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Justiça Federal condena mulher a pagar indenização por criar papagaio em cativeiro

“A 1ª Vara Federal de Santa Rosa (RS) condenou uma mulher ao pagamento de indenização por danos ambientais por ter mantido em cativeiro animal silvestre, um papagaio em cativeiro. Ela criava em casa a ave da espécie Amazona aestiva, conhecida como papagaio verdadeiro. A sentença, proferida na sexta-feira (20/5/2016), é do juiz Rafael Lago Salapata.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ajuizou ação pontuando que a acusada obteve autorização para ficar com o pássaro em outro processo, que ainda não transitou em julgado. Entretanto, o autor defendeu que isso não altera o fato de que ela praticou uma infração ambiental.

E sua defesa, a moradora da cidade gaúcha de Três Passos informou que ganhou o animal de presente quando ainda era adolescente e que, na época, desconhecia os meios para regularizar sua posse. Argumentou também que, em certas regiões do país, é tradição popular manter em casa animais em extinção sem a devida licença ou autorização.

Na análise dos autos, Salapata pontuou que a manutenção do pássaro em cativeiro não teria sido negada pela ré e que ela ainda teria obtido a posse do papagaio em âmbito judicial. Mas, segundo o juiz, a mulher deve ser responsabilizada pela prática de dano ambiental.

‘Tratando-se de responsabilidade objetiva, os motivos que levaram a ré a manter animal em cativeiro ou mesmo as condições em que ele era mantido não possuem o condão de relevar a ilicitude perpetrada, podendo apenas, eventualmente, interferir na fixação do quantum da indenização’, afirmou.  O magistrado destacou ainda que não haveria condições de reingresso da ave à fauna silvestre.

Salapata julgou a ação procedente e condenou a ré ao pagamento de indenização de R$ 4 mil por danos ambientais. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região”.

Fonte: JFRS, 24/05/2016.

Direito Ambiental - papagaio em cativeiro

Confira a íntegra da decisão:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5001587-90.2015.4.04.7115/RS

AUTOR: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA

RÉU: LAIS DE QUEVEDO CANEZ

ADVOGADO: JUAREZ ANTONIO DA SILVA

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

SENTENÇA

Vistos em inspeção.

Trata-se de ação civil pública ambiental ajuizada pelo  INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA em desfavor deLAÍS DE QUEVEDO CANEZ na qual postula a condenação da última ao pagamento de indenização por danos ao meio ambiente, por ter mantido em cativeiro aimal da espécie Amazona aestiva(papagaio verdadeiro), fato descortinado em diligência realizada por equipe de fiscalização. Narra que no âmbito da ação judicial n. 5001285-32.2013.4.04.7115, ainda não transitada em julgado, a requerida obteve autorização para manter-se na posse da ave, o que não altera o fato de que praticou infração ambiental, tal como formalizado em auto de infração. Sugere que diante da inexistência de parâmetros para fixação do quantum compensatório, o mesmo deva ser fixado com base no valor da multa aplicada no âmbito administrativo, acrescido de importância correspondente ao respectivo anilhamento do animal.

A requerida ofertou contestação (evento 10), alegando que o ordenamento jurídico não estabelece a obrigatoriedade de manter o meio ambiente intocado, além do que, o animal descrito na inicial foi um presente recebido quando ainda era adolescente, época em que desconhecia meios de regularização de sua posse – o que acabou sendo providenciado posteriormente, mediante ação judicial. Lembrou que a guarda doméstica de animais em extinção sem a devida licença ou autorização é tradição popular em certas regiões do país, discorrendo sobre a possibilidade de revisão judicial de multas administrativas desproporcionais ou desarrazoadas. Salientou que não se está diante de dano ambiental de grande monta, bem como que foi importunada em seu ambiente de trabalho pelos agentes do requerente, o que lhe causou toda sorte de aborrecimentos. Aduziu ainda que se encontra em situação de vulnerabilidade econômica, já que é advogada em início de carreira, reclamando a adoção de critérios de equidade na fixação do valor em pauta. Lembra, por fim, que o animal em pauta não é espécie em extinção, requerendo a redução do valor pleiteado na inicial, caso não seja reconhecida a improcedência do pedido.

A parte autora ofertou réplica (evento 14) rebatendo os argumentos declinados na contestação e esclarecendo, em especial, que a responsabilidade da autora é objetiva, lastreando-se na teoria do risco integral. Lembrou que as condições de posse do animal aludido na inicial não são discutidas no presente feito, assim como também não são discutidos os critérios de fixação do valor da multa imposta à demandada. Sustentou que os juros de mora devem incidir sobre o valor da indenização e calculados desde a ocorrência do fato danoso.

Finalmente, o Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência do pedido, tendo os autos vindo posteriormente à conclusão para julgamento antecipado.

É o relatório. Decido.

É cediço que a Constituição Federal impõe a todos – inclusive ao Poder Público – o dever de defender e preservar o meio ambiente, cumprindo ainda salientar que ao autor de conduta ou atividade lesiva ambiental é imposta  a responsabilização objetiva pela recuperação dos danos causados, além da sujeição a sanções penais e administrativas, conforme se extrai das transcrições:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

(…)

§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A repressão aos danos ambientais, a propósito, foi incorporada à legislação infraconstitucional, conforme delineado pela Lei n. 6.938/81, esta que regula a Política Nacional do Meio Ambiente, nos seguintes termos:

Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(…)

VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas á sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;

VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. (grifou-se)

Sob tal enfoque, a presente ação civil pública foi ajuizada pelo IBAMA em desfavor da autora para ressarcimento de danos ambientais por ela causados, consistentes na manutenção em cativeiro de animal silvestre da espécie Amazona aestiva (papagaio verdadeiro).

A manutenção do animal em cativeiro não foi negada pela autora, tanto que sua posse acabou sendo deferida em favor da mesma, no âmbito da ação judicial n. 5001285-32.2013.4.04.7115.

Os fatos que consubstanciam o pedido, portanto, são incontroversos.

Em sua defesa, entretanto, a autora salienta que a ave lhe foi dada como presente, bem como que a mantinha há anos em sua posse, tanto que a situação foi regularizada judicialmente. Além disso, aponta que é comum nesta região do país manterem-se animais de tal espécie em cativeiro como animais de estimação, bem como que o valor da multa que lhe foi imposta revela-se desproporcional em relação ao dano causado.

No que toca à responsabilização da autora pela prática de dano ambiental, razão assiste ao IBAMA.

O art. 3º da Lei nº 7.347/85 realmente estabelece que a prática de atos causadores de danos ao meio ambiente impõe ao responsável condenação à obrigação de fazer ou não fazer ou ao pagamento de indenização. Tratando-se de responsabilidade objetiva, os motivos que levaram a ré a manter animal em cativeiro ou mesmo as condições em que ele era mantido não possuem o condão de relevar a ilicitude perpetrada, podendo apenas, eventualmente, interferir na fixação do quantum da indenização.

Sob tal enfoque, não havendo condições de reingresso do animal à fauna silvestre, a última forma de ressarcimento ambiental se impõe – esta que, como adiantado acima, não se confunde com as sanções administrativas ou criminais previstas na legislação de regência (com o que não se mostram relevantes ao deslinde do feito discussões a respeito da proporcionalidade ou razoabilidade da multa administrativa imposta pelo IBAMA à demandada).

Acerca da matéria, confiram-se as transcrições:

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. JUNTADA DO VOTO VENCEDOR. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA DE OMISSÃO. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DO POLIDUTO ‘OLAPA’. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA. APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE DIREITO FIRMADAS NO RESP 1.114.398/PR (JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC). INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO.

1. O STJ sedimentou entendimento de que não há obrigatoriedade de publicação do voto divergente em hipóteses nas quais não sejam admitidos embargos infringentes, mesmo porque tal lacuna não causa quaisquer prejuízos à parte recorrente.

2. No caso, a premissa vencedora do acórdão é a de que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, tendo por pressuposto a existência de atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato que é fonte da obrigação de indenizar, de modo que, aquele que explora a atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela, por isso descabe a invocação, pelo responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil e, portante, irrelevante a discussão acerca da ausência de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro ou pela ocorrência de força maior.

3. Embargos de declaração rejeitados, com imposição de multa de 1% sobre o valor da causa.

(EDcl no REsp 1346430/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/02/2013, DJe 14/02/2013)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. MATA ATLÂNTICA. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. REPOSIÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO. ESPÉCIE EM EXTINÇÃO. “ARAUCÁRIA AUGUSTIFÓLIA”.

1. A punição pela infração ambiental não se limita exclusivamente a fazê-la cessar, mas, acima de tudo, impor ao infrator a obrigação de repará-la e pagar indenização compatível e proporcional ao dano causado ao ambiente e, em última análise, à coletividade, que deve ser destinada ao Fundo de Bens Lesados a que alude o art. 13 da Lei 7.347/85 e apurada em fase de liquidação de sentença.

2. O desmatamento em face de espécies ameaçadas de extinção, como a Araucária Augustifólia, afasta a incidência do inciso III do art. 23 da Lei 11.428/06, nos termos do art. 11, I, “a”, do mesmo diploma legal (AC nº 5000622-18.2010.404.7203/SC, Rel. Des. Fed. Jorge Antônio Maurique, julg. 31/07/2012, D.E. 02/03/2012).

Sob tal enfoque, comprovado o nexo causal entre a atividade da autora (manutenção de animal silvestre em cativeiro) e o dano causado (em decorrência da retirada do animal silvestre de seu ecossistema natural), impõe-se a condenação pretendida.

Do valor da indenização

Para fixação da indenização do dano ao meio ambiente cumpre ao julgador, com base nos princípios que informam a atividade jurisdicional, fixar importância que esteja em conformidade com os princípios regentes do direito ambiental, especialmente  da recuperação, prevenção, precaução, responsabilidade e poluidor-pagador.

Neste particular, convém ponderar que o animal mantido em cativeiro pela requerida não era, em princípio, submetido a maus tratos, nem mantido em local insalubre. Além disso, sua posse não se direcionava à comercialização, com o que, o fato não se reveste de gravidade acentuada. Por outro lado, o valor da indenização não pode ser irrisório, considerando-se que também se reveste de caráter pedagógico, devendo cumprir também a função social preventiva de novas ocorrências semelhantes.

Diante desse quadro, levando em consideração especialmente a condição financeira da ré, o tipo e a extensão do dano ambiental, também considerando precedentes advindos do egrégio TRF da 4a Região, entendo que o valor a ser pago  a título de indenização pelos danos causados à fauna deve ser fixado em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a ser revertido em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85.

Da correção monetária e dos juros de mora

A correção monetária deverá ser calculada com base na variação do IPCA-E/IBGE, a partir da data da presente sentença, nos termos da Súmula n.º 362 do Superior Tribunal de Justiça (A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento).

No que concerne aos juros, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês. Observando-se a Súmula n.º 54 do STJ, por se tratar de ato ilícito, incidem os juros a partir de 13/11/2014, data do protesto indevido.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, paracondenar a requerida ao pagamento de indenização por danos ambientais, no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a ser revertido em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85.

A importância deverá ser atualizada e acrescida de juros de mora, nos termos da fundamentação.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios do patrono da parte autora, calculados no percentual de 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Novo Código de Processo Civil, a ser calculado sobre o valor da condenação. Em razão da AJG, as verbas permanecerão suspensas até eventual alteração na condição financeira da requerida. 


Documento eletrônico assinado por RAFAEL LAGO SALAPATA, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 710002097454v25 e do código CRC 8a0e70a0.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RAFAEL LAGO SALAPATA
Data e Hora: 20/05/2016 18:28:23

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