quinta-feira , 21 novembro 2024
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Priorizar a Agenda Ambiental Urbana é um erro?

por Ronaldo Santos.

 

O atual Ministro do Meio Ambiente vem protagonizando inúmeras iniciativas que, pelo menos para a maioria dos analistas, corrói a agenda ambiental brasileira. Não é o objeto deste pequeno artigo adentrar no mérito, motivos ou razões do Ministro. Isto mereceria um texto mais aprofundado. Também não é uma retrospectiva, (há vários textos com esse objeto).

Aqui a ideia é focar em um ponto que, ao nosso julgar, resume o que foi a política ambiental neste ano: a chamada “Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana”. Nesta nova agenda a prioridade são as cidades, e não o espaço rural.

Embora numa análise superficial pareça fazer sentido – dados os problemas com água, esgoto e lixo – , no fim isto é um erro. Mas é um erro calculado: ao dizer que vai cuidar dos problemas urbanos, de certa forma vem a justifica que tem um objetivo, a ponto de “abandonar” o cenário rural.

Ademais, como a atual Administração quer passar a ideia de romper com (quase) tudo feito até aqui, o lógico é tirar o peso no que sempre foi o centro da existência de 40 anos de MMA. Então, se o MMA vai existir que seja para outra coisa que não o meio rural. Elementar.

 

A realidade dos parcos resultados

 

Portanto, é inegável  que corre uma ruptura brutal entre o modelo da agenda ambiental adotada nos últimos anos e o atual. Em si a ruptura não é necessariamente ruim, pois poderia ser para melhor, mas não é o que mostram os fatos.  O problema é que em 2019 sequer a agenda urbana mostrou algum objetivo relevante atingido.

Há até mesmo um equívoco estratégico: mesmo possuindo pontos elogiáveis a nova visão ficou no limbo, quando posta lado a lado com as notícias negativas trazidas exatamente pele negligência do setor rural. Dito de outra forma, o descuido com a agenda rural foi tão evidente que se houve alguma notícia boa no ramo urbano esta sequer foi notada.

Vários são os exemplos que confirmam a palidez da agenda ambiental urbana, mas fiquemos em apenas dois. Se a agenda ambiental fosse prioridade o derramamento de óleo na costa nordestina teria sido tratado com mais energia e emergência. Afinal, as cidades litorâneas atingidas possuem características mais urbanas que rurais (aqui adoto o critério de percepção quanto às propriedades rurais, o que tem pouca relação com o litoral, ou mesmo a situação de turismo etc).

Segundo exemplo: as cidades brasileiras tem uma gargalo perigoso que é atender a Lei da Politica de Resíduos Sólidos. Não há notícia de um passo concreto e relevante dado pelo MMA neste campo (no máximo um tímido lançamento do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR). Por fim, sequer precisamos falar em saneamento (água e esgoto).

Portanto, sim, o meio ambiente urbano é relevante. Lixo e esgoto são problemas seríssimos refletindo nas contas públicas em termos de saúde. Somos 85% da população morando nas cidades (e contando); a geração de energia elétrica para essa massa de gente e para as indústrias nas grandes capitais é um grande desafio. Este cenário, por si só, forçaria a priorização da agenda ambiental urbana, caso não fôssemos o Brasil.

 

Negligenciar o meio ambiente rural é ruim para a economia

 

Tudo indica que  intenção da nova agenda ambiental é supostamente tirar a mão pesada do Estado (fiscalização, multa etc) sobre os agricultores, o que daria mais fôlego ao setor produtivo. No papel interessante, mas pode ser o contrário.

É que o Brasil é o maior país agroexportador do mundo e sua balança comercial depende fortemente da venda dos produtos oriundos do campo. Como negligenciar que estas terras possui a maior floresta tropical do planeta com bacia hidrográfica invejável (a água é o maior recurso do futuro)? Dá para pôr de lado um vasto mercado de serviços ambientais oriundos das fazendas – que dependerá de agenda forte?

Se o meio ambiente rural não é a razão de existir do Ministério do Meio Ambiente o que fazer com as ferramentas mais importantes já criadas pelo arcabouço jurídico como o Cadastro Ambiental Rural – CAR? Seria continuar a dizer que o dinheiro do Fundo Amazônia não faz falta?

 

Apoio dos parceiros?

 

Há aqui um paradoxo.  Até mesmo a parte responsável do agronegócio se nega a abraçar esta causa. Vários setores tem se manifestado no sentido de que o Brasil precisa demonstrar alguma responsabilidade em termos de gestão ambiental rural.

O agricultor mais “antenado” quer suas terras regularizada, infraestrutura  e sim, seguir a legislação ambiental. Há quem diga, inclusive, que foram conselhos deste mesmo setor empresarial que influenciaram o Governo ao voltar atrás da ameaça de sair do Acordo de Paris.

Mesmo que a China ou Hong Kong  – os grandes compradores de carne -não deem importância (ainda), os outros parceiros não dizem o mesmo. Países importantes já falam em possível boicote a produtos nacionais, vez que  badalado acordo Mercosul e a União Europeia depende de uma cláusula em que o cuidado ambiental é uma exigência (não entraremos aqui no interesse destes países em derrubar a concorrência brasileira).

De forma concreta, grandes cadeias já concretizaram a paralisação de alguns negócios (até esta data as redes da Nestlé e H&M, no mínimo). Ou seja: ainda que esta não fosse a intenção, ao sinalizar que não tá muito interessado na agenda rural ambiental o MMA quase que sinaliza que o agronegócio poderá fazer o que quiser.

Em suma, não parece sequer estratégico negligenciar a importância da agenda ambiental rural em detrimento de um suposto novo protagonismo urbano. Em vez de ajudar pode prejudicar. A não ser que algo de muito excepcional ocorra em 2020, a tendência é de ameaças à imagem do setor rural, e também de parcos resultados à agenda urbana até agora. Enfim, priorizar uma agenda ambiental urbana não é nenhum erro, desde que não passe uma mensagem equivocada de abandono do meio ambiente rural.

 

Ronaldo Pereira Santos. Engenheiro Agrônomo. Advogado. Pós graduado em Gestão Ambiental. Pós graduado em Direito Público. Mestre em Florestas Tropicais. É servidor público federal. Professor Voluntário de Direito Ambiental da UFAM. Autor do livro: “Defesas Contra Multas Ambientais: prevenção e estratégias”. Bolsista Visitante na área de Meio Ambiente na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos (2019-2020).

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