Enio Fonseca e Decio Michellis Jr.
Pode haver momentos em que somos impotentes para evitar a injustiça, mas nunca deve haver um momento em que deixemos de defender uma transição energética justa.
A transição energética é a mudança do sistema energético mundial para fontes renováveis e sustentáveis. O objetivo é reduzir as emissões de gases de efeito estufa e enfrentar as mudanças climáticas.
Pretende-se que a transição energética seja feita com o aumento do uso de energias renováveis, como a solar, eólica, hídrica e biomassa e a eliminação do uso de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, junto com a melhoria da eficiência energética e armazenamento de energia e remoção ou compensação de carbono emitido.
É uma mudança que envolve a redução das emissões de gases de efeito estufa. Uma mudança fruto de uma jornada tecnológica, que envolve o manejo do carbono, buscando a emissão zero. Essa jornada envolve a mudança de modelos econômicos e, principalmente, as pessoas, desde a mudança de hábitos até o seu emprego e salário. Portanto, a transição energética tem que ter foco nas pessoas e não somente nos processos.
A “transição energética justa” refere-se ao processo de mudança de uma economia carbointensiva (com elevada emissão de gases de feitos estufa – GEE) para uma economia de “baixo carbono”, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis, onde a transição seja equitativa e inclusiva, com especial atenção aos trabalhadores e comunidades mais vulneráveis.
A transição energética envolve a mudança das fontes de energia, e ocorreu em várias fases, começando com a substituição da lenha pelo carvão, depois do carvão pelo petróleo e, finalmente, a transição do petróleo para fontes de baixo carbono (como solar, eólica, biomassa e outras tecnologias de baixa emissão de GEE).
Toda transição energética traz riscos e oportunidades. A “transição justa” procura equilibrar esses riscos e oportunidades, distribuindo os benefícios da transição de forma equitativa e que os mais afetados negativamente recebam apoio e oportunidades.
A Transição Justa representa a mudança de modelo econômico de um mundo de alto carbono para um mundo de baixo carbono sem destruir valor econômico e social. É aquela que atende ao objetivo ambiental de reduzir as emissões de gases efeito estufa sem destruir o valor econômico e social.
Aqui temos o primeiro paradoxo: lenha, carvão e petróleo continuam sendo usados, ou seja, nunca houve, historicamente, uma verdadeira transição energética, mas adição de novas fontes de energia. As tecnologias chamadas “limpas” também dependem de energia fóssil. E as fontes de produção de energia renovável só podem ser produzidos com o uso de combustíveis fósseis e subprodutos do petróleo.
O uso de combustíveis fósseis é a espinha dorsal de todas essas partes da vida, faz sentido dizer que é “altamente improvável” que uma eliminação gradual de combustíveis fósseis seja apoiada quando os consumidores e contribuintes perceberem o impacto no dia a dia. As energias renováveis (eólica, solar etc.) apenas geram eletricidade, enquanto o petróleo é base de muitos dos produtos de categoria essencial à sociedade atual. Com a tecnologia presente é impossível viver sem os mais de 6.000 produtos derivados de petróleo, que são a base dos nossos estilos de vida e da nossa economia. São fundamentais, por exemplo, em medicamentos, equipamentos médicos, vacinas, embalagens de alimentos frescos e congelados (só para citar algumas aplicações). Mas ainda não temos um plano reserva para substituir produtos derivados do petróleo, em qualidade, disponibilidade e preço. Tentar substituir todos os subprodutos de combustível fóssil por biomateriais será impossível no curto prazo e extremamente difícil no longo prazo.
A geração de eletricidade a partir de energia eólica, solar, hidrelétrica, carvão, gás natural e nuclear, eólica e solar são todos construídos com produtos, componentes e equipamentos feitos de derivadas de petróleo bruto. Os veículos elétricos, painéis solares e turbinas eólicas também são construídos com produtos, componentes e equipamentos feitos a partir do petróleo bruto. Eletroeletrônicos que precisam de eletricidade para funcionar, como smartphones, computadores, data centers e máquinas de raio-X, são feitos com petroquímicos fabricados a partir de petróleo bruto. Sem combustíveis fósseis, não haveria nada que precisasse de eletricidade.
As transições energéticas anteriores foram até agora caracterizadas pela produção de mais energia em áreas de terra menores. Mudamos da madeira para o carvão e depois para o petróleo e o gás. Agora com energia eólica e solar revertemos esta tendência. São fontes de energia de baixa intensidade e ocupam muito mais área, além do intenso uso de recursos naturais não energéticos e disposição final ainda não devidamente resolvida.
Transição é um processo, uma jornada que tem o tempo como referencial. Pode ser lenta, rápida, levar décadas. É um processo de adaptação que impacta a vida das pessoas. A transição energética envolve mudanças de modelos de produção e consumo da energia.
A transição energética é frequentemente descrita pelos 5 Ds: Descarbonização, Descentralização, Digitalização, Democratização e Diversificação e a promoção da inovação tecnológica.
Transição Energética no Brasil
A partir de 2018, influenciados pela União Europeia, os países começaram a estabelecer metas políticas com o objetivo de atingir emissões “líquidas zero” até 2050 para os países desenvolvidos e 2070 para países em desenvolvimento. O primeiro-ministro Narendra Modi disse na cúpula do clima global COP26 em Glasgow que a Índia atingirá a meta de emissões líquidas zero até 2070. Declaração conjunta de Índia, Bolívia, China, Gabão, Irã, Iraque, Mali, Nicarágua, Panamá e Síria: “Precisamos de um reconhecimento claro de que os países em desenvolvimento precisarão de muito mais tempo além de 2050 para atingir o Net-Zero, dados seus objetivos abrangentes de erradicação da pobreza e desenvolvimento, e atingirão o pico após os países desenvolvidos. Eles precisarão de um prazo adicional para atingir o pico e ir em direção ao Net-Zero, que será além de 2050”.
O relatório “Transição Net Zero” elaborado pela consultoria americana McKinsey, em 2022, aponta que: “o custo global para realizar a transição para uma matriz energética limpa até 2050 é de 275 trilhões de dólares, ou 9,2 trilhões de dólares anuais.” O cálculo estima que os setores ligados à alta emissão de gás carbônico, responsáveis por aproximadamente 20% do PIB mundial, seriam profundamente afetados e 185 milhões de empregos diretos e indireto em todo o mundo seriam perdidos, principalmente de setores ligados a combustíveis fósseis, como indústrias de carvão, petróleo e gás. Embora o artigo mencione como possibilidade, a criação de empregos em quantidade similar, são números impactantes.
“100% de energia renovável”, isso não significa “100% de energia livre de carbono”. Para garantir 100% de redução de emissões de energia renovável, o consumo de energia precisa ser combinado com a geração renovável por hora. Apenas a compra de mais energia solar em uma rede que já tem muita geração solar não resultará em emissões zero. A ausência de capacidade de armazenamento suficiente para capturar todo o excesso de eletricidade implica na geração termelétrica com combustíveis fósseis para fixar a energia de origem solar e eólica intermitentes e não despacháveis.
O Brasil possui uma matriz elétrica com alto grau de renovabilidade e baixas emissões de gases causadores do efeito estufa, sendo uma das referências mundiais em produção de eletricidade limpa.
O Brasil consolidou progressivamente em seus projetos para geração de energia elétrica as melhores práticas de gestão socioambiental de eficácia comprovadas internacionalmente.
De acordo com a contribuição nacionalmente determinada (NDC) do Brasil ao Acordo de Paris publicada em 2024 o país já se destaca pela elevada participação de fontes renováveis na sua matriz energética – 89,2% de mix de eletricidade e 49,1% de mix de energia.
A matriz elétrica mundial apresenta a participação da eletricidade renovável no consumo final de energia de 30% em 2023. No Brasil é de 89.2 %, ou seja, 3 vezes mais limpa que a média mundial.
A matriz energética mundial apresenta a participação de energias renováveis no consumo final de energia de 13% em 2023. No Brasil é de 49,1 %, ou seja 3,8 vezes mais limpa que a média mundial.
Os desafios para o setor elétrico brasileiro (SEB) consiste em três eixos principais: (i) manter a renovabilidade do parque gerador, (ii) garantir a segurança de suprimento e; (iii) reduzir os custos para o consumidor final.
Quanto vai custar?
As principais iniciativas brasileiras para a transição energética são o Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE), a Política Nacional de Transição Energética (PNTE) e a Lei do Combustível do Futuro. Só no setor de transportes são estimados investimentos de R$ 260 bilhões, evitando a emissão de mais de 705 milhões de toneladas de gás carbono (CO2) até 2037.
A Política Nacional de Transição Energética, com potencial de R$ 2 trilhões em investimentos representa a capacidade total de investimentos federal de 13,2 anos, ou seja, considera recursos que não existem em quantidade suficiente e necessária no orçamento federal.
O custo da transição acabará sendo de responsabilidade da sociedade, enquanto consumidora de bens e serviços (como contribuinte e como consumidor).
O Brasil com um PIB estimado de US$ 2,19 trilhões pelo FMI em 2024 necessitará investir até 2050 até US$ 220 trilhões para eliminar os combustíveis fósseis. Isto equivale a US$ 1 milhão per capita. Considerando uma renda média de R$ 3.255,00 (US$ 558,54) equivale a renda média de 154 anos do brasileiro.
As pessoas apoiam a luta contra a mudança climática, desde que não envolva muito sacrifício pessoal ou econômico. À medida que as propostas para combater a mudança climática se tornam mais invasivas, exigindo mudanças comportamentais ou de estilo de vida significativas, elas rapidamente despencam em popularidade.
O impacto dos subsídios “necessários” ao nos privar voluntariamente de tecnologias bem estabelecidas, apenas para substituir infraestrutura existente por outra de baixo carbono ou Net Zero. As leis Net Zero estão parecendo uma forma de auto sacrifício econômico. Livrar-se do petróleo e do gás em busca de emissões líquidas zero até 2050 impactaria seriamente os padrões de vida das pessoas no Brasil e globalmente.
Se energia solar ou eólica estão cada vez mais baratas, por que a energia elétrica está cada vez mais cara?
As fontes de energia eólica e solar apresentam baixa densidade de potência e baixa densidade de energia quando comparadas às fontes convencionais, em especial os hidrocarbonetos. Mesmo com os custos declinantes e aparentemente competitivos, os custos de energia elétrica sobem com os custos indiretos destas fontes: subsídios, armazenamento/baterias, expansão da geração térmica para fixar estas energias não despacháveis e intermitentes.
As energias eólica e solar são fontes intermitentes (não funcionam sozinhas) que requerem reforço de combustíveis fósseis ou de baterias. A capacidade de armazenamento necessária para alinhar a geração de energia solar ou eólica é de cerca de até 25% do consumo anual de energia. Quanto mais energia renovável você tem, mais você paga pelos backups.
As energias solar e eólica para substituir 1 GW de energia confiável (despachável gerada pelas fontes convencionais), não precisa apenas de 1 GW de energias renováveis intermitentes. É necessário adicionar o custo de:
outras fontes de backup + as linhas de energia capazes de transportar essa potência máxima extra + a usina de gás ou carvão de backup de 1 GW +
as linhas de energia dessa usina de backup + substituindo os dois itens anteriores por baterias caras.
Portanto, para substituir 1 GW de energia confiável, você precisa de 3 a 6 GW de energia solar ou eólica, além de um backup de 1 GW de gás ou carvão. Se a meta for líquida zero, precisamos de 72 GWh a 168 GWh de armazenamento de energia para resolver o grande problema da intermitência.
A Tarifa média residencial ponderada pelo mercado brasileiro (não incluído o impacto das bandeiras tarifárias () é de: R$ 740/MWh (US$ 133,09 MWh) ()
O custo de armazenamento de energia elétrica com baterias em grandes instalações de serviço público custa entre R$ 945,25/MWh a R$ 1.957,23/MWh (US$ 170/MWh a US$ 352/MWh) e em escala residencial entre R$ 2.073,99/MWh e R$ 6.121,89/MWh (US$ 373 a US$ 1.101/MWh) dependendo da tecnologia e da escala de armazenamento.
Quando as redes elétricas começaram a se desestabilizar sob geração intermitente excessiva, alguns países perceberam que precisavam voltar à prancheta e planejar o uso de soluções limpas, comprovadas e confiáveis, como hidrelétricas, nucleares e geotérmicas. Outros adicionaram baterias com a esperança de que isso resolveria o problema, apenas para descobrir que os preços ao usuário final subiram ainda mais.
Nenhum país jamais reduziu as contas de eletricidade com fontes de energia intermitentes. A única solução comprovada por décadas em países com as pegadas de carbono mais baixas, como França, Islândia, Noruega ou Suécia, são fontes limpas e confiáveis, como hidrelétricas, nucleares e geotérmicas.
Aqui temos um paradoxo: se é mais caro, não pode ser considerado sustentável.
Qualidade de Vida
As pessoas (incluindo nós brasileiros) querem um certo nível de prosperidade e isso, assim como qualidade de vida, é fundamental para o ser humano. Existem milhões de pessoas que vivem vidas “sustentáveis”, com baixas emissões de GEE, porque estão morrendo de fome. Elas desejam e merecem provisões adequadas de alimento, moradia, educação, oportunidades econômicas, direitos políticos e humanos. Não há como ser contra a tecnologia, a urbanidade ou a inovação.
O fornecimento de energia elétrica, bem indispensável à sadia qualidade de vida e, pronta para as necessidades atuais e futuras em condições e quantidade que os consumidores desejam e merecem, exige um comprometimento cada vez maior com a inovação e a competitividade não só econômica, mas também socioambiental.
Para um mundo melhor, mais consciente e solidário, mais do que aparecer com soluções emocionalmente defensáveis, é importante ser sustentável e socioambientalmente responsável, tendo por objeto iniciativas cuja efetividade seja inquestionável. É preocupante a facilidade com que a maior parte das pessoas adere de forma acrítica, aceitando o papel menos nobre de uma democracia, a de se comportar como massa de manobra. Com o progresso da Ciência, a mente humana está livre para investigar, questionar, e se necessário invalidar aquilo que não puder ser comprovado, ou que não apresente um mínimo de coerência. Realidade, e não palavras.
Como consumidores precisamos considerar nas nossas escolhas (consumo consciente, a redução, o reuso e a reciclagem) a demanda indireta ou oculta de recursos naturais, com destaque sobre os não-renováveis. Ou seja, considerar a energia (incluindo a elétrica), a água, os recursos minerais, os transportes e os processos produtivos e seus impactos no meio ambiente, bem como resíduos gerados ao longo do processo produtivo para orientar as nossas decisões de consumo em todos os produtos, bens e serviços que adquirimos.
Para atender à demanda global por eletricidade, enormes extensões florestais, áreas selvagens e áreas agricultáveis precisarão ser convertidas em parques solares e eólicos. É impossível resolver a crise climática sem agravar seriamente a crise ambiental considerando a implementação das premissas do Net Zero (Neutralidade de carbono).
O equilíbrio ambiental é dinâmico, indeterminado e difuso – intrinsecamente conflituoso. A legislação ambiental vigente é numerosa (cerca de 200.000 diplomas, atualmente) (), esparsa e nem sempre atualizada. As normas ambientais são desproporcionais, isto é, não é qualquer um que pode tratar do tema sem especialização.
Práticas que parecem melhorar a qualidade de vida em curto prazo podem conduzir a colapsos desastrosos em longo prazo, é uma questão de ordem tecnológica e econômica, não ideológica.
Vivemos um paradoxo: a evolução tecnológica está aumentando a nossa dependência e uso da energia elétrica. Mesmo com programas intensivos de eficiência energética o consumo per capita de eletricidade está crescendo. E particularmente as inovações tecnológicas na área de tecnologia da informação estão aumentando a nossa dependência da energia elétrica. Destaque para os data centers, Inteligência Artificial, Cloud (computação em nuvem) e setor bancário com as criptomoedas. São verdadeiros devoradores de energia elétrica.
Partindo da crença midiática de que tudo pode ser feito, o limite é nossa imaginação, o fornecimento de energia elétrica, bem indispensável à sadia qualidade de vida, exige um comprometimento cada vez maior com a inovação e a competitividade não só econômica, mas também socioambiental. Exige cada vez mais tecnologia, novos modos de geração e distribuição de conhecimento, diversidade tecnológica e aumento da capacidade de observação e aprendizado sobre impactos socioambientais para a transição energética e da economia circular.
Satisfazer as necessidades básicas, elevar o nível da vida de todos, obter ecossistemas melhor protegidos e gerenciados e construir um futuro mais próspero e seguro, onde riqueza econômica – sem ela é impossível investir em preservação ambiental – e melhoramento do planeta são faces da mesma moeda, onde a vida humana é o maior tesouro.
Princípios-chave da transição justa
Participação, diálogo e controle social:
A transição justa pressupõe a participação de todos os atores relevantes (stakeholders – partes interessadas), incluindo governos, empresas, consumidores, contribuintes, sindicatos, organizações da sociedade civil, organizações não governamentais, comunidades e trabalhadores.
Justiça social e ambiental:
A transição justa para uma economia de baixo carbono deve ser feita de forma que não agrave as desigualdades sociais e ambientais, mas que, as reduza. “Nunca se esqueça desta regra fundamental: o vento e a luz do sol são limpos, renováveis e sustentáveis. No entanto, aproveitar essas fontes de energia não confiáveis e dependentes do clima para alimentar as economias modernas requer milhões de toneladas de metais e minerais extraídos de bilhões de toneladas de minérios, principalmente usando processos sujos e poluentes em países que estão convenientemente fora da vista e da mente.” (Paul Driessen)
Criação de empregos:
A transição para uma economia de baixo carbono deve criar novos empregos e oportunidades, especialmente em setores como energia renovável, transporte sustentável e economia circular, os chamados “empregos verdes”.
A realidade dos ‘empregos verdes’: ()
- Não existe uma definição consistente de “emprego verde”;
- A maioria dos empregos em empresas que produzem produtos ou serviços verdes não são “verdes”. Por exemplo, em uma fábrica de biodiesel há poucos ou nenhum emprego verde clássico. Em vez disso, o perfil do trabalho reflete o de uma fábrica típica com vários empregos para Montadores, Maquinistas, Engenheiros, Inspetores, Operários, Escriturários etc. No entanto, estes são empregos verdes devido ao produto que está sendo produzido;
- Mesmo para ocupações verdes certificáveis, na próxima década a maioria das vagas anuais geradas pela economia verde não será para os tipos de empregos verdes glamorosos que são os mais divulgados e badalados; por exemplo, Técnico Agropecuário, Engº Ambiental etc.;
- A maioria das pessoas nesses empregos não percebe que deve seu sustento à economia verde;
- A maioria dos empregos verdes não são atraentes ou bem pagos;
- Os salários dos empregos verdes não são superiores à média.
Suporte aos trabalhadores:
Os trabalhadores que estão envolvidos em atividades que precisam ser reduzidas ou substituídas devem ter acesso a programas de reciclagem profissional, apoio financeiro e outras formas de apoio para que possam encontrar novas oportunidades de emprego. Milhares de empregos são diretamente afetados na transição energética: nas indústrias extrativas, indústrias intensivas em energia, na indústria automotiva e manufatura tradicionais, como siderurgia e produtos químicos. “É fácil dizer que precisamos alcançar metas climáticas ambiciosas até 2050 e 2030. Mas a estratégia industrial deve dar a resposta sobre ‘como’ vamos chegar lá. E, no momento, ainda não temos essas respostas. As políticas climáticas só vão dar certo se você puder vendê-las para a opinião pública, se você puder fazer isso sem perturbação social nas indústrias e nas regiões em questão”. (Luc Triangle)
A fabricação de VEs – Veículos Elétricos provavelmente significará menos empregos automotivos: um dos motivos é que os VEs têm muito menos peças e são mais simples de construir, portanto, exigem menos trabalhadores e muitas vezes só precisam de um novo módulo de bateria de US$ 6.000. Outra é que a fabricação de baterias é facilmente automatizada.
Empregos subsidiados em eletricidade verde mataram 6 vezes mais empregos na economia real: conforme experiência no Reino Unido há muitos custos ocultos para energias renováveis. Eletricidade cara leva a menor produtividade e menor crescimento econômico. A produtividade do setor de energia elétrica vem caindo com o avanço das energias verdes. Muitos dos empregos no setor de energia renovável intermitente são empregos subsidiados (pelo contribuinte). Em outras palavras, a perda em indústrias altamente produtivas foi cerca de seis vezes maior do que o ganho na produção de eletricidade subsidiada. É difícil acreditar que subsidiar empregos na produção primária de eletricidade em detrimento de empregos altamente produtivos no setor privado seja bom para a saúde da economia a longo (ou até mesmo médio) prazo. ()
Robôs de instalação de painéis solares: é crescente o processo de automação e utilização de robôs. O Terafab (https://www.terabase.energy/) é um sistema digital automatizado com robôs que constroem fazendas solares em escala de utilidade pública, e seus criadores afirmam que é capaz de dobrar a produtividade da instalação e reduzir custos. Robôs de instalação de painéis solares podem operar “24 horas por dia, 7 dias por semana” em uma linha de montagem automatizada no local da fazenda solar. O sistema usa braços robóticos que levantam e conectam painéis solares a rastreadores. O sistema também apresenta um gêmeo digital (ou seja, um modelo virtual do local da fazenda solar), sistemas de gerenciamento de logística e um centro de comando digital sem fio no local.
Proteção das comunidades:
As comunidades que são mais afetadas pela transição devem ter acesso a apoio e recursos para lidar com as mudanças sociais e econômicas que estão ocorrendo.
Exportamos grande quantidade de bens, principalmente commodities agrícolas e minerais (minério de ferro, soja, óleos brutos de petróleo, açúcar, carne bovina, farelos de soja, óleos combustíveis de petróleo, carnes de aves e celulose são os principais produtos exportados), além de “terras raras” essenciais para a transição energética, para todo o mundo – a maior parte deles com baixo valor agregado – enquanto guardamos os resíduos e a degradação ambiental para nós. Isto significou mais perda da cobertura vegetal, mais contaminação, mais gastos em saúde e uma conta energética maior.
O esforço para chegar ao zero líquido criou uma oportunidade de rent-seeking (processo de tentar obter vantagens económicas através da manipulação do ambiente político e social, em vez de através da criação de valor ou da melhoria da produtividade) como nenhuma outra. Ocorre quando um agente privado busca garantir seus interesses econômicos manipulando a seu favor decisões públicas, por meio de lobbys e até mesmo corrupção. Benefícios podem vir de empréstimos subsidiados, taxas para importação maiores para bens estrangeiros, ou até mesmo de contratos com valor superfaturados.
O medo da globalização, cadeias de suprimentos frágeis (como aconteceu na crise do COVID) e segurança nacional criaram um impulso para reconstruir bases industriais onde elas foram esvaziadas. A indústria no Brasil já representou 35,9 % do PIB (1985) contra os atuais 11 % (2023). A autossuficiência e o protecionismo voltaram à moda.
Mas há pouco a comemorar sobre as guerras de subsídios em curso na proteção das comunidades afetadas. Elas podem criar o pior tipo de capitalismo de compadrio e restringir o livre comércio globalmente.
Engajamento dos diferentes atores:
É importante que os diversos atores envolvidos na transição, como governos, empresas, consumidores, contribuintes e trabalhadores, se engajem em um diálogo construtivo e que trabalhem juntos para criar uma transição justa e equitativa. Consumidores, contribuintes e trabalhadores não raros são as mesmas pessoas, mas a alocação de custos e distribuição dos benefícios não são necessariamente simétricos, o que implica em potencial injustiça social das comunidades afetadas.
Como esperar que abandonemos os combustíveis fósseis quando os países ricos não chegaram nem perto de fazê-lo? Com a guerra na Ucrânia e seus impactos na segurança energética mundial, os países estão desacelerando suas políticas Net Zero ou mesmo abandonando-as em defesa da segurança energética. Os formuladores de políticas estão começando a compreender a enorme dificuldade de substituir até mesmo uma parcela de apenas 10% dos hidrocarbonetos globais – a parcela fornecida pela Rússia – não importa a impossibilidade de tentar substituir todo o uso de hidrocarbonetos pela sociedade por biocombustíveis, energia solar, eólica e tecnologias de bateria.
Em um mundo que aparentemente está ficando mais quente e mais frio (extremos climáticos) por causa do aquecimento global, é um desafio confiar cada vez mais em eletricidade não despachável (ou seja, intermitente, geralmente indisponível), dependente do clima de usinas eólicas e solares para substituir, não apenas suplementar, despachável (isto é, carga básica, quase sempre disponível) carvão, gás e energia nuclear. Em outras palavras, se nosso clima está se tornando menos previsível, como é que uma economia de consumo como a nossa pode depender previsivelmente de recursos dependentes do clima?
“O enfraquecimento do interesse dos investidores em energia limpa se deve a metas ilusórias, altos custos e falta de financiamento. Os motivos para essa atitude dos investidores são a incapacidade das empresas da economia verde de atingir seus objetivos no prazo, inclusive devido ao aumento de custos, atrasos na emissão de empréstimos governamentais e a falta de disponibilidade de novos financiamentos” (Igor Sechin, Rosneft)
“Emissão zero até 2050 é impossível” – Kemi Badenoch, líder conservadora abandona apoio à meta “irrealista”, dizendo que ela não pode ser alcançada sem levar a Grã-Bretanha à falência.
“O sonho de uma ordem mundial cooperativa está cada vez mais distante, substituído por uma era de competição geoestratégica implacável… Um sintoma de um cenário global marcado pelo esgotamento de ideologias hegemônicas, como a Woke, e pela crescente desconfiança nas instituições tradicionais… De um lado, países que mais desmataram historicamente apontarão o dedo para o Brasil como vilão ambiental. Do outro, o Brasil, reduzido ao papel de “mendigo estatal”, implorará por recursos internacionais com a promessa de manter seu desenvolvimento estagnado, perpetuando o papel de “fazenda do mundo” e fornecedor de minerais para as economias europeias.” ()
Conclusões
A transição justa é um processo complexo e multifacetado que exige a cooperação de diversos atores e a implementação de políticas públicas que garantam a equidade, a justiça social e a proteção dos trabalhadores e comunidades mais vulneráveis, sem deixar ninguém para trás.
Cada vez mais países passaram a adotar os princípios da transição justa em seus planos e políticas climáticas nacionais. A necessidade de igualdade, inclusão e sustentabilidade, são imperativas na busca de soluções que devem ser eficazes na redução das emissões, mas também viáveis economicamente e socialmente.
Olhar para o futuro requer pelo menos o entendimento qualitativo e quantitativo básico do que estamos lidando e de onde viemos.
Mais do que parecer, é importante ser sustentável e socioambientalmente responsável, tendo por objetivo iniciativas cuja efetividade sejam inquestionáveis, mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV). As empresas que usam termos como ‘verde’, ‘amiga do meio ambiente’ ou ‘sustentável’ devem apoiá-los com relatórios científicos, endossos ecologicamente corretos, informações transparentes da cadeia de suprimento e certificação respeitável de terceiros ou outras formas de evidência.
A fé sem obras está morta. Igualmente, a governança ambiental, social e corporativa (ESG) exige estratégias, decisões racionais e posições emocionalmente sustentáveis e moralmente defensáveis que sejam tecnicamente viáveis, economicamente acessíveis e socialmente aprimoradas. As ações serão mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV) se o suporte às políticas públicas de transição energética forem mensuráveis, reportáveis e verificáveis.
O que nós somos nos controla, e ecoa tão alto, que as partes interessadas (stakeholders) não conseguem ouvir o que nós dizemos ao contrário. Para o aprimoramento das práticas empresariais e das políticas públicas o silêncio dos benefícios irrelevantes e inoportunos de nossas práticas de bluewashing, greenwashing, climatewashing e socialwashing são, às vezes, mais eloquentes que os discursos e relatórios fantásticos (e fantasiosos).
Exige um comprometimento cada vez maior com a inovação e a competitividade não só econômica, mas também socioambiental. Precisamos de mais tecnologia (muito mais mesmo, um choque tecnológico), de novos modos de geração e distribuição de conhecimento, de regulação flexível, diversidade tecnológica, e aumento da capacidade de observação e aprendizado sobre impactos socioambientais das novas tecnologias para a transição energética e da economia circular.
Nossa opinião pessoal não muda a realidade dos fatos” A opinião pessoal é uma interpretação subjetiva de um acontecimento, enquanto os fatos são acontecimentos objetivos, com provas e embasamento. Embora as opiniões possam variar de pessoa para pessoa, os fatos permanecem inabaláveis, independentemente de como são interpretados.
Na transição energética estamos investindo em tecnologias certamente menos eficientes na produção de energia (eólica e solar) e menos confiáveis em entregá-la quando necessário, esperando que algo apareça para ajudar e, ao mesmo tempo, impondo, ou prometendo, restrições às escolhas de estilo de vida para lidar com as consequências (gerenciamento da demanda = racionamento).
Aqui convivem cada um ao seu modo, com conflituosidade intrínseca, mutabilidade temporal e espacial, na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida: ecologistas, ambientalistas radicais, românticos, aquecimentistas, céticos, realistas climáticos, ecocentristas, wokes, capitalistas verdes, conservacionistas, ecossocialistas, biocentristas e os devotos da reza brava do capim de ribanceira. Porém, conforme afirmou Willian Shakespeare “os homens podem, porém, interpretar coisas ao seu modo. Livres da finalidade da coisa propriamente dita.”
A legislação ambiental trata de direitos difusos, já que o meio ambiente pertence a todos e a ninguém em particular, apresentando: meta(trans)individualidade, conflituosidade intrínseca, mutabilidade temporal e espacial. Os atos de licenciamento ambiental e outorga do direito de uso dos recursos hídricos são precários. As demandas ambientais são cada vez mais complexas e caras. A atual legislação ambiental garante tudo para garantir absolutamente nada.
Para os ecocentristas radicais a geração de energia elétrica sempre degrada o meio ambiente, independentemente do tipo de fonte. Não importa os inúmeros programas e medidas de controle adotadas. Os impactos ambientais que não puderem ser totalmente eliminados serão impactos residuais sem significação relevante e/ou que estão dentro dos limites permitidos pela legislação ambiental, que concilia o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente, ambos de vital importância para a sadia qualidade de vida da população. No conceito de sustentabilidade, a energia mais ecoeficiente é a que não consumimos. Ao consumir energia de qualquer tipo de fonte, sempre haverá impactos socioambientais negativos.
“Querer não é poder. Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder. Quem quer nunca há-de poder, porque se perde em querer.” (Fernando Pessoa) Esta frase significa que apenas querer algo não é suficiente para consegui-lo. É preciso ter a capacidade, os meios incluindo autoridade para realizar aquilo que se deseja, no caso a transição energética justa. É uma constatação sobre a diferença entre o desejo e a possibilidade de concretizá-lo.
Considerando todos os paradoxos da transição energética justa, como definiria seu senso de justiça social? Como a igualdade de direitos e a solidariedade podem construir um mundo mais justo e sustentável? O que seria ser justo na transição energética? Parafraseando Mahatma Gandhi (“A verdade nunca prejudica uma causa que é justa”):
A verdade nunca prejudica uma causa que é digna: a transição energética justa!
Os autores:
Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, foi Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil e atual Diretor Meio Ambiente e Relações Institucionais da SAM Metais. Membro do Ibrades, Abdem, Adimin, Alagro, Sucesu, CEMA e CEP&G/ FIEMG e articulista do Canal direitoambiental.com.
Decio Michellis Jr. – Licenciado em Eletrotécnica, com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura, extensão em Gestão de Recursos de Defesa e extensão em Direito da Energia Elétrica, é Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.
LinkedIn Decio Michellis Jr.
Autor de 27 e-books e coautor de 23 e-books. As 24 publicações mais relevantes estão disponíveis para download gratuito em:
https://independent.academia.edu/DecioMichellisJunior
Bibliografia
Resumo das bandeiras tarifárias e seus custos:
Bandeira Verde: Sem custo adicional.
Bandeira Amarela R$ 18,85 por MWh
Bandeira Vermelha – Patamar 1 R$ 44,63 por MWh
Bandeira Vermelha – Patamar 2 R$ 78,77 por
MWh
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Fonte PDF: Paradoxos da Transição Energética Justa