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Direito Ambiental: TJSP determina que resíduos de mercúrio devem ser tratados ainda dentro das indústrias químicas

Desembargador afirmou que o município de Cubatão, no litoral de São Paulo, sofre há muito tempo os efeitos negativos da contaminação pelo metal não degradável

O desembargador federal André Nabarrete, da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), concedeu liminar para determinar a uma indústria química que, no prazo de 12 meses, deixe de usar células de mercúrio em seu processo produtivo. Localizada no município de Cubatão, no litoral paulista, a indústria também está proibida de transportar resíduos mercuriais para fora de suas dependências sem o integral tratamento.

Segundo o desembargador, o município de Cubatão sofre já muito tempo os efeitos negativos do uso de mercúrio, que se agravam a cada dia, em razão do efeito acumulativo dos resíduos. “O mercúrio não é degradável e, lançado ao rio Cubatão, ameaça à saúde da fauna íctia, inclusive da população ribeirinha, que fica ambientalmente exposta a tal ecossistema aquático, além de prejudicar também a atividade pesqueira, a comprometer sua subsistência”, explicou.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com a ação na Justiça Federal pedindo uma série de providências contra a Carbocloro Oxypar Indústrias Químicas S/A, após diversas autuações sofridas pela empresa em razão da emissão de efluentes contaminados com substâncias tóxicas, em especial o mercúrio, consoante autos de inspeção e de infração lavrados entre os anos de 2002 e 2010. Há comprovação, ainda, de que um sobrevoo na região constatou mancha nas águas do Rio Cubatão, que era proveniente da saída geral de efluentes industriais da Planta Cloro-Soda GE02 da empresa.

Segundo informação técnica da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), estudos realizados em animais demonstram os graves malefícios da substância, sendo altamente tóxico ao homem, sendo que doses de 3 a 30 gramas são fatais. O mercúrio apresenta, ainda, efeito cumulativo e provoca lesões cerebrais.

“A intoxicação aguda pelo mercúrio, no homem, é caracterizada por náuseas, vômitos, dores abdominais, diarreia, danos nos ossos e morte. Essa intoxicação pode ser fatal em 10 dias. A intoxicação crônica afeta glândulas salivares, rins e altera as funções psicológicas e psicomotoras”, apontou a companhia.

Ainda segundo a Cetesb, “a utilização pela empresa de células eletrolíticas à base de mercúrio em seu processo de fabricação de cloro e soda cáustica é por si só prejudicial e obsoleto”.

O desembargador federal André Nabarrete explicou que o acolhimento da medida encontra guarida no sistema constitucional brasileiro, que prevê o direito fundamental à proteção integral do meio ambiente para as presentes e futuras gerações (artigo 225, “caput”, CF); nos princípios constitucionais da prevenção, da precaução, da cooperação internacional entre os povos e da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente (artigo 225, “caput” e parágrafo 1º, CF; item 17 Declaração de Estocolmo de 1972); e na possibilidade de inversão do ônus da prova em matéria ambiental.

Como consequência, ele considerou que os elementos presentes nos autos são suficientes para deferir a liminar quanto as obrigações de não fazer. Porém, “os pedidos que se traduzem em obrigações de fazer demandam a realização de prova pericial, à vista da necessidade da adoção de providências técnicas”. Assim, a Quarta Turma concedeu parcial provimento ao Agravo Legal.

Agravo Legal em Agravo de Instrumento nº 0028427-60.2015.4.03.0000/SP

Fonte: TRF3, 30/08/2016

 

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Confira a íntegra da decisão:

AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0028427-60.2015.4.03.0000/SP
2015.03.00.028427-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal MARLI FERREIRA
REL. ACÓRDÃO : Desembargador Federal André Nabarrete
AGRAVANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : ANTONIO JOSE DONIZETTI MOLINA DALOIA e outro(a)
AGRAVADO(A) : CARBOCLORO OXYPAR INDS/ QUIMICAS S/A
ADVOGADO : SP016170 JOSE LUIZ DIAS CAMPOS e outro(a)
PARTE AUTORA : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP189227 ESTEVAO FIGUEIREDO CHEIDA MOTA e outro(a)
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE SANTOS > 4ªSSJ > SP
AGRAVADA : DECISÃO DE FOLHAS
No. ORIG. : 00090596220104036104 1 Vr SANTOS/SP

EMENTA

PROCESSO CIVIL. AGRAVO. ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. DIREITO AMBIENTAL. UTILIZAÇÃO E DESCARTE DE MERCÚRIO. DANO AMBIENTAL. LEI Nº 9.976/2000. PROVA PERICIAL. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO.
– A área sub judice sofre há longo tempo os efeitos negativos do uso de mercúrio, os quais se agravam a cada dia, dado o efeito acumulativo dos resíduos. O mercúrio não é degradável e, lançado ao rio Cubatão, ameaça a saúde da fauna íctia, inclusive da população ribeirinha, que fica ambientalmente exposta a tal ecossistema aquático, além de prejudicar também a atividade pesqueira, a comprometer sua subsistência.
– O acolhimento da medida encontra guarida no sistema constitucional brasileiro, que prevê o direito fundamental à proteção integral do meio ambiente para as presentes e futuras gerações (artigo 225, “caput”, CF), nos princípios constitucionais da prevenção, da precaução, da cooperação internacional entre os povos e da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente (art. 225, “caput” e parágrafo 1º, CF; item 17 Declaração de Estocolmo de 1972) e na possibilidade de inversão do ônus da prova em matéria ambiental.
– O autor intenta que a agravada cesse o uso das células de mercúrio no prazo de doze meses. A Lei nº 9.976/2000 condiciona seu uso à comprovação de que seu descarte esteja em consonância com as exigências prescritas em seu artigo 2º, de modo que deve ser observado na interpretação do pedido apresentado, a fim de que se dê a máxima proteção ao direito tutelado. Assim, é de se manter a produção da empresa ré nos exatos termos da Lei nº 9.976/2000, satisfeitas todas as exigências legais, em especial de seu artigo 2º, no tocante ao descarte e tratamento dos resíduos mercuriais.
– Recurso provido em parte.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo legal para deferir os pedidos liminares de cessação do uso das células de mercúrio em seu processo produtivo e de obrigação de não efetuar o transporte de resíduos mercuriais para fora da indústria sem o integral tratamento, nos termos das exigências do artigo 2º da Lei nº 9.976/2000, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

 

São Paulo, 15 de junho de 2016.
André Nabarrete
Relator para o acórdão

 

VOTO CONDUTOR

Agravo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão singular do Relator que negou seguimento ao agravo de instrumento que interpôs contra decisum que, em ação civil pública, acolheu a proposta de honorários do expert e reputou indispensável a realização da prova pericial para a concessão da liminar pleiteada (fls. 15/17).

O eminente Juiz Federal Convocado Marcelo Guerra votou no sentido de negar provimento ao recurso por entender indispensável a produção da aludida prova. Divirjo, todavia.

A documentação acostada, que acompanhou a inicial da ação civil pública originária, revela-se suficiente para embasar o deferimento parcial do pleito liminar ministerial, especificamente os itens “c” (obrigação de cessar o uso das células de mercúrio em seu processo produtivo no prazo máximo de doze meses) e “e” (obrigação de não efetuar o transporte de resíduos mercuriais para fora da indústria sem seu integral tratamento), que se traduzem em obrigações de não fazer (fls. 34/35). Há diversos elementos nos autos que revelam a presença dos requisitos hábeis a tal acolhimento:

a) a empresa sofreu diversas autuações em razão da emissão de efluentes contaminados com substâncias tóxicas, em especial o mercúrio, consoante os autos de inspeção e de infração de fls. 54/78, 176/187, lavrados entre os anos de 2002 e 2010.

b) procedimento administrativo nº 1.34.012.000142/2005-17, em cujo bojo há comprovação de que um sobrevoo na região constatou mancha nas águas do Rio Cubatão, a qual era proveniente da saída geral de efluentes industriais da Planta Cloro-Soda GE02 da empresa Carbocloro;

c) informação técnica nº 139/2004-CBx-C, da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB, com relato sobre a fiscalização realizada em 13 e 14/08/2004. Coletados e examinados efluentes líquidos na saída GE02 e verificadas diversas irregularidades em pontos de lançamento da requerida, com destaque para o elevado nível de pH (fls. 42/46);

d) informação técnica nº 062/2005 prestada pela CETESB (fls. 80/86) e juntada de estudos realizados em animais que demonstram os graves malefícios (inclusive possibilidade de morte) das substâncias identificadas, com destaque para o mercúrio: “o mercúrio é também usado em células eletrolíticas para produção de cloro e soda e em certos praguicidas ditos mercuriais. Pode ainda ser usado em indústrias de produtos medicinais, desinfetantes e pigmentos. É altamente tóxico ao homem, sendo que doses de 3 a 30 gramas são fatais. Apresenta efeito cumulativo e provoca lesões cerebrais. É bastante conhecido o episódio de Minamata, no Japão, onde grande quantidade de mercúrio orgânico, o metil mercúrio, que é mais tóxico que o mercúrio metálico, foi lançado por uma indústria, contaminando peixes e habitantes da região, provocando graves lesões neurológicas e mortes. O padrão de potabilidade fixado pela Portaria 1469 do Ministério da Saúde é de 0,001 mg/L. Os efeitos sobre os ecossistemas aquáticos são igualmente sérios, de forma que os padrões de classificação das águas naturais são também bastante restritivos com relação a este parâmetro. As concentrações de mercúrio em águas doces não contaminadas estão normalmente em torno de 50 ng/L. Entre as fontes antropogênicas de mercúrio no meio aquático destacam-se as indústrias cloro-álcali de células de mercúrio, vários processos de mineração e fundição, efluentes de estação de tratamento de esgotos, fabricação de certos produtos odontológicos e farmacêuticos, indústrias de tinta, etc. O peixe é um dos maiores contribuintes para a carga de mercúrio no corpo humano, sendo que o mercúrio mostra-se mais tóxico na forma de compostos organo-metálicos. A intoxicação aguda pelo mercúrio, no homem, é caracterizada por náuseas, vômitos, dores abdominais, diarreia, danos nos ossos e morte. Essa intoxicação pode ser fatal em 10 dias. A intoxicação crônica afeta glândulas salivares, rins e altera as funções psicológicas e psicomotoras.”

e) informação técnica nº 62/2006 da CETESB (fls. 99/103), que comprova a utilização pela agravada, em seu processo de fabricação de cloro e soda cáustica, de células eletrolíticas à base de mercúrio, por si só prejudicial e obsoleto: “atualmente a Carbocloro possui uma Estação de Tratamento de Efluentes Líquidos Industriais, que trata toda a água utilizada no processo, lavagem de pisos e equipamentos e águas pluviais contaminadas com mercúrio. A empresa possui um destilador elétrico de resíduos sólidos contaminados com mercúrio, objetivando sua recuperação na forma metálica e a reciclagem para o processo de eletrólise, contudo, mesmo após a destilação, a concentração de mercúrio no resíduo ainda o classifica como resíduo perigoso Classe I.”

f) informação técnica nº 193/2010 da CETESB (fls. 108/109), segundo a qual: “quanto às pendências ambientais segue no anexo II, com cópia do AIIPA nº 25000829, lavrado em 25/04/2008, devido Contaminação do solo e das águas subterrâneas por 1,2 Dicloetano, proveniente da área de produção de EDC e cópia do AIIPA nº 25000830, lavrado em 03/07/2008, devido Lançamento de efluente industrial no Rio Cubatão (classe 3) proveniente da Estação de Neutralização em desacordo com o estabelecido na legislação estadual e federal vigentes.

g) inquérito civil nº 14.0700.0000013/2011-1, em sede do qual foi feita apuração de contaminação do aterro de Tremembé, de propriedade da empresa Resicontrol Soluções Ambientais, utilizado pela Carbocloro para lançamento dos resíduos, bem como apontadas as providências necessárias para ser evitada a ocorrência de danos ambientais ou para recuperação dos prejuízos, bem como realizado exame quanto à ampliação do aterro (fls. 331/387): “constatou-se que ambas as unidades (aterros de resíduos classes IIA e IIB e aterro para resíduos classe I) causaram degradação ao meio ambiente, por intervenções do curso d’água, com alterações ao ecossistema a ele associado, além da supressão e/ou impedimento de regeneração de vegetação em APP por obras de escavação e aterro. (…) Outros impactos ao meio ambiente foram comentados na oportunidade, principalmente aqueles relacionados à exalação de odores e aos riscos de contaminação das águas superficiais e subterrâneas com consequente risco à saúde pública. Como o transporte dos resíduos, inclusive os perigosos, era realizado por caminhões em estradas estreitas e sinuosas, passando inclusive em frente à escola EEPGR Fazenda Maristela, comentou-se sobre os impactos e riscos que os alunos seriam submetidos. (…) foi pontuado o risco de contaminação e vazamento, desta volta, em decorrência das intervenções em recursos hídricos no interior do empreendimento (canalizações) e das técnicas pouco seguras empregadas para a impermeabilização das valas e armazenamento dos resíduos. Neste mesmo âmbito, foi colocado que uma eventual falha construtiva ou ruptura por deformações excessivas poderia acarretar a contaminação direta dos cursos d’água, com possibilidades remotas de mediação. (…) Destacamos também a percepção de odores ofensivos em áreas externas do empreendimento pelas técnicas que procederam à vistoria, em desacordo com o que preconiza o Art. 33 do Decreto nº 8468/1976 (atualizado com a redação do Decreto nº 54.487/2009) e com a Licença de Instalação do empreendimento, o que pode ser associado, em parte, à quantidade de rejeitos expostos e, em parte, a falhas da implantação de cortina vegetal. Cabe ressaltar que a emanação de odores pelo empreendimento é uma reclamação recorrente dos moradores das imediações (…).” (grifo original)

Note-se que a área sub judice sofre há longo tempo os efeitos negativos do uso de mercúrio, os quais se agravam a cada dia, dado o efeito acumulativo dos resíduos. O mercúrio não é degradável e, lançado ao rio Cubatão, ameaça a saúde da fauna íctia, inclusive da população ribeirinha, que fica ambientalmente exposta a tal ecossistema aquático, além de prejudicar também a atividade pesqueira, a comprometer sua subsistência.

O acolhimento da medida encontra guarida no sistema constitucional brasileiro, que prevê o direito fundamental à proteção integral do meio ambiente para as presentes e futuras gerações (artigo 225, “caput”, CF), nos princípios constitucionais da prevenção, da precaução, da cooperação internacional entre os povos e da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente (art. 225, “caput” e parágrafo 1º, CF; item 17 Declaração de Estocolmo de 1972) e na possibilidade de inversão do ônus da prova em matéria ambiental, bem destacada no REsp n.º 200601451399 (883656), de relatoria do Min. Herman Benjamin: “No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta, (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação e outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo). Como corolário do princípio in dubio pro natura, “justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do artigo 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei n.º 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução”.

O IBAMA, diante desse contexto, na qualidade de responsável pela fiscalização das atividades que fazem uso do mercúrio, inclusive a emissão de autorização para importação, produção, comercialização (Lei nº 6.938/1981), está a se demonstrar omisso, pois o descarte indevido viola os regramentos da proteção ambiental, com risco de contaminação do meio ambiente e da saúde com risco de irreversibilidade.

Anote-se que o autor intenta que a agravada cesse o uso das células de mercúrio no prazo de doze meses. A Lei nº 9.976/2000 condiciona seu uso à comprovação de que seu descarte esteja em consonância com as exigências prescritas em seu artigo 2º, de modo que deve ser observado na interpretação do pedido apresentado, a fim de que se dê a máxima proteção ao direito tutelado: “O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: ‘O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, ‘os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide’. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que ‘não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda’. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita'” (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).

São inúmeros, portanto, os danos causados pelo indevido descarte de mercúrio, situação que está de fato demonstrada, suficientes os elementos acostados para ser deferida a liminar postulada quanto às obrigações de não fazer incontinenti.

No mais, concordo com o Relator que os pedidos que se traduzem em obrigações de fazer demandam a realização de prova pericial, à vista da necessidade da adoção de providências técnicas.

Assim considerado, é de se manter a produção da empresa ré nos exatos termos da Lei nº 9.976/2000, satisfeitas todas as exigências legais, em especial de seu artigo 2º, no tocante ao descarte e tratamento dos resíduos mercuriais:

“Art. 2º. Ficam mantidas as tecnologias atualmente em uso no País para a produção de cloro pelo processo de eletrólise, desde que observadas as seguintes práticas pelas indústrias produtoras:

I – cumprimento da legislação de segurança, saúde no trabalho e meio ambiente vigente;
II – análise de riscos com base em regulamentos e normas legais vigentes;
III – plano interno de proteção à comunidade interna e externa em situações de emergência;
IV – plano de proteção ambiental que inclua o registro das emissões;
V – controle gerencial do mercúrio nas empresas que utilizem tecnologia a mercúrio, com obrigatoriedade de:
a. sistema de reciclagem e/ou tratamento de todos os efluentes, emissões e resíduos mercuriais;
b. paredes, pisos e demais instalações construídas de forma a minimizar perdas de mercúrio;
c. operações de manuseio, recuperação, manutenção e armazenagem de mercúrio que evitem a contaminação dos locais de trabalho e do meio ambiente;
d. avaliações ambientais conforme normas específicas para este agente;
(…)”

Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo legal para deferir os pedidos liminares de cessação do uso das células de mercúrio em seu processo produtivo e de obrigação de não efetuar o transporte de resíduos mercuriais para fora da indústria sem o integral tratamento, nos termos das exigências do artigo 2º da Lei nº 9.976/2000.

É como voto.

André Nabarrete 

Desembargador Federal

 

RELATÓRIO

Trata-se de agravo legal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão que negou seguimento ao recurso, nos termos do artigo 557 do CPC de 1973.

Sustenta o agravante que a interposição do presente recurso não implicará supressão de instância e ainda trará efetividade à Lei nº 9.976/2000, que prevê práticas preventivas à contaminação por mercúrio, à luz da norma do princípio do controle do risco preconizado no art. 225, §1º, V, da Constituição Federal de 1988 e conforme a Lei nº 12.608/2012, ao prescreveram o controle da produção, métodos, técnicas e substâncias que comportem risco para a vida, qualidade de vida e o meio ambiente.

Salienta, no tocante ao aspecto processual, que a devolutividade restrita do agravo de instrumento não será maculada pela concessão do pedido liminar pleiteado, visto que o ponto recorrido não deixou de ser analisado pela instância a quo, ainda que perfunctoriamente.

Defende que, diante da vasta prova documental e da legislação específica, deve ser concluir que o objeto do agravo envolve questão de direito e não de fato, sendo a prova pericial útil ao delineamento da extensão da tutela jurisdicional em sede de cognição exauriente.

Registra que é necessário assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, nos termos do artigo 225, da Constituição Federal.

É o relatório.

VOTO

Desde logo ressalte-se que o agravo de instrumento e o presente agravo legal foram interpostos antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, razão pela qual serão apreciados de acordo com a forma prevista no CPC de 1973, “com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (enunciado nº 2º do E. STJ).

O artigo 557 do Código de Processo Civil de 1973, com a redação dada pela Lei 9.756/98, procurou dar agilidade ao julgamento dos processos no Tribunal, valorizando o entendimento adotado em súmula ou jurisprudência dominante. Dessa forma, o referido artigo autoriza ao relator negar seguimento ao recurso quando for manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior; ou dar provimento quando a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal Superior (art. 557, caput e parágrafo 1º-A do CPC de 1973).

A par disso, o recurso não comporta provimento.

A parte inconformada com a decisão proferida com base no art. 557 do Código de Processo Civil de 1973 pode interpor o agravo de que trata o § 1º. No entanto, deve demonstrar que a decisão recorrida encontra-se em desacordo com a jurisprudência dominante desta Corte existente sobre a matéria.

Nesse sentido o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSO CIVIL – APLICAÇÃO DO ART. 557 DO CPC – AGRAVO REGIMENTAL – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE.

1. O julgamento monocrático pelo relator encontra autorização no art. 557 do CPC, que pode negar seguimento a recurso quando:
a) manifestamente inadmissível (exame preliminar de pressupostos objetivos);
b) improcedente (exame da tese jurídica discutida nos autos);
c) prejudicado (questão meramente processual); e
d) em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do STF ou de Tribunal Superior.
2. Monocraticamente, o relator, nos termos do art. 557 do CPC, poderá prover o recurso quando a decisão recorrida estiver em confronto com súmula do próprio Tribunal ou jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal Superior (art. 557, § 1º do CPC).
3. Carece de fundamento o agravo contra aplicação do art. 557, § 1º, do CPC, que não enfrenta diretamente os argumentos que respaldaram a decisão agravada.
4. Agravo regimental improvido.”
(STJ, AGREsp n. 545.307-BA, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 06.05.04)
 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DO ART. 557, § 1º, DO CPC. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. COMBATE ESPECÍFICO. SÚMULA 182/STJ.
1. A utilização do agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC, deve enfrentar a fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve demonstrar que não é caso de recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Por isso que é inviável, quando o agravante deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada (Súmula 182).
2. Recurso especial improvido.”
(STJ, REsp n. 548.732-PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 02.03.04)

Prestigiando a celeridade dos julgamentos a decisão ora agravada foi proferida com supedâneo na jurisprudência dominante desta Corte.

As razões expendidas pelo parquet não são suficientes para afastar o entendimento exarado na decisão aqui recorrida.

Mais uma vez, destaca-se que foi reconhecida a necessidade de dilação probatória, diante da complexidade da matéria debatida nos autos.

Demais disso, foi ponderado que a decisão proferida pelo magistrado singular não havia apreciado, de maneira direta o pedido liminar, postergando sua análise para após o exame da prova pericial.

Foi argumentado ainda no decisum que não se desconhecia a relevância da questão debatida, porém foi ressaltado que não havia como saber, sem a realização da prova pericial¸ se o pedido liminar é na prática viável.

Assim, foi declarado que não havia qualquer violação ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição na atitude do magistrado.

Foi ainda observado que não há qualquer ilegalidade no ato que posterga a apreciação da liminar para após a vinda a produção de prova pericial, visto que tal medida se coaduna com o poder geral de cautela.

A decisão, aliás, foi calcada na jurisprudência desta Corte e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região sobre o tema.

Ante o exposto, nego provimento ao Agravo Legal.

É como voto.

MARCELO GUERRA

Juiz Federal Convocado

 

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