por Alexandre Sion e Marcos Abreu Torres.
Diferentemente dos projetos essencialmente particulares, cujo interesse principal pertence ao agente privado, os projetos de intraestrutura transcendem essa esfera e alcançam o setor público e a população em geral, pois geram externalidades positivas, como emprego, renda, tributos e bem-estar, além de preparar terreno para a atração de investimentos e o desenvolvimento socioeconômico.
Em regra, tais projetos sujeitam-se ao licenciamento ambiental, um controle prévio realizado pelos órgãos ambientais competentes, que atesta a viabilidade de sua localização, concepção e operação.
Ocorre que o diagnóstico do licenciamento ambiental no Brasil vai muito mal: todos os atores envolvidos acreditam que o modelo precisa evoluir. Ainda que por motivos diversos, órgãos ambientais, Ministério Público, ONGs, órgãos intervenientes e, especialmente, a iniciativa privada, estão insatisfeitos. É senso comum que um licenciamento ambiental que demora 10, 12, 14 anos para ser concluído é inaceitável. Infelizmente, não estamos falando de casos isolados. O Brasil tem enormes dificuldades de viabilizar a implantação desses projetos – e isso precisa ser enfrentado.
Inúmeros são os fatores que agregam tempero agressivo e cumulativo a esse cenário. E eles vão do modelo estrutural do licenciamento que comporta a atuação de um sem-número de órgãos, ao medo justificado dos agentes públicos em conceder autorizações e licenças ambientais, passando, inclusive, pela inclinação ideológica de cada um dos stakeholders que orienta a forma de encarar o mundo e a economia de mercado.
Poucos discutiriam seriamente um modelo de desenvolvimento que não considere a variável ambiental. Seja pela consciência ecológica, cada vez mais presente na sociedade global, seja por força do que estabelece a nossa Constituição da República, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado e defendê-lo para as presentes e futuras gerações.
Mas, talvez, como sociedade, tenhamos sido tragados pela necessária e importante consciência ecológica e estejamos com dificuldade de enxergar que, assim como tudo na vida, devemos ter a capacidade de ponderar, de atuar com equilíbrio. Nesse ponto, é importante lembrar que a República Federativa do Brasil se fundamenta nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e tem como objetivos declarados o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza.
O grande desafio dos empreendedores e do Poder Público continua sendo, exatamente, equalizar a proteção ao meio ambiente com tais fundamentos e objetivos.
Ocorre que o modelo de licenciamento em vigor não garante a efetivação do desenvolvimento socioeconômico e tampouco a proteção ambiental. Dentre as causas da ineficácia, destaca-se a existência de uma estrutura hostil e insegura para os agentes públicos que, pressionados pelos diversos participantes desse processo, acabam receosos de acusações de improbidade administrativa ou mesmo incriminados com base na Lei de Crimes Ambientais, preferindo “cruzar os braços” em postura defensiva nos licenciamentos de grande complexidade (“dorme tranquilo quem indefere”).
Nesse sentido, a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, recentemente alterada pela Lei 13.655/18, passou a exigir o dolo (vontade consciente de praticar um ato ou assumir o risco de produzi-lo) ou o erro grosseiro como pressupostos para a responsabilização pessoal dos agentes públicos pelos seus atos de natureza técnica em âmbito administrativo; inovação positiva que dará maior segurança ao servidor e, consequentemente, ao processo de licenciamento.
Na mesma linha, o Projeto de Lei 3.729/2004, batizado como Lei Geral do Licenciamento Ambiental, contempla em seu texto a revogação do parágrafo único do art. 67 da Lei 9.605/98, que tipifica a modalidade culposa do crime consistente na outorga de licença ou autorização em desacordo com as normas ambientais. Responsabilizar o agente público que concede uma licença de forma correta, mas não conhece, eventualmente, uma das milhares de normas em matéria ambiental (federais, estaduais e municipais), ou as interpreta de modo diferente dos membros dos órgãos de controle, milita em favor de um sistema paralisante.
Outro gargalo para os empreendimentos de grande porte é a cultura de ver o licenciamento ambiental como uma panaceia que resolverá todas as mazelas sociais e que acaba por envolver assuntos fundiários, históricos, arqueológicos, artísticos, indigenistas e diversas questões não necessariamente relacionadas ao licenciamento ambiental – 80% dos problemas identificados nos licenciamentos do Ibama estão ligados às questões sociais e econômicas, enquanto apenas 20% às questões ecológicas.
Na prática, a intervenção de terceiros no bojo do licenciamento ambiental (FUNAI, Fundação Cultural Palmares, IPHAN, ICMBio, entre outros), na forma como ocorre hoje, implica na paralisação da tramitação dos processos, tendo em vista a insegurança jurídica e a precariedade das estruturas vivenciadas diariamente pelos servidores das entidades intervenientes, que delongam excessivamente as suas manifestações. A autonomia dos órgãos licenciadores é impactada, contribuindo para a ineficácia do sistema como um todo.
É evidente que o licenciamento ambiental precisa ser repensado. Hoje, a necessidade de um modelo mais célere, que viabilize os empreendimentos importantes para o país, sem olvidar a proteção ao meio ambiente, é o único caminho para garantir a concretização dos valores constitucionais da livre iniciativa, erradicação da pobreza e a busca do pleno emprego.
Veja também:
– Gestão ambiental é estrategicamente importante para o desenvolvimento econômico: Burocracia ambiental faz Minas perder R$ 10 bi em um ano (Portal DireitoAmbiental.com, 23/06/2016)
– Licenciamento ambiental eletrônico: Rio Grande do Sul institui e torna obrigatório o Sistema Online de Licenciamento Ambiental – SOL (Portal DireitoAmbiental.com, 10/02/2017)
– O LICENCIAMENTO AMBIENTAL COMO BALIZA E NÃO COMO ENTRAVE (Portal DireitoAmbiental.com, 07/07/2016)
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