sexta-feira , 10 outubro 2025
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O animal único no mundo encontrado por acaso em uma rua do Rio Grande do Sul

O animal foi confirmado como o primeiro híbrido viável – e talvez o último – entre um cão doméstico e uma raposa-dos-pampas

Animal único no mundo foi descoberto “por acaso” no Rio Grande do Sul

O que parecia ser apenas mais um caso de um animal atropelado no interior do Rio Grande do Sul acabou se transformando em uma descoberta rara que foi parar em jornais e revistas do mundo todo.

Em 2021, um animal com aparência de cachorro foi resgatado por moradores e levado a um centro de reabilitação após ser atingido por um carro. O que ninguém sabia é que aquele animal não era exatamente um cão.

Com orelhas longas e pontudas, comportamento arisco e um gosto peculiar por caçar pequenos roedores, os veterinários logo perceberam que tinha alguma coisa estranha.

A fêmea latia como um cachorro, mas subia em arbustos como uma raposa-dos-pampas. Diante de tantas contradições, os especialistas decidiram investigar mais a fundo e acabaram diante de um mistério evolutivo.

O que era o animal único no mundo?
O animal foi confirmado como o primeiro híbrido viável entre um cão doméstico e uma raposa-dos-pampas (Lycalopex gymnocercus). Ele recebeu o nome de “Dogxim” ou “Graxorra”, uma junção das palavras “dog” (cachorro) e “graxaim-do-campo”, como é chamada a raposa-dos-pampas.

Mesmo que tenha sido descoberto em 2021, um estudo sobre o caso só foi publicado em 2023 por pesquisadores das universidades federais do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Pelotas (UFPel), atraindo a atenção da comunidade científica internacional.

O animal foi confirmado como o primeiro híbrido viável entre um cão doméstico e uma raposa-dos-pampas

“Que estranha fera híbrida!”, reagiu o biólogo norte-americano Roland Kays, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, ao comentar o estudo no X (antigo Twitter). Ele destacou que cães e raposas pertencem a gêneros diferentes – Canis e Lycalopex -, separados por cerca de 6,7 milhões de anos de evolução.

O geneticista Loren Rieseberg, da Universidade da Colúmbia Britânica, “traduziu” a raridade da espécie para leigos : “É como se humanos produzissem um híbrido viável com chimpanzés.”

O estudo com base no DNA da Dogxim
Para provar que Dogxim era, de fato, um híbrido, os geneticistas Thales Renato Ochotorena de Freitas (UFRGS) e Rafael Kretschmer (UFPel) analisaram o DNA e o número de cromossomos do animal.

Cães domésticos possuem 78 cromossomos, enquanto as raposas-dos-pampas têm 74. Dogxim apresentava 76 cromossomos, um número intermediário que já indicava a mistura genética.

A grachorra foi submetida a vários exames para pesquisa

Ao examinar o DNA mitocondrial, os cientistas descobriram que a mãe era uma raposa-dos-pampas. Já o DNA nuclear, herdado de ambos os pais, revelou uma combinação de sequências genéticas de cão e raposa.

“Essa foi a primeira evidência concreta de hibridização entre essas duas espécies”, afirmou Kretschmer.

Durante os seis meses de análise genética, Dogxim se recuperou dos ferimentos do atropelamento e foi transferida para o Mantenedouro São Braz, uma reserva estadual destinada à reabilitação de animais silvestres.

Como uma raposa cruzou com um cachorro?
Para os pesquisadores, a origem do Dogxim está ligada às transformações ambientais nas planícies do sul do Brasil, onde as raposas-dos-pampas vivem.

O avanço do agronegócio, a expansão urbana e o desmatamento reduziram drasticamente o habitat da espécie, aproximando-a de áreas habitadas por cães domésticos e, consequentemente, criando “oportunidades” raras de cruzamento.

Para os pesquisadores, a origem do Dogxim está ligada às transformações ambientais nas planícies do sul do Brasil

Segundo a bióloga Bruna Szynwelski, coautora do estudo, o abandono de cães também é um fator preocupante. “Mesmo sendo crime, ainda é comum no Brasil. Muitos cães domésticos e de caça são deixados em áreas rurais, onde passam a circular livremente e interagir com animais silvestres”, explicou à National Geographic.

Essas interações, embora incomuns, podem resultar em híbridos, especialmente quando há sobreposição de territórios e escassez de parceiros da mesma espécie.

Anomalia como um sinal de alerta
Para os pesquisadores, a descoberta da Dogxim é fascinante, mas também preocupante.

O caso levanta questões sobre os efeitos da intervenção humana nos ecossistemas e o impacto das mudanças climáticas sobre o comportamento e a reprodução dos animais.

“Estamos vendo espécies forçadas a se adaptar a ambientes em constante transformação”, destaca Rieseberg. “A hibridização, que antes era rara, pode se tornar mais comum como resposta evolutiva.”

A descoberta da Dogxim é fascinante, mas também preocupante

Ainda assim, os cientistas não acreditam que híbridos como Dogxim se tornem frequentes.

De acordo com Kays, é improvável que novos cruzamentos entre cães e raposas se repitam em larga escala, já que as diferenças genéticas são profundas e podem gerar incompatibilidades fatais.

“É mais provável que certos genes simplesmente não funcionem juntos”, afirma o biólogo.

O que aconteceu com Dogxim?
Apesar de saudável durante boa parte de sua recuperação, Dogxim morreu em 2023, antes da conclusão do estudo. A causa da morte não foi revelada.

A equipe só soube do falecimento meses depois, quando tentou solicitar novas fotos do animal para a publicação científica.

“Ela era única, mas também um lembrete de que nossas ações no meio ambiente estão criando novas formas de vida, algumas que talvez não estivéssemos preparados para ver”, resume Kretschmer.

Autora Gabrielle Tavares


Fonte: ND+

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