por Luciana Gil Ferreira e Patrícia Mendanha Dias.
A responsabilidade civil por dano ambiental se respalda na premissa básica de que as condenações judiciais desta natureza demandam a identificação do ato causador de dano, do prejuízo ocasionado ao meio ambiente e do nexo causal entre ato e dano. (art. 14 §1º Lei 6.938/1981 c/c art. 927 Código Civil)
Apesar da necessidade inafastável da caracterização destes pressupostos, a prática mostra a tentativa de excessiva flexibilização sobre a comprovação destes critérios, especialmente no que tange a demonstração sobre o vínculo entre o ato imputado pelo agente e o dano ambiental que se pretende a recuperação.
Esta flexibilização, na maior parte dos casos, é justificada mediante simples remissão à ideia de que no Direito Ambiental aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva pelo risco integral, na qual é descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável. (RESP 1.175.907, Dje 25.09.14)
Com isto, qualquer ato praticado pelo agente – ainda que sem nem vínculo direto com o dano ambiental – é utilizado como fundamento para as imputações de responsabilidade.
Regra geral, nos Tribunais Inferiores, estes pleitos de responsabilidade com flexibilização do nexo causal são fundamentados em precedente até então paradigma sobre a matéria.
Trata-se do Recurso Especial nº 1071741/SP (Dje 16/12/2010) cuja matéria de fundo dizia respeito à co-responsabilização do Estado quando, em consequência de sua omissão no exercício do dever-poder de controle e fiscalização ambiental, danos ao meio ambiente são causados por particular que invadiu Unidade de Conservação de Proteção Integral (Parque Estadual), de propriedade pública.
No voto condutor, o Relator Min. Herman Benjamim afirmava que “para o fim de apuração do nexo de causalidade do dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem”.
Utilizando-se deste trecho do acórdão com referência à ampla gama de agentes co-responsabilizados pelo dano ambiental, os Tribunais Inferiores ampliavam em demasia o liame de causalidade, imputando condenações a agentes cuja conduta não possuía causalidade com o dano implementado ao meio ambiente.
Deste modo, mesmo sem reconhecer expressamente, as condenações desta natureza passaram a analisar o nexo de causalidade sob a luz da teoria da equivalência das condições que, inobstante inaplicável à seara cível, assente com a responsabilidade irrestrita e solidária, vez que atribui a toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano, a qualidade de uma causa capaz de gerar o prejuízo ao meio ambiente.
Este entendimento, inúmeras vezes replicado, somente foi modificado no final do ano passado.
Em nova análise acerca do nexo de causalidade sob o viés das teorias aplicáveis pelo Direito Civil Brasileiro, o STJ se posicionou sobre o tema no célere caso do dano ambiental decorrente da explosão do Navio Vicunã na Bahia de Paranaguá, em 2004. (RESP 1.602.106)
As ações que foram afetadas à sistemática de julgamento de recursos repetitivos, buscavam a indenização por particulares em face das empresas adquirentes da carga transportada pelo Navio Vicuña em razão de danos decorrentes do acidente ambiental.
Em instância recursal, a Segunda Sessão do STJ reformou o acórdão do TJPR e deu provimento a Recurso Especial Repetitivo para afastar a responsabilidade das adquirentes da carga, sob o fundamento da ausência de nexo de causalidade entre a conduta de adquirir a carga e causar o dano ambiental.
No voto condutor, foi reconhecida a inexistência de liame causal entre o dano ambiental e a conduta de adquirir a carga transportada, mediante o reconhecimento de que a reponsabilidade dos adquirentes importaria na aplicação da teoria da equivalência das condições, aceita apenas no âmbito penal.
Por este modo, sobre o liame causal em ações de reponsabilidade ambiental, restou confirmada a incidência da teoria da causalidade adequada ou do dano direto e imediato, prevista no artigo 403 do Código Civil, segundo a qual somente há relação de causalidade adequada quando o ato praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência da vida comum.
A decisão, que marca a mudança paradigmática do STJ sobre a matéria, por se tratar de precedente de observância obrigatória (art. 927, III do CPC), deve ser observada pelos Tribunais Inferiores para que, sem prejuízo de se valerem da efetivação dos princípios do Direito Ambiental, somente admitam a responsabilização daqueles que efetivamente praticaram o ato causador do dano, sob pena de se vulnerar toda a sistemática de responsabilidade civil do Direito Brasileiro.
Com isto, espera-se que os pleitos de responsabilidade por dano ambiental e as decisões judiciais respectivas passem a observar que é ilegítima a tentativa de se buscar o “pagador” pelos prejuízos causados à qualidade ambiental quando não há comprovação dos requisitos de configuração da responsabilidade civil e, mormente, se não há causalidade adequada entre o ato do agente e o dano que se pretende a recuperação.
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