por Ronaldo Santos.
Criticado duramente no primeiro ano de sua gestão, o Ministro Ricardo Salles deu recente entrevista no Valor Econômico (08 janeiro) apontando duas medidas que, talvez pela primeira vez, agradem a seus críticos: a concepção de um órgão cuidando da Amazônia, com sede em Manaus, e a priorização da bioeconomia na região (leia aqui a entrevista).
As medidas são acertadas. Aqui farei rápido comentário e algumas singelas sugestões.
Há de se dizer que um órgão que concentra suas ações na região não é novidade no histórico do Ministério. O próprio MMA já teve em seu nome a palavra Amazônia (1993/1999) e já houve uma Secretária de Coordenação da Amazônia – SCA. Há até um pouco falado Conselho Nacional da Amazônia Legal (Conamaz), criado em 1993 e regulamentado em 1995 (vide Decreto nº 1.541, de 27 de junho de 1995).
Mas, o que é novidade é concretizá-lo, com sede física, exatamente lá onde as coisas acontecem. Brasilia está distante dos acontecimentos locais e em tese haveria economia de recursos, mas isso depende de como seria aplicado. Ademais, Manaus está localizada estrategicamente no centro geográfico da Amazônia, abrindo possibilidade de ações e respostas mais rápidas em crises, eventos extremos ou mesmo expedições para locais mais remotos.
Politicamente também é interessante, pois sinaliza com ideia de prioridade. É que o gesto mostra o tamanho e importância do assunto Amazônia para a atual gestão federal.
Para ficarmos num exemplo, recentemente nos Estados Unidos ocorreu algo parecido. O Governo Federal deste país mudou a sede do órgão de manejo de terras federais (BLM – Bureau of Land Management) para o oeste americano, onde estão praticamente todas as glebas administradas pelo governo.
As razões são as mesmas: descentralização e proximidade com o tema. No geral, setores ligados ao setor de terras e ambiente aprovam a medida, com pontuais críticas de sempre.
O que deve cuidar o novo órgão?
Em termos organizacionais o que se espera é um órgão enxuto para buscar a eficiência. Enchê-lo de cargos não necessariamente vai gerar o resultado esperado. Isto porque ele deve cuidar de Políticas e não de executá-las, o que sugere ser um setor executivo. Medida correta é usar os prédios do próprio governo, evitando gastos com aluguel.
A nova estrutura deve se ater aos temas mais urgentes que permeiam a região. Essencialmente as suas competências devem buscar articular questões de floresta, energia, água, ecoturismo e atividades de prevenção e controle do desmatamento, tendo como fim a proteção e o uso econômico. Deve também cuidar da agenda da “economia do carbono (mercado, pagamento por serviços ambientais etc).
A agenda voltada ao controle do desmatamento deve também ser pensada para o órgão. Por isso PPCDAM (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) deve ser ali alocado. Dado a relevância das áreas protegidas na região parece-nos adequado que o órgão tenha poder de apoiar, ainda que na forma consultiva, questões ligadas a este assunto. Por isso o Programa Áreas Protegidas da Amazônia – ARPA, deve fazer parte da nova estrutura.
Hora ideal para alocar em suas competências a revisão/aproveitamento de outros vários estudos e programas efetivados nos últimos 40 anos sobre a região (PAS, PPG7, Poloamazônia, etc). Pelas mesma razões é o momento de incluir em suas funções temas ligados ao setor agropecuário e minerário.
Parece-nos interessante (e lógico) que o Fundo Amazônia passe por decisões deste órgão, sem falar que é obviamente urgente que o mesmo se dedique à gestão do ZEE-Amazonia (ferramenta ainda negligenciada frente ao seu potencial). Por que não se repensar o papel e funcionamento do Conselho Nacional da Amazônia Legal (Conamaz).
Finalmente, deve ser este órgão o que cuidaria da articulação entre o MMA e os governos estaduais no assunto Amazônia. Com pontuais exceções, há pouco diálogo entre os Estados e a União, pois muitas soluções passa também pelos governos locais.
Enfim a Bioeconomia
O Ministro cita adicionalmente a chamada bioeconomia – o aproveitamento do potencial genético para bioprodutos (cosméticos, alimentos e medicamentos). De novo não há inovação na proposta, mas é muito bem vindo que assim pense Salles, e dando certo, ele será lembrado pelo gesto.
Observe-se que é consenso há décadas, em todos os estudos mais sérios, que a rota para o uso mais adequado da Amazonia é a bioeconomia. Há outros nomes para a mesma coisa (Amazônia 4.0, como bem propagando o pesquisador Carlos Nobre), mas é a mesma coisa.
Há milhares de estudos, artigos, teses e livros apontando e mostrando caminho em todo mundo, incluindo o Brasil. Mas ainda desconcentrados e com pouco uso prático e assim ainda engatinhamos. Por isso, as linhas de pesquisa com dinheiro público devem ser focadas para este fim.
Sozinho o MMA não dará conta da empreitada, e assim, deve buscar parceria com outros órgãos do próprio Governo Federal (CNPq, INPA, FioCruz, Museu Emilio Goeld, CBA – Centro de Biotecnologia da Amazônia, entre outros).
Aliás, esta é outra boa razão para se pensar em Manaus para sediar o novo órgão. Na cidade está a sede do CBA, principal modelo de se pensar pesquisa e tecnologia no setor de cosméticos e fármacos oriundos de produtos da floresta.
Deve-se aproveitar para repensar no modelo de incentivos para estes produtos e atração de indústrias do setor. Conversas sobre taxação, incentivos fiscais, desburocratização etc. Reaproveitar ideias como a Zona-Franca verde iniciada no Amazonas, mas que se perdeu.
Articular, de verdade, ciência básica com patentes. Aproveitar o potencial científico – intelectual da região e atrair mais cérebros e, finalmente, investidores do setor empresarial. A agenda da Bioeconomia somente dará certo com a engrenagem ciência-patente-investimento empresarial-mercado. Sem isso, o gigantesco potencial bioindustrial da Amazônia continuará perdido e somente em boas ideias.
Em conclusão, duas pequenas sugestões finais. Há tanta informação produzida sobre o que aqui falamos que talvez valha a pena um consulta pública sobre o texto final. O Ministro afastaria em parte a críticas de centralizador. E, depois de criado, que o órgão lidere um evento para tratar do futuro da bioeconomia na região frente aos interesses brasileiros. Esperamos mais boas notícias para este assunto em 2020.
Veja também:
– Portaria institui o Programa Bioeconomia Brasil
– O que está acontecendo na Amazônia?
– A AMAZÔNIA E O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – APONTAMENTOS DO 3º BATE-PAPO VIRTUAL