domingo , 28 abril 2024
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A Nova Instrução Normativa que regulamenta o Processo Administrativo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

por Leandro Eustaquio de Matos Monteiro.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – Ibama publicou a Instrução Normativa nº 19 em 7 de junho de 2023, ato que regulamenta o processo administrativo para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, ao encontro das alterações que o Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008 recebeu logo em 1º de janeiro do corrente ano.

Este texto fará comentários sobre algumas das alterações introduzidas pela IN nº 19/2023, sem pretensão de exaustão do assunto. Ora haverá comentários verticalizados, ora comparações entre a redação dos dispositivos revogado, revogador e o Decreto nº 6514-08, com foco nas mudanças introduzidas.

Antes disso será traçada uma linha cronológica da evolução normativa do processo administrativo ambiental em âmbito federal, a começar pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que embora já dispusesse sobre infrações ambientais e as penalidades aplicáveis, tal esfera de responsabilização só ganha corpo quando da promulgação da Constituição de 1988[i].

Ainda assim, apenas após a publicação da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a Lei de Crimes Ambientais, foi que a responsabilização administrativa ambiental se consolidou. Por meio dessa norma, foram designadas as sanções penais para as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, bem como foram descritas as etapas do processo de apuração das infrações administrativas a partir do artigo 70, base para criação do atual sistema sancionador do Ibama.

O processo administrativo sancionador ambiental foi inicialmente regulamentado pelo Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999, ato posteriormente revogado pelo Decreto nº 6.514/2008, que está vigente até então, embora tenha sofrido algumas alterações nos seus 15 anos de existência, com destaque para o Decreto nº 9.760, de 11 de abril de 2019, o Decreto nº 11.080, de 24 de maio de 2022 e, mais recentemente, o Decreto nº 11.373, de 1º de janeiro de 2023.

A instrumentalização destes decretos passou por fase distintas, inicialmente pela independência na qual cada autarquia executora[ii] do Sisnama teve sua própria regra tratando dos procedimentos para apuração de infrações administrativas. De 2009 a 2020 vigorou a Instrução Normativa Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio nº 06, de 1º de dezembro de 2009. De 2012 a 2020 vigorou Instrução Normativa Ibama nº 10, de 07 de dezembro de 2012, cada qual com suas especificidades.

Em um segundo momento houve a fase da regulamentação simultânea, com “apenas” um ato normativo para as duas autarquias, tendo as duas normas citadas no parágrafo anterior sido revogadas pela Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio nº 02, de 29 de janeiro de 2020, que regulamentou o processo administrativo federal para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente por parte de Ibama e ICMbio.

Posteriormente, a IN Conjunta nº 2/2020 acabou sendo substituída pela Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio nº 01, de 12 de abril de 2021, que manteve a regulamentação concomitante inaugurada no ano anterior, fase que acabou sofrendo revés. A nova Instrução Normativa nº 19/2023 regulamenta, apenas no âmbito do Ibama, o processo administrativo para apuração de infrações administrativas.

A IN nº 19/2023 também se distingue da IN conjunta nº 1/2021 porque não ter revogado essa norma explicitamente, diferentemente do que fizeram as duas anteriores Instruções Conjuntas que tinham cláusulas tratando de revogação expressa.

A Lei do Processo legislativo[iii] determina que a cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas, o que não fez a IN nº 19/2023, trazendo insegurança jurídica pela incerteza em relação a quais normas deverão ser observadas doravante.

Embora a nova Instrução fale do Ibama, dando a entender que houve revogação tácita do comando anterior em relação a essa autarquia, fica o questionamento quanto ao procedimento que seguirá balizando a atuação do ICMbio[iv], com a ressalva da portaria nº 465[v], de 9 de fevereiro de 2023, que dispõe sobre os procedimentos, atribuições e responsabilidades para a gestão do processo administrativo eletrônico no âmbito do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.

Estabelecida a linha cronológica, agora é necessário explicar o contexto da nova Instrução Normativa, especialmente da consulta pública a que foi submetida, no intuito de se demonstrar que a redação da IN nº 19/2023 não é fruto da gestão de governo que entrou em exercício em janeiro de 2023.

Ainda em 20 de abril de 2021, no mandato do governo anterior, a Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama emitiu uma nota técnica[vi] ao Presidente dessa autarquia sugerindo o aprimoramento da IN nº 1/2021, nota que foi encaminhada, no mesmo dia, ao Ministro do Meio Ambiente.

Também em 2021 o Ibama instituiu um comitê com a finalidade de elaborar proposta técnica de alteração da IN Conjunta nº 1/2021, comitê reconduzido em 01 de abril de 2022, para fazer adaptações no texto da Minuta frente as alterações que o Decreto nº 6.514/08 vinha recebendo. Finalizada, a Minuta[vii] foi submetida a Consulta Pública[viii] no mês de setembro de 2022.

Dado o contexto, passa-se a análise das novidades do texto da IN nº 19/2023, dividida em cinco capítulos, a começar pelas disposições gerais, em que se afirma que o Ibama busca prevenir a prática de ilícitos ambientais, mencionando-se a aplicação de sanções administrativas e medidas cautelares (art. 2º, parágrafo único).

As medidas cautelares estão arroladas no artigo 40 da Instrução Normativa, quase que repetindo a lista prevista no artigo 101 do Decreto nº 6.514/08, reforçando o caráter pedagógico da pena no intuito de se prevenir a ocorrência de novas infrações.

O embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas é uma das medidas cautelares no Decreto nº 6514/08 (artigo 15-A), mas essa medida se restringe aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental, não alcançando as demais atividades realizadas em áreas não embargadas da propriedade ou posse ou não correlacionadas com a infração, sendo que a IN nº 19/2023 extrapola sua função regulamentadora quanto trata da área que pode objeto dos embargos.

Nos termos do parágrafo 2º do artigo 51, a IN nº 19/2023 diz que o embargo limitar-se-á às atividades irregulares realizadas na área, ressalvada a impossibilidade de dissociação de eventuais atividades regulares ou risco de continuidade infracional, dando a se entender que outras áreas também poderão ser objeto de embargo, indo além do que estabelece o Decreto, texto esse que deve prevalecer, por óbvio.

A Edição de atos normativos é uma das atribuições regimentais[ix] do Presidente do Ibama, o que deve observar os limites no decreto que está sendo regulamentado, sob pena de ilegalidade.

Ainda no capítulo primeiro, a Instrução Normativa nº 19/2023 traz um rol de definições (art. 6º), destacando-se a positivação, talvez pela primeira vez na história do ordenamento jurídico brasileiro, do que é dano ambiental: “toda lesão que decorre de agressão à integridade do meio natural ou de seus componentes, novidade no ordenamento jurídico positivado”.

Já são bastantes conhecidas as definições de meio ambiente, de degradação, de poluição, de poluidor, de recursos naturais, introduzidas pela Política Nacional de Meio ambiente em 1981[x] e talvez ainda sejam novidade as definições de dano potencial associado à barragem, de desastre, acréscimos que Política Nacional de Barragens recebeu em 2020[xi]. Já a definição normativa de dano ambiental ainda não existia, provavelmente pela controvérsia que cerca o tema.

Sabe-se que dano é a lesão injusta causada ao patrimônio de um terceiro, impondo ressarcimento. Sob o prisma patrimonial o tema não apresenta muitas dificuldades, mas quando se relaciona a meio ambiente, a definição se torna obtusa.

O dano ambiental é o dano ao Meio ambiente, mas o dano ambiental não se confunde com o dano ambiental causado aos bens materiais que lhe são suporte. Uma árvore é um Recurso natural, enquanto elemento da flora, mas não é meio ambiente. Sendo assim, quando uma árvore sofrer um dano, não se pode afirmar que houve dano ambiental.

Além disso, a definição dada pela IN nº 19/2023 diminui significativamente a amplitude do Dano Ambiental, ao reduzir o meio ambiente apenas à sua parcela natural e de seus componentes, talvez induzido pela definição positivada na Política Nacional de Meio Ambiente que trata de um conceito “strictu sensu” de Meio Ambiente.

Não que a parcela do Meio Ambiente Natural seja pouca coisa, não mesmo, mas já há algum tempo se fala em um conceito ampliado de Meio Ambiente[xii], do qual também fazem parte o Meio Ambiente Artificial, o Meio ambiente do trabalho e o Meio ambiente cultural.

O próprio Decreto nº 6.514/08[xiii], alvo da regulamentação pela IN nº 19/2023, tem uma subseção específica tratando das infrações ao Meio Ambiente Cultural. Sendo essa a baliza do ato normativo regulamentado, a Instrução regulamentadora não poderia ter ficado aquém. 

Já no terceiro capítulo, a IN nº 19/2023 trata dos procedimentos para aplicação das sanções e medidas cautelares ambientais (entre os artigos 16 e 61), com destaque para as mudanças nos critérios de parametrização da multa aberta, em comparação com o texto revogado.

Na definição da multa aberta serão observados os critérios da gravidade dos fatos e da capacidade econômica do infrator, previsão advinda da IN Conjunta nº 1/2021 (artigo 82), mantida na IN nº 19/2023 (artigo 31).

Neste ponto, as novidades dizem respeito a algumas mudanças nos critérios de classificação da gravidade dos fatos. Anteriormente (artigo 83), a gravidade dos fatos levava em conta três quesitos: os motivos da infração (intencional ou não intencional), as consequências para a saúde pública (fraca, moderada ou significativa) e as consequências para o meio ambiente (potencial, fraca, moderada ou significativa).

Com a IN nº 19/2023, na gravidade dos fatos deixa de existir o quesito “motivos da infração” e em seu lugar entre “voluntariedade do agente” (art. 32), classificada em dolosa ou em culposa.

Os demais dois quesitos permanecem com pequenas mudanças. As consequências para o meio ambiente ficaram sem a classificação “significativa”, recebendo o acréscimo dos itens “reduzida” e “grave”. Com o texto consolidado são cinco os itens: potencial, reduzida, fraca, moderada ou grave.

Já as consequências para a saúde pública ganham o item “não caracterizada” e, consolidadas, passam a ser quatro: não caracterizada, fraca, moderada ou significativa.

Como consequência da subtração e dos acréscimos dos itens acima destacados, a pontuação, estabelecida no quadro 1 do Anexo I da IN nº 19/2023, vem com novidades em relação que havia na IN revogada. Seguem abaixo os quadros dessas duas normas, a começar pelo da de 2021, seguido do quadro de 2023:

No quadro da IN revogada, o quesito da motivação da infração que tinha 2 faixas. O quesito da voluntariedade da conduta continua com 2 faixas. Ou se faz 5 pontos, se a conduta for culposa, ou se faz 15 pontos, havendo dolo. Até aqui nenhuma mudança.

Quanto as consequências para o meio ambiente, em que antes havia 3 faixas, agora há 5, com mudança de pontuação na entrada dos itens “reduzida”, com 15 pontos e “grave”, que continua com os mesmos 70 pontos do item que deixou de existir, qual seja, significativa.

Já as consequências para a saúde pública continuam com 4 faixas.

Como o nível de gravidade é o somatório dos valores indicados em cada uma das três situações, voluntariedade, consequências para o meio ambiente e consequências para a saúde pública, doravante o autuado pode ser penalizado como uma multa diferente da de antes, pois as consequências para o meio ambiente agora tem um número maior de faixas (item “reduzida” com 15 pontos).

Ainda no terceiro capítulo, a IN nº 19/2023 traz novidades no apontamento das circunstâncias majorantes e atenuantes. Na norma revogada (art. 90) havia margem de discrionariedade para a redução, justificada, do valor da multa ATÉ dez por cento, ATÉ vinte e cinco por cento ou ATÉ cinquenta por cento, agora a possibilidade de redução passar a ser vinculante.

Segundo o parágrafo 1º do artigo 36 da atual normativa, indicada a existência de circunstâncias atenuantes, a autoridade julgadora competente deverá reduzir justificadamente o valor da multa em percentuais fixos: em dez por cento (nas hipóteses de comunicação prévia pelo autuado do perigo iminente de degradação ambiental ou na hipótese de colaboração com a fiscalização ambiental para a elucidação dos fatos, desde que reconhecida pelo agente ambiental federal),  em vinte e cinco por cento (na hipótese de baixo grau de instrução ou escolaridade do autuado) ou em cinquenta por cento (na hipótese arrependimento eficaz do autuado, manifestado pela adoção espontânea de medidas de reparação pelos danos ambientais e limitação significativa da degradação ambiental causada).

Toma lá, dá cá e o mesmo vale para as majorantes. Se na norma revogada também havia uma margem de discricionariedade (art. 92), sendo possível aumentar, justificadamente, a multa ATÉ dez por cento, ATÉ vinte por cento, ATÉ trinta e cinco por cento ou ATÉ cinquenta por cento, agora isso também muda.

Conforme parágrafo 1º do artigo 37 da IN nº 19/2023, indicada a existência de circunstâncias majorantes, a autoridade julgadora competente deverá aumentar justificadamente o valor da multa, segundo critérios vinculantes.

A redução será de dez por cento (nas hipóteses de estar coagindo outrem para a execução material da infração ou concorrendo para danos à propriedade alheia ou em domingos ou feriados ou à noite), de vinte por cento (nas hipóteses de em período de defeso à fauna ou no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas públicas ou beneficiada por incentivos fiscais ou no exercício de atividades econômicas financiadas direta ou indiretamente por verbas públicas),  de trinta e cinco por cento (nas hipóteses de épocas de seca ou inundações ou mediante fraude ou abuso de confiança) ou de cinquenta por cento (nas hipóteses de obter vantagem pecuniária ou atingindo áreas sujeitas, por ato do Poder Público, a regime especial de uso ou com abuso, maus-tratos ou emprego de métodos cruéis no manejo de animais, ou mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental ou facilitada por funcionário público no exercício de suas funções).

Já no quarto capítulo, do processo sancionador ambiental, a IN nº 19/2023 traz uma seção específica sobre os prazos prescricionais entre os artigos 64 ao 67, com novidades na esfera cível e na esfera penal.

Foi positivado que a pretensão de reparação pelos danos ambientais é imprescritível (art. 66), provavelmente em função da decisão proferida sobre o tema, em abril de 2020, pelo Supremo Tribunal Federal[xiv].

Prescrição é a repercussão no mundo jurídico dos efeitos da passagem do tempo somada a inércia, seja na modalidade extintiva, na perda da pretensão em face do devedor de uma obrigação, seja na possibilidade aquisitiva, onde se adquire direitos em função da inércia de terceiros, caso da usucapião.

Aqui não se trata de defender quais as situações devem ser (ou não) alvo de prescrição, não é o caso.  A necessidade da existência de prazos prescricionais vem ao encontro da segurança jurídica, própria do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, Prescrição é a regra, a imprescritibilidade, exceção.

O Código civil estabelece que a prescrição ocorre em 10 anos, se não houver outro prazo prescrito[xv] e a mesma legislação civilista[xvi] diz que não há prescrição entre os cônjuges, na constância do enlace conjugal, da mesma forma que racismo e terrorismo são imprescritíveis por opção do legislador constituinte originário[xvii]. A positivação é medida de política legislativa, e, que no caso da reparação de danos ambientais, ainda não tinha sido feito.

Ainda que IN nº 19/2023 tenha suplantado o vácuo normativo quanto a imprescritibilidade no caso dos danos ambientais, talvez isso não sido feito da melhor norma, porque a Instrução normativa, como diz o seu próprio preâmbulo, trata de regulamento do processo administrativo para apuração de infrações administrativas.

O novo regulamento não trata de Direito Civil, matéria privativa de atribuição da União, do Congresso Nacional, tendo a Instrução Normativa, novamente, extrapolado o que se permite. Esse mesmo comentário vale para a definição de dano sobre a qual se fez falou no início deste texto, inclusive.

Já com respeito a repercussão penal da prescrição, a IN nº 19/2023 estabelece que o prazo prescricional para o Ibama apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal se superior a cinco anos, o que desperta alguma curiosidade.  Veja o seguinte quadro comparativo:

Infrações do Decreto 6514 Artigo correlato da Lei de Crimes ambientais (Lei 9.605) Pena máxima do tipo penal Prazo da prescrição da pretensão punitiva conforme artigo 109[xviii] do Código penal
Art. 24[xix] Art. 29 1 ano 4 anos
Art. 25[xx] Art. 31 1 ano 4 anos
Art. 29[xxi] Art. 32, § 1º-A 5 anos 12 anos
Art. 43[xxii] Art. 38 3 anos 8 anos
Art. 61[xxiii] Art. 54 4 anos 8 anos
Art. 66[xxiv] Art. 60 6 meses 3 anos

Pela redação da IN nº 19/2023, apenas os tipos penais de maus tratos contra cachorros e gatos (art. 32, p. 1º-A), de destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente (art. 38) e o de poluição (art. 54) terão seus prazos prescricionais regidos pelo Código penal (8 anos, 12 anos e 8 anos, respectivamente), já que esses prazos são superiores a cinco anos. Os demais não, já que inferiores aos mesmos cinco anos.

Ainda que isso não seja, por si só, suficiente para causar estranheza, a previsão da IN nº 19/2023 afronta o que está estabelecido no Decreto nº 6514 e na Lei nº 9.873-99, normas que estabelecem prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta. Ambas dizem que quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal, sem qualquer ressalva.

Outra novidade introduzida pela IN nº 19/2023, ainda no quarto capítulo, na seção da comunicação dos atos, foi o aumento do número de órgãos que devem ser comunicados da lavratura do auto de infração ambiental, bem como o momento em que isso deve ocorrer.  

Pelo artigo 17 da IN conjunta nº 1/2021, o chefe da unidade administrativa ambiental federal do local da infração deveria comunicar, apenas após ao saneamento, ao Ministério Público (esse de forma expressa no texto revogado), e aos demais órgãos pertinentes acerca da infração constada, deixando alguma margem de discrionariedade ao agente público.

Agora a comunicação tem que ser feita já na fase da instauração do processo eletrônico de apuração da infração ambiental (artigo 86) e há uma lista, exemplificativa, com um rol extenso de órgãos que devem ser comunicados. 

Quando a prática da infração também corresponder a crime ambiental, a unidade administrativa responsável pela ação fiscalizatória comunicará a lavratura do auto de infração ambiental, dentre outros órgãos, quando pertinente, ao Ministério Público Federal e Estadual.

Os órgãos estaduais, distrital e municipais de meio ambiente deverão ser comunicados caso ação fiscalizatória tenha decorrido de atuação supletiva do Ibama. O departamento de trânsito competente deverá ser comunicado, caso a ação tenha resultado na apreensão de veículos.

Por sua vez, a Capitania dos Portos da Marinha do Brasil deverá ser comunicada, caso a ação tenha levado à apreensão de embarcação, o Ministério da Agricultura e Pecuária, caso se trate de infração relacionada com a atividade pesqueira.

O órgão fazendário estadual deverá ser comunicado quando constatados indícios de irregularidade fiscal e o serviço de registro de imóveis, quando da ação resultou o embargo de imóvel.

Por fim, deverão ser comunicados os Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério do Trabalho e Previdência e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, quando constatados indícios de violações de direitos pertinentes a políticas públicas sob responsabilidade desses órgãos ministeriais.

Na seção dos Recursos, também no quarto capítulo, foi ratificada a impossibilidade de recurso da decisão de segunda instância (parágrafo 2º do artigo 116 da IN nº 19/2023), o que é previsto no parágrafo 1º do artigo 127 Decreto nº 6514 e que já existia na IN revogada.

A novidade da norma publicada em 2023 é a ressalva expressa quanto a possibilidade de recurso de segunda instância, no caso de decisão em processo formado para apurar infração contra o patrimônio genético e o conhecimento tradicional associado, oportunidade em caberá recurso ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), nos termos do art. 94 do Decreto nº 8.772[xxv], de 2016.

Nas disposições finais e transitórias da Instrução Normativa, em seu quinto e último capítulo, foi ratificada a teoria do isolamento dos atos processuais, não retroagindo a norma processual, aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais consumados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Neste contexto, a IN nº 19/2023 trata das audiências de conciliação, instrumento cuja possibilidade futura acabou conforme o Decreto nº 13.173/23, o que, com toda vênia, é pena, apesar da narrativa traçada na ADPF nº 755 ajuizada junto ao STF.

O correto seria corrigir os “erros” apontados pelos autores[xxvi] da petição inicial da ação de controle concentrado de constitucionalidade e os “atrasos” demonstrados nas manifestações dos amigos da corte..

Corrigir teria sido muito melhor do que aniquilar a possibilidade de conciliação, eis que a culpa não é do instrumento. Se fosse, os dispositivos correlatos do Código de Processo Civil de 2015 já teriam sido revogados, com o retorno do rito estabelecido na legislação processualista de 1973[xxvii].

Extirpar a possibilidade de conciliação não vai melhorar o processo administrativo sancionador, que já não era bom antes da mesmo da introdução do instituto pelo Decreto nº 9.760, conforme apontou o Relatório de Avaliação do Processo Administrativo Sancionador Ambiental publicado pela Controladoria Geral da União em abril de 2019[xxviii].

De toda forma, as audiências de conciliação pendentes de realização, aquelas que foram requeridas nos intervalos de abril de 2019 a 31 de dezembro de 2022, quando da vigência dos Decretos nº 9760/19 e nº 11.080/22, devem ser realizadas.

O rito das audiências, pendentes, no Ibama, deve seguir o que estabelecem as regras estabelecidas pela IN nº 19/2023 e as audiências, pendentes, do ICMbio, devem observar o que ficou determinado pelo Parecer nº 00021/2023/CAI/PFE-ICMBIO/PGF/AGU[xxix], ao menos até que essa autarquia tenha sua Instrução publicada.

Por fim, por tudo que foi escrito, sobretudo pelo fato de que algumas das novidades da IN nº 19/2023 parecem ter ido ir além do que o Direito e Decreto nº 6514 permitem, pela equivocada “revogação” tácita que foi feita, parece que o Ibama poderia ter contribuído mais para aumentar a segurança jurídica vislumbrada no artigo 141:

 “As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas”, um comando normativo que respeita vários princípios administrativos”.

“Uma vez escrito, um discurso sai a vagar por toda parte, e nunca se pode dizer para quem serve e para quem não serve”, comentou Sócrates[xxx]. Na oportunidade, o filósofo argumentava que um texto, depois de escrito, promove o divórcio entre a palavra de seu autor, enfraquecendo a inteligência e a memória dos leitores. Há muito tempo já se apontava o perigo de uma técnica que faz as ideias andarem sozinhas.

Tomara que o que pensou, o que quis dizer e o que efetivamente disse o Ibama na Instrução Normativa não aumente a distância em relação aos demais interlocutores.

Seja ressaltado que a Instrução Normativa nº 19/2023 esmiuçou diversos os aspectos do processo administrativo sancionar, trazendo relevantes contribuições para o desenvolvimento da matéria. Nesse sentido, fica a torcida para que o processo administrativo ambiental saia fortalecido com a nova Instrução, em busca de um rito sancionador cada vez mais eficiente.

Notas:

[i] BRASIL. CF-88, art. 225 § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

[ii] BRASIL.  Lei 6938, de 31 de agosto de 1981, Art 6º – Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, assim estruturado: IV – órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências;                     

[iii]  BRASIL . Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998,  Art. 9o A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas

[iv] Pelo informação no PARECER n. 00021/2023/CAI/PFE-ICMBIO/PGF/AGU, o ICMbio ainda estaria redigindo a minuta da sua própria regulamentação: 9. Com a edição do Decreto 11.080/2022, que encerrou a necessidade de edição de instrumento conjunto MMA/IBAMA/ICMBio para instrumentalização do Decreto 6.514/2008, o ICMBio, com o apoio da PFE/ICMBio, passou a construir um novo instrumento regulatório no processo n. 02070.010445/2022-13 (ainda não concluído e que demanda nova revisão em razão da recente edição do Decreto 11.373/2023).

[v] Disponível em https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-icmbio-n-465-de-9-de-fevereiro-de-2023-472706818 – Acesso em 12/07/2023

[vi] Disponível em processo-02001008077202186 (oeco.org.br) – Acesso em 26/06/2023

[vii] Como dito acima, o ICMbio ainda não teria concluído a redação da minuta de seu novo instrumento regulatório.

[viii] Disponível em https://www.gov.br/participamaisbrasil/nova-in – Acesso em 24/06/2023

[ix] BRASIL. Portaria nº 92, de 14 de setembro de 2022, ato que Aprova o Regimento Interno do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, Artigo 195.

[x] BRASIL. Lei 6.983, de 31 de agosto de 1981 – Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

[xi] BRASIL. Lei 14.066, de 30 de setembro de 2020 art. 1º parágrafo único VII – dano potencial associado à barragem: dano que pode ocorrer devido a rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento de uma barragem, independentemente da sua probabilidade de ocorrência, a ser graduado de acordo com as perdas de vidas humanas e os impactos sociais, econômicos e ambientais;

XIV – desastre: resultado de evento adverso, de origem natural ou induzido pela ação humana, sobre ecossistemas e populações vulneráveis, que causa significativos danos humanos, materiais ou ambientais e prejuízos econômicos e sociais;

[xii] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 19

[xiii] BRASIL. Decreto 6514-08 Subseção IVDas Infrações Contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural 

[xiv] Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n. 654833/AC, Relator Ministro Alexandre de Moraes. Publicação em 20/04/2020.

[xv] BRASIL, CÓDIGO CIVIL. Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

[xvi] BRASIL, CÓDIGO CIVIL, Art. 197. Não corre a prescrição: I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal

[xvii] BRASIL. CF/88. Artigo 5º – XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (…)XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

[xviii] BRASIL. CÓDIGO PENAL. Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:         (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010). I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.         (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

[xix] Decreto 6.514/08 –art. 24-  Matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

[xx] Decreto 6.514/08 – art. 25 – introduzir espécime animal silvestre, nativo ou exótico, no País ou fora de sua área de distribuição natural, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida pela autoridade ambiental competente, quando exigível:

[xxi] Decreto 6514-08, Art. 29.  Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

[xxii] Decreto 6514-08 – Art. 43.  Destruir ou danificar florestas ou demais formas de vegetação natural ou utilizá-las com infringência das normas de proteção em área considerada de preservação permanente, sem autorização do órgão competente, quando exigível, ou em desacordo com a obtida: 

[xxiii] Decreto 6514-08 – Art. 61.  Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:

[xxiv] Decreto 6514-08 – Art. 66.  Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes:        

[xxv] BRASIL. Decreto nº 8.772, de 2016, artigos 93 e 94 – Art. 93. São competentes para fiscalizar e apurar o cometimento das infrações administrativas previstas neste Decreto:

I – o Ibama;

II – o Comando da Marinha, no âmbito de águas jurisdicionais e da plataforma continental brasileiras; e

III – o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no âmbito d o acesso ao patrimônio genético para atividades agrícolas, nos termos do que dispõe o art. 3º da Lei nº 10.883, de 16 de junho de 2004 .

§ 1 º Quando a infração envolver conhecimento tradicional associado, os órgãos oficiais de defesa dos direitos das populações indígenas, comunidades tradicionais e agricultores tradicionais prestarão apoio às ações de fiscalização do Ibama.

§ 2 º Ato conjunto dos Ministros de Estado do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Defesa disciplinará a atuação coordenada dos órgãos de fiscalização.

Art. 94. Da decisão final proferida pelos órgãos previstos no art. 93 caberá recurso ao CGen, no prazo de vinte dias.

[xxvi] Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo PT, PSB, PSOL e Rede para pedir a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 9.760/2019, que em seu artigo 95-A dispunha que “a conciliação deve ser estimulada pela administração pública federal ambiental, de acordo com o rito estabelecido neste Decreto, com vistas a encerrar os processos administrativos federais relativos à apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente”

[xxvii] Brasil. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

[xxviii] Disponível em https://auditoria.cgu.gov.br/download/12741.pdf : acesso em 30/06/ 2023

[xxix] BRASIL. Instituto Chico Mendes de Biodiversidade – Parecer n. 00021/2023/CAI/PFE-ICMBIO/PGF/AGU

[xxx] Platon (2004). Phèdre – Traduction et présentation par Luc Brisson. Paris: GF Flammarion.

Leandro Eustaquio de Matos Monteiro – Advogado e Professor Especialista em Direito Ambiental. Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/MG. Membro do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais na Unidade Regional Colegiada do Alto São Francisco e na Câmara de Proteção à Biodiversidade e de Áreas Protegidas.

 

 

 

 

 

 

 

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