sexta-feira , 29 março 2024
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ESG em 2022: mantendo os dois pés no chão

Luciana Vianna Pereira

Márcio Mazzaro

Brasil, 2021: ano em que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) começaram a internalizar compromissos internacionais que vinham assumindo através de normas que pretendem fazer com que investimentos, financiamentos, empréstimos e seguros passem a considerar o ESG; mas ano também em foram ligados os holofotes sobre o “irmão feio” do ESG (greenwashing, ESGwashing, etc.) que, ora gerou ação judicial contra a falta de diversidade em empresa que difundia o ESG aos quatro ventos, ora expôs um prestigiado  banco e uma famosa marca de cerveja a duras críticas pelo agronegócio nacional, menosprezando suas pífias iniciativas de marketing.

Portanto, por este contexto, no mundo ainda sob os efeitos econômicos da COVID e até pelo tom da recente COP26 do Clima, parece que 2022 não dará muito espaço a compromissos ousados ou que demandem investimentos massivos. Por outro lado, a visão de que a boa ou má gestão ESG impactam a capacidade financeira das empresas se assemelha àquelas imagens de ilusão ótica, pois a partir do instante em que se vislumbra o elemento escondido, fica impossível deixar de vê-lo.

Com isso, o objetivo deste artigo é, senão outro, o de trazer algumas expectativas para o ESG em 2022, na tentativa de ajudar empresas brasileiras a elaborar suas políticas internas. 

Vamos por temas:

  1. Uma lupa sobre fundos e investimentos verdes

Fundos e títulos ESG ainda devem crescer bastante. Mas com o aumento da oferta, do conhecimento sobre o tema e dos regulamentos específicos, imagina-se que haverá cada vez mais cautela sobre eles. Para investimentos diretos, começam a ser publicados artigos sugerindo a substituição da estratégia de desinvestimento por uma de manutenção, monitoramento e “incentivo” para transição ESG. Provavelmente ouviremos falar bastante do ativismo societário, litigância ESG e climática, divergências entre acionistas buscando lucratividade imediata e sustentabilidade econômica. Deve crescer, ainda, a noção de que envolver especialistas ambientais, de RH, de direitos humanos é imprescindível para o sucesso das operações.

      2. Ambiental, para além do Clima; Social, para além da diversidade

Fatos como o lançamento da Força Tarefa para Divulgação de Informações Financeiras relativas à Natureza (TNFD) e a realização da COP 15, a ser concluída em 2022, jogam luz sobre a biodiversidade. Somado a isso, as pressões do preço da energia no mercado europeu ampliam a percepção de que focar só em um dos subitens do “E” (ou do “A”), ou dissociá-lo do “S”, não funciona. 2022 deve acirrar os debates sobre impactos de medidas para proteção ambiental sobre a vida das pessoas e vice-versa.

Especificamente sobre o “S”, compliance trabalhista, ausência de passivos, bem-estar de empregados, competência, oportunidades para quem mais precisa, devem ampliar a visão que muitas companhias ainda têm de que falar do “S” no ESG é falar de diversidade de gênero. Claro que não é só isso!

Seria maravilhoso se víssemos a diversidade abranger visões diferentes de mundo. Mas é pouco provável que isso ocorra ainda em 2022. Quem sabe em 2023… 

      3. Tecnologia, cybersegurança, dados — o que falta na Governança

Quanto mais dependentes nos tornamos da tecnologia, mais sua falha pode ser o próximo “Black Swan”. Se a governança corporativa já está relativamente consolidada no Brasil, os elementos relacionados à governança tecnológica ainda precisam ser desenvolvidos. Devemos ouvir falar mais disso em 2022, até porque, em termos do ambiente corporativo público, já é uma cobrança advinda dos órgãos controladores para que sejam demonstradas as iniciativas nos relatórios obrigatórios.  

     4. Por um só formato de Relatório ESG

Ao longo de 2020 e 2021, vimos fusões e cooperação entre associações internacionais responsáveis por padrões de relatórios de sustentabilidade. Primeiro, a International Integrated Reporting Council (IIRC) se uniu à Sustainability Accounting Standards Board – SASB, responsável pelo segundo padrão mais adotado mundialmente para certificação de relatórios de sustentabilidade. Ambos formaram a Value Reporting Foundation – VRF, que, no final de 2021, se uniu à Climate Disclosure Standards Board – CDSB para integrar e apoiar o International Sustainability Standards Board – ISSB, braço da International Financial Reporting Standards Foundation – IFRS, criado para desenvolver um padrão unificado de relatório de sustentabilidade que dialogue com os padrões contábeis internacionais. 

Por último, foi a vez da primeira certificadora do mundo de relatórios de sustentabilidade, a Global Reporting Initiative – GRI também declarar apoio à iniciativa ISSB. 

A unificação esperada deve facilitar a vida de empresas e investidores, dando um norte único que congregue transparência e adequação da informação e comparabilidade entre empreendimentos.

     5. Integração real entre o “A”, o “S” e o “G”: um desejo de um ESG mais “Copa” e menos “Eleições” em 2022

O recém-lançado 17º Relatório Global de Riscos elaborado pelo Fórum Econômico Mundial traz como 4º risco mais percebido pelo mercado, com chances de causar um impacto severo na economia mundial, a erosão da coesão social. Um pouco da nossa falta de otimismo sobre uma visão mais ampla do “S” se deve a esta conclusão.

Mas, como empresas têm mais força que muitos Governos para promover mudanças, o norte do ESG em 2022 deve ser de uma visão integrativa desses elementos, ao invés de mantê-los em caixas estanques. 

O conceito de dupla materialidade é crucial no processo, mas a materialidade setorial não basta. É preciso olhar a interdependência e a integração dos três elementos.

    6. Regulação da agenda ESG pelo Poder Público: qual o impacto que ela trará ao mercado? 

Além da necessidade do trabalho conjunto entre as ações que compõem o conceito de sustentabilidade, não se pode descuidar da questão do engajamento da ética no contexto da governança, e para isso, embora os regulamentos existam, é possível que se iniciem discussões no Parlamento, por normas e metas a serem buscadas. 

É possível que se regulamente também o mercado de carbono (já se discute a criação de um mercado de carbono para o setor de energia), o que pode fomentar uma das mais comuns iniciativas de captação de recursos no mercado ESG. Mas, é preciso acompanhar e evitar tentativas de burocratizar o ESG por aqui. 

A voluntariedade das relações ainda é o maior motor do mercado. E se o ESG é um movimento que surge no seio do mercado, tentativas estatais de coloca-lo dentro de uma caixa fechada, não o estimularão, mas ceifarão seu real potencial. 

***

Por tudo isso, e considerando que a sustentabilidade adquiriu seu ápice no mundo dos negócios, para uma boa política ESG em 2022, empresas devem endereçar e pensar ações que integrem os três elementos do ESG, compreender seu propósito, identificar o que é material mas, acima de tudo, ser realistas e manter os dois pés no chão.

 

(Luciana Viana Pereira é advogada com 18 anos de experiência em consultoria e assessoria jurídica para empresas nacionais e internacionais, tendo sempre atuado simultaneamente nas áreas societária, contratual, seguros, ambiental e consumidor. É pós graduada em Direito Ambiental pela PUC-Rio e em Gestão Ambiental pela COPPE-UFRJ. Mestranda pela Universidade Autónoma de Lisboa, é autora de diversos artigos, capítulos de livros e professora em cursos de pós-graduação. Ministrou e coordenou 3 cursos sobre ESG, formando mais de 80 alunos.)

(Márcio Mazzaro é Procurador Estatal da Conab e advogado com 40 anos de profissão, sócio do Escritório Sant´Anna & Mazzaro Advogados Associados. É pós-graduado em Processo Civil e especialização em Direito e Processo Disciplinar, pela FUNCEP/ENAP, em Direito Ambiental, pela Fundação Getúlio Vargas e em Propriedade Intelectual e Inovação do Agronegócio, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Foi professor universitário e tem ministrado diversos cursos e palestras nos temas de sua especialização, além de ser autor e coautor de vários artigos e capítulos de livros técnicos/jurídicos na sua área.)

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