Por Decio Michellis Jr.
“Ninguém imaginará que, topando os obstáculos mencionados, eu haja procedido invariavelmente com segurança e percorrido, sem me deter, caminhos certos. Não senhor, não procedi nem percorri. Tive abatimentos, desejo de recuar; contornei dificuldades: muitas curvas. Acham que andei mal? A verdade é que nunca soube quais foram os meus atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que deram lucro. E como sempre tive a intenção de possuir as terras de S. Bernardo, considerei legítimas as ações que me levaram a obtê-las.” (Graciliano Ramos de Oliveira, em São Bernardo)
O relativismo moral de Graciliano Ramos não parece ser apenas obra de ficção, mas uma prática recorrente no mundo dos negócios, ou não? Contabilidade criativa, fraudes contábeis, falhas nos controles internos, planejamento tributário abusivo, elisão fiscal, falhas nas auditorias independentes, supostas omissões por parte dos bancos credores e até mesmo do Fisco estão cada vez mais presentes no noticiário nacional.
Paradoxalmente estamos vivendo numa “ordem baseada na realidade” apresentada como oposição à “ordem baseada em regras”. As soluções nem sempre emergem do estudo criterioso da realidade discernível. “Não é mais assim que o mundo realmente funciona… Somos um império agora, e quando agimos, criamos nossa própria realidade. E enquanto você estiver estudando essa realidade – criteriosamente, como você quiser – vamos agir novamente, criando outras novas realidades, que você pode estudar também, e é assim que as coisas vão se resolver. Nós somos os atores da história… e vocês, todos vocês, serão deixados apenas para estudar o que fazemos” (Karl Rove). Qualquer semelhança com os escândalos recentes é mera coincidência.
Os crimes do “colarinho branco” (crimes que incluem “induzir ou manter em erro sócio, investidor ou órgão público em relação à operação ou situação financeira da empresa” – A pena é de dois a seis anos de reclusão e multa) parecem compensar o risco.
“A governança ambiental, social e corporativa (ESG – do inglês Environmental, Social, and Corporate Governance) é uma estrutura projetada para ser incorporada à estratégia de uma organização que considera as necessidades e formas de gerar valor para todas as partes interessadas da organização (como funcionários, clientes e fornecedores e financiadores)” (Wikipedia). Em tese permitiria avaliar os riscos e oportunidades materiais (avaliação de valor) relacionados à sustentabilidade (em relação a todas as partes interessadas) relevantes para uma empresa ou organização com maiores retornos ajustados ao risco de longo prazo. Inclui entre outras, as seguintes dimensões:
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Ambiental: foco nas mudanças climáticas, emissões de gases de efeito estufa – GEE, redução da biodiversidade, desmatamento, poluição, eficiência energética e gestão da água.
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Social: condições de trabalho, segurança e saúde dos colaboradores, diversidade, equidade e inclusão, resultados no aumento da satisfação do cliente e comprometimento dos funcionários.
- Governança: combate à corrupção, diversidade, privacidade, remuneração executiva, segurança cibernética e governança corporativa.
Do Relatório Anual 2021 de Sustentabilidade da Americanas (https://ri.americanas.io/a-companhia/sustentabilidade/) destacamos:
“Gestão Ambiental
Nossa gestão ambiental segue o compromisso com o desenvolvimento sustentável buscando a redução constante dos impactos nas mudanças climáticas, aumento da ecoeficiência na operação, eficiência no consumo de recursos naturais, gestão do ciclo de vida dos produtos e na ampliação do sortimento para reciclagem. No Relatório Anual de 2021, é possível encontrar nossas principais ações relacionadas ao tema, como a realização, pelo 12º ano consecutivo, do inventário de emissões de Gases de Efeito Estufa, conforme as diretrizes do Programa Brasileiro GHG Protocol. Desde 2020, temos uma operação “carbono neutro”, com a compensação das nossas emissões diretas e de energia elétrica. Hoje, contamos com uma das maiores frotas ecoeficientes do e-commerce brasileiro e buscamos constantemente aumentar o uso de energias renováveis na operação, além de utilizarmos soluções menos poluentes para nossas embalagens. Além disso, comprometidos com a transparência e alcance do ODS 13, assinamos o Business Ambition for 1.5°C e o Net Zero 2030 (B Corp Climate Collective), visando desenvolver uma meta baseada na ciência (SBTi) e atingir o Net Zero. Saiba mais a partir da página 115 do Relatório Anual. Nossas principais metas são neutralizar 100% das nossas emissões até 2025 e ter 100% de energia renovável na operação até 2030.
Impacto Social
Desenvolvemos diversas iniciativas que reafirmam nosso compromisso com a redução das desigualdades. Em parceria com a startup de logística Favela Brasil Xpress, criamos a Americanas na Favela, uma iniciativa que promove, para a população brasileira moradora de comunidade, a inclusão de endereços na rede de entregas, capacitação e geração de renda (saiba mais nas páginas 95 a 97 do RA). Já o Americanas Social Marketplace é o nosso marketplace focado em organizações e negócios de impacto social com 100% do lucro dos produtos vendidos revertido para as instituições, possibilitando o aumento de seus recursos e geração de valor nas comunidades. Além disso, oferecemos capacitação, por meio da plataforma Americanas Marketplace e com direito a certificado (p.99 e 100 do RA). Combinando a defesa da floresta com impacto social, em parceria com a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), impactamos mais de 3.200 famílias em comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia por meio de quatro frentes: Educação Ambiental e Gestão de Resíduos, Inclusão Digital e Capacitação Tecnológica, Fomento ao Empreendedorismo e Melhoria da Alfabetização (página 98 do Relatório Anual). Através do projeto 1 Milhão de Oportunidades, firmamos a parceria com o UNICEF, para reduzir a evasão escolar, gerar empregos e promover a iniciativa de Dignidade Menstrual para jovens em situação de vulnerabilidade (página 103 do Relatório Anual).
Diversidade e Inclusão
Para colaborar no combate ao racismo, aderimos ao MOVER — movimento pela equidade racial para a promoção de negros em cargos de liderança. O Mover tem a meta de criar, coletivamente, 10 mil cargos de lideranças negras no mercado corporativo até 2030. Comprometidos com a diversidade e em tornar o ambiente corporativo cada vez mais inclusivo e diverso, iniciamos a Jornada do Selo Sim à Igualdade Racial, com letramentos raciais e ações afirmativas para os mais de 44 mil associados do ecossistema Americanas S.A., em parceria com o ID_BR. Em defesa da diversidade e inclusão, desenvolvemos o projeto Mulheres na Tecnologia, que tem o objetivo de diminuir a desigualdade de gênero no ambiente tecnológico. Mais de 50% da nossa liderança é feminina e queremos ter essa representatividade na tecnologia também.
Mais informações podem ser encontradas nas páginas 76 a 78 do Relatório Anual.”
O relatório também contém informações detalhadas sobre os indicadores considerados da Global Report Initiative (GRI) Standards, Sustainability Accounting Standards Board (SASB), Relato Integrado, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), além do parecer da Auditoria Independente sobre o reporte das informações. Mas ainda assim, como chegamos a este ponto?
Os profissionais de sustentabilidade e ESG da Americanas, bem como das demais corporações que passam por dificuldades neste momento, acreditam no trabalho que realizam e procuram fazer deste mundo um lugar melhor para se viver. Ou “com o propósito de somar o que o mundo tem de bom para melhorar a vida das pessoas” (Relatório Anual 2021 de Sustentabilidade da Americanas)
“Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim” (José Ortega y Gasset). “Eu sou eu e minha circunstância” é concepção do homem como um “eu-circunstância”, indissociável do meio em que vive, distinto da realidade do entorno, mas inseparável deste. “se não salvo a ela, não me salvo a mim”, contém a ideia de que o homem que “quiser salvar-se deverá também salvar sua própria circunstância”, a realidade à sua volta. Implicitamente subordina a melhoria da condição do homem à sua ação.
As estruturas ESG/Sustentabilidade podem ajudar as empresas a evitar vários riscos reputacionais, políticos e até financeiros, impulsionando valores de longo prazo para o acionista. “Qualquer um que deseja que o mundo seja um lugar melhor, deve conseguir pensar como um economista” (Diane Coyle).
Porém algumas questões precisam ser equacionadas, por exemplo: uma abordagem maximalista para promover a energia renovável (eólica e solar) excluindo totalmente os combustíveis fósseis e a energia nuclear – ignoram preocupações legítimas sobre segurança e estabilidade energética, onde todos perdem – e não se atentam à análise do ciclo de vida, em contraposição ao conceito de sustentabilidade.
A ACV – Avaliação do Ciclo de Vida do produto (do berço ao túmulo) é uma técnica de avaliação e quantificação de impactos ambientais possíveis associados a um produto ou processo. Segundo a ISO 14.040 ACV é a “compilação de avaliação das entradas, saídas e dos impactos ambientais potenciais de um sistema de produto ao longo do seu ciclo de vida”.
Essa avaliação é feita sobre todos os estágios de ciclo de vida do produto ou processo, desde a aquisição da matéria-prima ou sua geração a partir de recursos naturais até sua disposição final (por exemplo, desde a extração das matérias-primas no caso de um produto, até o momento em que ele deixa de ter uso e é descartado como resíduo ou é reciclado), passando por todas as etapas intermediárias (matéria-prima, manufatura, transporte, uso etc.).
Por essa razão, o ACV é também chamado de “avaliação do berço ao túmulo”. O ACV permite uma análise científica sobre as questões ambientais relacionadas a um produto ou processo, evitando um olhar superficial do seu impacto, a partir de um processo que inclui:
i) Compilação de um inventário de entradas de energia e materiais relevantes inseridas e emissões ambientais;
ii) Avaliação do impacto ambiental associado com entradas e saídas identificadas;
iii) Interpretação dos resultados sobre o impacto do produto ou processo, para melhor nível de informação de tomadores de decisão.
Um número crescente de empresas (inclusive no Brasil) está se libertando dos benefícios irrelevantes e inoportunos das práticas do:
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Bluewashing: marketing enganoso exagerando o compromisso de uma empresa com práticas sociais responsáveis, tem um foco maior em fatores econômicos e sociais (escondendo o dano social que suas políticas causaram). A desinformação ativa é utilizada para tornar produtos ou serviços mais atraentes para os consumidores e para os acionistas.
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Greenwashing (uma demão de verde): uma forma de publicidade ou marketing em que o verde é usado enganosamente para persuadir os consumidores de que a empresa produtos, objetivos e políticas são ecologicamente corretos.
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Socialwashing: a tradicional filantropia empresarial travestida de responsabilidade social podendo incluir incentivos fiscais, mecenato, doações e ou participação em programas sociais.
A tendência humana é aceitar reflexivamente qualquer coisa que esteja de acordo com nossas crenças preexistentes e ignorar ou distorcer tudo o que as desafia. A razoabilidade, a racionalidade, a prudência e o bom senso, recomendam conhecer e poder refutar argumentos (contrários às nossas convicções) e proporcionar (caso necessário) contraprovas às afirmações e evidências apresentadas e combatê-las com argumentos racionais.
Mais do que parecer, é importante ser sustentável e socioambientalmente responsável, tendo por objetivo iniciativas cuja efetividade sejam inquestionáveis, mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV).
A fé sem obras está morta. Igualmente, a governança ambiental, social e corporativa (ESG) exige estratégias, decisões racionais e posições emocionalmente sustentáveis e moralmente defensáveis que sejam tecnicamente viáveis, economicamente acessíveis e socialmente aprimoradas. As ações serão mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV) se o suporte da alta administração for mensurável, reportável e verificável.
O que nós somos nos controla, e ecoa tão alto, que as partes interessadas (stakeholders) não conseguem ouvir o que nós dizemos ao contrário. Para o aprimoramento das práticas empresariais e das políticas públicas o silêncio dos benefícios irrelevantes e inoportunos de nossas práticas de bluewashing, greenwashing e socialwashing são, às vezes, mais eloquentes que os discursos e relatórios fantásticos (e fantasiosos). Ouça o inaudível. Como afirmou o poeta italiano Arturo Graf, “Quem quiser ouvir a voz sincera da consciência precisa saber fazer silêncio em torno de si e dentro de si.” Ouvir o silêncio é imprescindível.,,
Decio Michellis Jr. – Licenciado em Eletrotécnica, com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura, extensão em Gestão de Recursos de Defesa e extensão em Direito da Energia Elétrica, é Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.
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