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A Lei 14.285/2021 e o Tema 1010 do STJ – como ficam as construções às margens dos cursos d’água?

por Rogério Reis Devisate.

 

Em abril de 2021, o STJ – Superior Tribunal de Justiça decidiu aplicar retroativamente o Código Florestal de 2012 em face das construções existentes às margens dos cursos d`água, tanto nas áreas urbanas quanto nas áreas rurais.

Na prática, todas as construções (mesmo as já existentes) estariam sujeitas aos limites de 30 a 500 metros, categorizadores de áreas não edificáveis pelo art. 4º, do Código Florestal/2012 – em lugar dos 15 metros previstos na Lei Federal nº 6.766/79.

O STJ – Superior Tribunal de Justiça o fez pelo Tema 1010, assim elaborado:

“Questão submetida a julgamento

Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d’água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea ‘a‘, da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.

Tese Firmada

Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.” (fonte https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=1010&cod_tema_final=1010)

Para adequada compreensão desse imbróglio e a sua relevância para o Sistema Jurídico e as nossas vidas, relembramos que ainda não transitou em julgado o Recurso Especial Repetitivo em torno do qual se fixou o Tema 1.010 – e, por tal motivo, na prática ainda não gerou o caos em nossas vidas.

O caso concreto iniciou-se por ter autoridade de município catarinense indeferido o pedido de reforma de construção já existente há tempos, em área urbana. Qual reforma? A substituição de madeira por alvenaria!

O mencionado indeferimento foi embasado no Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012, que fixa o limite de 30 a 500 metros, dependendo da largura do rio — artigo 4º) e não da Lei Federal que trata do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/79, que prevê área não edificável em faixa mínima de 15 metros). Em grau de recurso a matéria chegou ao STJ – Superior Tribunal de Justiça que, em grande resumo, pelo mencionado Tema 1.010, entendeu que prevaleceria o Código Florestal e esse paradigma seria vinculador para todo o Sistema Judiciário Nacional, a partir do momento em que transitasse em julgado a decisão.

Como outros prestigiosos profissionais, atuamos no caso e oferecemos ao STJ – Superior Tribunal de Justiça elementos para a ponderação dos múltiplos interesses em jogo, alvitrando a modulação dos efeitos da decisão. Até requeremos que a Corte considerasse se as pontes construídas sobre os rios também ficariam sujeitas àquela decisão e quiçá à demolição, uma vez que as suas pilastras estariam cravadas nos cursos d`água e nas margens dos rios!

O tema envolve o princípio da confiança e da estabilidade das relações jurídicas, já que nos faz indagar se prevaleceria o Direito Adquirido e o Ato Jurídico Perfeito expressamente tratados na Constituição Federal ou a retroatividade absoluta de uma lei federal (Código Florestal, de 2012)?

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça ainda não modulou os efeitos da decisão ex officio e também ainda não o fez a requerimento de partes, interessados ou Amicus Curiae.

A grande repercussão na sociedade e entre os pensadores do Direito também atingiu o Congresso Nacional, que modificou a legislação, no apagar das luzes de 2021, mediante a Lei Federal 14.285, sancionada em 29.12.2021 e que começou a viger em 30.12.2021.

Como consta no site da Câmara dos Deputados, a novel norma foi resposta direta ao caos que geraria o Tema 1010:

“O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em abril deste ano que essas regras também devem ser aplicadas a áreas urbanas, em vez da faixa de 15 metros estipulada na Lei de Parcelamento do Solo Urbano.” (fonte https://www.camara.leg.br/noticias/799893-CAMARA-APROVA-MUNICIPALIZACAO-DE-REGRAS-DE-PROTECAO-DE-RIOS-EM-AREA-URBANA)

Com isso, o Congresso Nacional agiu e, como tudo começou em processo originário do Estado de Santa Catarina, nada mais natural que o novel Projeto de Lei fosse apresentado por eminente Deputado Federal daquele aprazível ente federativo.  Foi o Deputado Federal Rogério Peninha Mendonça (MDB/SC) que o fez e, na proposição, lemos:

“A providência procura corrigir inadequação presente na Lei nº 12.651, de 2012 (Lei Florestal), que, em variados casos, fixa limites de APP iguais para zonas rurais e urbana […] “Ocorre que em tais hipóteses não se enquadram diversas situações muito frequentes em áreas urbanas, tais como construções privadas e públicas próximas a encostas e a cursos ou corpos d’água. Em razão disso, inúmeros administradores municipais se encontram em situação desconfortável, pois, sem ter como fazer cumprir os limites fixados pela Lei Florestal, são constantemente pressionados e questionados pelo Ministério Público” (fonte https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1737096&filename=PL+2510/2019).

Assim, ao entrar em vigor em 30 de dezembro de 2021, a nova norma federal incide na base dos fundamentos da decisão proferida pela 1ª Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Para alimentar o quadro de extrema importância da matéria, enquanto ainda nos acostumávamos com o comentado Tema 1.010, eis que, em 08.06.2021, o STF – Supremo Tribunal Federal decide em prol do Código Florestal, falando em ser aplicável “com eficácia retroativa sobre fato passado” (Reclamação 39.991), enquanto também já decidiu que pensar que “o novo código não poderia alcançar fatos pretéritos, resulta no esvaziamento da eficácia da referida norma, cuja validade constitucional foi afirmada por esta Corte” (STF, RE 1.051.404 -AgR/SP).

Certamente mais sensível diante das perceptíveis imensas repercussões na vida das pessoas e no cotidiano das cidades, pela nova norma o Congresso Nacional passou a atribuir aos municípios a competência para tratar das áreas de preservação permanente no entorno de cursos d’água – em áreas urbanas consolidadas.

É crível que o Poder Legislativo concluiu que a original boa ideia contextual do Código Florestal exigiu pronta revisão diante da realidade despertada pelo Tema 1010/STJ, suso referido.

Assim, o Poder Legislativo modulou, no próprio Parlamento, os efeitos da ideal norma que editou, por exigência do mundo real e dos insistentes fatos que envolvem a vida das pessoas e a pulsante vibração das cidades.

É a realidade cobrando juízo das ideias.

Rogério Reis Devisate
Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU, Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Associado ao IBAP e à UBE. Autor de vários artigos e dos livros Grilos e Gafanhotos Grilagem e Poder, Diamantes no Sertão Garimpeiro e Grilagem das Terras e da Soberania. Instagram @rogeriodevisate

Direito Ambiental

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Lei das Áreas de Preservação Permanentes – APPs urbanas

 

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