por Alessandro Panasolo.
A aplicabilidade do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) na Mata Atlântica tem sido objeto de intensas discussões técnico-jurídicas, especialmente perante os órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização e licenciamento de imóveis rurais localizados nesse bioma.
É sabido que o Código Florestal apresentou o conceito de “área rural consolidada”, caracterizada por área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio, aplicável a todos os imóveis rurais do país.
O bioma Mata Atlântica, por sua vez, é regulamentado pela Lei nº 11.428/2006 e pelo Decreto Federal nº 6.660/2008, que dispõem sobre a utilização e proteção da vegetação nativa.
Cabe relembrar que os órgãos ambientais, especialmente no âmbito federal, promoveram nos últimos anos diversas operações fiscalizatórias nas propriedades rurais inseridas no bioma mata atlântica, lavrando autos de infração em todas as áreas objeto de supressão de vegetal não autorizada após 11 de fevereiro de 1993, impondo a obrigação de recuperação acrescida de sanções pecuniárias elevadas.
As autuações pautavam-se, até então, na Nota nº 52/2017/CONJUR-MMA/CGU/AGU, que sustentava o entendimento de que no Bioma Mata Atlântica não se aplicaria o conceito de áreas consolidadas apresentada no novo código florestal (Lei nº 12.651/12), tendo em vista a existência de regulamentação considerada mais específica ao caso.
No entanto, após o regular trâmite no IBAMA, ICMBIO e MAPA, a Advocacia Geral da União-AGU revisou tal posicionamento e aprovou o PARECER 0115/2019/DECOR/CGU/AGU, afastando o entendimento posto na mencionada Nota nº 52/2017/CONJURMMA/CGU/AGU de que o regime transitório de que cuida o Código Florestal representaria um retrocesso ambiental.
O referido Parecer nº 0115/2019/DECOR/CGU/AGU, em ligeira síntese, concluiu que a Lei da Mata Atlântica ( Lei nº 11.428/2006) prevê explicitamente a aplicação do Código Florestal ao referido bioma, defendendo o entendimento de que os regramentos especiais preservam o disciplinamento da ocupação rural e urbana, de forma a harmonizar o crescimento econômico com a manutenção do equilíbrio ecológico.
Do mesmo modo, o Parecer sustenta que a especial proteção e utilização do Bioma Mata Atlântica, previstas na legislação específica (Lei nº 11.428/2006), se voltam para a preservação da vegetação nativa primária e secundária em estado de regeneração, não interferindo em áreas já ocupadas com agricultura, cidades, pastagens e florestas plantadas ou outras áreas desprovidas de vegetação nativa, conforme disposto no artigo 1º, § 1º, do Decreto nº 6.660, de 2008.
Ademais, é preciso recordar que o Supremo Tribunal Federal -STF, na ocasião do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937, concluído em 28/02/2018, declarou a constitucionalidades dos artigos 61- A e 61-B do Código Florestal, dispositivos estes que se referem às áreas rurais consolidadas.
Sob essa lógica, em 06 de abril de 2020, o Ministério do Meio Ambiente -MMA publicou o Despacho nº 4.410/2020, aprovando o Parecer nº 115/2019/DECOR/CGU/AGU, tornando-o vinculante no âmbito do Ministério e das entidades subordinadas.
Na prática, os atos de fiscalização e julgamento dos processos administrativos ambientais em trâmite devem, a todo rigor, seguir a orientação contida no mencionado Parecer, reconhecendo, por sua vez, a aplicabilidade do conceito de área rural consolidada nas propriedades inseridas no bioma Mata Atlântica.
Vale, ainda, mencionar que Ministério Público do Paraná, em conjunto com o Ministério Público Federal, expediu recomendação administrativa para solicitar que a Superintendência do IBAMA no estado e o Instituto Água e Terra do Paraná – IAT mantenham em suas atividades fiscalizatórias a aplicação da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) para a proteção do bioma, na tentativa de afastar o novo entendimento adotado pelo Ministério do Meio Ambiente.
Insta aclarar que as recomendações expedidas pelo Ministério Público não têm força vinculante e, em detida análise jurídica, não devem ser acolhidas em detrimento ao entendimento consolidado pelo Ministério do Meio Ambiente, em consonância com o que determina o Código Florestal, o parecer nº 115/2019/DECOR/CGU/AGU e a própria decisão do Supremo Tribunal Federal.
Sendo assim, é factível concluir que, diante da adoção de novo entendimento vinculante no âmbito da Advocacia Geral da União e das entidades fiscalizadoras, faz-se possível a revisão dos atos sancionatórios decorrentes dos processos administrativos que versam sobre o tema.