O Irã ligou em 21 de agosto de 2010 sua primeira usina nuclear, Bushehr, construída por russos
O confronto em torno do programa nuclear do Irã provavelmente se intensificará em 2013, com endurecimento das sanções, ameaça de ataques militares por Israel e com a continuidade do funcionamento das centrífugas. Apesar de grande parte da atenção se concentrar nos dois locais mais citados de enriquecimento de urânio –Natanz e Fordow– um terceiro local no golfo pode vir a se tornar o curinga nuclear mais perigoso do ano.
Situada entre dois tranquilos vilarejos pesqueiros na costa, a usina nuclear de Bushehr há muito é vista como a face "aceitável" do programa nuclear do Irã. Construída por engenheiros russos e monitorada pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), ela já produz eletricidade e a maioria dos especialistas nucleares concorda que ela não merece o mesmo nível de preocupação com militarização que outros sítios nucleares do Irã.
Mas Bushehr pode vir a se tornar a peça mais perigosa do quebra-cabeça nuclear do Irã por outro motivo: planejamento a esmo e problemas técnicos fazem com que possa ser a próxima Tchernobil, provocando um desastre humanitário e um dano econômico explosivo pela região rica em petróleo.
Problemas técnicos nos últimos 12 meses levantaram preocupações sérias a respeito da capacidade do Irã de operar a usina de modo competente. A usina foi fechada em outubro para limitar danos potenciais, após a descoberta de parafusos soltos debaixo de suas células de combustível, como noticiou a agência de notícias "Reuters", citando uma fonte do setor nuclear russo. As autoridades ocidentais expressaram preocupação com a usina depois que um relatório da AIEA, em novembro, declarou que o Irã tinha informado à agência sobre as transferências inesperadas de combustível. Na semana passada, o emir do Kuait, o xeque Sabah al-Ahmad al-Sabah, pediu a Teerã para que trabalhe mais estreitamente com a AIEA "para assegurar a segurança da região e de sua população".
Enquanto isso, cientistas russos adiaram a transferência das operações para seus pares iranianos. Isso agora deverá ocorrer em março.
Também problemático é o fato de Bushehr ficar sobre uma falha geológica ativa, aumentando os riscos de uma catástrofe como a de Fukushima. A menos que uma ação seja tomada, a probabilidade de um acidente é alta demais para que a comunidade internacional a ignore.
Um derretimento nuclear como o de Tchernobil em Bushehr causaria danos severos não apenas no sul do Irã, mas também em seis outros países ricos em gás e petróleo do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico, Bahrein, Kuait, Omã, Qatar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. De fato, as capitais desses Estados estão mais próximas de Bushehr do que Teerã. A radiação nuclear no ar e na água poderia perturbar o transporte marítimo pelo Estreito de Hormuz, o gargalo mais importante de petróleo do mundo. Os preços do petróleo subiriam às alturas. A economia mundial enfrentaria um furacão.
Com os ventos soprando normalmente de leste para oeste no golfo, e as correntes costeiras que circulam no sentido anti-horário, a precipitação radioativa contaminaria os campos de petróleo e usinas de dessalinização que fornecem água potável para a população local. Isso seria um desastre completo para os países do golfo que dependem da água fornecida pelas usinas de dessalinização, assim como também ameaçaria a Quinta Frota da Marinha americana, estacionada no Bahrein.
Nós não podemos ignorar esse problema potencial. Apesar de todos os olhos estarem voltados para outros sítios nucleares do Irã –Fordow e Natanz– Bushehr exige mais atenção. A AIEA deveria iniciar prontamente uma avaliação abrangente das vulnerabilidades de segurança da usina nuclear de Bushehr. Tanto o desastre de Tchernobil em 1986 quanto o acidente em Fukushima em 2011 reforçam a realidade de que o inesperado pode ocorrer em usinas nucleares. Esses eventos também reforçam a importância de ter uma capacidade integrada de resposta de emergência de prontidão nas esferas local, regional e nacional.
A história de Bushehr é problemática. Iniciada em 1975 com engenheiros alemães, interrompida após a revolução de 1979 e retomada com a assistência da Agência de Energia Atômica russa, conhecida como Rosatom, ela foi atormentada por atrasos e problemas técnicos desde o início.
Em agosto de 2010, após vários anos de atraso, a usina começou a operar oficialmente quando barras de combustível foram transportadas ao reator. Após menos de seis meses de operação, o reator foi desligado devido a problemas no sistema de refrigeração, por suposta culpa de componentes de origem alemã. Segundo Gholamreza Aghazadeh, o ex-chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, os problemas foram falhas de projeto. Ele declarou que 24% das peças e equipamentos utilizados na usina de Bushehr são alemães, 36% iranianos e 40% russos.
Não é assim que se constrói uma usina nuclear segura.
Além disso, há questões mais sérias sobre a capacidade do regime iraniano de responder a um grande desastre nuclear. O Irã simplesmente carece das capacidades civis de preparação para responder a uma tragédia na escala de Tchernobil ou Fukushima.
O Irã é o único país com usina nuclear que não assinou a Convenção de Segurança Nuclear de 1994. A comunidade internacional deveria pressionar o Irã a assinar o tratado com o mesmo vigor com que o pressiona a revelar informação sobre os sítios de armas suspeitos. Até mesmo países como Israel, Índia e Paquistão –que não assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear– assinaram a Convenção de Segurança Nuclear.
Tratados são importantes, é claro, mas não bastam. Os vizinhos do Irã deveriam trabalhar com os Estados Unidos e outras grandes potências em esforços de resposta rápida para atenuar um desastre potencial. A ONU deveria formar um comitê para Bushehr para estudar os problemas na usina e oferecer assistência técnica para minimizar o risco de um acidente. Além disso, ela deveria elaborar sua própria estratégia de resposta de emergência para lidar com um possível acidente nuclear em Bushehr.
A AIEA deveria se concentrar na segurança da usina de Bushehr com a mesma atenção aos detalhes que usa para detectar programas de armas. Centenas de milhares de vidas dependem isso, assim como os mercados mundiais de petróleo, a economia global e a segurança coletiva do mundo.
Fonte: Khosrow B. Semnani e Gary M. Sandquist/ EFE/UOL