quarta-feira , 24 abril 2024
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Reparação do dano ambiental: Município de Florianópolis deve demolir construções na Praia dos Ingleses

O município de Florianópolis e a Fundação do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) têm até 360 dias para retirar moradores e demolir construções no canto do sul da Praia dos Ingleses, na capital catarinense. A decisão é da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), nesta semana, ao confirmar, por unanimidade, sentença de primeiro grau.

O caso foi alvo de ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF). A denúncia relata a ocupação de áreas de duna e restinga na Praia dos Ingleses, com a presença de construções irregulares no local desde a década de 1990. Argumentando dano ambiental, o MPF requereu a interdição da localidade, com a retirada e a inclusão dos moradores em programas de habitação popular, além da interrupção do fornecimento de energia elétrica para a região.

O pedido foi julgado procedente pelo juízo de primeiro grau, que sentenciou o município e a Floram à apresentação de um plano de trabalho em até 90 dias; à retirada das construções e da rede de energia em até 180 dias, a contar do término do prazo anterior; e à conclusão dos esforços, após o período anterior, em até 90 dias. Os ranchos de pesca existentes na região podem seguir existindo, desde que regularizados e destinados exclusivamente à pesca artesanal. O município de Florianópolis recorreu ao tribunal, alegando não ter responsabilidade no caso.

O relator do processo no TRF4, desembargador federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, negou provimento ao recurso, considerando a região da Praia dos Ingleses área de preservação permanente (APP), sendo o município responsável administrativamente pelo dano ambiental, como aponta a Constituição.

“A reparação do dano ambiental, de acordo com a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, visa à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”, refletiu o magistrado, decidindo por manter a condenação, afixando os mesmo prazos da sentença.

Fonte: Notícias TRF4, 14/12/2015.

Leia a íntegra da decisão proferida pelo TRF4:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5029243-92.2014.4.04.7200/SC
RELATOR
:
RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
:
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC
:
FLORAM FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS
APELADO
:
ASSOCIACAO DOS PESCADORES DO CANTO SUL DOS INGLESES – ACASI
ADVOGADO
:
WILSON JOSÉ LOPES DARELLA
APELADO
:
CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S/A – CELESC
APELADO
:
KARIN BERTA MARIA HOEGG ADAMSKI
ADVOGADO
:
SÉRGIO BODENMÜLLER
APELADO
:
OS MESMOS
APELADO
:
COLONIA DE PESCADORES Z 11
ADVOGADO
:
JULIO CESAR DOS SANTOS CAMINHA
APELADO
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF), descrevendo a ocorrência de ocupações irregulares sobre a praia, dunas e restingas na Praia dos Ingleses, em Florianópolis/SC, problema que se arrasta desde a década de 1990. Afirmou omissão do MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e da FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS – FLORAM, quanto aos seus deveres de fiscalizar as construções irregulares e, igualmente, conduta ilegal das CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S.A. – CELESC/S.A., que tem efetuado ligação elétrica e fornecido energia mesmo diante da notória inadequação das edificações.

Estes foram os pedidos liminares formulados na exordial:

a) determinação para que o Município de Florianópolis e a FLORAM (a.1) fiscalizem o local, a fim de evitar novas obras, bem como interditem os estabelecimentos comerciais lá existentes; (a.2) efetuem o cadastramento imediato de todos os ocupantes, ‘visando sua inclusão prioritária em programa de habitação popular’;

b) determinação para que o Município de Florianópolis efetue a limpeza da área ocupada e suas adjacências e, por meio da vigilância sanitária, investigue as ligações de esgoto e águas; e
c) determinação para que a CELESC interrompa o fornecimento de energia elétrica de todas as ligações clandestinas, especialmente nos estabelecimentos comerciais, assim como adote providências para a retirada de energia elétrica nas construções existentes sobre áreas de preservação permanente de Florianópolis, sobretudo em regiões dunares.

Quanto ao mérito, o parquet requereu:

3) A final, seja julgada PROCEDENTE esta ação civil pública, condenando-se o Município e a FLORAM, sob pena de multa pecuniária a ser fixada por este Juízo:

a) à retirada de todos os residentes do local, relocando-os através de inclusão em políticas públicas habitacionais apropriadas;
b) à demolição de todas as construções edificadas na área protegida e à recuperação ambiental do ecossistema, na forma a ser apontada por perícia ou pelos órgãos ambientais;
c) à regularização dos ranchos que se destinem exclusivamente ao apoio à pesca artesanal, padronizando-os e relocando-os se necessário (sem fornecimento de energia elétrica);

4) seja a CELESC condenada à obrigação de fazer consistente na retirada de todos os postes e ligações de energia elétrica no local, estendendo-se tal obrigação a todas as demais áreas de preservação permanente/cordões dunários da Ilha de Santa Catarina, bem como ao pagamento de pena pecuniária pela colaboração com a degradação aqui comprovada;

A CELESC obteve, em agravo de instrumento julgado por esta Corte (2007.04.00.000616-1), efeito suspensivo contra decisão do juízo singular no ponto em que determinara interrupção de energia elétrica às ocupações irregulares.

No curso da instrução, foi admitida como assistente do autor a União (fl. 815) e foram admitidas como assistentes dos réus a Colônia de Pescadores Z-11, a Associação dos Pescadores do Canto Sul dos Ingleses (fl. 591) e a moradora do local Karin Berta Maria Hoegg Adamski (fls. 680/708).

Após inúmeras audiências nas quais realizaram-se tentativas de acordo e acertamento de condutas a serem seguidas pelo Município, pela CELESC e pela FLORAM na equação dos problemas ambientais e sociais envolvidos na demanda, às fls. 709/710 (processo originário, evento 02/50), proferiu-se a seguinte decisão:

(…)

De fato, como alega o autor, o Município de Florianópolis não comprovou o cumprimento integral dos compromissos assumidos em audiência. Além do levantamento das ocupações e de suas condições sanitárias, nenhuma medida tomou no sentido de dar uma solução à degradação ambiental apontada pelo Ministério Público. Ao que se infere dos autos, a grande maioria das ocupações são irregulares e têm provocado sérios danos ao ecossistema e à paisagem local, formada predominantemente de dunas.
1. Diante disso, tendo em vista que decorridos já mais de dois anos do ajuizamento da presente demanda, concedo ao Município de Florianópolis o prazo de 30 (trinta) dias para comprovar nos autos:
1.a) que efetuou a retirada de todo o lixo e entulho existentes no local;
1.b) que tomou as providências administrativas de poder de polícia visando à interdição e demolição dos estabelecimentos comerciais e residências em situação irregular (falta de licença da Prefeitura e condições sanitárias em desacordo com a legislação).
Fixo multa diária por descumprimento no valor de R$ 500,00, a iniciar após o decurso do prazo assinalado e a ser executada ao final pelo autor.
2. Determino à Colônia de Pescadores Z-11 que, no prazo de 10 (dez) dias, indique quais edificações existentes no local são utilizadas como rancho de pescadores, apontando seu respectivo ocupante, juntando aos autos, também, prova de registro da atividade, assim como autorização da União para a ocupação, tendo em vista que se trata de terreno de marinha.
3. Intime-se a União para se manifestar acerca de seu interesse no feito, no prazo de 10 (dez) dias.
4. Intimem-se as partes, inclusive para que se manifestem, no prazo de 05 (cinco) dias, a respeito do pedido de assistência formulado por Karin Berta Maria Hoegg Adamski. Anuindo as partes, efetue a Secretaria sua inclusão no pólo passivo, na qualidade de assistente da parte ré. Havendo discordância, voltem conclusos.
5. Manifestado interesse por parte da União e, caso requeira seu ingresso como assistente de quaisquer das partes, proceda-se como no item 4. Sendo diverso o pedido, voltem conclusos.
6. Cumpridos os itens supra, façam-me conclusos para sentença, tendo em vista que o julgamento prescinde da produção de novas provas.

Em 01/04/2013, sobreveio sentença nos seguintes termos (evento 81 na origem):

Ante o exposto, rejeito a preliminar de litisconsórcio passivo necessário e julgo procedente o pedido contido nos itens ‘3’ e ‘4’ da inicial, extinguindo o processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Em conseqüência, condeno os réus Município de Florianópolis e FLORAM a tomarem as medidas administrativas necessárias para: (a) a retirada de todos os residentes do local (Canto Sul da Praia dos Ingleses), com a relocação daqueles qualificados como hipossuficientes, mediante a inclusão em políticas públicas habitacionais; (b) a demolição das construções existentes e recuperação das áreas de preservação permanente; e (c) regularização dos ranchos destinados exclusivamente à pesca artesanal, na forma da fundamentação. Condeno também a CELESC a, uma vez, retiradas as construções, interromper o fornecimento de energia, bem assim a retirar a estrutura da rede elétrica instalada que não sirva aos ranchos de pesca regularizados.

Fixo o prazo de: [a] 90 (noventa) dias para o Município informar o juízo a respeito do plano de trabalho para as medidas determinadas nos itens a, b e c, apontando quais as que já foram tomadas em vista dos compromissos assumidos durante a instrução processual; [b] 180 (cento e oitenta) dias, a contar do término do prazo anterior, para o início dos trabalhos de retirada das construções irregulares e interrupção da energia elétrica (a cargo da CELESC) e mais 90 (noventa) dias para a sua conclusão, inclusive para a retirada da rede de energia (também a cargo da CELESC); [c] 90 (noventa) dias, a contar do encerramento do prazo fixado no item [a] para a comprovação da regularização dos ranchos de pesca.

Sem honorários.

Custas finais pelos réus, pro rata, dispensado o pagamento em relação ao Município de Florianópolis (art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96).

O MPF apelou (processo originário, evento 02/82). Em suas razões, pede a reforma do decisum, para que o pedido de regularização, padronização e relocação dos ranchos de pesca seja julgado procedente na forma requerida (item 3.c., fls. 21), determinando-se também a retirada dos equipamentos de fornecimento de energia elétrica do local, única forma de a área ser efetivamente recuperada e preservada.

A FLORAM igualmente apresenta recurso de apelação (evento 02/91), requerendo a isenção do pagamento das custas.

Ainda, o Município de Florianópolis, em seu recurso de apelação (processo originário, evento 02/90), destaca:

a) a sentença, na forma em que foi proferida, é inexequível em relação aos ocupantes da área, que não integraram a relação jurídico/processual, pelo que em relação aos mesmos não tem qualquer efeito e não surtirá nenhuma eficácia, bem como com relação à determinação para que o Município promova a regularização dos ranchos destinados à pesca artesanal;
(b) no mérito, sustenta que não houve por parte do Poder Público Municipal, no caso concreto, qualquer ato que tenha infringido as regras de proteção urbanística e ambiental, sendo que a fiscalização ambiental vem sendo executada dentro das possibilidades e disponibilidades orçamentárias e de pessoal;
(c) a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva, não tendo o autor demonstrado a culpa neste caso;
(d) a responsabilização do Município, com a imputação das obrigações pela sentença, implica a interferência nas politicas públicas, em afronta ao princípio da separação dos poderes.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal lançou parecer, opinando pelo provimento da apelação do Ministério Público Federal e da FLORAM e pelo desprovimento da apelação do Município de Florianópolis (evento 04 nesta Corte).

É o relatório.

 

Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5029243-92.2014.4.04.7200/SC
RELATOR
:
RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
:
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC
:
FLORAM FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS
APELADO
:
ASSOCIACAO DOS PESCADORES DO CANTO SUL DOS INGLESES – ACASI
ADVOGADO
:
WILSON JOSÉ LOPES DARELLA
APELADO
:
CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S/A – CELESC
APELADO
:
KARIN BERTA MARIA HOEGG ADAMSKI
ADVOGADO
:
SÉRGIO BODENMÜLLER
APELADO
:
OS MESMOS
APELADO
:
COLONIA DE PESCADORES Z 11
ADVOGADO
:
JULIO CESAR DOS SANTOS CAMINHA
APELADO
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
VOTO
Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra (i) MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, (ii) FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS – FLORAM e (iii) CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S.A. – CELESC/S.A., em que se discute sobre desocupação e demolição de estabelecimentos comerciais e casas de veraneio, cessação do fornecimento de energia elétrica e relocação de famílias de pescadores e daquelas em situação de vulnerabilidade social, ou outras medidas que possam fazer cessar os danos ambientais produzidos sobre a praia, dunas e restingas na Praia dos Ingleses, em Florianópolis/SC.
Como se vê, além de descrever uma situação de ocupações irregulares em áreas de preservação e de consequentes danos ambientais que se protraem no tempo, o MPF não pretende condenação a medidas específicas ou a determinado tipo de obrigação de forma restrita. Requer, isto sim, atuação dos órgãos públicos no sentido de coibir a degradação ambiental há anos perpetrada.
Inicialmente, como bem definido na instância a quo, há firme orientação do STJ no sentido de que, na hipótese de ação civil pública por dano ambiental, em que estamos diante de responsabilidade solidária, o litisconsórcio passivo caracteriza-se como facultativo, não havendo se acolher, in casu, qualquer alegação preliminar de ilegitimidade ad causam. Nesse sentido, os julgados: AGARESP 201401607643, OG FERNANDES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/12/2014; e RESP 201301431954, SÉRGIO KUKINA, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:05/06/2014 RSTJ VOL.:00235 PG:00102.
Meritoriamente, a controvérsia foi analisada pelo julgador singular nos seguintes termos (processo originário, evento 02/81):
Mérito
Objetiva o MPF com a presente ação civil pública, precipuamente, a condenação do Município de Florianópolis e da FLORAM à (a) demolição de construções irregulares no Canto Sul da Praia dos Ingleses, nesta Capital; (b) retirada dos moradores e sua relocação para local adequado, mediante a inclusão em políticas públicas próprias; e (c) regularização dos ranchos de pesca existentes no local. Quanto à CELESC, pretende seja ela condenada a interromper o fornecimento e retirar a estrutura de rede de energia instalada no local.
Argumenta o MPF que o Poder Público Municipal tem sido conivente com as invasões em área de preservação permanente (dunas e restinga) e terrenos de marinha, causando significativo impacto ambiental na região, sobretudo à própria Praia dos Ingleses.
Consoante se constata dos autos, o local dos fatos é constituído de praia e dunas, parcialmente recobertas por vegetação de restinga. Esses ambientes têm proteção legal.
As praias são bens de uso comum do povo e não podem ser objeto de apropriação particular (art. 10, da Lei n. 7.661/88).
Restingas são áreas de preservação permanente (art. 2º, f, da Lei n. 4.771/65, vigente à época dos fatos, e art. 4º, VI, da Lei n. 12.651/12 – atual Código Florestal), nas quais a interferência humana está adstrita a hipóteses excepcionais, em caso de utilidade pública e interesse social (art. 4º da Lei n. 4.771/65 e art. 8º da Lei n. 12.651/12). Dunas são áreas destinadas à especial proteção (art. 3º da Lei n. 7.661/88), também classificadas como áreas de preservação permanente pelo art. 3º, XI, da Resolução CONAMA n. 303/02).
Também na Lei Municipal n. 2.193/85, há proteção às dunas, nos seguintes termos:
‘Art. 21. Áreas de Preservação Permanente (APP) são aquelas necessárias à preservação dos recursos naturais, à salvaguarda do equilíbrio ecológico, compreendendo:
(…)
III – dunas móveis, fixas e semi-fixas.
A mesma lei dispõe:
Art. 93. As áreas de preservação permanente (APP) são ‘non aedificandi’, ressalvados os usos públicos necessários, sendo vedada nelas a supressão da floresta e das demais formas de vegetação, a exploração e a destruição de pedras, bem como o depósito de resíduos sólidos.
Por meio do Decreto Municipal n. 118/85 as dunas dos Ingleses foram tombadas pelo Município como patrimônio natural e paisagístico:
‘Art. 1º. Ficam tombadas, com patrimônio natural e paisagístico do Município de Florianópolis, os campos de Dunas de Ingleses e Santinho no Distrito de Ingleses do Rio Vermelho, Campeche, Armação do Pântano do Sul e Pântano do Sul, com as delimitações contidas nas plantas aerofotogramétricas em escala 1:10.000, pares integrantes do presente Decreto.
Art. 2º. Ficam proibidas quaisquer atividades ou edificações nas áreas tombadas por este Decreto’.
Pelo relato da inicial e documentos juntados, se pode constatar que o problema da ocupação no Canto Sul da Praia dos Ingleses apresenta três facetas diferentes. No local, há uso do solo (a) pelos pescadores da Colônia de Pescadores Z-11; (b) por estabelecimentos comerciais e veranistas; e (c) por pessoas de baixa renda, que invadiram o local ante a falta de opção de moradia e ali construíram seus ‘barracos’.
Não há dúvidas da evidente ilegalidade das construções e que os problemas decorrem, fundamentalmente, da falta de fiscalização e de políticas públicas voltadas à ordenada ocupação do solo no território do Município.
Cumpre observar, no entanto, que, sendo diversas as causas das invasões e uso ilícito de áreas pertencentes a toda a coletividade (praia, restingas e dunas), e à União (terrenos de marinha), é imperativo que as medidas a serem tomadas pelos réus levem também em consideração estas diferenças.
– Da responsabilidade dos réus
A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente independe da responsabilidade penal ou administrativa e é objetiva, como dispõem o art. 225, §3º, da Constituição da República e o art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81:
Art. 225. (…) § 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Art. 14 (…) § 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
A responsabilidade civil por dano ambiental dispensa a existência de dolo ou culpa. Exige apenas a conduta (ação ou omissão) o dano ao meio ambiente e o nexo causal entre ambos. Neste sentido:
DANO AMBIENTAL. CORTE DE ÁRVORES NATIVAS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
1. Controvérsia adstrita à legalidade da imposição de multa, por danos causados ao meio ambiente, com respaldo na responsabilidade objetiva, consubstanciada no corte de árvores nativas.
2. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) adotou a sistemática da responsabilidade civil objetiva (art.14, parágrafo 1º.) e foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante e impertinente a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de indenizar.
3. A adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva, significou apreciável avanço no combate a devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano.
4. O art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81 prevê expressamente o dever do poluidor ou predador de recuperar e/ou indenizar os danos causados, além de possibilitar o reconhecimento da responsabilidade, repise-se, objetiva, do poluidor em indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou aos terceiros afetados por sua atividade, como dito, independentemente da existência de culpa, consoante se infere do art. 14, § 1º, da citada lei.
(…)
(REsp 578.797/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ 20/09/2004 p. 196)
O enunciado do art. 225 da Constituição Federal tem como destinatários tanto os indivíduos (a coletividade) como o Poder Público, que têm o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Atenta ao dever do Estado quanto à garantia do meio ambiente equilibrado, a Constituição Federal dispôs ainda:
‘Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios:
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas’.
Daí decorre a responsabilidade do Município em preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente.
Também em se tratando de dano decorrente da omissão do Poder Público, a responsabilidade continua a ser objetiva, de acordo com grande parte da doutrina (Machado, Mancuso e Milaré), e o ente é considerado poluidor, em face do que dispõe o artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/81 [‘a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental’].
A respeito da responsabilidade do Poder Público por danos ao meio ambiente, tanto derivados de condutas comissivas como nas hipóteses de omissão, leciona Sérgio Luís Mendonça Alves:
‘Tais apontamentos nos remetem à responsabilidade solidária da Administração mesmo quando diante de conduta poluidora de particular e que afeta a todos, respondendo o Estado em razão da necessidade de extrema prudência e rigor que deve ter no licenciamento, na fiscalização e no poder de polícia que detém de impedir atividades potencial ou efetivamente degradadoras da qualidade do meio ambiente.
E a matéria é de tal envergadura e disciplina constitucional, quanto à natureza do bem violado, que não comporta discussões a respeito das excludentes desta responsabilidade, pouco importando se lícita ou ilícita a atividade do particular ou do próprio Estado, se licenciado sem vício pelo administrador incauto, incompetente ou ímprobo’ (ALVES, Sérgio Luís Mendonça. Estado Poluidor. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 172-173).
Neste mesmo sentido, há precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses outros. (grifei)
(…)
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ. (grifei)
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente). (grifei)
7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação ‘os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização’, além de outros a que se confira tal atribuição.
8. Quando a autoridade ambiental ‘tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade’ (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado).
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo,
resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem – e no caso do Estado, devem – ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e
indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer ‘pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental’ (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado). (grifei)
12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.
13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como
para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.
14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado – sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas – substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como conseqüência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial. 18. Recurso Especial provido (REsp n. 1071741/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJE de 16/12/10).
Na hipótese dos autos, os fatos alegados na inicial não foram negados pelos réus, e os documentos juntados aos autos bem demonstram a triste realidade da invasão ocorrida no local, sem que o Poder Público tenha tomado qualquer medida para evita-la, como era seu dever; a FLORAM, no que tange aos aspectos ambientais stricto sensu e o Município de Florianópolis, quanto às construções irregulares. Aliás, cabe observar que o Município de Florianópolis e a FLORAM sequer apresentaram contestação.
Assim, o Município de Florianópolis, que tem o poder-dever de proteção do meio ambiente, deixou de cumprir a obrigação legal disposta no art. 23 da Constituição, ao se omitir completamente e permitir que a invasão nas dunas tomasse a proporção que se nota das fotografias e demais documentos juntados aos autos. Da mesma forma, a FLORAM, órgão municipal do meio ambiente, nada fez para evitar os danos.
A CELESC também agiu contrariamente às normas ambientais, ao instalar energia elétrica em área de preservação permanente.
De fato, consoante inicialmente explicitado, se nas áreas de preservação permanente não se pode edificar; se a ocupação de dunas também encontra óbice na legislação; e se as praias são bens de uso comum do povo, é patente a ilegalidade no fornecimento de energia elétrica para edificações situadas nesses locais.
Tanto é assim, que, conforme assinalado pelo Ministério Público Federal, atos dessa natureza praticados pela CELESC foram objeto da Ação Civil Pública n. 97.00.003822-0, resultando na sua condenação em obrigação de não fazer, consistente em deixar de instalar energia elétrica em áreas de preservação permanente.
A existência desta decisão transitada em julgado só não é impedimento à apreciação do pedido contra a CELESC nestes autos porque grande parte dos fatos narrados na inicial teve início antes do ajuizamento da mencionada ação civil pública.
– Dos ranchos de pesca
Não obstante os evidentes impactos causados pela manutenção dos ranchos de pesca no local, não há como deixar de levar em consideração que se trata de atividade econômica de grande importância para a economia local e indispensável à sobrevivência de inúmeras famílias. Além disso, a preservação ambiental está diretamente ligada ao desenvolvimento sustentável, que é um dos objetivos da ‘Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca’, de que trata a Lei n. 11.959, de 29 de junho de 2009, verbis:
Art. 1o  Esta Lei dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, formulada, coordenada e executada com o objetivo de promover:
I – o desenvolvimento sustentável da pesca e da aquicultura como fonte de alimentação, emprego, renda e lazer, garantindo-se o uso sustentável dos recursos pesqueiros, bem como a otimização dos benefícios econômicos decorrentes, em harmonia com a preservação e a conservação do meio ambiente e da biodiversidade;
(…)
Às fls. 721/754 e 757/813 a Associação dos Pescadores do Canto Sul dos Ingleses juntou lista de pescadores ocupantes de ranchos de pesca no local, com a respectiva documentação relativa ao exercício da profissão. Nela se observa que são dezessete os ranchos ocupados por pescadores artesanais, sendo estes, pois, os passíveis de regularização perante o Município, que deve observar ao disposto no Plano Diretor – Lei n. 2.193/85, que preceitua:
‘Art. 127. Os ocupantes com direito de preferência ao aforamento ou os foreiros dos terrenos de marinha, poderão, na parte do imóvel definida como afastamento das edificações, reservada a área exigível para circulação de pedestres, realizar trabalhos de ajardinamento, horticultura e arborização, bem como implantar equipamento sumários de lazer e recreação e ranchos rústicos para depósito e atração de embarcações destinadas à pesca artesanal.
§ 2º – Os ranchos rústicos para depósito e atracação de embarcações artesanais deverão ser construídos em madeira e telhas de barro, comportando, no máximo, uma embarcação, e respeitada a taxa de ocupação aplicável ao terreno, conforme projeto padrão a ser fornecido pela Administração Municipal.
§ 3º – Não de aplicam as disposições do parágrafo anterior aos casos de reforma ou reconstrução dos ranchos de canoas existentes à época da aprovação desta Lei.
A regularização dos ranchos de pesca deverá levar em consideração também o disposto na Lei n. 9.636/98, que trata do uso dos bens de propriedade da União, como é o caso dos terrenos de marinha, impondo, portanto, que as medidas administrativas considerem a regularidade das ocupações perante a União. Devem as construções, ainda, observar o mínimo de impactos sobre as áreas em questão (praia, restingas e dunas) e, até mesmo, a depender de negociação com os pescadores, serem transferidas para outro local mais adequado e que torne a atividade menos impactante. São questões, no entanto, a serem tratadas e enfrentadas pelo Município e FLORAM oportunamente, na via administrativa. De fato, esta ação visa apenas ao reconhecimento da omissão dos órgãos públicos quanto ao seu dever de fiscalização, e à determinação para que façam uso de seu poder de polícia, que no caso específico dos pescadores artesanais, como se viu, exige ação mais abrangente, de modo a permitir a continuidade das atividades.
Observo, por fim, que a despeito de o pedido do Ministério Público Federal levar em consideração a possibilidade de manutenção dos ranchos de pesca, mediante sua regularização, requer seja cortado o fornecimento de energia elétrica. Contudo, não vislumbro razões para privar os pescadores do conforto e comodidade resultantes da energia elétrica, útil, certamente, para as atividades de reparo e conservação momentânea de alimentos e até do pescado.
– Das casas de veraneio e empreendimentos particulares
Quanto às demais edificações existentes no local, como antes já referido, não resta dúvida de que se trata de área de preservação permanente, estando proibido o uso para as finalidades de habitação ou comércio.
Cabe aos réus, assim, tomar as medidas administrativas para a demolição das construções e recuperação do meio ambiente.
Importa salientar, ainda, que eventuais licenças do Município para construções no local devem também ser revistas na via administrativa, a fim de averiguar a sua conformação com a legislação federal e até mesmo municipal (Plano Diretor – Lei n. 2.193/85 e Decreto Municipal n. 112/85).
– Dos honorários advocatícios.
Não haverá condenação dos réus em honorários advocatícios em ação civil pública, já que também não são exigíveis do Ministério Público Federal:
Na ação civil pública (ACP) movida pelo Ministério Público, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei n. 7.347/1985. Segundo este Superior Tribunal, em sede de ACP, a condenação do MP ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o Parquet beneficiar-se de honorários quando for vencedor na ACP. Precedentes citados: AgRg no REsp 868.279-MG, DJe 6/11/2008; REsp 896.679-RS, DJe 12/5/2008; REsp 419.110-SP, DJ 27/11/2007; REsp 178.088-MG, DJ 12/9/2005, e REsp 859.737-DF, DJ 26/10/2006. EREsp 895.530-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgados em 26/8/2009.
Não há, assim, condenação em honorários advocatícios.
– Da multa imposta nos autos
O Ministério Público Federal, sob a alegação de que o Município de Florianópolis não cumpriu o acordo firmado nos autos, requereu a execução da multa imposta às fls. 709/710. Contudo, a multa por descumprimento só pode ser exigida na fase de execução, mediante a demonstração do valor devido, com os cálculos aritméticos respectivos.
Ante o exposto, rejeito a preliminar de litisconsórcio passivo necessário e julgo procedente o pedido contido nos itens ‘3’ e ‘4’ da inicial, extinguindo o processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Em conseqüência, condeno os réus Município de Florianópolis e FLORAM a tomarem as medidas administrativas necessárias para: (a) a retirada de todos os residentes do local (Canto Sul da Praia dos Ingleses), com a relocação daqueles qualificados como hipossuficientes, mediante a inclusão em políticas públicas habitacionais; (b) a demolição das construções existentes e recuperação das áreas de preservação permanente; e (c) regularização dos ranchos destinados exclusivamente à pesca artesanal, na forma da fundamentação. Condeno também a CELESC a, uma vez, retiradas as construções, interromper o fornecimento de energia, bem assim a retirar a estrutura da rede elétrica instalada que não sirva aos ranchos de pesca regularizados.
Fixo o prazo de: [a] 90 (noventa) dias para o Município informar o juízo a respeito do plano de trabalho para as medidas determinadas nos itens a, b e c, apontando quais as que já foram tomadas em vista dos compromissos assumidos durante a instrução processual; [b] 180 (cento e oitenta) dias, a contar do término do prazo anterior, para o início dos trabalhos de retirada das construções irregulares e interrupção da energia elétrica (a cargo da CELESC) e mais 90 (noventa) dias para a sua conclusão, inclusive para a retirada da rede de energia (também a cargo da CELESC); [c] 90 (noventa) dias, a contar do encerramento do prazo fixado no item [a] para a comprovação da regularização dos ranchos de pesca.
Com efeito, considerando que a Constituição Federal prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e que restou caracterizada omissão do Poder Público a contribuir com a degradação ambiental, permite-se, excepcionalmente, a intervenção do Poder Judiciário, com o objetivo de dar efetividade àquele direito, nos moldes estabelecidos pelo juízo de origem.
De outro lado, tendo em vista que a responsabilidade do Estado em relação à tutela do meio ambiente exige dele postura ativa e de atuação preventiva, no sentido de evitar a ocorrência do dano ambiental, no caso em tela, adequada a análise do juízo singular sob a ótica da teoria objetiva, abarcada inclusive pela legislação pátria (art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81).
No caso dos autos, portanto, entendo irrefutáveis os fundamentos adotados pelo magistrado singular em sua sentença, que analisou a matéria fática e probatória de forma minuciosa, devendo ser mantida nos tópicos supra por seus próprios fundamentos.
Quanto aos consectários, merece acolhimento a apelação da FLORAM, a fim de isentá-la do pagamento das custas processuais, haja vista sua natureza jurídica de fundação pública e o que dispõem sobre o tema o art. 4° da Lei n. 9.289/1996 e o art. 33 da Lei Complementar do Estado de Santa Catarina n° 156/97.
Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações do MPF e do Município de Florianópolis, bem ainda dar provimento à apelação da FLORAM, nos termos da fundamentação.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5029243-92.2014.4.04.7200/SC
RELATOR
:
RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
:
MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC
:
FLORAM FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS
APELADO
:
ASSOCIACAO DOS PESCADORES DO CANTO SUL DOS INGLESES – ACASI
ADVOGADO
:
WILSON JOSÉ LOPES DARELLA
APELADO
:
CENTRAIS ELÉTRICAS DE SANTA CATARINA S/A – CELESC
APELADO
:
KARIN BERTA MARIA HOEGG ADAMSKI
ADVOGADO
:
SÉRGIO BODENMÜLLER
APELADO
:
OS MESMOS
APELADO
:
COLONIA DE PESCADORES Z 11
ADVOGADO
:
JULIO CESAR DOS SANTOS CAMINHA
APELADO
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÕES IRREGULARES SOBRE PRAIA, DUNAS E RESTINGAS. PRAIA DOS INGLESES. FLORIANÓPOLIS/SC. ATOS OMISSIVOS E COMISSIVOS DO PODER PÚBLICO A CONTRIBUIR COM O DANO AMBIENTAL. BEM JURÍDICO INDISPONÍVEL. IMPRESCRITIBILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RISCO INTEGRAL. DEVER DE REPARAÇÃO. CUSTAS PROCESSUAIS. FUNDAÇÃO PÚBLICA.
– A reparação do dano ambiental, de acordo com a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, visa à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados. Assim, há duas formas principais de reparação do dano ambiental: (i) a recuperação natural ou o retorno ao status quo ante; e (ii) a indenização em dinheiro.
– A lesão causada ao meio ambiente há de ser recuperada em sua integridade; por isso mesmo, quando não for possível a reparação do dano, ainda será devida a indenização pecuniária correspondente.
– A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, fundada no risco inerente à atividade, que prescinde por completo da culpabilidade do agente. Assim, para tornar efetiva esta responsabilização, exige-se apenas a ocorrência do dano e a prova do nexo causal com o desenvolvimento ou mesmo a mera existência de uma determinada atividade humana.
– Ademais, a responsabilidade do Estado em relação à tutela do meio ambiente exige dele postura ativa e de atuação preventiva, no sentido de evitar a ocorrência do dano ambiental.
– Comprovadas nos autos as ocupações irregulares em áreas de preservação, sobre a praia, dunas e restingas, e dada a situação social envolvida – muitos dos ocupantes exercem atividade de pesca como único modo de subsistência de sua família, outros vivem em situação de vulnerabilidade -, são adequadas as seguintes medidas impostas ao Município de Florianópolis e à FLORAM: (a) retirada de todos os residentes do local (Canto Sul da Praia dos Ingleses), com a relocação daqueles qualificados como hipossuficientes, mediante a inclusão em políticas públicas habitacionais; (b) a demolição das construções existentes e recuperação das áreas de preservação permanente; e (c) regularização dos ranchos destinados exclusivamente à pesca artesanal. Competirá à CELESC, uma vez retiradas as construções, interromper o fornecimento de energia, bem assim retirar a estrutura da rede elétrica instalada que não sirva aos ranchos de pesca regularizados.
– Quanto aos consectários, merece acolhimento a apelação da FLORAM, a fim de isentá-la do pagamento das custas processuais, haja vista sua natureza jurídica de fundação pública e o que dispõem sobre o tema o art. 4° da Lei n. 9.289/1996 e o art. 33 da Lei Complementar do Estado de Santa Catarina n° 156/97.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações do MPF e do Município de Florianópolis, bem ainda dar provimento à apelação da FLORAM, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
 Porto Alegre, 09 de dezembro de 2015.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator

Documento eletrônico assinado por Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador7976371v8 e, se solicitado, do código CRC 91E948E.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Ricardo Teixeira do Valle Pereira
Data e Hora: 09/12/2015 22:08

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