sexta-feira , 29 março 2024
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RPPN: Unidade de Conservação que tira a proteção ambiental do papel.

O tema “Unidades de Conservação” é atemporal, sendo hoje um dos mais estudados no ramo do Direito Ambiental.

São constantes os debates quanto às restrições criadas pela instituição de Unidades de Conservação no território brasileiro, também sendo comum questionamentos quanto a efetividade da constituição desses espaços territoriais especialmente protegidos em relação aos objetivos listados no Sistema Nacional de Unidades de Conservação[1].

Os obstáculos encontrados para a concretização da proteção ambiental pretendida para uma Unidade de Conservação vão além da mera delimitação de um espaço geográfico. Além dos problemas relacionados à regularização fundiária de UCs, é necessário levar em consideração o número de funcionários disponíveis para a fiscalização da unidade, a fim de garantir as expectativas previstas no ato da sua criação. As duas problemáticas giram em torno, principalmente, do orçamento que os órgãos ambientais dispõem para as devidas ações, resultando, dessa forma, em um cenário em que espaços que deveriam ser protegidos podem se tornar “terra de ninguém” e a proteção ambiental pretendida fica ao relento.

O nosso país possui um dos menores percentuais de funcionários por hectare protegido. Em números exatos, no ano de 2011 a gestão e fiscalização de UCs era de um funcionário para cada 18.600 hectares[2], traduzindo, dessa forma, a problemática em relação ao efetivo disponível pelo estado em relação ao tamanho territorial que demanda fiscalização e gestão ambiental[3].

O presente artigo tem por objetivo apresentar uma modalidade de Unidade de Conservação pouco debatida. A Reserva do Patrimônio Particular Natural – RPPN que é instituída a partir da iniciativa de um particular em sua propriedade, afastando, dessa forma, a onerosidade excessiva por parte do estado e tornando-se uma alternativa para garantir os objetivos pretendidos para a Unidade de Conservação.

 

Sistema Nacional de Unidades de Conservação e a previsão da RPPN

 A Constituição Federal de 1988 dispõe que é dever do Poder Público e de toda coletividade defender e preservar o meio ambiente[4] para as presentes e futuras gerações. Nesse sentido, a criação de uma RPPN em área particular é um exemplo claro da participação da sociedade civil na busca pela garantia de um meio ambiente saudável, beneficiando, assim, a coletividade como um todo.

O conceito de Unidade de Conservação trazido pelo SNUC (Lei Federal n. 9.985/2000) é o de espaços com características naturais, instituídos pelo poder público e com objetivo de preservação, sendo construídos para isso regimes especiais de administração desses territórios (art. 2º, inciso I, SNUC).

Para garantir a devida proteção ambiental pertinente a cada área delimitada, a lei criou dois diferentes grupos de Unidades de Conservação.

Nas UCs de uso sustentável se pretende a compatibilização a conservação da natureza com o uso dos seus recursos naturais, enquanto nas UCs de proteção integral a pretensão principal é a preservação da natureza, permitindo, para isso, apenas, o uso  indireto dos seus recursos naturais.

A RPPN integra o primeiro grupo, das UC de uso sustentável, nos termos do art. 14, inciso VII do SNUC. O conceito de RPPN é apresentado pelo art. 21 da mesma norma, sendo definida como uma área privada, instituída com objetivo de conservar a diversidade biológica, de forma perpétua e por meio de um Termo de Compromisso.

 

Benefícios da instituição de uma RPPN

O proprietário que resolve pela instituição de uma RPPN no interior de sua propriedade obtém benefícios específicos como forma de incentivo e manutenção do espaço ambientalmente protegido.

Segundo o Decreto Federal n. 5.746/06, que regulamenta a instituição de RPPN, o perímetro a ser destinado para a Unidade de Conservação passa a ser excluído da área tributável do imóvel para fins de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR[5] e, ainda, os proprietários podem requerer, quando possível, renda razoável para auxílio na manutenção desses espaços[6].

Em síntese, os benefícios passam a ser o direito de propriedade preservado, a isenção do ITR referente à área instituída como RPPN, a prioridade na análise dos projetos pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), a preferência na análise de pedidos de concessão de crédito agrícola, junto às instituições oficiais de crédito, para projetos a serem implementados em propriedades que contiverem RPPN em seu perímetro e a possibilidade de cooperação com entidades privadas e públicas na proteção, gestão e manejo da unidade.

 

Implicações da constituição de uma RPPN

Nota-se que a criação dessa modalidade de UC ocorrerá dentro de uma propriedade privada em que, com a efetivação da instituição, passarão a existir limitações de uso permitindo-se, apenas, a pesquisa científica e a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais (Art. 21, §2º – SNUC).

Além disso, futuros empreendimentos localizados no entorno dessa área também acabam por receber implicações jurídicas. No caso de empreendimento com significativo impacto ambiental que afete diretamente a RPPN já criada, o licenciamento ambiental fica condicionado à prévia consulta ao órgão ambiental que a criou, devendo a RPPN ser uma das beneficiadas pela compensação ambiental.

Seguindo a mesma linha em relação às outras Unidades de Conservação, a RPPN deve ter a elaboração do plano de manejo dentro do prazo de 5 (cinco) anos após publicação do decreto de criação da unidade.

Um ponto relevante que merece destaque acerca da instituição de RPPN na propriedade privada é que o caráter de perpetuidade da Unidade de Conservação acompanha eventual venda, doação, hipoteca, ou desmembramento da propriedade, ou seja, constitui obrigação propter rem, uma vez que suas obrigações acompanham a propriedade conforme transmitida a novo titular.

Diante disso, ainda que pese os inúmeros benefícios ao instituir uma RPPN em propriedade privada, é de todo recomendável mencionar as obrigações que o proprietário terá a partir da instituição da UC.

Como brevemente mencionado, ao instituir uma RPPN, aquela área será ambientalmente protegida em caráter perpétuo. Isso quer dizer que as responsabilidades advindas da sua instituição ocorrerão ainda que o imóvel seja vendido ou doado, podendo resultar em eventual dificuldade na alienação do imóvel por parte do proprietário, considerando que as responsabilidades inerentes aquela área serão perpétuas e acompanham a propriedade.

Além disso, o proprietário que instituir uma RPPN em seu imóvel deverá assegurar a manutenção dos atributos ambientais e sinalizar os seus limites, advertindo terceiros quanto a proibição de desmatamentos, queimadas, caça, pesca, apanha, captura de animais e quaisquer outros atos que afetem ou possam afetar a integridade da Unidade de Conservação.

Deverá, ainda, submeter à aprovação do órgão ambiental o plano de manejo da Unidade de Conservação, acarretando, dessa forma, no suporte de todos os custos inerentes aos estudos ambientais necessários para sua elaboração e encaminhar ao órgão ambiental, anualmente, e sempre que solicitado, relatório e situação da RPPN e das atividades nela desenvolvidas.

Por fim, cumpre ressaltar, ainda, que, considerando o benefício concedido de redução do valor do Imposto sobre a Propriedade Territorial – ITR, com base em Ato Declaratório Ambiental – ADA[7], o proprietário rural deve recolher ao IBAMA taxas a título de Taxa de Vistoria[8], nos termos do artigo 17-O da Política Nacional do Meio Ambiente.

 

Procedimentos para instituir um RPPN

Após avaliação dos prós e contras em relação à instituição de RPPN na propriedade privada, o interessado deve atentar-se aos procedimentos que são específicos em relação a esse tipo de unidade.

Inicialmente, cumpre esclarecer que a criação da RPPN pode se dar em âmbito Federal, Estadual ou Municipal.

Segundo Manual de Perguntas e Respostas do ICMBio[9], a definição de qual esfera a RPPN será instituída, fica a cargo do proprietário, vejamos:“De modo geral, não existe diferença entre as esferas de governo na criação da RPPN, cabendo ao proprietário escolher, livremente, em qual âmbito governamental deseja criar a sua Reserva”.

Todavia, é de todo recomendável levar em consideração para a tomada de decisão fatores como a facilidade de acesso do proprietário aos técnicos da Instituição em que será criada a RPPN; a infraestrutura institucional para apoiar o proprietário na gestão e no manejo da RPPN e a proximidade da RPPN com outras Unidades de Conservação federais, estaduais ou municipais.

Em âmbito Federal, além das disposições estabelecidas pelo Decreto Federal n. 5.746/06, deve-se observar as regras específicas da Instrução Normativa IBAMA n. 145 de 04 de janeiro de 2007.

Em âmbito estadual, a título de exemplo, no Rio de Janeiro temos o Instituto Estadual do Ambiente – INEA responsável pela coordenação da criação das Unidades de Conservação.

Diferentemente da disposição federal, no estado do Rio de Janeiro a RPPN pode ser criada em imóveis rurais e urbanos, correspondendo à área parcial ou integral da propriedade, nos termos do Decreto Estadual nº 40.909 de 17 de agosto de 2007.

 

Conclusão

Em conclusão, as Unidades de Conservação são mecanismos de suma importância para manutenção do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado e que cabe à toda coletividade o dever de cuidar, manter e desenvolver a natureza.

Os benefícios difusos são imensuráveis considerando toda a coletividade que passa a ser beneficiada através da garantia do Meio Ambiente acautelado de eventuais práticas humanas, como por exemplo, a supressão de vegetação.

No entanto, é importante saber que o proprietário que decide instituir essa Unidade de Conservação em sua área, terá obrigações pecuniárias e de conservação da área, em caráter perpétuo, sob pena de sanções administrativas e até mesmo penal.

O equilíbrio entre os prós e contras da instituição de uma RPPN na propriedade devem ser analisados e levados em conta na tomada de decisão do proprietário que deseja contribuir para o Meio Ambiente.

 

[1] Previstos no art. 4º da  Lei Federal n. 9.985/2000

[2] Medeiros, R.; Young; C.E.F.; Pavese, H. B. & Araújo, F. F. S. 2011. Contribuição das unidades de conservação brasileiras para a economia nacional: Sumário Executivo. Brasília: UNEP-WCMC, pg.10.

[3]https://www.saesadvogados.com.br/2021/02/19/meu-terreno-esta-dentro-de-um-parque-de-papel-ha-algo-que-possa-ser-feito/

[4] Art. 225 – Constituição Federal de 1998

[5] Decreto n. 5.746/06, art. 8º

[6] Lei Federal n. 9.985/00 – Art. 47 e 48.

[7] BRASIL. Casa Civil. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial da União, 02 de setembro de 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 26 jun. 2022.

[8] BRASIL. Casa Civil. Lei n. 9.960, de 28 de janeiro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 28 de janeiro de 2000.

[9] SOUZA, José Luciano de; CÔRTE, Dione Angélica de A.; FERREIRA, Lourdes M.. Perguntas e respostas sobre reserva particular do patrimônio natural. Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, 2012. 75 p.

Dra. Nathalye Libanio
Dra. Nathalye Libanio

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