por Ronaldo Santos.
O atual Ministro do Meio Ambiente vem protagonizando inúmeras iniciativas que, pelo menos para a maioria dos analistas, corrói a agenda ambiental brasileira. Não é o objeto deste pequeno artigo adentrar no mérito, motivos ou razões do Ministro. Isto mereceria um texto mais aprofundado. Também não é uma retrospectiva, (há vários textos com esse objeto).
Aqui a ideia é focar em um ponto que, ao nosso julgar, resume o que foi a política ambiental neste ano: a chamada “Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana”. Nesta nova agenda a prioridade são as cidades, e não o espaço rural.
Embora numa análise superficial pareça fazer sentido – dados os problemas com água, esgoto e lixo – , no fim isto é um erro. Mas é um erro calculado: ao dizer que vai cuidar dos problemas urbanos, de certa forma vem a justifica que tem um objetivo, a ponto de “abandonar” o cenário rural.
Ademais, como a atual Administração quer passar a ideia de romper com (quase) tudo feito até aqui, o lógico é tirar o peso no que sempre foi o centro da existência de 40 anos de MMA. Então, se o MMA vai existir que seja para outra coisa que não o meio rural. Elementar.
A realidade dos parcos resultados
Portanto, é inegável que corre uma ruptura brutal entre o modelo da agenda ambiental adotada nos últimos anos e o atual. Em si a ruptura não é necessariamente ruim, pois poderia ser para melhor, mas não é o que mostram os fatos. O problema é que em 2019 sequer a agenda urbana mostrou algum objetivo relevante atingido.
Há até mesmo um equívoco estratégico: mesmo possuindo pontos elogiáveis a nova visão ficou no limbo, quando posta lado a lado com as notícias negativas trazidas exatamente pele negligência do setor rural. Dito de outra forma, o descuido com a agenda rural foi tão evidente que se houve alguma notícia boa no ramo urbano esta sequer foi notada.
Vários são os exemplos que confirmam a palidez da agenda ambiental urbana, mas fiquemos em apenas dois. Se a agenda ambiental fosse prioridade o derramamento de óleo na costa nordestina teria sido tratado com mais energia e emergência. Afinal, as cidades litorâneas atingidas possuem características mais urbanas que rurais (aqui adoto o critério de percepção quanto às propriedades rurais, o que tem pouca relação com o litoral, ou mesmo a situação de turismo etc).
Segundo exemplo: as cidades brasileiras tem uma gargalo perigoso que é atender a Lei da Politica de Resíduos Sólidos. Não há notícia de um passo concreto e relevante dado pelo MMA neste campo (no máximo um tímido lançamento do Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR). Por fim, sequer precisamos falar em saneamento (água e esgoto).
Portanto, sim, o meio ambiente urbano é relevante. Lixo e esgoto são problemas seríssimos refletindo nas contas públicas em termos de saúde. Somos 85% da população morando nas cidades (e contando); a geração de energia elétrica para essa massa de gente e para as indústrias nas grandes capitais é um grande desafio. Este cenário, por si só, forçaria a priorização da agenda ambiental urbana, caso não fôssemos o Brasil.
Negligenciar o meio ambiente rural é ruim para a economia
Tudo indica que intenção da nova agenda ambiental é supostamente tirar a mão pesada do Estado (fiscalização, multa etc) sobre os agricultores, o que daria mais fôlego ao setor produtivo. No papel interessante, mas pode ser o contrário.
É que o Brasil é o maior país agroexportador do mundo e sua balança comercial depende fortemente da venda dos produtos oriundos do campo. Como negligenciar que estas terras possui a maior floresta tropical do planeta com bacia hidrográfica invejável (a água é o maior recurso do futuro)? Dá para pôr de lado um vasto mercado de serviços ambientais oriundos das fazendas – que dependerá de agenda forte?
Se o meio ambiente rural não é a razão de existir do Ministério do Meio Ambiente o que fazer com as ferramentas mais importantes já criadas pelo arcabouço jurídico como o Cadastro Ambiental Rural – CAR? Seria continuar a dizer que o dinheiro do Fundo Amazônia não faz falta?
Apoio dos parceiros?
Há aqui um paradoxo. Até mesmo a parte responsável do agronegócio se nega a abraçar esta causa. Vários setores tem se manifestado no sentido de que o Brasil precisa demonstrar alguma responsabilidade em termos de gestão ambiental rural.
O agricultor mais “antenado” quer suas terras regularizada, infraestrutura e sim, seguir a legislação ambiental. Há quem diga, inclusive, que foram conselhos deste mesmo setor empresarial que influenciaram o Governo ao voltar atrás da ameaça de sair do Acordo de Paris.
Mesmo que a China ou Hong Kong – os grandes compradores de carne -não deem importância (ainda), os outros parceiros não dizem o mesmo. Países importantes já falam em possível boicote a produtos nacionais, vez que badalado acordo Mercosul e a União Europeia depende de uma cláusula em que o cuidado ambiental é uma exigência (não entraremos aqui no interesse destes países em derrubar a concorrência brasileira).
De forma concreta, grandes cadeias já concretizaram a paralisação de alguns negócios (até esta data as redes da Nestlé e H&M, no mínimo). Ou seja: ainda que esta não fosse a intenção, ao sinalizar que não tá muito interessado na agenda rural ambiental o MMA quase que sinaliza que o agronegócio poderá fazer o que quiser.
Em suma, não parece sequer estratégico negligenciar a importância da agenda ambiental rural em detrimento de um suposto novo protagonismo urbano. Em vez de ajudar pode prejudicar. A não ser que algo de muito excepcional ocorra em 2020, a tendência é de ameaças à imagem do setor rural, e também de parcos resultados à agenda urbana até agora. Enfim, priorizar uma agenda ambiental urbana não é nenhum erro, desde que não passe uma mensagem equivocada de abandono do meio ambiente rural.