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Sentença condena proprietário a demolir construção irregular e a recuperar área de preservação em condomínio junto ao Rio Tramandaí, em Imbé-RS

“A 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) condenou o proprietário de uma residência em um condomínio de luxo de Imbé a recuperar uma área de preservação junto ao rio Tramandaí. A sentença, da juíza federal substituta Clarides Rahmeier, foi proferida no domingo (8/01/2017).

A ação havia sido ajuizada pelo Ministério Público perante a Justiça Estadual no ano de 2011. O autor relatou que o dono da moradia teria construído uma rampa, um deck de madeira, um muro de alvenaria, um aterro e um depósito de resíduos na margem do curso d’água. Segundo o MP, a área seria considerada de preservação permanente (APP). Além disso, não teria havido o devido licenciamento ambiental. A ação acabou sendo redistribuída para a Justiça Federal, pois o local em questão seria de domínio da União.

O réu contestou, alegando que as edificações não estariam sobre APP, mas na beira de um curso de água artificial derivado do desassoreamento de um “braço morto” do rio. Sustentou, ainda, que o condomínio teria todas as licenças necessárias para a construção de rampas e atracadouros no canal. Além disso, defendeu que a retirada da construção causaria um impacto superior à sua manutenção, afirmando que haveria inúmeras situações idênticas à sua no Complexo Hídrico do Rio Tramandaí.

O Ministério Público Federal (MPF), entretanto, apontou que o licenciamento ambiental do empreendimento abrangeria apenas as obras de uso condominial, não havendo referência ao atracadouro e à rampa construídos pelo réu para utilização particular. Salientou, ainda, que a autorização requerida pelo proprietário teria sido indeferida por interromper corredores da fauna existentes nas margens do recurso hídrico e impedir a regeneração da vegetação nativa, entre outras irregularidades.

Para a juíza, trata-se efetivamente de uma APP, com construções realizadas sobre mata ciliar. Conforme ponderou, haveria obrigatoriedade de preservação de área às margens de qualquer curso d’água natural, independentemente de o traçado ter sido originalmente desenhado pela natureza ou modificado posteriormente – retificado, desassoreado, transposto – pela ação humana.

A magistrada também considerou que o fato de haver outras construções ilegais ao longo do Rio Tramandaí não justificaria a ocupação e sua aceitação como consolidada. Isto porque a obra promovida pela parte ré seria recente, realizada inclusive à revelia do licenciamento ambiental necessário. Ademais, a análise das edificações irregulares já consolidadas estaria prevista no Plano de Gestão das Margens do Complexo Hídrico Tramandaí/Armazém. Clarides concluiu, ainda, que a remoção do que foi irregularmente erguido permitirá “que ocorra a atuação do poder de auto-regeneração da natureza, comumente denominado de resiliência ambiental”.

A ação foi julgada procedente, e o proprietário condenado a protocolar junto à Fepam, no prazo de 90 dias, projeto de recuperação ambiental subscrito por profissional habilitado, incluindo a remoção das construções irregulares com o uso e emprego das técnicas mais limpas e menos impactantes existentes. Também constam na sentença a execução do plano dentro do prazo estabelecido pelo órgão ambiental estadual e a compensação dos danos ambientais não passíveis de recuperação com valores a serem definidos em fase de liquidação de sentença.

Cabe recurso ao TRF4″.

Fonte: JFRS, 10/01/2017.

Direito Ambiental

Nota de DireitoAmbiental.com:

O presente caso possui significativa repercussão no movimentado litoral Gaúcho, na medida em que há vários condomínios e residências de lazer no chamado “braço morto” do Rio Tramandaí.

A despeito do entendimento da justiça, um canal artificial não gera em suas margens APP – Área de Preservação Permanente, notadamente após maio de 2012, quando o atual Código Florestal previu APP´s apenas para cursos d´água naturais e não artificiais. Frise-se que em meados dos anos 1970, o Estado do RS (DEPREC – Departamento Estadual de Portos Rios e Canais) criou um canal de navegação, distante aproximadamente 200 metros do curso natural do Rio Tramandaí e sobre esse canal que a sentença de primeiro grau, ou seja, sujeito à análise pelo Tribunal Regional Federal, aplicou a interpretação de existência de APP, determinando – consequentemente – a demolição das intervenções (pier, atracadouro). Os dados do DEPREC foram objeto de pesquisa, inclusive, pela Bióloga Ângela Porciúncula, profunda conhecedora da região.

Diversas outras situações então sob análise do judiciário, inclusive processos criminais, levando o morador que busca seu sossego no litoral a ser comparado a um criminoso, o que não contribui para qualificação do equilíbrio ambiental, tampouco em termos de políticas ambientais.

Por Maurício Fernandes, Professor de Direito Ambiental, Consultor Jurídico em matéria ambiental, Advogado do Escritório Maurício Fernandes Advocacia Ambiental, com sede  em Porto Alegre-RS (www.mauriciofernandes.adv.br).

Direito Ambiental

Confira a íntegra da sentença da Ação Civil PÚBLICA (disponível em www.jfrs.jus.br):

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5008126-59.2011.4.04.7100/RS

 

SENTENÇA

 

RELATÓRIO

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada, inicialmente, pelo Ministério Público Estadual, perante à Justiça Estadual, contra L.A.S., em que se discute a demolição de obras perfectibilizadas em área de preservação permanente.

Inicial (evento 9, INIC1-INIC4). Alega o Ministério Público que a parte ré protocolou pedido de licença ambiental, junto à FEPAM, para a realização de obras em área de preservação permanente, quais sejam: (i) rampa de acesso para barcos; (ii) ‘deck’ de madeira de aproximadamente 10m de largura, apoiado parte sobre o aterro e parte sobre ‘pilotis’ de madeira por sobre vegetação marginal; (iii) muro de alvenaria que atingiu a vegetação da margem do curso d´água; (iv) depósito de bota-fora para destinação dos resíduos sólidos oriundos da construção; (v) aterro.” Alega, ainda, que a parte ré inicou as referidas obras, antes da manifestação do órgão ambiental licenciador, o que contrariaria a legislação vigente. Aduz que a construção se deu às margens de recurso hídrico, área de preservação permanente, nos termos do artigo 2º da Lei n. 4.771/65 c/c artigo 3º da Resolução CONAMA n. 303/02. Ressalta que as obras em questão não se enquadram na possibilidade legal de regularização, nos termos da Resolução CONAMA nº 369/2006. Alega que: (a) não há como caracterizar, no caso, “o interesse social e a utilidade pública da obra em questão, perfeitamente definível como obra que atende, unicamente, a interesse privado.”; e (b) “ainda que algumas obras pudessem, eventualmente, ser caracterizadas como de baixo impacto ambiental (segundo a prudente avaliação do órgão de proteção ambiental, que inexistiu) o procedimento autorizativo deve ser prévio, o que garantiria a definição pelo órgão ambiental das condições em que deveria ser edificada a obra e das medidas de caráter mitigador e compensatório relativas à intervenção, o que já caracteriza, por si, a situação de ilicitude da construção.” Ao final, requer, seja o demandado condenado à (i) obrigação de fazer, consistente em protocolar junto à FEPAM, em prazo a ser fixado pelo juízo, projeto de recuperação de área de preservação permanente, subscrito por profissional habilitado, com anotação de responsabilidade técnica, o qual deverá contemplar a remoção das construções irregulares, sob pena de incidência de multa diária; (ii) obrigação de fazer, consistente em, após a aprovação pelo órgão ambiental, executar o projeto em prazo a ser fixado pelo juízo ou em outro a ser indicado pela FEPAM, sob pena de incidência de multa diária; (iii) compensar os danos ambientais não passíveis de recuperação, a serem definidos em fase de liquidação de sentença.

Contestação (evento 9, ANEXO 20 a 23)Inicialmente, informa a parte ré que é proprietária “do lote nº XX, da quadra XX, no Condomínio G.R., sito na cidade litorênea de Imbé-RS, tendo adquirido o referido imóvel com a função precípua de lazer, uma vez que este imóvel encontra-se situado em Condomínio residencial junto à área atribuída para este fim.” (evento 9, ANEXO 20). Noticia que referido condomínio restou constituído regularmente junto à Administração Pública Municipal de Imbé (Decreto Municipal nº 532/97) e perante o órgão ambiental estadual (Licenças Prévia nº 0907/97-DL, de Instalação nº 0094/98-DL e de Operação nº 4275/97). No mérito, alega que: “(i) a existência de rampa de acesso para barcos e deck de madeira (atracadouro) consiste em obra consolidada de insignificante impacto ambiental; (ii) a área em que se localiza a rampa e o deck não consiste em área de preservação permanente – APP, conforme demonstram características ambientais da área, licenças ambientais e respectivo projeto aprovado junto ao órgão ambiental; (iii) o Condomínio foi devidamente autorizado e consolidado sob a autorização realizada pelas Licenças Ambientais em anexo, as quais preveem a área em que se localizam a rampa e o atracadouro como sendo área de lazer e não como área de preservação permanente – APP; (iv) o licenciamento para Licença de Instalação ambiental do condomínio previu o resguardo uma porção ao sul do empreendimento condominial bem como ao longo do curso do canal artificial retificado do Rio Tramandaí para a função de área de preservação permanente; (v) jamais houve qualquer constituição da área de marina proveniente do braço morto do canal artificial do Rio Tramandaí como área de preservação permanente, conforme demonstram licenças ambientais e planta baixa do empreendimento.” (evento 9 – ANEXO 21). Refere que “os órgãos ambientais têm orientado que quaisquer ações demolitórias e de recuperação devem aguardar as decisões a serem dadas quanto à possibilidade de regularização ou recuperação de uma forma mais abrangente das margens a serem dadas pelo Plano de Gestão do Complexo Hídrico Lagoa Tramandaí/Armazém.” (evento 9 – anexo 21). Repisa que a marina, em que se localiza a rampa e o atracadouro, consiste num ambiente artificial, ou seja, num canal cego confeccionado sob a regularidade de um procedimento de licenciamento ambiental que permitiu o desassoreamento do “braço morto”, razão pela qual não incidiria a regra do artigo 2º, “a”, I, do Código Florestal Federal vigente ao tempo dos fatos. Ressalta, mais uma vez, que a área restou desassoreada artificialmente, vista sua finalidade náutica, além do projeto de loteamento ter sido aprovado junto à esfera municipal e ao órgão ambiental estadual. Aponta que os impactos negativos da remoção da obra seriam superiores aos da sua manutenção, invocando, ainda, que a construção seria intervenção de “baixo impacto ambiental”, nos termos da Resolução CONAMA nº 369/06 c/c §3º, do artigo 19, do Decreto Federal nº 6.514/08. Ao final, requer a improcedência da ação.

Andamento. A Secretaria do Patrimônio da União prestou informações requeridas pelo MPE, em que alega que a área discutida nos autos é de domínio da União (evento 9, anexo 31). O Ministério Público Estadual requereu a declinação da competência para a Justiça Estadual e o Juízo de Direito determinou a remessa dos autos à Justiça Federal (evento 9 anexo 31). A parte ré agravou da decisão (evento 9, anexos 32 a 35). Os autos foram encaminhados e distribuídos a esta Vara Federal (evento 9, anexo 36). O MPF foi intimado para providenciar a digitalização dos autos (eventos 5 e 6). Os autos foram digitalizados (evento 9). Foi determinada a intimação das partes, antes do Juízo se manifestar sobre a competência e prosseguimento (evento 10). O MPF (evento 13): (a) informou que não possui provas a produzir porque o que consta nos autos é suficiente para comprovar que o réu executou obras em área de preservação permanente sem licença do órgão ambiental; (b) requereu a inversão do ônus da prova porque é dever do poluidor comprovar que não causou o dano; (c) requereu o prosseguimento do feito. A União (evento 16): (a) manifestou ciência da redistribuição; (b) requereu sua admissão no polo ativo da ação, na condição de assistente litisconsorcial do MPF; (c) ratificou a manifestação do MPF pelo prosseguimento do feito. O réu (evento 20) requereu a improcedência da ação porque: (a) a retirada da construção causaria um impacto ambiental superior à sua manutenção; (b) a área não possuiria a condição de área de preservação permanente ou terreno de marinha porque se encontraria nas margens de curso de água artificial; (c) o empreendimento seria regular. Integrou-se ao pólo ativo a União, na qualidade de assistente litisconsorcial do MPF (evento 22).

Petição do MPF (evento 26). Alega o MPF que “Relatório de Vistoria nº 02/2009/BLAU/GERLIT, o Auto de Infração nº 95/2009 e o Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL, que são atos administrativos dotados de presunção de legitimidade e veracidade, comprovam que o local afetado se trata de Área de Preservação Permanente, sendo que as obras foram realizadas sem licença do órgão ambiental.” Refere que “a Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, prevê, no art. 10, que empreendimentos como o que é tratado nesta ação dependem de licenciamento ambiental prévio.” Demonstra que “o licenciamento do condomínio residencial autorizava somente as obras constantes no referido projeto, não existindo qualquer referência ao atracadouro e à rampa construídos pelo réu para utilização particular.” Aponta que “(a) a construção da rampa interrompeu corredores da fauna existentes nas margens do recurso hídrico (primeiro item do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL); (b) a construção da rampa impede a regeneração da vegetação nativa (primeiro item do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL); (c) as obras realizadas pelo réu ocupam praticamente toda a largura do terreno, excedendo, em muito, o limite de 5% previsto na norma; (d) o órgão ambiental analisou a existência de alternativa locacional, entendendo pelo indeferimento da licença em razão da existência de atracadouro no condomínio para uso dos moradores (segundo item do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL).” Assevera ainda que “importa ser considerado que o réu não logrou êxito em comprovar que sua conduta não foi lesiva ao meio ambiente, permanecendo assim em pleno vigor todas as provas e os atos administrativos que demonstram a ocorrência de infração ambiental.”

Petição da União (evento 27). A União Federal reitera a manifestação lançada pelo Ministério Público Federal, requerendo o prosseguimento do feito, nos termos em que proposto pelo agente ministerial.

Petição do réu (evento 30). Intimado, o réu alega a impossibilidade da inversão do ônus da prova, invocando que a incidência do art. 6º, VIII do CDC, o qual se refere aos direitos básicos do consumidor, violaria o artigo 21 da Lei nº 7.347/85. Refere que, em que pese os atos administrativos desfrutarem de legitimidade e veracidade, não são absolutos, de modo que se faz necessário a apresentação de elementos mínimos de prova, seja parecer técnico dos danos causados pela construção, bem como que área caracteriza-se como APP. Aponta que o laudo ambiental confeccionado por técnico contratado pelo réu possui idoneidade, constitui direito/dever da demandada, nos termos do artigo 333, II do CPC vigente à época, bem como foi confeccionado por profissional com conhecimento e autoridade técnica científica no assunto. Assevera que a demolição da obra é injustificável, pois (a) encontraria-se consolidada; (b) os impactos da demolição seriam superiores aos da sua manutenção; (c) existria estudo perante o órgão ambiental estadual a fim de decidir sobre a remoção ou permanência de casos idênticos ao dos autos.

Petição do réu (evento 31). O réu alega ter sido surpreendido com o Ofício FEPAM/DIRTEC nº 11038/2011, o qual o intimava da decisão administrativa que confirmou a penalidade da multa imposta ao demandado na esfera administrativa. Ressalta que o objeto da presente ação é o mesmo do processo administrativo, razão pela qual pugna pela suspensão do último, pelo princípio da unidade de jurisdição.

 Andamento. Intimadas as partes acerca da petição do evento 31, sobreveio decisão deste Juízo que adotou como razão de decidir a manifestação do MPF (evento 36): “…o requerimento formulado pelo réu, no âmbito restrito desta ação, carece de fundamento, verificando-se a impossibilidade de seu deferimento em decorrência dos limites da presente causa, eis que o Auto de Infração que originou o processo administrativo no órgão ambiental não é objeto de questionamento na presente ação, sendo tão-somente um dos suportes probatórios dos pedidos formulados, buscando-se a recomposição do ambiente degradado pela construção indevida do atracadouro em APP. A FEPAM, responsável pelos atos administrativos que o réu pretende ver suspensos, sequer figura como parte no processo. E, ademais, vigora em nosso ordenamento jurídico princípio da independência das instâncias administrativa, cível e criminal. Por fim, apenas a título de argumentação, na postulação do réu não há qualquer outro fundamento válido para a pretendida suspensão do procedimento administrativo, capaz de suscitar eventual abuso ou ilegalidade dos atos administrativos”. O réu interpôs agravo de instrumento do indeferimento da suspensão (evento 47), ao qual foi negado provimento pelo TRF4. Ainda, restou deferido o pedido de expedição de ofício à FEPAM para apresentar as cópias requeridas pelo réu. Oficiada a FEPAM, esta juntou os documentos solicitados (evento 66).

Petição do réu (evento 73). O réu apresentou manifestação em que alega que ‘…resta comprovado que a demolição pretendida pelo autor, além de apresentar-se de forma desproporcional, ocasionará impactos ambientais de maior magnitude se comparados à manutenção da obra’ (evento 73). Requereu a improcedência da ação.

Andamento. Encerrada a instrução, as partes restaram intimadas para apresentação de memoriais escritos.

Memoriais do MPF (evento 80). O autor relata estarem comprovados nos autos os danos ambientais causados pela construção irregular em APP, de acordo com o Relatório de Vistoria nº 02/2009 da FEPAM, com o auto de infração nº 95/2009 BLAU/GERLIT e com o Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL. Ressalta que “sendo inegável que o recurso hídrico em tela compõe o Rio Tramandaí, a área da margem afetada configura-se como APP, prevalecendo destarte o interesse coletivo representado pela preservação do meio ambiente em áreas protegidas.” Aponta que “a alegação de que a recomposição da área causaria maiores danos ao meio ambiente não merece acolhimento. De fato, tal alegação está embasada em estudo técnico realizado por profissional contratado pelo réu, não sendo compatível com todas as considerações técnicas exaradas pelo órgão ambiental competente.” Cita a doutrina pertinente e colaciona precedentes jurisprudenciais. Requer a procedência da demanda.

Petição da União (evento 84). A União ratifica os memoriais apresentados pelo MPF.

Memoriais do réu (evento 87). O réu repisa que “não se aplica a inversão do ônus da prova, dada a ausência de dispositivo legal que a autorize.” Ressalta que “trata-se de um ambiente artificial, criado sob a regularidade de um procedimento de licenciamento ambiental que permitiu o desassoreamento do “braço morto”, formando, assim, a marina condominial para o trânsito e a prática de atividade de lazer aquático.” Aponta que “considerando que o texto normativo do art. 11 da Resolução nº 369/06 do CONAMA caracteriza a construção de rampa para lançamento de barcos e ancoradouro como intervenção de baixo impacto ambiental, é, por evidente, menos impactante a simples manutenção de obra já consolidada.” Pugna pela improcedência da ação.

Andamento. Sobreveio decisão que converteu o feito em diligência (evento 90), a fim de que fosse realizada audiência informativa para que, em se tratando de interesse público referente à preservação do meio ambiente, tivesse-se a plena compreensão da situação fática. As partes foram intimadas acerca do termo de transcrição de depoimento (evento 112).

Petição do MPF (evento 117). Manifesta-se o MPF, alegando que o termo de transcrição evidencia que a obra versada nos autos foi realizada sem licenciamento ambiental, tratando-se não apenas de construção não autorizada em APP, como também de supressão da vegetação nativa existente no local e do impedimento de sua regeneração.

Petição da União (evento 119). A União ratifica a manifestação realizada pelo MPF no evento 117.

Petição do réu (evento 121). O réu acosta aos autos o termo de transcrição retificado. Alega que daquele depreende-se que a obra construída em área há muito antropizada, não implicando em supressão de mata ciliar ou vegetação original. Requer a improcedência da ação.

Andamento. O juízo acolheu as correções apresentadas pela parte ré à transcrição da audiência (evento 124).

Petição da União (evento 131). Intimada a União, alegou alguns equívocos quanto à transcrição apresentada pela parte ré, juntando aos autos novo termo de transcrição.

Andamento. O pedido de nova retificação ao termo de transcrição da audiência restou indeferido (evento 135), voltando os autos conclusos para sentença (evento 145).

Petição do réu (evento 146). Retoma o réu que o “braço morto” do Rio Tramandaí foi desassoreado de forma artificial, e que a obra teria sido aprovada pela FEPAM para proporcionar aos condôminos acesso aos lotes banhados pelo canal artificial, bem como para o trânsito náutico e a prática de atividade de lazer aquático. Invoca o Plano de Gestão do Complexo Hídrico Lagoa Tramandaí/Armazém, o qual buscaria avaliar a ocupação de toda a faixa marginal e estabelecer critérios para a preservação e conservação da área de regularização das diferentes formas de uso das suas margens. Ressalta que existiriam muitas situações fáticas equivalentes a dos autos e, em razão desse fato, entende ser necessária a análise em nível regional. Acosta aos autos precedente da 1ª Vara Federal de Santa Rosa/RS.

Andamento. Convertido os autos em diligência (evento 148), restou intimado o autor.

Petição da União (evento 152). A União rechaça os documentos juntados pelo réu, porquanto alega tratar-se de processo distinto ao presente caso, tendo em vista que naquele a União sequer fazia parte do processo. Reitera, ainda, ser o terreno inequivocamente de domínio da União, uma vez constituído à margem do rio, estando compreendido na faixa de largura mínima de 33,00 (trinta e três) metros a contar da margem. Por fim, impugna as razões trazidas pelo réu.

Petição do MPF (evento 153). O autor alega que o réu não trouxe aos autos novos elementos que pudessem alterar a situação fático-jurídica, razão pela qual requer a procedência da demanda.

Andamento. Os autos retornaram conclusos para sentença (evento 154).

Petição do réu (evento 155). O réu reitera todas as razões apresentadas. Ademais, alega que a obra, objeto de discussão, está atuando de forma benéfica ao ambiente local, porquanto está servindo de contenção ao avanço do processo erosivo da margem do “braço morto”, no limite que faz com o imóvel do demandado. Acosta aos autos Licença de Instalação nº 010/2015, emitida pela Secretaria do Meio Ambiente e Pesca de Imbé/RS, a qual autoriza a reforma da rampa e atracadouro. Aponta que aquele documento consideraria que o imóvel do requerido não se encontra em APP. Refere que o ato administrativo superveniente confirma a improcedência da pretensão demolitória dos autores, tendo em vista que a obra não se encontra em APP; está atuando como meio antrópico impediente do agravamento da erosão da margem do “braço morto”. Requer a improcedência da ação.

Andamento. Os autos restaram convertidos em diligência, sendo intimados os autores (evento 156).

Petição da União (evento 160). Alega que “na referida LI nº 010/2015 encontra-se consignado que o deferimento da licença não dispensa as demais licenças ambientais exigidas.” Impugna o documento acostado pelo réu.

Petição do MPF. (evento 161). Refere que os documentos apresentados em nada alteram a configuração do ilícito ambiental constatado, cuja ocorrência foi amplamente demonstrada ao longo da instrução processual. Refere que referidos documentos (Licença de Instalação, expedida pela Secretaria Meio Ambiente e Pesca de Imbé, relativa à autorização municipal para reforma no atracadouro existente, e laudo técnico elaborado por arquiteta contratada pelo réu) não substituiu as demais licenças ambientais necessárias, conforme exigências da legislação federal e estadual, não influenciando o mérito da causa.

Andamento. Os autos retornaram conclusos para sentença (evento 162), sendo convertidos em diligência (evento 163) para realização de inspeção judicial. Ao evento 184 restou juntado relatório da inspeção judicial. Foram as partes intimadas para manifestação acerca da inspeção realizada.

Petição do MPF. (evento 193). Ressalta que a obra foi realizada sem licenciamento ambiental. Aduz ser inviável a integração do Município de Imbé ao feito, em virtude da lide versar sobre obra sem licenciamento do órgão competente para tanto, seja a FEPAM. Alega, ainda, que “que somente poderia ter sido imposta ao autor, e ainda assim no nício do feito, caso se tratasse de litisconsórcio passivo necessário (art. 47 do CPC/1973). Ademais, mesmo que fosse o caso de intervenção de terceiros (prevista no Título II, Capítulo VI, do CPC/1973) – o que se admite apenas para argumentar, pois evidentemente nenhuma das hipóteses legais se amoldam à situação versada nos autos –, o réu deveria ter adotado as providências correspondentes igualmente no início do feito.” Aponta que, ainda que existissem situações idênticas ao do réu no local da inspeção judicial, não tornaria a sua construção menos irregular, nem seria caso de improcedência da ação. Refere que, ainda que houvessem situações idênticas, imporia a necessidade de averiguação da regularidade daquelas. Alega que o réu foi inexitoso em provar construção idêntica à sua. Por fim, requer a procedência da demanda.

Petição do réu. (evento 195). Alega que a obra não está localizada em APP, conforme entendimento do órgão ambiental estadual quando do licenciamento do empreendimento, o qual restou corroborado pelo laudo ambiental complementar anexado. Ressalta que está comprovado nos autos que a construção é de baixo impacto ambiental, sendo que sua remoção traria maior impacto do que à sua manutenção, além da funcionalidade daquela, vez que impede processos erosivos. Aponta que a inspeção judicial demonstrou haver outras construções similares ao presente objeto da lide, sendo uma situação generalizada na região, não se podendo afrontar o princípio da igualdade e isonomia.

Petição da União. (evento 196). A União reitera e ratifica a manifestação apresentada pelo MPF no evento 193.

Andamento. Voltaram os autos conclusos para sentença (evento 197).

FUNDAMENTAÇÃO 

A) Do pedido de condenação em obrigação de fazer, consistente em protocolar projeto de recuperação de área de preservação permanente, contemplando a remoção da construção irreguarmente edificada, bem como sua respectiva execução.

Passa-se ao enfrentamento das questões controversas subjacentes ao pedido retrodescrito.

A1) Da construção edificada sobre Área de Preservação Permanente.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública, sob a alegação de que o réu teria realizado construção sobre Área de Preservação Permanente, sem licença ambiental.

De outro lado, alegou o réu que a área onde edificou obra não se trataria de APP, mas de ambiente artificial, criado sob a regularidade de um procedimento de licenciamento ambiental que permitiu o desassoreamento do ‘braço morto’ do canal artificial retificado do Rio Tramandai, o qual (‘o braço morto’) teria formado a marina condominial para o trânsito e a prática de atividade de lazer aquático e sobre a qual não incidiria a regra do artigo 2º, “a”, I, do Código Florestal Federal -, vigente ao tempo dos fatos.

Precise-se, a marina condominial, mencionada pela parte ré, é parte integrante do Condomínio G.R., condomíno este noticiado como constituído regularmente junto à Administração Pública Municipal de Imbé (Decreto Municipal nº 532/97) e perante o órgão ambiental estadual (Licenças Prévia nº 0907/97-DL, de Instalação nº 0094/98-DL e de Operação nº 4275/97).

Ademais, importante delimite-se, na linha do consignado pela própria parte ré, em sede de sua contestação, o procedimento de licenciamento ambiental do condomínio previu o resguardo de uma porção ao sul do empreendimento condominial bem como ao longo do curso do canal artificial retificado do Rio Tramandaí para a função de área de preservação permanente.

Assim, detecta-se, enquanto a parte autora (Ministério Público) – no que acompanhada pelo órgão ambiental licenciador do condomínio, FEPAM -, sustenta que a área decorrente do desassoreamento do ‘braço morto’ do canal artificial retificado do Rio Tramandaí também estaria contemplada por área de preservção de permanente em suas margens, a parte ré sustenta que “jamais houve qualquer constituição da área de marina proveniente do braço morto do canal artificial do Rio Tramandaí como área de preservação permanente.” (evento 9 – ANEXO 21).

Assim sendo, constata-se que a controvérsia a dirimir centra-se, num primeiro momento, em decidir se a área onde edificada a obra objeto desta lide, corresponde, ou não, à área de preservação permanente.

Prefacialmente, importante se consigne o conceito de Área de Preservação Permanente, o qual atualmente se encontra contido no artigo 3º da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), de todo idêntico, aliás, ao do contido no Código Forestal vigente à época dos fatos, ora em julgamento, (art. 1º, §  2º, II, da Lei 4.771/65).  Senão vejamos:

Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012):

“Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (…)

II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;”

Antigo Código Florestal (Lei 4.771/1965):

“Art. 1º (…)

§ 2º Para os efeitos deste Código, entende-se por: (…)

II – área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas;”

Consabido, dentre as diversas APP’s, elencadas tanto no Código Florestal revogado quanto no vigente, encontram-se as faixas marginais ao longo de qualquer curso d´água natural (art. 2º, ‘a’, da Lei nº 4.717/65 e art. 4º, I, da Lei nº 12.651/2012), conhecidas como matas ciliares, por possuírem a mesma função que os cílios têm para os olhos: proteção.

Conforme comumente exposto pela ciência, não há nada que funcione tão bem para proteger a água como as matas nativas que crescem às margens dos cursos hídricos, eis que funcionam como grandes esponjas que absorvem a água quando chove, soltando-a, depois, lentamente nos cursos d´água durante vários dias.

Ademais, as matas ciliares funcionam como um filtro natural: seguram a terra, os agroquímicos e adubos que, na sua ausência, acabam na água, garantindo-se, assim, a preservação da vida aquática.

Perceptível, portanto, de plano, que a razão de ser da proteção das margens de qualquer curso d´água natural, mediante a previsão legal de áreas de preservação permanente marginais, é a proteção d´água, tal qual os cílios estão a proteger os nossos olhos, ‘ratio essendi’ esta que, explicite-se, será a linha condutora do presente julgado.

Pois bem, ao sentir deste Juízo, a área em que o réu construiu uma rampa de acesso para o barco, um “deck” de madeira de aproximadamente 10m de largura ao longo da margem hídrica, apoiado parte sobre aterro e parte (aproximadamente 2 m) sobre pilotis de madeira sobre vegetação marginal, um muro de alvenaria, um depósito de bota-fora para destinação de resíduos sólidos oriundos da construção, bem como um aterro, caracteriza-se efetivamente como Área de Preservação Permanente, pelas razões que passará a expor.

Isso porque se verifica que a obra objeto da lide está edificada às margens de curso hídrico natural, na medida em que, como admitido pela própria parte ré, trata-se de construção realizada às margens do ‘braço morto’, desassoreado do canal artificial/retificado do Rio Tramandaí e, assim sendo, a água do Rio Tramandaí que passou a ‘correr’ no leito do ‘braço morto’, após seu desassoreamento, deve ser protegida por ‘cílios’ adequados, ou seja, mediante mata ciliar, na largura mínima em que legalmente prevista, no caso em tela, de 30 metros.

De fato, constatando-se que a água que ‘corre’ no leito do ‘braço morto desassoreado’ do ‘denominado canal artificial retificado do Rio Tramandaí’ é a água do Rio Tramandaí (curso d´água natural), esta, sem dúvida, reclama, legal e principiologicamente, a proteção ambiental apropriada através da preservação permanente da sua mata ciliar marginal, na largura em que técnica e legalmente recomendada.

Importante se tenha presente que um dos significados léxicos de ‘curso’ é justamente ‘água em movimento’ (in: http://www.lexico.pt/curso/ acessado em data de 22.12.2016), a partir do que deve se concluir que o que importa é a existência de ‘curso d´água natural em movimento’ para que incidente a obrigatoriedade de preservação de área de preservação permanente às margens de qualquer curso d´água natural, independentemente do curso do rio ser o originalmente ‘desenhado’ pela natureza ou eventualmente, de alguma forma, o ‘redesenhado’ (retificado, desassoreado, transposto – como o está sendo o Rio São Francisco -, etc.) por intervenção humana.

Registre-se, na seara da legislação ambiental florestal brasileira, o termo ‘d´água artificial’ é inexistente. Até mesmo porque ‘água artificial’ não se trata de bem natural, porquanto produzida através de reações químicas provocadas por impulso humano, de forma quase que ainda experimental (por exemplo, por meio de eletrólise é possível produzir água artificial).

Esclareça-se, o que existe é o termo ‘artificial(is)’  qualificando/adjetivando o substantivo  ‘reservatório(s)’, para legislar acerca de área de preservação permanente no entorno de ‘reservatório(s)’, como por exemplo, arts. 4º, III e 62, ambos da Lei nº 12.651/2012, ou seja, em local(is) – reservatório(s) – em que ‘depositada/armazenada’ água natural acumulada de forma artificial. Aliás, consoante definição consignada da Resolução CONAMA nº 302/2002, em seu inciso I do art. 2º (‘Para efeito desta resolução são adotadas as seguintes definições: I – Reservatório artificial: acumulação não natural de água destinada a quaisquer de seus múltiplos usos;’), o que muito distinto, notório, de água ‘em movimento’ ao longo de curso d´água natural.

Ademais, verifica-se que o entendimento sustentado pela parte ré no sentido de que “jamais houve qualquer constituição da área de marina proveniente do braço morto do canal artificial do Rio Tramandaí como área de preservação permanente”, além de não compatível com a ‘ratio essendi’ da área de preservação permanente mata ciliar, cuja função ecológica é a proteção do bem ambiental ‘agua natural’ (como já consignado acima), não é e nunca foi o (entendimento) chancelado pelo órgão ambiental responsável pelo Licenciamento do Condomínio G.R., qual seja, a FEPAM.

Destaque-se, em sede de sua contestação, a própria parte ré afirma, em relação ao Condomínio como um todo, que:

“O presente empreendimento imobiliário consolidou-se sob o manto autorizativo das respectivas licenças ambientais, prevendo: (i) a existência de preservação da área de banhado existente na porção sulconforme item 1.2 da LP 0907/97-DL e item 1.07 da LI 0094/98-DL; (ii) a preservação da vegetação existente em faixa marginal de, no mínimo, 30 (trinta) metros ao longo do trecho do rio Tramandaí, conforme item 1.3. da LP 0907/97-DL, item 1.08 LI 0094/98-DL e planta baixa aprovada no órgão ambiental no licenciamento ambiental para obtenção da Licença de Instalação – LI 0094/98-DL (…); (iii) que ‘as marinas previstas terão as dimensõe originais, não devendo ultrapassar 10 metros de largura’, conforme item 1.10 da LI 0094/98′.” (evento 9- Anexo 20)

Pois bem. Tanto no item 1.3 da LP nº 0907/97-DL (‘deverá ser preservada a vegetação existente em faixa marginal, de, no mínimo, 30 m ao longo do trecho do rio Tramandaí, medida à partir da sua cota máxima de inundação’) (evento 9 ANEXO 23) quanto no item 1.08 da LI nº 0094/98-DL [(‘foi mantida a faixa marginal de 30m ao longo do canal retificado do rio Tramandaí onde será plantada vegetação de porte médio (gerivás e arbustos)], ambas licenças emitidas pela FEPAM, houve a determinação da observância de proteção da correspondente área de preservação permanente marginal, independentemente da própria FEPAM, em um momento ter denominado o referido perímetro como ‘trecho do rio Tramandaí’ e em outro momento o tê-lo denominado de ‘canal artificial do rio Tramandaí’.

De se esclarecer, ao que se dessume dos autos e a partir da inspeção judicial realizada (evento 184), referido trecho do Rio Tramandaí, de fato, não corresponde mais ao seu curso original, o que, repise-se, não foi questão impeditiva a que a FEPAM determinasse a efetiva proteção da área de preservação permanente, nos termos da legislação ambiental vigente à época dos fatos (art. 2º, “a”, I, da Lei nº 4.771/1965).

De se esclarecer, ainda, no corpo da LO nº 4275/97 (evento 9 – ANEXO 24), que autoriza o empreendedor do Condomínio G.R., “a promover a operação relativa à atividade de DESASSOREAMENTO, com extensão de 55,5 m de braço morto de rio com largura média de 9 metros, localizada entre a Av. Paraguassú e o canal retificado do Rio Tramandaí, no balneário de Imbé – RS”, não se encontra qualquer menção a que no referido trecho dessassoreado não seria aplicável os termos do contido no item 1.3 da LP nº 0907/97-DL e item 1.08 da LI nº 0094/98-DL.

Ao contrário, de forma expressa, observa-se que restou consignado, no corpo da LO nº 4275/97, que se trata de braço morto de rio, no caso do Rio Tramandaí, diante do que, forçoso concluir, de todo infundada a alegação tecida pela parte ré de que as licenças ambientais expedidas em favor do Condomínio G.R. teriam autorizada “a área em que se localizam a rampa e o atracadouro como sendo área de lazer e não como área de preservação permanente” (evento 9,  ANEXO 21). (Grifou-se).

Até porque, frise-se, os institutos ”área de lazer e área de preservação permanente’, quando autorizada algum nível de compatibilização (como é o caso de algumas atividades de baixo impacto ambiental) o devem ser com a mínima intervenção possível sobre à área especialmente protegida, nos estritos termos em que delimitada (a intervenção humana na área protegida) pela legislação pertinente. Jamais, autorizando, no entanto, a que a função ecológica da área protegida seja totalmente esvaziada.

Ademais, frise-se, a imposição contida no referido item 1.10 da LI n. 0094/98 (evento 9 ANEXO 24) de que “as marinas previstas terão as dimensões originais, não devendo ultrapassar 10 metros de largura”, no entender desta Magistrada, expressamente delimita que as marinas autorizadas a serem  instaladas/construídas na área em que empreendido o Condomínio são unicamente as condominiais previstas no projeto global e as previamente aprovadas, repise-se, pelo órgão licenciador FEPAM. O que, aliás, coaduna-se com a efetiva alocação de uma marina condominial/coletiva na extensão do ‘braço morto desassoreado’, distinta da obra realizada pela ora parte ré, conforme constatado ‘in loco’, quando da inspeção realizada por este Juízo (evento 184).

Ante o exposto, julga-se que a melhor interpretação, ao sentir deste Juizo, é de que ao longo de todo o trecho do rio Tramandaí, incluso o seu ‘braço morto desassoreado’, que atravessa e/ou limita e/ou confronta com o Condomínio G.R., encontra-se estabelecida faixa marginal de, no mínimo, 30 (trinta) metros de área de preservação permanente, seja por força da legislação vigente ao tempo dos fatos, art. 2º, ‘a’, da Lei 4.717/65 (idêntica à vigente na presente data),  seja por força do licenciamento realizado pela FEPAM.

Em outras palavras, forçoso se reconheça, o empreendimento objeto deste feito se encontra edificado sobre mata ciliar, área de preservação permanente, nos termos da legislação ambiental de regência e nos termos das Licenças emitidas pelo órgão licenciador competente, em especial nos termos da LP nº 0907/97-DL LI nº LP 0094/98-DL e LO nº 4275/97.

Isto posto, passa-se a tecer breve considerações acerca da necessidade de licença ambiental para construção da obra objeto desta lide.

Da necessidade de licença ambiental para realização da obra.

Superada a questão quanto à definição da área sobre a qual a parte ré realizou a obra, uma vez que concluído tratar-se efetivamente de Área de Preservação Permanente, cabe pontuar a necessidade de licença ambiental para construção de obras edificadas sobre Área de Preservação de Permanente, tal qual a realizada pelo Sr. L.A.S.

De plano, por oportuno, cabe colacionar o conceito de áreas de preservação permanente, o qual restou brilhantemente elucidado por Guilherme José Purvim de Figueiredo, em sua obra ‘A propriedade no Direito Ambiental’, da seguinte forma, ‘in verbis’:

“Áreas de preservação permanente, por sua vez, não admitindo supressão da vegetação, são também áreas ‘non aedificandi'” (Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed., p. 226)

Notório, desde longa data, em território brasileiro, somente órgãos ambientais, mediante o devido procedimento licenciatório, podem abrir exceção à restrição intrínseca à natureza jurídica de áreas de preservação permanente – áreas ‘non aedificandi’ -, e autorizar a intervenção e a supressão de vegetação nativa em referidas áreas especialmente protegidas, nas hipóteses excepcionais, expressamente previstas na legislação de regência.

Senão vejamos, o que previa a legislação vigente ao tempo dos fatos (‘caput do art. 4º, da Lei nº 4.771/65), ora objeto de discussão, bem como o que prevê o Novo Código Florestal, Lei 12.651/12:

Antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965):

“Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (…)

§ 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.”

Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012):

Art. 8o  A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei. (…)”

Ante o exposto, observa-se que o órgão ambiental licenciador competente tão somente pode autorizar a intervenção ou supressão de vegetação nativa em áreas de preservação permanente nas hipotéses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental, expressamente elencadas na legislação ambiental e dentro dos limites legalmente estipulados.

Isto posto, passa-se à análise acerca da irregularidade da obra realizada pela parte ré.

Da irregularidade da obra realizada pela parte ré.

Prefacialmente, neste ponto, em que se apreciará a irregularidade da obra realizada pela ora parte ré, explicite-se, a FEPAM, órgão ambíental licenciador do Condomínio G.R, indeferiu a Licença Prévia, requerida pelo Sr. L.A.S. (ora parte ré), “para a atividade de construção de trapiche para ancoragem de embarcação, localizada na Rua Por do Sol – lote XX – Quadra XX – Cond. G.R. – Imbé – RS”, pelos motivos que a seguir são transcritos, tudo nos termos do constante do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL, emanado da FEPAM, datado de 05.11.2009, ‘in verbis’:

“- a obra localiza-se às margens de curso de água, no corredor e sobre a vegetação ciliar, que é Área de Preservação Permanente (APP) e encontra-se já em parte concluída e situada sobre a vegetação ciliar na data da vistoria para emissão da LP, caracterizando atividade sem licenciamento ambiental;

– a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, nos termos dos arts. 2º e 3º considera Área de Preservação Permanente a área coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas e segundo Resolução CONAMA 369/2000 qualquer intervenção só será admitida com prévia autorização quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, somado ao fato de não existir alternativa locacional, o que não é o caso, já que trata-se de saída de barco em lote particular sendo que já existe atracadouro no mesmo condomínio para uso dos moradores. A APP no local é de, no mínimo, 30 m, conforme legislação ambiental vigente. Ademais, a obra é de uso particular e exclusivo, o que é outro motivo pelo qual não se enquadra na resolução CONAMA 369/06.” (evento 9 – ANEXO 16).

De se salientar, muito embora o réu tenha protocolado solicitação para construção de trapiche para ancoragem de embarcação – o que demonstra ser evidente ao demandado a imprescindibilidade da autorização ambiental -, iniciou a obra antes da análise do seu requerimento, o que acabou sendo uma das razões do indeferimento do seu pedido de licença prévia.

Contudo, a razão do referido indeferimento (nº 56/2009-DL), como visto, não se deve unicamente à realização de obra, sem a devida e prévia autorização ambiental. Deve-se, substancialmente, ao reconhecimento, pelo órgão ambiental competente – FEPAM -, da inviabilidade ambiental do projeto apresentado pela parte ré.

Dentre outras razões, deve-se à área tratar-se de área de preservação permanente – como já visto no corpo desta sentença (no item ‘Da construção edificada sobre Área de Preservação Permanente’) -, e à obra não se enquadrar nas hipóteses excepcionais previstas na legislação de regência que autorizam a intervenção ou supressão de vegetação nativa em áreas que tais – utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental.

É certo que a parte ré advoga, em sede de sua constestação (evento 9 – ANEXO 21) que “a existência de rampa de acesso para barcos e deck de madeira (atracadouro) consiste em obra consolidada de insignificante impacto ambiental.”. assertiva esta que, contudo, não merece prosperar.

Isso porque a obra edificada pela parte ré não se restringiu à “construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro”, atividade esta, sim, elencada, dentre as “atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental”, nos termos do disposto na alínea ‘a’, do inc. X, do art. 3º, do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12) e nos termos do inc. V, do art. 11 da Resolução CONAMA nº 369/06.

Esclareça-se, a obra efetivamente edificada pela parte ré restou descrita, nos termos do Relatório de Vistoria nº 02/2009, da FEPAM, datada de 23.09.2009, conforme segue:

“Verificou-se que o empreendimento a ser licenciado já encontra-se implantado. A referida obra localiza-se à margem do curso d’água, em Área de Preservação Permanente (APP), constituindo-se de rampa de acesso para o barco e “deck” de madeira de aproximadamente 10m de largura ao longo da margem hídrica, apoiado parte sobre aterro e parte (aproximadamente 2 m) sobre pilotis de madeira por sobre vegetação marginal (foto 01). Verificou-se também a construção de muro de alvenaria que atingiu a vegetação da margem do curso d’água e um depósito de bota-fora, oriundo da obra em questão. (foto 02). Para a execução da obra já implantada, observou-se o uso de aterro, o que contradiz as condições e restrições constantes em licenciamentos deste tipo de atividade que tem sido emitidas pela Fepam.” (evento 9, ANEXO 5). (Destacou-se).

Vê-se, por óbvio, a integralidade da obra realizada pela parte ré não corresponde à uma construção de baixo impacto ambiental, porquanto, salvo a rampa de acesso para barcos, ela não faz correspondência a nenhuma das hipóteses elencadas como tal, na legislação ambiental de regência.

Ademais, como razões de decidir adicionais, em relação a esta questão –  alegação de baixo impacto ambiental da obra -, reporta-se esta magistrada as seguintes considerações lançadas pelo MPF, em sede de sua réplica (Evento 26 – PARECER 1), ‘in verbis’:

“(…) 2.  (…), conforme teor da Resolução CONAMA nº 369/2006, permanece a necessidade de licenciamento prévio para as obras/atividades em causa, inclusive mediante atendimento de diversas condicionantes previstas no art. 11, abaixo transcrito, e não atendidas pelo réu:

“Art. 11. Considera-se intervenção ou supressão de vegetação, eventual e de baixo impacto ambiental, em APP:

(…)

§ 1º Em todos os casos, incluindo os reconhecidos pelo conselho estadual de meio ambiente, a intervenção ou supressão eventual e de baixo impacto ambiental de vegetação em APP não poderá comprometer as funções ambientais destes espaços, especialmente:

I – a estabilidade das encostas e margens dos corpos de água;

II – os corredores de fauna;

III – a drenagem e os cursos de água intermitentes;

IV – a manutenção da biota;

V – a regeneração e a manutenção da vegetação nativa; e

VI – a qualidade das águas.

§ 2º A intervenção ou supressão, eventual e de baixo impacto ambiental, da vegetação em APP não pode, em qualquer caso, exceder ao percentual de 5% (cinco por cento) da APP impactada localizada na posse ou propriedade.

§ 3º O órgão ambiental competente poderá exigir, quando entender necessário, que o requerente comprove, mediante estudos técnicos, a inexistência de alternativa técnica e locacional à intervenção ou supressão proposta.

Importa ressltar que o réu não atendeu tais condicionantes, tendo em vista que:

a) a construção da rampa interrompeu corredores da fauna existentes nas margens do recurso hídrico (primeiro item do Indeferimento de Licença nº56/2009-DL);

b) a construção da rampa impede a regeneração da vegetação nativa (primeiro item do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL);

c) as obras realizadas pelo réu ocupam praticamente toda a largura do terreno, excedendo, em muito, o limite de 5% previsto na norma;

d) o órgão ambiental analisou a existência de alternativa locacional, entendendo pelo indeferimento da licença em razão da existência de atracadouro no condomínio para uso dos moradores (segundo item do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL).” (Grifado no original).

Registre-se, por fim, questão adicional que, ao sentir deste Juízo, de forma inarredável, torna a obra edificada pela parte ré substancial e permanentemente irregular, sem qualquer possibilidade de convalidação do ilícito perpetrado (construção de obra em área de preservação permanente, sem licença ambiental), é o fato dela estar também em flagrante desrespeito ao licenciamento que rege o próprio Condomínio G.R. como um todo, aí incluso o lote ocupado pela ora parte ré.

Importante se frise, dentre as motivações do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL, emanado da FEPAM, em atenção ao pleito de licenciamento ambiental requerido pela parte ré – a qual descrevia como atividade unicamente ‘a construção de trapiche para ancoragem de embarcação’ (descrição muito aquém da obra efetivamente realizada, como visto ‘alhures’) -, foi a de que, recorde-se, “trata-se de saída de barco em lote particular sendo que já existe atracadouro no mesmo condomínio para uso dos moradores”.

Em outras palavras, a retromencionada razão de Indeferimento da Licença nº 56/2009-DL, ratifica o já concluído, por esta magistrada, no corpo desta sentença, no item ‘Da construção edificada sobre Área de Preservação Permanente’, no sentido de que:

‘a imposição contida no referido item 1.10 da LI 0094/98 (evento 9 ANEXO 24) de que ‘as marinas previstas terão as dimensões originais, não devendo ultrapassar 10 metros de largura’, expressamente delimita que as marinas autorizadas a serem  instaladas/construídas na área em que empreendido o Condomínio são unicamente as condominiais previstas no projeto global e as previamente aprovadas, repise-se, pelo órgão licenciador FEPAM. O que, aliás, coaduna-se com a efetiva alocação de uma marina condominial/coletiva na extensão do ‘braço morto desassoreado’, distinta da obra realizada pela ora parte ré, conforme constatado ‘in loco’, quando da inspeção realizada por este Juízo (evento 184).’

Neste diapasão, tem-se que, em realidade, o licenciamento conferido ao Condomínio Residencial G. R. como um todo, através da LP nº 0907/97-DL, LI nº 0094/98-DL e LO nº 4275/97, conforma, informa e limita o lote da parte ré, em especial no que concerne a obras excepcionalmente autorizadas a se instalarem em áreas de preservação permanente.

Na mesma linha, concluiu a eminente Procuradora da República, Dra. Cristianna Dutra Brunelli Nácul, ‘in verbis’:

(…) o licenciamento do condomínio residencial autorizava somente as obras constantes no referido projeto, não existindo qualquer referência ao atracadouro e à rampa construídos pelo réu para utilização particular.” (Evento 26 – PARECER 1)

Evidente, portanto, que deve ser afastada a alegação tecida pela parte ré de que a construção, objeto da lide, estaria fundada nas licenças de que portador o Condomínio G.R. Em realidade, estas (as licenças do condomínio), além de ter objeto distinto do que pretende fazer entender o réu, são incompatíveis com o objeto da licença pretendida pelo Sr. L.A.S., nos termos em que, repise-se, expressamente consignado pelo órgão ambiental estadual no corpo do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL.

Por derradeiro, quanto à Licença de Instalação nº 010/2015 (evento 155, OUT2), emitida pela Secretaria de Meio Ambiente e Pesca, da Prefeitura Municipal de Imbé/RS, a favor da ora parte ré, “para a atividade de Reforma de Atracadouros/PIR/Trapiche”, datada de 17.11.2015, esta simplesmente é nula.

Em outras palavras, a Prefeitura de Imbé não poderia ter autorizado a reforma de uma obra, cuja construção original, em sua integralidade, restou indeferida pelo órgão ambiental competente pelo licenciamento do Condomínio G.R. como um todo, qual seja, a Fepam.

Trata-se, portanto, é preciso que se tenha claro, em sua origem, de obra ilicitamente construída ao arrepio tanto da legislação ambiental vigente quanto das licenças ambientais emitidas a favor do condomínio de que parte integrante o lote particular da ora parte ré. E, assim sendo, não passível de convalidação por uma licença ambiental de simples atividade de reforma, a qual nem sequer deveria ter sido emitida pelo órgão ambiental municipal.

Ante o exposto, forçoso se conclua pela irregularidade da obra realizada pela parte ré, seja porque sua edificação restou indeferida pelo órgão ambiental licenciador competente, Fepam, através do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL; seja porque realizada sem o devido e prévio licenciamento ambiental; seja porque construída em área de preservação permanente mata ciliar; seja porque não se restringiu à ‘construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro’ (esta, sim, elencada dentre ‘as atividades de baixo impacto ambiental’); seja por estar em flagrante desrespeito ao licenciamento que rege o Condomínio G.R. como um todo, aí incluso o lote ocupado pela ora parte ré; e seja porque nula a Licença de Instalação nº 010/2015, emitida pela Secretaria de Meio Ambiente e Pesca, da Prefeitura Municipal de Imbé/RS.

Isto posto, passa-se ao enfrentamento da alegação tecida pela parte ré de que existiriam outras situações irregulares idênticas à sua, o que ensejaria a aplicação do princípio da igualdade.

Da alegação de situações irregulares idênticas e a aplicação do princípio da igualdade.

Mencionou o réu a suposta existência de inúmeras situações de construções de rampa para lançamento de barcos e ancoradouros similares à sua, no Complexo Hídrico do Rio Tramandaí, alegando não poder sopesar-se o caso concreto de forma isolada, devendo se atentar ao princípio da igualdade.

Pois bem. De plano, consigne-se, tratar situações semelhantes de forma idêntica, em atenção ao princípio da igualdade material e ao da isonomia, cuja observância é inerente a uma sociedade que se queira ver qualificada como vivendo e convivendo numa República, constitui preocupação e compromisso basilar desta magistrada, bem como da Justiça como um todo.

No presente caso, em atenção à argumentação tecida pela parte ré de “necessidade de tratamento global e unitário para todas as rampas e atracadouros construídos ao longo das margens do ‘braço morto’ do Rio Tramandaí.”, bem como de supostamente o “Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente estar confeccionando um Plano de Gestão, que contemplará a necessidade, ou não, de remoção de todas as marinas existentes ao longo da faixa marginal litorânea (permitindo-se, dessa forma, a adoção de medidas globais e uniformes e, por conseguinte, evitando afronta ao princípio da igualdade, estabelecido no caput do art. 5° da CF).” (evento 73 – PET1), designou este Juízo audiência informativa para a data de 25.08.2014, com vistas a buscar “a plena compreensão da situação fática, ouvindo todas as partes envolvidas a fim de avaliar o real grau do dano causado pela parte ré, bem como o tratamento dado pelo Poder Público a situações semelhantes.” (evento 90 – DESP1).

Explicite-se, o teor da íntegra da referida audiência informativa consta do evento 121-OUT2 (retificação da transcrição constante do evento 112, apresentada pela parte ré e homologada pelo Juízo no evento 124 – DESP1), do qual, pela sua pertinência, transcreve-se o seguinte excerto, ‘in verbis’:

JUÍZA: Mais uma conversa, audiência informativa. Então nesse caso qual é o objetivo assim, até há também um pouco que a parte ré havia pedido, e também porque isso vai muito ao encontro do que como é que se opera aqui, como é que eu gosto de operar. Como tem uma situação que a gente tem que a gente tem notícia nos autos, que provavelmente têm outras situações equivalentes. Rampas de acesso para barcos, aqui teve uma autuação, e um pedido para que seja removido, e como se trata também de uma questão de dano, sempre nessa questão de dano, qual é a medida melhor para reparar, e as vezes a própria parte já se for o caso, faz a remoção, enfim. Encaminhamento que pode ser tanto consensual, mas também nesse caso para ver qual é o tratamento dado pelo órgão ambiental. Há situações que pelo que consta aqui nos autos, possivelmente situações equivalentes, que esse caso aqui desses autos, então não sei. Não sei a partir… Quem sabe a gente essa que é a principal… Se têm realmente situações equivalentes, e se a FEPAM tem algum encaminhamento como proceder a casos equivalentes, acho que essa é a principal questão preliminar assim. O que o órgão técnico está fazendo a respeito disso.

FEPAM: ‘incompreensível’.

JUÍZA: Sim, pode ser.

FEPAM: ‘incompreensível’ pela FEPAM, eu tenho conhecimento sim desse loteamento, dos próprios procedimentos que a FEPAM adotou desde que se fez uma vistoria no local, e se identificou que houve sim o aterramento de áreas de preservação permanente. É importante nós ressaltarmos aqui as datas desses autos de infração, dos próprios meios que a FEPAM adotou, que em 2003 foi o mesmo ano que elaboramos o Plano de Gerenciamento costeiro, inclusive nós elaboramos o plano de gestão, porque identificamos que a Lagoa Tramandaí Armazém, associada ao Rio Tramandaí, merecia uma visão regional, e não uma questão pontual como vinha sendo tratada cada uma dessas atividades isoladamente. Então se ‘incompreensível’ e se informou a todas prefeituras, o Ministério Público Estadual na época, nós fizemos um diagnóstico bem aprofundado naquela região, como um plano piloto para tratar, especificamente, a questão da ocupação de margens considerando as áreas de preservação permanente. Esse diagnóstico foi apresentado para comunidade naquele período, os 3 municípios que envolviam essa região, o município de Osório, o município de Imbé e o município de Tramandaí, com o objetivo de obter 3 classes daquela região, aquelas classes que devem ser protegidas, que ainda apresentam condições ambientais que mereçam a manutenção. Aquela classe de áreas que poderiam ser recuperadas e aquelas zonas que possua ‘incompreensível’, elas poderiam ser regularizadas. Esse trabalho foi feito junto com as prefeituras, a única prefeitura que teve um envolvimento maior foi a prefeitura de Tramandaí e MinistérioPúblico Estadual. Quando nós estávamos tentando botar os princípios, regras, e planos diretores para ‘incompreensível’ abordar, o Ministério Público teve um parecer do DAT suspendendo esse projeto, dizendo que não se poderia trabalhar com áreas de preservação permanente, áreas como ‘incompreensível’, nem a sua recuperação. Teria que ser retirado então, se suspendeu o projeto naquele ‘incompreensível’, eu até tenho aqui, vou deixar nos autos o estudo técnico que foi elaborado e a proposta que se fez, só que nós fomos tivemos que  por suspender… Tínhamos que suspender essas tratativas que foram realizadas, porque não houve entendimento…Aqui ‘incompreensível’ tudo mapeado, todas ‘incompreensível’, vou deixar com a doutora a proposta.

JUÍZA: ‘incompreensível’ depois.

FEPAM: O que aconteceu nos períodos de 2003 a 2006, quando depois o programa de gerenciamento costeiro se afastou desses trabalhos de gestão de planejamento, então eu não sei mais o que aconteceu comessas áreas. Então essa semana quando tomei conhecimento desse trabalho com a ‘incompreensível’ ambiental…

FEPAM: ‘incompreensível’, depois de 2011 ‘incompreensível’ se verifica aqui que em 2011 até foi ingressada no juízo um pedido do Ministério Público para retirada, e que depois eu acho que foi declinada a competência para esfera federal. Eu acho as conclusões lá do DAT levaram com que o Ministério Público Estadual propusesse ações para demolição dessas, ‘incompreensível’.

JUÍZA: Tem notícias se tem… Tem várias situações equivalentes a do…

FEPAM: Muitas situações equivalentes, por isso que se trabalhou ali, inclusive são mapeados, de alguns dados de situações semelhantes, se classificou essas construções de ocupação na época. E por ser ocaso da gente retornar esse trabalho, que em nossa opinião como técnica, a gente entende que tem que ver como região, e não como caso a caso, por que…

JUÍZA: Então essa era a preocupação do juízo, ‘incompreensível’,todos os casos do entorno vão continuar então. Mas uma situação que até pode ocorrer, mas enfim, seria interessante fazer uma coisa de…

FEPAM: Com culturas na época da sociedade, pelo menos pessoa muito… A gente fez apresentações, chamou audiência pública, se mostrou muito interessado, inclusive se pensou num ‘incompreensível’ estivessem em áreas de preservação permanente, pagar um valor para se criar as unidades de preservação nas áreas onde o ambiente ainda está protegido. Fazer um trabalho nesse sentido, isso foi muito bem visto na época, só que o Ministério Público Estadual entendeu então que teria que ter a recomendação do DAT ou com quem mais. Eu sempre digo ‘incompreensível’ a minha manifestação, ‘incompreensível’ equivocada que se reputou ao plano de Bacia de alguma coisa assim que não é o caso.

FEPAM: Nesses autos têm uma manifestação do jurídico, que não é… Que remeteu assim ao ‘incompreensível’, ao plano de bacia.

JUIZ: Depois a…

FEPAM: Pois é, isto aqui é área de preservação permanente.

JUIZA: Área de preservação permanente a princípio é a FEPAM, éisso?

FEPAM: Sim, não tem haver com o projeto, é outro foco.

JUÍZA: É outro foco.

FEPAM: É, mas a gente só está se manifestando assim, tem essa manifestação, mas que a gente acha que não deve prevalecer assim, tem que pensar num novo estudo globalizado mesmo, mas não somente…

JUÍZA: O senhor que é de Imbé, quantas rampas iguais do senhor tem lá?

DEFESA: Délton Carvalho, advogado da parte ré. Existe, na verdade assim na situação, como a FEPAM fala muito bem é uma situação regional. Então nós temos que em toda aquela região há uma série de situações mais graves, inclusive que a do meu cliente. É uma situação complicada, de notório saber, os órgãos ambientais conhecem, e fazendo possível pra atribuir isso. Nosso caso especificamente, não só há uma série de rampas sem qualquer regularização, como eu não tenho ganho ambiental na remoção de uma. Ou seja, eu penso isso de uma forma coletiva, pelo órgão ambiental. Muito pelo contrário, a intervenção na rampa pode gerar nós trouxemos um laudo no processo, mostramos o impacto que poderia haver. A remoção da rampa, uma serie de riscos ambientais, tais como vazamento de óleo, ‘incompreensível’ situação de concreto, ali nós temos uma gravidade bastante grande de eliminação daquele concreto. Mais do que isso, o local onde se situa essa rampa específica dos autos, ela foi feita uma área de marina de um condomínio licenciado, ele foi licenciado, acordado com o órgão ambiental de que a área de preservação permanente ficaria ao longo do canal reto, e esse braço morto seria área de marina. A área de preservação permanente foi aglutinada na na ponta, nós estamos deixando aquela área intocada. Exatamente como descrito no croqui de licenciamento que encontra ele aqui nos autos, como área de marina e área de lazer para navegação. Mais do que isso, pensando na região como um todo A legislação brasileira permite, inclusive, a intervenção da área de preservação se ficar em 5%. Havia algumas dúvidas se essa área estava dentro do ‘incompreensível’ ou não, e o grande motivo para a não obtenção do licenciamento, foi a existência do plano, talvez num pensamento equivocado, mas a existência do plano que daria um tratamento global para toda essa atividade. Não há um tratamento igualitário a partir da FEPAM  e do próprio município de Osório, a grande questão é que não há, E nós estamos aleatoriamente escolhendo algumas propriedades, algumas resistências que para venham a demolir essas rampas, enquanto que, eu não saberia lhe dizer o percentual, até porque isso é irregular no estado apontado. Mas boa parte daqueles empreendimentos em somatório estão regulares para a legislação ambiental, ou seja, ali nós tratamos de uma forma coletiva, com uma ação civil pública global… Nós geraremos na verdade mais insegurança jurídica e irregularidade ambiental. Obrigado.

FEPAM: Pela FEPAM, posso me manifestar?

JUÍZA: Sim.

FEPAM: Há um equivoco na descrição do advogado, concomitante ao programa, a esse projeto que nós estamos fazendo, a regra era nós admitirmo snovas… durante os estudos. Não se admitir nenhuma nova intervençãoem área de APP. Neste caso que nós estamos tratando hoje, houve essa intervenção durante esse processo, onde já se havia a definição técnica de não se admitir novas construções, novos aterros, tanto que a FEPAM, emitiu auto de infração dia 19 de 8 de 2003, nós ‘incompreensível’, no município de Imbé, que houve de ‘incompreensível’ vegetação antiga em área depreservação permanente. Quer dizer o projeto ele é uma ação coletiva, mas também tem um caráter preventivo de não admitir novos, não se admite, então Como eu disse, essa … Inclusive esse aterramento e essa rampa,’incompreensível’ antes do licenciamento ambiental, que não previa este tipo de APP, se omitir de emitir licenças que descumprisse a questão da APP. Então eudiscordo da descrição que foi feita pelo empreendedor.” (Grifou-se.)

Como se vê, questão fundamental que restou elucidada, na referida audiência informativa, pelas técnicas da FEPAM, Sras. Ana Arigoni e Ana Rosa Severo Bered, é que, se no âmbito do Plano de Gestão das Margens do Complexo Hídrico Tramandaí/Armazém se chegasse a admitir como consolidadas determinadas ocupações, em áreas de preservação permanente marginais a cursos d´água, (o que acabou não ocorrendo, face entendimento negativo do Ministério Público Estadual), isso não abrangeria (não abarcaria) a obra realizada pela ora parte ré.

Isso porque a obra edificada pelo Sr. L.A.S. trata-se de construção recente, construída concomitantemente à elaboração do mencionado Plano de Gestão que, a par de mostrar abertura para ‘regularizar’ situações fáticas pretéritas, ocorridas em um outro momento cultural-ambiental, tinha, e certamente tem, como objetivo claro e precípuo preservar as margens ainda não ocupadas, mantendo-as, fática e juridicamente, desempenhando a função ecológica de áreas de preservação permanente.

Não por outro motivo, qual seja, justamente por se tratar de obra realizada, após meados do novo milênio, quando, de forma concreta e mais incisiva, a FEPAM, em conjunto com o Ministério Público Federal e Estadual, começou a gestar e incidir para a efetiva preservação das áreas de preservação permanente que ocorrem no litoral gaúcho, bem como a população como um todo disso tomou conhecimento e consciência, restou a ora parte ré autuada, nos termos do AI nº 95/2009 BLAU/GERLIT (Evento 9 – ANEXO 5), em data de 23/01/2009, por ‘construção em Área de Preservação Permanente sem licença ambiental’, face infringência aos art. 155 da Lei n. 11.520, de 03.08.2000 (Código Estadual do Meio Ambiente), art. 2º, ‘f’, da Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, art. 3º, incisos IV e XI da Resolução CONAMA nº 303, de 20 de março de 2002 e art. 66 do Decreto Federal 6514/08.

Frise-se, não obstante todo o exposto até aqui, face renovada argumentação tecida pela parte ré, em especial no evento 146, oportunidade em que sustentou que julgar pela procedência da ação, e, portanto, pela determinação da demolição da obra objeto da presente lide, equivaleria a “divergir com entendimento judicial que trata de fato semelhante (vide doc. 02, anexo)” e implicaria “em desobediência ao direito constitucional insculpido no PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (art. 5º, inciso LIV, da CF)”, esta magistrada, para uma compreensão ainda mais adequada dos fatos e, repise-se, por considerar de suma relevância que não se olvide o princípio da igualdade, concedendo-se tratamento isonômico àqueles que estão pareados, determinou a realização de inspeção judicial in loco, para o dia 24.05.2016.

Explicite-se, referida inspeção judicial, presidida por esta Magistrada, contou com a participação da parte ré, acompanhada de seu procurador – Dr. Délton Winter de Carvalho e seu assistente técnico, biólogo Marco Haussen; de duas técnicas da FEPAM – Sras. Ana Rosa Severo Bered e Caroline Teixeira Moura; de um técnico da Secretaria do Meio Ambiente do Município de Imbé/RS – Sr. Pedro Terra Leite; bem como do Procurador da República – Dr. Fabio Magrienelli Coimbra.

Por oportuno, e até para evitar tautologia, transcreve-se, neste momento, as razões exaradas pelo eminente e brilhante Procurador da República, Dr. Fábio Magrinelli Coimbra, após participar ‘in loco’ da inspeção judicial, realizada em 24.05.2016, ora incorporando-as à esta sentença, como razões de decidir, ‘in verbis’:

“1. Em primeiro lugar, considerando alegações invocadas por ocasião da inspeção judicial do dia 24.05.2016, cumpre reiterar que a obra versada nos autos foi deliberadamente realizada sem licenciamento ambiental. É dizer: o réu tinha conhecimento da necessidade de licenciamento ambiental para a realização da obra, e inclusive protocolou o requerimento subjacente junto à FEPAM, mas de forma livre e consciente optou por dar início e concluir a obra antes da manifestação do ente competente.

2. Trata-se de fato incontroverso, porquanto admitido pelo próprio réu na defesa apresentada contra a autuação da FEPAM. Confira-se (evento 9,anexo 9, p. 1):

Diante, de inúmeras incursões do requerente quanto ao andamento do processo administrativo nº 008350-05.67/08-8, o órgão ambiental não se manifestava, alegando que o processo estava em análise. Da data do protocolo (08/08/2008) à construção da obra em canal particjlar e privada, se passaram 125 dias, sem qualquer manifestação do órgão ambiental. A vistoria local da obra só ocorreu após 165 dias após a protocolização, completamente inadrmssivel tal condição pela inércia do órgão responsável, que se instalou para agilizar e facilitar a vida dos contribuintes e no interesse da defesa ao meio ambiente. Pelas razões expostas de inércia no andamento do referido processo no BLAU/GERLIT, quanto à análise do projeto apresentado, na qual que estão anexadas todas as informações da atividade conforme Termo de Referência da FEPAM (site www.fepam.rs.gov .b -), o requerente não obteve nenhuma resposta dentro dos 125 dias, quando determinou que construiria a referida obra sem a devida a licença, pois órgão ambiental não valorizara sua petição, ignorando a necessidade da mesma para o lazer ativo do proprietário.

3. Por essa razão, inclusive, é que em nenhum momento foi cogitada eventual participação do Município de Imbé neste processo: o réu está sendo demandado em virtude de ter realizado obra em área de preservação permanente (com supressão de vegetação nativa, em margem de curso d’água) sem o devido licenciamento ambiental – o qual, à época da construção, era de atribuição da FEPAM. Não há razão alguma para eventual participação do Município de Imbé neste processo – participação esta, aliás, que somente poderia ter sido imposta ao autor, e ainda assim no início do feito, caso se tratasse de litisconsórcio passivo necessário (art. 47 do CPC/1973). Ademais, mesmo que fosse o caso de intervenção de terceiros (prevista no Título II, Capítulo VI, do CPC/1973) – o que se admite apenas para argumentar, pois evidentemente nenhuma das hipóteses legais se amoldam à situação versada nos autos –, o réu deveria ter adotado as providências correspondentes igualmente no início do feito.

4. Não é demais destacar que a presente ação tramita há mais de cinco anos, merecendo o devido julgamento de mérito, porquanto se trata de questão relativamente simples: desfazimento de construção realizada sem licenciamento ambiental, em área de preservação permanente e com supressão de vegetação nativa. A ausência de licenciamento ambiental, além de admitida pelo próprio réu, pode ser verificada nos documentos produzidos pela FEPAM: Relatório de Vistoria nº 02/2009 (evento 9, anexo 5, p. 2/4), Auto de Infração nº 95/2009 (evento 9, anexo 5, p. 5, e anexo 6, p. 1) e Indeferimento de Licença nº 56/2009 (evento 9, anexo 16, p. 3).

5. De se notar que um dos objetivos da inspeção judicial do dia 24.05.2016 – e que já havia justificado, anteriormente, a designação de audiência (evento 90) – era a suposta existência de diversas outras situações idênticas à construção realizada pelo réu. Três aspectos, todavia, devem ser considerados nesse particular: (i) ainda que, de fato, existissem situações idênticas, é cediço que isso não tornaria a construção realizada pelo réu menos irregular do que é, nem tampouco poderia subsidiar a improcedência da demanda; (ii) não há como precisar se, de fato, existem situações idênticas, uma vez que essa conclusão reclamaria a análise da existência, ou não, de licenciamento ambiental, bem como da ciência, pelo responsável, a respeito de sua necessidade (lembrando que, no caso do réu, havia a ciência, houve o requerimento de licença e, antes que o ente ambiental pudesse analisá-lo, a obra foi realizada); e (iii) a despeito da alegação defensiva, por ocasião da inspeção judicial de 24.05.2016 o réu não logrou apontar um caso sequer de construção idêntica à sua.

6. Em suma, tem-se que a inspeção judicial de 24.05.2016 somente serviu para reforçar, ainda mais, a conclusão pela procedência da demanda, uma vez que se está diante de obra realizada sem o devido licenciamento ambiental, em época que os entes competentes já não mais autorizavam o tipo de construção subjacente (não se admitiam novas intervenções do tipo na APP, inclusive num espectro mais amplo de conciliação de conflitos entre a urbanização e a preservação ambiental, com o escopo de adequação da situação existente e de recuperação natural, na medida do possível), tratando-se não apenas de intervenção não autorizada em APP como também de supressão da vegetação nativa existente no local (margem de curso d’água) e do subsequente impedimento de sua regeneração. Tudo, conforme acima demonstrado, realizado deliberadamente pelo réu.

7. Dessarte, o Ministério Público Federal reitera as promoções anteriores e requer a procedência dos pedidos delineados na petição inicial.” (Evento 193 – PROMOÇÃO1) (Grifou-se.)

De fato, no caso em tela, ‘convalidar’ a obra irregularmente realizada pela parte ré, que restou indeferida pelo órgão ambiental licenciador competente, Fepam, através do Indeferimento de Licença nº 56/2009-DL; que restou construída em área de preservação permanente, sem o devido e prévio licenciamento ambiental; que não equivale a atividade de baixo impacto ambiental; que desrespeita o licenciamento que rege o Condomínio G.R. como um todo, aí incluso o lote ocupado pela ora parte ré; e, ademais, que restou edificada em época recente (final do ano de 2008 e início do ano 2009) quando a questão da preservação ambiental já era valor notoriamente incorporado e reclamado como questão de primeira grandeza e prioridade a ser observado pela integralidade da sociedade brasileira, significaria, aí sim, malferir o princípio da isonomia, na medida em que desrespeitar-se-ia todos àqueles que observam e observaram a legislação ambiental vigente.

Registre-se, não aplicável, ‘in casu’, o precedente colacionado pela parte ré no Evento 146 – OUT3 (sentença prolatada nos autos da ACP nº 5002099-44.2013.404.7115/RS, em data de 19.05.2015, pelo eminente colega Dr. Rafael Lago Salapata), eis que referido julgado, sim, trata de situação consolidada em um momento cultural em que a questão ambiental ainda não tinha a magnitude e a urgência dos tempos recentes, eis que tem por objeto imóvel residencial construído há mais de 40 anos, ‘separando-se, ademais, da margem do rio Uruguai pela rua principal da cidade de Porto Mauá onde existem diversos outros prédios residenciais e estão estabelecidos vários estabelecimentos comerciais’.

Ante todo o exposto, forçoso se conclua pela irregularidade da obra, e, portanto, pela sua demolição, porque construída entre o final do ano 2008 e o início do ano 2009, e, portanto, em um momento cultural-ambiental e de gestão ambiental das áreas de preservação permanente do litoral norte em que já não mais admitida intervenção e/ou supressão de vegetação nativa em áreas que tais – especialmente protegidas -, muito menos sem prévio licenciamento pelo órgão ambiental competente.

Isto posto, passa-se a tecer algumas considerações adicionais acerca da necessária demolição da obra irregularmente edificada em área de preservação permanente.

Da necessária demolição da obra irregularmente edificada em área de preservação permanente.

De plano, consigne-se, tem-se que, no tocante à necessária demolição da obra irregularmente edificada pela parte ré, em área de preservação permanente, de todo aplicável, recente precedente, emanado da 2ª Seção do TRF4R, nos autos dos EINF n. 50091574720124047208, Relator Desembargador Federal, Dr. Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, por maioria, em data de 26.02.2016, cujo teor contido da ementa, mudando-se o que deve ser mudado, é ora adotado como ‘ratio essendi’ do presente tópico, in verbis:

“EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. ORDEM DE DEMOLIÇÃO DE IMÓVEIS CONSTRUÍDOS EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, TERRENO DE MARINHA E MATA ATLÂNTICA. PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA.

1. Os recorrentes construíram em local considerado área de preservação permanente e terreno de marinha, degradando a mata atlântica presente no local. A questão a ser resolvida nesses embargos infringentes é a ordem de demolição dos imóveis.

2. Ficou provado nos autos que a autorização que os recorrentes detinham para edificar no local foi alterada pela FATMA e, mesmo assim, quase um ano depois, as obras de construção prosseguiram. Portanto, não há boa-fé no agir dos recorrentes para afastar a ordem de demolição.

3. A boa-fé é uma justa expectativa de que a pessoa irá praticar determinados standarts de conduta, socialmente aceitos, sem causar dano. No caso, os recorrentes atuaram exatamente ao contrário do esperado pelo homem queatua de boa-fé. Primeiro porque violaram a legislação ambiental, indo de contra comandos normativos. Segundo, porque após terem sido cientificados da irregularidade de sua construção, ainda assim, continuaram a edificar no local.

4. Também não merece acolhida o argumento de que a medida de demolição dos imóveis se demonstraria desproporcional e sem razoabilidade.

5. O princípio da proporcionalidade tem como base três postulados: (a) adequação; (b) necessidade; (c) proporcionalidade em sentido estrito. No caso, o meio escolhido é adequado, necessário e proporcional, atendendo oprincípio da proporcionalidade, pois se a conduta não importar demolição do imóvel, haverá lucro com atividade contrária as normas de proteção ao meio ambiente. Assim, a efetiva punição pela prática da conduta de edificar em área de preservação permanente e terreno de marinha, com presença de mata atlântica, mostra-se não só adequada, mas também necessária.”

Repise-se, no presente feito, restou amplamente comprovado que a ora parte ré edificou irregularmente obra em área de preservação permanente, sem o devido e prévio licenciamento ambiental, bem como que não agiu de boa-fé, eis que, como bem apontado pelo MPF, “o réu tinha conhecimento da necessidade de licenciamento ambiental para a realização da obra, e inclusive protocolou o requerimento subjacente junto à FEPAM, mas de forma livre e consciente optou por dar início e concluir a obra antes da manifestação do ente competente.” (Evento 193 – PROMOÇÃO1), diante do que se essa conduta não importar demolição da obra, haverá indevida fruição particular de bem ambiental (APP) que “se destina a garantir o bem estar da população humana”, consoante lição emanada do seguinte precedente jurisprudencial, emanado da 3ª Turma do TRF4R, Relator Juiz Federal Dr. Nicolau Konkel Júnior, de 07.04.2000, ‘in verbis’:

“AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO DE OBRA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. PREQUESTIONAMENTO.

A ocupação de Área de Preservação Permanente (APP), espaço ecologicamente protegido e que não pode ser habitado, deve ser coibida, pois ela se destina a garantir o bem estar da população humana, cuja ocupação desordenada põe em risco a vida de seus ocupantes.

Tratando-se de obra clandestina, já que sem prévia aprovação do projeto ou sem alvará de licença para construção, ou mesmo sem licença ambiental, deve ser imediata e sumariamente embargada pela Administração que poderia, até mesmo na esfera de seu Poder de Polícia, efetivar sua demolição, sendo certo que a demolição de obra clandestina em área de preservação permanente não acarreta direito a nenhuma reparação ou indenização.

Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecida pelas razões de decidir.”(Grifou-se.)

Ademais, tendo-se como referência o acórdão, emanado da 2ª Seção do TRF4R, EINF n. 50091574720124047208, retrotranscrito, importante se refira, a Superintendência do Patrimônio da União no Estado do Rio Grande do Sul, através do Ofício n. 467/2010/GAB/SPU/RS, de 21.07.2010, informa que o local em que edificada a obra “Trata-se, pois de terrenos inequivocadamente de domínio da União, uma vez constituídos à margem do rio, estando compreendidos na faixa de largura mínima de 33,00 (trinta e três) metros a contar da margem atual, face à comprovada existência de acrescidos de marinha, já que ocorreu obra de dragagem para efetivação de saneamento do antigo leito do rio Tramandaí, executada pela extinta DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento), acarretando alteração do leito primitivo” (evento 9-Anexo 31).

É certo que a parte ré alega que a remoção da obra pretendida pelo agente ministerial traria um impacto ambiental negativo maior do que à sua manutenção, juntando incluso laudo técnico para instruir sua argumentação (evento 9 – ANEXO 26 a 29), bem como invocando teor contido no art. 19, § 3º, do Decreto nº 6.514/08.

Contudo, ao sentir deste Juízo, referida alegação – demolição da construção irregular traria impacto maior do que à sua manutenção – também não merece prosperar, eis que não consentâneo com a realidade de fatos tais quais os subjacentes à esta lide, em especial, no que concerne a atos executórios incidentes sobre o ambiente natural.

Frise-se, para que ocorra a atuação do poder de auto-regeneração da natureza, comumente denominado de ‘resiliência ambiental’, na maioria das vezes, basta que cesse a agressão de que alvo o meio ambiente natural, o que corresponde a, no caso em tela, operar a remoção da obra irregularmente edificada em área de preservação permanente, bem como que, no seu entorno, ainda existentes extratos do ‘ecossistema’ originário.

A útlima premissa – existência de extratos do ‘ecossistema’ originário -, ao que tudo indica, está presente, eis que, conforme atestado pelo próprio assistente técnico da parte ré, biólogo Marco Haussen, mesmo no lote do Sr. L.A.S. ainda ocorrem remanescentes de vegetação típica do ambiente aquático da região litorânea do norte do Estado do Rio Grande do Sul.

Senão vejamos, excertos constantes do referido laudo técnico:

“Na gleba analisada, a parte frontal da margem do canal, apesar do deck de madeira para atracadouro e de uma rampa de concreto, ainda observa-se a ocorrência de espécies aquáticas características.

O deck de madeira tem aproximadamente 10 metros de largura, não incidindo diretamente sobre a linha de margem, ou seja, existe um pequeno espaço entre esta estrutura e a margem propriamente dita (aproximadamente 1 metro). Esse pequeno espaço permite o desenvolvimento da vegetação ciliar com complexidade similar à verificada nas áreas limítrofes. A rampa de concreto determina um espaço restrito (cerca de 2,5 metros) onde as condições da margem estão alteradas, embora, mesmo aí, verifica-se o desenvolvimento de algumas espécies de plantas aquáticas.

(…)

Como pode ser constatado, apesar das alterações na margem, ocorrem ainda comunidades vegetais típicas do ambiente aquático, de forma semelhante ao observado em áreas limítrofes, com margens retificadas ou não.

Quanto à diversidade desta comunidade, observa-se a ocorrência de espécies típicas, tais como o junco (Scirpus californicus), o tiriricão (Cyperus giganteus), a margarida do brejo (Senecio bonariensis), a cruz de malta (Oenothera sp), a pata de cavalo (Centela asiatica), a erva capitão (Hydrocotile bonariensis) e o próprio aguapé (Eichornea crassipes).” (evento 9 – ANEXO 27)

Aliás, quanto ao poder de autoregeneração da natureza, por oportuno, reproduz-se excertos de manifestações feitas pelas técnicas da FEPAM, Sras. Ana Arigoni e Ana Rosa Severo, em sede da audiência informativa, tanto em resposta a questões levantadas pelo Ministério Público Federal quanto a questão levantada pelo biólogo assistente da parte re, Sr. Marco Haussen, ‘in verbis’:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Houve essa supressão, ali não é só a construção em si?

FEPAM: Não.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O problema foi a supressãode vegetação de mata ciliar?

FEPAM: Mata não, ali não é uma mata ciliar, ‘incompreensível’ É outro tipo de vegetação.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: E qual vegetação?

DEFESA: É junco, é uma vegetação típica de margem ‘incompreensível’ de tudo muito raso. Não sei se tu pode me ajudar, é um tipo de vegetação de margem de lagoa ali, a maioria é junco, é uma área de junco, mas é uma vegetação dativa e típica daquele ambiente.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Então houve a supressão de vegetação em APP?

DEFESA: Sim, ponto.

Eu sou Marco HAUSSEN, eu sou biólogo. Houve a supressão de vegetação, só que aquele local ele não tinha mais característica de vegetação natural, era uma vegetação até espontânea, mas era de um canal já retificado, é diferente da margem do rio mesmo. Foi vegetação de APP, mas não era muito menos mata ciliar, e não era uma vegetação original também, já tinha sido alterado.

FEPAM: O senhor como biólogo a de compreender comigo que o nosso litoral se recupera?

FEPAM: Sim, ‘incompreensível’ de regeneração.

FEPAM: Ele tem duas vantagens e desvantagens ‘incompreensível’. ‘incompreensível’.

FEPAM:’incompreensível’.

FEPAM: Ele é muito sensível ‘incompreensível’.

FEPAM: Essencialmente ‘incompreensível’ ali. Até por causa da…

FEPAM: Por isso que a retirada desses quiosques maiores, as edificações perto de praia, se entender viáveis, porque as dunas se recuperar.

BIÓLOGO MARCO HAUSSEN: É um pouco diferente, não é duna, É um ambiente essencialmente pioneiro.

FEPAM: Exatamente.

BIÓLOGO MARCO HAUSSEN: Toda vegetação que vai ter ali é pioneira … A única coisa é que não se interviu numa área natural, que não tinha sido mexida antes. Já era uma área alterada em recuperação.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Recuperada?

BIÓLOGO MARCO HAUSSEN: É, não era uma área natural.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Mas era uma área que tinha vegetação, e essa vegetação foi suprimida?

BIÓLOGO MARCO HAUSSEN:Sim, pontualmente.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: É isso, Excelência, obrigado.” (Evento 121 – OUt)

Quanto a eventuais impactos negativos, decorrentes da remoção da obra, objeto de dissenso deste feito, apontados pelo assistente técnico da parte ré, em seu laudo, constante do evento 9 – ANEXOS 26 a 29, tem-se que estes, se efetivamente ocorrerem, certamente serão pontuais e momentâneos, eis que cessarão assim que efetivada a remoção da construção, verdadeiro obstáculo a que a natureza se autoregenere. Ademais, caberá à FEPAM exigir e zelar que ocorram em menor escala e intensidade possível, impondo o uso e emprego das técnicas mais limpas e menos impactantes existentes, quando da execução dos atos demolitórios.

Recorde-se, nos termos do pedido formulado pelo agente ministerial caberá ao órgão ambiental competente – a FEPAM, aprovar o projeto de recuperação de área preservação permanente, subscrito por profissional habilitado, com anotação de responsabilidade técnica, o qual deverá contemplar a remoção das construções irregulares (instrumento comumente conhecido como PRAD – Plano de Recuperação de Àrea Degradada), devendo a sua execução se dar dentro do prazo assinalado pelo referido órgão ambiental estadual.

 Por fim, quanto à alegação da parte ré de que seja reconhecida a incidência, ‘in casu’, do § 3ª do art. 19 do Decreto n. 6.514/08, por oportuno se reproduz, inicialmente, o teor contido no referido dispositivo infralegal, ‘in verbis’:

“Art. 19. A sanção de demolição de obra poderá ser aplicada pela autoridade ambiental, após o contraditório e ampla defesa, quando:

I – verificada a construção de obra em área ambientalmente protegida em desacordo com a legislação ambiental; ou

II – quando a obra ou construção realizada não atenda às condicionantes da legislação ambiental e não seja passível de regularização.

(…)

§ 3o Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada, deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.

Pois bem. A partir da atenta leitura do retromencionado artigo 19 do Decreto nº 6.514/08, forçoso se conclua, no caso em tela, também não merece prosperar a pretensão da parte ré de ver aplicado o disposto no seu § 3º.

Primeiro, porque prevalecente o conteúdo do ‘caput’ e incisos I e II, do referido artigo 19. Segundo, porque, além de toda a fundamentação exposta nesta sentença pela oportuna e necessária demolição da obra irregularmente edificada, verifica-se que o órgão ambiental administrativo competente, de forma adequada, ao sentir deste Juízo, não entende que o desfazimento da obra possa trazer piores impactos do que a da sua manutenção, entendimento este que goza de presunção de legitimidade e veracidade, que somente pode ser derruída com a produção de prova escorreita que o infirme, o que inocorrente nos presentes autos.

Por derradeiro, como razões adicionais de decidir, neste ponto, reporta-se esta magistrada às lançadas pela eminente Procuradora da República, Dra. Cristianna Dutra Brunelli Nácul, em parecer, constante do Evento 80, ‘in verbis’:

“Outrossim, a alegação de que a recomposição da área causaria maiores danos ao meio ambiente não merece acolhimento.

De fato, tal alegação está embasada em estudo técnico realizado por profissional contratado pelo réu, não sendo compatível com todas as considerações técnicas exaradas pelo órgão ambiental competente.

Ademais, apenas a titulo de argumentação, os principais impactos descritos pelo profissional, consistentes na “poluição das águas”, “risco de derramamento de óleos e graxas” e “impactos na fauna aquática” não foram avaliados adequadamente, uma vez que que a manutenção do ancoradouro e o incremento do trânsito de embarcações propiciará a perpetuação de tais riscos/danos, ao passo que a demolição da obra, com as devidas cautelas e mediante execução de plano de restauração da área degradada, promoverá a cessação desses fatores lesivos e a paulatina recuperação dos recursos naturais, com especial destaque para a fauna silvestre e a flora nativa, que foram sensivelmente afetadas pelas intervenções indevidas.” (grifado no original)

Sendo assim, entende o MPF que resta suficientemente demonstrada a necessidade de remoção da obra irregularmente construída pelo réu sobre a APP e de restauração do meio ambiente lesado.”

Ante todo o exposto, deve ser acolhido o pedido feito pelo Ministério Público para que seja condenada a parte ré à obrigação de fazer consisente: (a) em protocolar junto à Fepam, no prazo de 90 (noventa) dias, projeto de recuperação de área de preservação permanente, subscrito por profissional habilitado, com anotação de responsabilidade técnica, o qual deverá contemplar a remoção das construções irregulares; b) a, após aprovado o projeto pela Fepam, executá-lo em prazo a ser indicado pelo órgão ambiental estadual;

Passa-se a apreciação do pedido formulado pela parte autora para que seja condenada a parte ré a compensar os danos ambientais não passíveis de recuperação.

B) Do pedido de compensação dos danos ambientais não passíves de recuperação.

Consabido, a reparação cível de dano ambiental se rege, dentre outros, pelos princípios da reparação integral, do poluidor-pagador e do usuário-pagador, reclamando, via de regra, a cumulação de indenização pecuniária com as de obrigações de fazer e não fazer, questão que, ademais, bem elucidada foi, em sede do REsp nº 1.198.727 – MG (2010/0111349-9), em julgado de 14.08.2012, da Segunda Turma do STJ, Relator Ministro Herman Benjamin, cuja ementa ora se reproduz na íntegra, ate mesmo porque uma verdadeira aula de excelência de direito ambiental, in verbis:

“ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.

1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. Ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer).

4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidade civil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-lo administrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processo criminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, na responsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus do sistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência de degradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ou indireta), nos termos do art. 935 do Código Civil.

5. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados).

6. Se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinum statum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar, ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo do negócio”, acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

8. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo.

9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível.

10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente ), e c) o dano moral coletivo . Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária).

13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros).

14. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.

De se destacar, consoante lição emanada do retromencionado precedente jurisprudencial, a indenização em pecúnia “em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível.”

Assim sendo, ‘in casu’, a par da obrigação de fazer em que já condenada à ora parte ré – priorizando-se a recuperação in natura do bem degradado, como sói ser em sede de dano ambiental -, impõe-se a condenação da parte ré em indenizar/compensar os danos ambientais não passíveis de recuperação, face obra irregularmente edificada em área de preservação permanente marginal a curso hídrico natural.

Em outras palavras, impõe-se a condenação da parte ré a compensar monetariamente o dano pretérito e residual, correspondente ao “prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário)” e à “a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente )”, tudo a ser devidamente apurado em fase de liquidação de sentença.

Ante o exposto, deve ser igualmente acolhido o pedido formulado pelo Ministério Público – de que a parte ré seja condenada a ‘compensar os danos ambientais não passíveis de recuperação, a serem definidos, em fase de liquidação de sentença’.

Quanto aos encargos processuais. Acerca dos honorários advocatícios, colho o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.

(…) 2. A jurisprudência da Primeira Seção deste Superior Tribunal é firme no sentido de que, por critério de absoluta simetria, no bojo de ação civil pública não cabe a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 221.459/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/04/2013, DJe 23/04/2013)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. AGENTE POLÍTICO. LEGITIMIDADE PASSIVA. TIPICIDADE. DOLO. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. ELEMENTOS DE PROVA. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. HONORÁRIOS FIXADOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.

(…) 4. A Primeira Seção, ao julgar os EREsp 895.530/PR, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, por maioria, firmou que, em ação civil pública movida pelo Parquet, devem ser seguidas as seguintes balizas: I) o Ministério Público não pode auferir honorários por vedação constitucional, consoante o art. 128, § 5º, II, letra “a”, da Constituição da República; II) aplicam-se estritamente os critérios previstos nas regras específicas da Lei 7.347/85, quanto à verba honorária; III) o STJ entende que o Ministério público somente pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios apenas nos casos de prova irrefutável de sua má-fé e; IV) dentro de critério de absoluta simetria, se o Ministério Público não paga os honorários, também não deve recebê-los. (Precedente: REsp 1099573/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 27/04/2010, DJe 19/05/2010).

Recurso especial parcialmente conhecido e parcialmente provido.

(REsp 1264364/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 14/03/2012)

Destarte, considerando-se a jurisprudência, deixa-se de impor condenação em honorários.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, julga-se procedente a ação, condenando-se a parte ré à obrigação de (a) fazer, consistente em protocolar junto à Fepam, no prazo de 90 (noventa) dias, projeto de recuperação de área de preservação permanente, subscrito por profissional habilitado, com anotação de responsabilidade técnica, o qual deverá contemplar a remoção das construções irregulares; b) de fazer, consistente a, após aprovado o projeto pela Fepam, executá-lo em prazo a ser indicado pelo órgão ambiental estadual; c) compensar os danos ambientais não passíveis de recuperação, a serem definidos, em fase de liquidação de sentença, nos termos da fundamentação.

Publique-se. Registre-se.Intimem-se.

Transitada em julgado, baixem-se os autos e arquivem-se eletronicamente no e-Proc, nos termos do art. 48 da resolução 17/2010, que regulamenta o processo judicial eletrônico no âmbito do TRF4.


Documento eletrônico assinado por CLARIDES RAHMEIER, Juíza Federal Substituta na Titularidade Plena, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 710002372467v513 e do código CRC 1f7d922d.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLARIDES RAHMEIER
Data e Hora: 08/01/2017 17:02:10


 

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