por Ronaldo Pereira Santos.
Continuamos a refletir os efeitos “pós-pandemia” para o futuro. Já discutimos o papel da agropecuária e política ambiental na Amazônia (“Pensando no pós-pandemia: a atual Política Ambiental ajuda ou atrapalha?). Abrimos espaço a outro tema especialmente “quente”: o chamado “tele trabalho” (home-office, como se diz na gíria “gringa”).
Diversos pontos merecem reflexão: da produtividade às questões legais, da saúde e bem estar do trabalhador à competitividade das corporações, das questões éticas à educação à distância, a infraestrutura e a qualidade da internet. Entretanto, focaremos nos fatores de uso de recursos naturais.
Com uma massa gigante de pessoas trabalhando “em casa” fica a pergunta: estamos a falar, enfim, em uma solução (inesperada) para o problema do lixo, energia e carros nas ruas ou ainda muito cedo? A hipótese é razoável, mas há de se ter cuidado com estas conclusões e o melhor caminho sempre é analisar o que dizem as pesquisas.
Ressalvas e preliminares
Antes de falar do aspecto ambiental, há comentários gerais necessários. São importantes porque terão impactos no uso dos recursos naturais.
Os pensadores das relações de trabalho têm analisado os impactos da tecnologia há décadas (pelo menos nos países de maior desenvolvimento tecnológico). Nos Estados Unidos já se falava na década de 70 tanto da automação (máquinas substituindo pessoas) quanto ao teletrabalho[1]. As análises mais recentes falam do meio ambiente.
Embora isso seja óbvio, mas é importante dizer que o teletrabalho é uma realidade de escritório e da burocracia, e não para todos os tipos de ofícios. Sabe-se que o grosso da massa de trabalhadores atua em serviços braçais. Portanto, o recorte em temos de análise, em qualquer setor econômico, deve sempre focar no cenário da burocracia de escritório.
Dito de outro modo: numericamente falando a fatia percentual ainda é pequena, resumindo-se a grupos do funcionalismo público e alguns setores dos serviços e indústria – como executivos, em seus primeiro segundo escalões. Ou seja, num cenário de migração o impacto ambiental, seria potencialmente baixo num primeiro momento.
Tomemos o caso do serviço público. Nas atividades, cujo atendimento pessoal é dispensável, haverá uma obrigatória revisão do que poderá migrar para o teletrabalho (parcial ou até total). Afinal, estará em jogo a potencial redução de custos, mas sem perder de vista o equilíbrio com a manutenção dos empregos.
E, para fechar estas preliminares, e já entrando no nosso tema central, há opiniões mais apressadas a dizer que o teletrabalho é ambientalmente mais sustentável. A questão, a saber, é se de fato as previsões de redução de impacto ambiental são reais ou fantasiosas.
Pandemia e mudança bruscas
É indubitável que a pandemia mudou radicalmente como veremos o futuro desta modalidade na relação trabalhista – isto inclui o meio ambiente. Não se precisou sequer muitos meses de experiência da “quarentena” para ficar claro algo que há muito se desconfiava: diversos setores da economia (pública e privada) podem atuar remotamente, entregando iguais resultados.
Nos Estados Unidos, por exemplo, nestes dias, somente o órgão ambiental federal tem 14 mil em teletrabalho (em 1997 dez mil servidores públicos trabalharam em casa em todo governo federal)[2].
No geral, o senso o comum aponta na direção de que trabalhar em casa resulta em menor uso de recursos naturais (combustível, papel, energia nos prédios comerciais e corporações , a chamada pegada ecológica[3]. É um pensamento matemático e hipótese lógica, e que podem fazer sentido[4].
É preciso reconhecer que há fatores em que as mudanças terá impacto ínfimo. Veja o caso do lixo, água e energia dos prédios e residências. O motivo é que a única coisa que muda nesta equação é o local do trabalho e não necessariamente as atividades (o trabalhador irá o banheiro, usará energia elétrica, irá consumir produtos que geram lixo na mesma proporção do mesmo jeito). Isso explica o motivo que levam os estudos neste campo a focarem basicamente em mobilidade urbana, transporte, combustível, tráfico etc.
Mas, o que dizem os números e as pesquisas até aqui e, quais os fatores ambientais que podem ser relevantemente impactados? Estas hipóteses precisam ser testadas.
Impactos ambientais: alguns dados
Aparentemente, até aqui, não há um estudo conclusivo. Uma pesquisa em 2014 nos Estados Unidos mostrou que ainda era cedo para se falar em redução de trânsito por conta de pessoas em teletrabalho[5]. Contudo, outro mais recente (2018), para a cidade de Chicago, também nos EUA, indicou uma redução nos veículos circulando, com reflexos também nos congestionamentos[6]. Tudo indica que é preciso mais dados.
Por isso, alguns cuidados com estes estudos. Primeiro quanto às comparações, visto que a realidade daquele país é diferente da nossa (melhores vias, regras de trânsito, comportamento etc). O que nos leva a dizer que é preciso pesquisas voltadas ao nosso ambiente. Existe um estudo do IPEA sugerindo que haveria redução de viagens casa-trabalho no serviço público[7], mas ainda é pouco.
É de se pensar também no que se chama de “contra-efeito” ou efeito compensatório. Se a pessoa não se desloca para trabalhar – podendo fazer seu horário com base nos resultados – , é razoável esperar que ela possa se deslocar para outra pequenas atividades neste período (supermercado, filho na escola, etc). Dito de outra forma: estas pequenas viagens (que não ocorriam antes no modelo tradicional), anularia a não ida-vinda do trabalho. É este o resultado de um estudo realizado em 2017[8] .
O que se pode dizer, até aqui, é que o chamado “teletrabalho” (home-office) tem um enorme potencial com vantagens para ambos os lados (empregador e empregado). Do ponto de vista estritamente ambiental, os dados são ainda iniciais, mas indica-se que há uma leve redução das emissões veiculares e melhoria no trânsito. Depois do Coronavírus será impossível não levar tudo isso em conta.
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Referências:
[1] Telecommuting. Factors to consider. AAOHN Journal : Official Journal of the American Association of Occupational Health Nurses, 30 Sep 2001, 4 https://europepmc.org/article/med/11760530
[2] https://www.bloomberglaw.com/document/XC8QOHE4000000?bna_news_filter=environment-and-energy&jcsearch=BNA%2520000001710403deccaf71d7ab6bd60000#jcite
[3] https://www.researchgate.net/publication/228885866_Broadband_and_Telecommuting_Helping_the_US_Environment_and_the_Economy
[4] https://pdfs.semanticscholar.org/8887/61ae8307593822943a0f56714afb84f28957.pdf
[5] https://www.researchgate.net/publication/324486219_Analysis_of_telecommuting_behavior_and_impacts_on_travel_demand_and_the_environment
[6] https://link.springer.com/article/10.1007/s13762-014-0556-5
[7] https://www.econstor.eu/bitstream/10419/144643/1/862682452.pdf
[8] https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/15568318.2016.1193779
Veja também:
– Coronavírus, atividades essenciais e (in)competências
– Condicionantes e outras obrigações ambientais em tempos de Covid-19
– Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988 (com versão disponível para download clicando aqui ).
– (DES)GOVERNANÇA, GESTÃO DE RISCOS, RESPONSABILIZAÇÃO E O CASO COVID-19
– Direito Ambiental, Prevenção e Coronavírus (Codiv-19) – Apontamentos e vídeo do 7º Bate-papo virtual
– Direito Ambiental e desastres – Apontamentos e vídeo do 6º Bate-papo virtual