
RELATOR
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LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
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APELANTE
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AUGUSTO GOZDEKI
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ADVOGADO
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CLAITON RODRIGUES MEIRA
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APELANTE
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MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DO SUL
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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APELADO
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CNS COMERCIO E SERVICOS LTDA – ME
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ADVOGADO
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FÁBIO ALESSANDRO MACHADO
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INTERESSADO
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DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL – DNPM
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UNIDADE EXTERNA
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PAB JUSTIÇA FEDERAL JOINVILLE
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ED ALCEU GERBER
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ERLI APARECIDA SCHROEDER
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INTERESSADO
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UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
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EMENTA
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. OBRA DE TERRAPLANAGEM. RETIRADA DE MATERIAL DE ENCOSTA. DESLIZAMENTOS. DANO AMBIENTAL. PRAD. INDENIZAÇÃO DESCABIDA.
1- Seria desarrazoado atribuir a somente um dos réus a responsabilidade pela fiscalização da execução do serviço de terraplanagem, que também deveria ter sido fiscalizado pelo Município de São Francisco do Sul/SC, por intermédio de seus responsáveis técnicos e órgãos fiscalizadores.
2- A executora do serviço de terraplanagem agiu com inobservância da cautela necessária para o procedimento licenciado pelo Município. Devidamente comprovado o nexo de causalidade entre a conduta desempenhada pelos réus e o dano ocorrido, pois, foram responsáveis pela realização de obra de terraplanagem e extração de material em demasia da encosta, ocasionando novos deslizamentos.
3- Ainda que permitida a cumulação de obrigação de pagar com a de fazer – reparação do dano in natura, devem ser considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para a aplicação da responsabilidade civil ambiental, situação que no caso afasta a condenação em indenização.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, por negar provimento à apelação de Augusto Gozdeki e do MPF e dar provimento à apelação do Município, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 06 de julho de 2016.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator