sexta-feira , 22 novembro 2024
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Exigência de Estudo de Impacto de Vizinhança é discutida no STF

por Luiza Furiatti.

O Município de Niterói ajuizou reclamação no STF, em face da decisão pela 17 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJRJ.  Alegou a existência de violação das Súmulas Vinculantes nº 10 e 37, sob o fundamento de que a procedência da ação resultou no reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.050/2003.

A controvérsia está inserida na Ação Civil Pública movida contra o Município, que objetiva evitar eventuais impactos negativos à qualidade de vida da população no Bairro de Icaraí, ante expansão imobiliária supostamente excessiva. O Ministério Público, autor da ação, defende que a Lei Municipal nº 2.050/2003 é ineficiente, já que ao definir a exigência do Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, praticamente inviabiliza sua aplicação já que limita a incidência a empreendimentos com dimensões tais que o torna de aplicação extraordinária e ficcional, deixando de atender concretamente aos fins aos quais se destina.

Diante disso, o TJRJ determinou a realização de EIV “para todos os empreendimentos imobiliários de grande porte, residenciais multifamiliares ou comerciais, com mais de seis pavimentos, no bairro de Icaraí,  sob pena de multa no valor de R$250.000,00.” Logo, o EIV deve ser exigido em hipótese diversa daquelas previstas na mencionada lei local. Aplicou-se o critério de “grande porte” descrito no art. 61 do Plano Urbanístico Regional – PUR das Praias da Baía (Lei nº 1.967/2002).

Acertadamente, o STF julgou improcedente a Reclamação. Houve o balizamento dos valores constitucionais aplicáveis ao caso, prevalecendo o princípio da proibição de proteção deficiente conjugado com princípio da adaptação, “para reconhecer o cabimento da postulação do Ministério Público quanto à necessidade de dar efetividade ao EIV diante da realidade urbanística do Município de Niterói”.

É o reconhecimento do EIV como instrumento para o planejamento urbano e para a proteção do meio ambiente urbano, mas não só garantindo a sua existência no ordenamento jurídico municipal. É essencial que a exigência seja eficaz. Há então, de se verificar se a coletividade está sendo prioridade, tendo como resultados a tutela da qualidade de vida.

Luiza de Araujo Furiatti – Mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogada graduada pela Faculdade de Direito de Curitiba, especialista em Direito Ambiental pela Universidade Positivo, especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera. Membro da Comissão de Direito Ambiental e do Pacto Global, ambas da OAB/PR. Autora do livro Sustentabilidade Urbana: Estudo de Impacto de Vizinhança.

Direito Ambiental

 

Confira a decisão proferida na Reclamação nº 35.699/RJ:

Rcl 35699 / RJ – RIO DE JANEIRO
RECLAMAÇÃO
Relator(a):  Min. ROSA WEBER
Julgamento: 21/02/2020

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-041 DIVULG 27/02/2020 PUBLIC 28/02/2020

Partes

RECLTE.(S)          : MUNICIPIO DE NITEROI
ADV.(A/S)           : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE NITERÓI
RECLDO.(A/S)        : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S)           : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S)         : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROC.(A/S)(ES)      : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


DECISÃO

RECLAMAÇÃO. AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE 10. INEXISTÊNCIA DE AFASTAMENTO DE LEI OU ATO NORMATIVO COM BASE EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 37. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA. RECLAMAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

Vistos etc.

1. Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada por Município de Niterói/RJ, com fulcro no art. 988 e seguintes do Código de Processo Civil, em face da decisão proferida nos autos da Apelação nº 0006155-57.2013.8.19.0002 pela Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, à alegação de violação das Súmulas Vinculantes nº 10 e 37.

2. Quanto ao contexto fático e decisório de origem, o reclamante afirma tratar-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Município de Niterói, com escopo de evitar eventuais impactos negativos à qualidade de vida da população no Bairro de Icaraí, ante expansão imobiliária supostamente excessiva.

Consoante sustenta o reclamante, o autor da ação de origem entendia insuficientes os critérios previstos na Lei Municipal nº 2.050/2003 para a exigência de Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, quais sejam: (i) natureza da atividade e (ii) metro quadrado construído.

Reporta que a autoridade reclamada acolheu essa compreensão, ao decidir que o Estudo de Impacto de Vizinhança deve ser exigido em hipótese diversa daquelas previstas na mencionada lei local, adotando o critério de “grande porte” descrito no art. 61 do Plano Urbanístico Regional – PUR das Praias da Baía (Lei nº 1.967/2002).

Articula que a Lei nº 1.967/2002 não apresenta qualquer disposição sobre a realização do estudo de impacto de vizinhança, porquanto o seu art. 61 apenas dispõe sobre as condições em que permitido o embasamento de edificações com mais de seis pavimentos.

Relata que o pedido da ação civil pública foi julgado parcialmente procedente “para confirmar a tutela antecipada e condenar a parte ré a prévia aprovação do competente Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para todos os empreendimentos imobiliários de grande porte, residenciais multifamiliares ou comerciais, com mais de seis pavimentos, no bairro de Icaraí, integrante da região sub-região Icaraí, no trecho correspondente às frações urbanas IC-06, IC-07 (até Pedra Itapuca), IC-08, IC-12 e IC-14, sob pena de multa no valor de R$250.000,00 para cada licença em desacordo com o determinando nesta sentença”. Anota que esse dispositivo foi mantido ao julgamento de apelação.

Defende infringência às Súmulas Vinculantes nº 10 e 37, ao argumento de que a procedência da ação resultou no reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.050/2003 por órgão fracionário.

Requer a concessão de liminar para determinar a suspensão da eficácia do acórdão reclamado, a fim de evitar danos irreparáveis ao Município e à coletividade. No mérito, pede a procedência da presente reclamação, com a finalidade de que seja cassada a decisão de origem, em razão da inobservância das Súmulas Vinculantes nº 10 e 37.

3. Informações prestadas pela autoridade reclamada.

4. Apresentada contestação pela parte beneficiária da reclamação, em que postulada a improcedência do pedido.

5. O Subprocurador-Geral da República Wagner Natal Batista opina pela improcedência da reclamação, em seu parecer assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. CONCESSÃO DE LICENÇA PARA CONSTRUÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE GRANDE PORTE. BAIRRO DE ICARAÍ – NITERÓI/RJ. EXIGÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO DE ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO OU SUBSTITUTIVO RECURSAL. NÃO POSSIBILIDADE. APONTADA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 37/STF. AUSÊNCIA DE ADERÊNCIA ESTRITA ENTRE O ACÓRDÃO RECLAMADO E O PARADIGMA. ALEGADA VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. SÚMULA VINCULANTE 10/STF. NÃO OCORRÊNCIA. LEI MUNICIPAL 2.051/03. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO DE INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONFLITO DIRIMIDO A PARTIR DE INTERPRETAÇÃO DE NORMA LEGAL. PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO”.

É o relatório.     

Decido.  

1. A reclamação prevista nos arts. 102, I, “l”, e 103-A, § 3º, da Constituição da República é cabível nas hipóteses de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, de desobediência à súmula vinculante ou de descumprimento de decisão desta Corte com efeito vinculante.

2. O reclamante alega afronta às Súmulas Vinculantes nº 10 e 37, as quais contêm, respectivamente, o seguinte teor:

“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia”.     

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

3. Quanto à veiculada infringência à Súmula Vinculante 10, a controvérsia objeto da reclamação consiste em aferir se a autoridade reclamada, ao reconhecer a necessidade de realização de Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV previamente à concessão de licença para construção de prédios residenciais e comerciais de grande porte (com mais de seis pavimentos), no bairro de Icaraí, em Niterói/RJ, teria afastado a aplicação das disposições da Lei Municipal nº 2.051/2003 com fundamento de incompatibilidade com a Constituição Federal.

4. O comando do aludido verbete vinculante obriga que, na análise a respeito de possível ofensa ao seu conteúdo, esta Corte investigue se o afastamento de norma no caso concreto se deu em função de declaração explícita ou implícita de inconstitucionalidade. Assim, não é o mero ato de afastar a aplicabilidade do comando legal que implica contrariedade à súmula, mas fazê-lo com esteio em incompatibilidade, com o texto constitucional, mesmo que de forma não declarada.

5. Por oportuno, colaciono a decisão reclamada, na fração de interesse:

“APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. […] MUNICÍPIO DE NITERÓI. CONCESSÃO DE LICENÇA PARA CONSTRUÇÃO DE EMPREENDIMENTOS DE GRANDE PORTE. APLICAÇÃO DO PARÂMETRO ESTABELECIDO NO ART. 61 DA LEI Nº 1.957/02. EMPREENDIMENTOS COM MAIS DE SEIS PAVIMENTOS. GRANDE PORTE. LEI Nº 2.051/03. ROL NÃO EXAUSTIVO. CRESCIMENTO IMOBILIÁRIO. BAIRRO DE ICARAÍ. EXIGÊNCIA DE PRÉVIA APROVAÇÃO DE ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV. ART. 37 DA LEI Nº 10.257/01. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO LOCAL. BENS AMBIENTAIS E URBANÍSTICOS TUTELADOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E PELO ESTATUTO DA CIDADE – ARTS. 2º, 4º, VI, 36 E 37. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE INTEGRADO AO PRINCÍPIO DA ADAPTAÇÃO. MULTA RAZOAVELMENTE ARBITRADA. SUCUMBÊNCIA PROPORCIONAL. CONDENAÇÃO DO VENCIDO NOS HONORÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

[…]

4. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado inserto no art. 225 da Constituição Federal inclui o planejamento urbanístico como fator de integração e o direito às cidades sustentáveis, que é classificado como direito fundamental, consagrando os princípios norteadores do desenvolvimento das cidades (art. 182 da CF).

5. Nessa linha, a Constituição da República fixou como competência comum dos entes federativos a proteção do meio ambiente (art. 23, VI), impondo-lhes o dever de combate à poluição em todas as suas formas. E mais, atribuiu expressamente aos municípios a competência no tocante à promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (artigo 30, VIII).

6. Assim, o planejamento urbano e as próprias regras que compõem o direito urbanístico, denominado de meio ambiente artificial, possuem matriz constitucional, incumbindo ao Poder Público em geral assegurar a proteção do meio ambiente urbano, assim como o bem-estar, a segurança e a saúde de todos (arts. 24, I, 182 e 196 da Constituição Federal).

7. O Plano Diretor constitui um dos principais instrumentos de política urbana, sendo atividade tipicamente municipal. Deve ser elaborado pelo Governo e aprovado pela Câmara, sendo obrigatório para cidades com mais de 20.000 habitantes.

8. Em Niterói, o Plano Diretor foi criado por meio da Lei Municipal nº 1.157/1992, tendo sido atualizado pela Lei Municipal n° 2.123/2004, visando a adequação aos termos do Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257/01.

9. Dentre os instrumentos de proteção urbanística, o Estatuto da Cidade criou o Estudo de Impacto de Vizinhança -EIV, destinado a contemplar os impactos positivos e negativos de empreendimentos em relação à qualidade de vida da população do local e das proximidades arts. 4º, VI, 37 do Estatuto da Cidade, sendo este um instrumento necessário ao ordenamento do território e do desenvolvimento econômico e social.

10. Em seu art. 36, o Estatuto da Cidade estabeleceu que a lei municipal deve definir os empreendimentos sujeitos ao estudo prévio para efeito de aprovação pelo Poder Público Municipal, sendo então editada a Lei Municipal nº 2.051/03, que definiu as hipóteses em que o EIV deve ser realizado.

11. Todavia, os termos concebidos pela lei municipal praticamente inviabilizam a aplicação do instrumento, à medida que limitam a incidência do EIV a empreendimentos com dimensões tais que o torna de aplicação extraordinária e ficcional, deixando de atender concretamente aos fins aos quais se destina.

12. No caso, não se trata de pretender o judiciário usurpar a função legislativa e ditar regras ao arrepio da lei, a substituir a soberana vontade de casa legislativa legitimamente eleita. Trata a hipótese de reconhecer a inocuidade de lei editada exclusivamente para atender a comando legislativo geral de proteção urbanística, mas que na prática passou ao largo da proteção efetiva e eficaz do bem jurídico em questão, ostentando função meramente ornamental. Embora esse controle deva ser feito ordinariamente pelo legislador e pela lei, quando estes falham surge a possibilidade subsidiária de atuação do Juiz, que deve remediar a desproporcional deficiência.

13. Tem pertinência na hipótese o caráter bidimensional do princípio da proporcionalidade, que é dirigido tanto ao legislador quanto ao juiz, ao proibir, de um lado, o excesso e, do outro, a insuficiência da ação estatal. Daí extrai-se o princípio da Proibição da Proteção Deficiente, que tanto deve impedir a eliminação de normas cujo conteúdo seja indispensável ao cumprimento das disposições constitucionais, proibindo assim o retrocesso, como também obrigar a um atuar estatal comissivo para conferir efetividade aos deveres impostos pela Carta Magna, em relação aos quais não há margem de discricionariedade.

14. A par da proibição da proteção deficiente, já reconhecida expressamente pelo Excelso Pretório em diversos julgados, merece destaque o “princípio da adaptação” adotado pelo Acordo de Paris e contemplado na lei de Política Nacional sobre Mudança do Clima, que obriga a redução da vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos, no caso o das cidades, frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima que já se fazem sentir.

15. A integração do princípio da proibição de proteção deficiente e do princípio da adaptação, derivando este no dever de adaptação, permite reconhecer o cabimento da postulação do Ministério Público quanto à necessidade de dar efetividade ao EIV diante da realidade urbanística do Município de Niterói, a exemplo do critério já adotado pelo Plano Urbanístico das Praias da Baía (art. 61 da Lei Municipal nº 1.967/02) para empreendimentos com mais de seis pavimentos então considerados de grande porte.

16. Ação que não objetiva suscitar a inconstitucionalidade da Lei Municipal n° 2.051/03, muito menos reproduz ação anteriormente ajuizada, sendo formulado pedido no sentido de dar efetivo cumprimento às normas urbanísticas e ambientais para obrigar o Município a exigir Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para aprovação dos empreendimentos de grande porte, medida indispensável para a redução de riscos urbanos e tendente a garantir a sustentabilidade das grandes cidades.

17. É razoável a aplicação de critério hermenêutico, ou seja, interpretação extensiva da norma legal, para conferir maior eficácia a Lei Municipal nº 2.051/03, em consonância ao estabelecido no próprio Estatuto da Cidade, impondo-se a manutenção da sentença que confirmou a tutela antecipada e condenou a parte ré a prévia aprovação do competente Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para todos os empreendimentos imobiliários de grande porte, residenciais multifamiliares ou comerciais, com mais de seis pavimentos, no bairro de Icaraí.     

[…]

23. Desprovimento do recurso

[…]

O Plano Diretor do Município de Niterói foi concebido por meio da Lei Municipal nº 1.157/1992, tendo sido atualizado pela Lei Municipal n° 2.123/2004, visando a adequação aos termos do Estatuto da Cidade, aprovado pela Lei Federal nº 10.257/01.

O referido Plano Diretor criou outros instrumentos que lhe dariam supedâneo, visando um detalhamento temático ou territorial ainda mais preciso, como, por exemplo, lei de uso e ocupação do solo, de parcelamento, ambiental, de edificações, etc.

A subdivisão territorial estabelecida pelo Plano Diretor de Niterói abrange Planos Urbanísticos Regionais que visam o detalhamento das regras locais, sempre em obediência aos seus comandos e suas diretrizes, que foram traçadas no macroplanejamento.

Elegeu-se então a necessidade de elaboração de cinco Planos Urbanísticos Regionais – PUR, para as respectivas sub-regiões, a saber, Praias da Baía, Pendotiba e Regiões Oceânica, Norte e Leste. Dentre os instrumentos de proteção urbanística, o Estatuto da Cidade criou o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, destinado a contemplar os impactos positivos e negativos de empreendimentos em relação à qualidade de vida da população do local e das proximidades – arts. 4º, VI, 37 do Estatuto da Cidade – Lei n° 10.257/01, sendo este um instrumento necessário à ordenação do território e do desenvolvimento econômico e social.

A exigência prévia do EIV, portanto, busca a preservação do meio ambiente natural e artificial e do planejamento urbanístico, além de evitar que os munícipes e demais cidadãos que precisam transitar pela região experimentem um ambiente caótico do ponto de vista de circulação e de distribuição de serviços. O art. 36 do Estatuto da Cidade remeteu à lei municipal a definição de empreendimentos sujeitos à elaboração do estudo prévio para efeito de aprovação pelo Poder Público Municipal. Assim, o Município de Niterói aprovou a Lei Municipal nº 2.050/03, que definiu os empreendimentos sujeitos ao EIV, posteriormente retificada a numeração para Lei nº 2.051/03, a seguir:

Lei nº 2.051/03 – Define os empreendimentos e atividades que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV/RIV) e dispõe sobre sua elaboração e análise, nos termos do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001).

A Câmara Municipal de Niterói Decreta e eu Sanciono e Promulgo a seguinte Lei:

Art. 1º- Dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) e do respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV), a serem submetidos à análise, aprovação de projeto para obtenção de licenciamento ou autorização de construção ou funcionamento nos órgãos municipais competentes, os seguintes empreendimentos e atividades privados ou públicos:

I – assistência médica sem internação, laboratórios de análises clínicas e patológicas, instalações radiológicas, de radioterapia, quimiatria e quimioterapia, clínicas veterinárias com internação ou guarda de animais, serviços de diversões, tais como boliches, restaurantes, boates, casas de festas e estabelecimentos com música ao vivo ou mecânica, creches, estabelecimentos de ensino pré-escolar, de Ensino Fundamental e não seriados, tais como cursos de línguas, dança, música, artes marciais, academias de ginástica, com área construída computável (ACC) igual ou superior a dois mil e quinhentos metros quadrados (2.500m²);

II – estabelecimentos de ensino médio, superior e técnicoprofissionalizantes e cursos preparatórios com área construída computável (ACC) igual ou maior a cinco mil metros quadrados (5.000m²);

III – centros culturais, museus, entrepostos, armazéns, depósitos, centros comerciais, shopping centers, lojas de departamentos, supermercados e hipermercados, pavilhões de feiras e exposições com área construída computável (ACC) igual ou superior a dez mil metros quadrados (10.000m²);

IV – assistências médicas com internação com área construída computável (ACC) igual ou superior a quinze mil metros quadrados (15.000m²);

V – cinema, teatro, locais de culto e auditório com Área Construída Computável acima de cinco mil metros quadrados (5000m²);

VI – escritórios para prestação de serviços e meios de hospedagem em geral, exceto hotéis-residência, residenciais com serviço ou similares, com Área Construída Computável acima de vinte e cinco mil metros quadrados (25.000m²);

VII – edificações ou grupamento de edificações com uso comercial ou misto, individual ou coletivo, e, com área edificável computável igual ou superior a vinte mil metros quadrados (20.000m²);

VIII – edificações ou grupamento de edificações com uso residencial e hotéis-residência, residenciais com serviço ou similares com área edificável computável igual ou superior a vinte e cinco mil metros quadrados (25.000m²);

IX – edifícios garagem com área total construída (ATC) igual ou superior a trinta mil metros quadrados (30.000m²);

X – garagens de veículos de transportes coletivos, de cargas, transportadoras ou táxis, com área total construída (ATC) igual ou superior a quatro mil metros quadrados (4.000m²) ou com área de terreno (AT) igual ou superior a cinco mil metros quadrados (5.000m²);

XI – loteamentos e condomínios com declividade média acima de trinta por cento em, pelo menos, cinquenta por cento de sua área e com área de terreno (AT) igual ou superior a cinquenta mil metros quadrados (50.000m²) e loteamentos e condomínios com área de terreno (AT) superior a cento e cinquenta mil metros quadrados (150.000m²);

XII – clubes recreativos ou desportivos com área de terreno (AT) de até vinte mil metros quadrados;

XIII -edificações ou grupamento de edificações com uso industrial, com área total construída (ATC) igual ou superior a quatro mil metros quadrados (4.000m²) ou com área de terreno (AT) igual ou superior a cinco mil metros quadrados (5.000m²) e atividades industriais enquadradas como de médio e alto potencial poluidor conforme MN-050 da FEEMA, com qualquer área;

XIV – empreendimentos com uso extraordinário destinado a esportes e lazer, tais como parques temáticos, autódromos, estádios e complexos esportivos;

XV – empreendimentos que requeiram movimento de terra com volume igual ou superior a trinta mil metros cúbicos;

XVI – intervenções e empreendimentos que constituam objeto de uma operação urbana consorciada;

XVII – terminais rodoviários, metroviários e hidroviários

XVIII – túneis, viadutos, garagens subterrâneas, vias expressas rodoviárias e metroviárias.

§1º- A aprovação e licenciamento de edificações unifamiliares fica isenta da elaboração do EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – RIV.

§2º – A aprovação e licenciamento de edificações não enquadradas no art. 1º desta Lei, deverá ser submetida à avaliação setorial de órgãos municipais competentes, quando se enquadrarem nas situações estabelecidas no anexo I, devendo preencher os formulários contidos nos anexos II e III, todos partes integrantes desta lei.

§3º – O Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – EIV/RIV será exigido para aprovação de projetos de modificação ou ampliação sempre que a área a ser ampliada for maior do que 30% da área de projeto que se enquadre em quaisquer das disposições deste artigo.

§4º – O Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – EIV/RIV também será exigido para aprovação de projetos ou ampliações mesmo que a área a ser ampliada seja menor do que 30%, quando o projeto existente, aprovado após a entrada em vigor desta lei, acrescido da área de ampliação, passar a se enquadrar nas metragens estabelecidas em qualquer das disposições deste artigo.

§5° – O Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança – (EIV/RIV) será exigido mesmo que o empreendimento ou atividade esteja sujeito ao estudo prévio de impacto ambiental (EIA/RIMA), requerido nos termos da legislação ambiental. (…)”

Todavia, os termos concebidos pela lei municipal em referência praticamente inviabilizam a aplicação do instrumento, à medida que limitam a incidência do EIV a empreendimentos com dimensões tais que o torna de aplicação extraordinária e ficcional, deixando de atender concretamente aos fins aos quais se destina.

No caso, não se trata de pretender o judiciário usurpar a função legislativa e ditar regras ao arrepio da lei, a substituir a soberana vontade de casa legislativa legitimamente eleita. Trata a hipótese de reconhecer a inocuidade de lei editada exclusivamente para atender a comando legislativo geral de proteção urbanística, mas que na prática passou ao largo da proteção efetiva e eficaz do bem jurídico em questão, ostentando função meramente ornamental.

É bem verdade que os deveres de proteção, ainda que vinculem todos os poderes do Estado, devem ser enunciados em leis, a reclamar um protagonismo legislativo, reservando-se ao Judiciário um espaço subsidiário. Entretanto, como bem destaca FABRÍCIO MEIRA MACÊDO, (O princípio da proibição da insuficiência no Supremo Tribunal Federal, Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – RIDB 3 (9): 7030-7071. 2014), “quando há, contudo, a violação ao princípio da proibição do déficit de proteção, não atingindo, o Estado, um padrão mínimo de garantia, ainda que houvesse condições de proporcionar, torna-se possível deduzir uma pretensão em juízo (…)”.

Nesse sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a possibilidade de o Poder Judiciário examinar a omissão estatal que afeta a garantia dos direitos fundamentais, afastando a alegação de violação ao princípio da separação dos poderes, reconhecendo, o cabimento de imposição de medidas de intervenção urbanística, como no ARE 1013143 AgR, da Relatoria do Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 29/09/2017, DJe-247 DIVULG 26- 10-2017 PUBLIC em 27-10-2017; e no RE 957214, da relatoria do Ministro LUIZ FUX, julgado em 18/04/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-077 DIVULG 20/04/2018 PUBLIC 23/04/2018.

No caso, é evidente a pertinência do caráter bidimensional do princípio da proporcionalidade, que é dirigido tanto ao legislador quanto ao juiz: proíbe de um lado o excesso e do outro a insuficiência da ação estatal. Daí extrai-se o princípio da Proibição da Proteção Deficiente, que tanto impede a eliminação de normas cujo conteúdo seja indispensável ao cumprimento das disposições constitucionais, proibindo assim o retrocesso; de outro, obriga a um atuar comissivo para conferir efetividade aos deveres impostos pela Carta Magna, em relação aos quais não há margem de discricionariedade.

Conforme bem observa INGO WOLFGANG SARLET (Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência, Rev. Bras. de Ciências Criminais 47:60-122. 2004), a partir de decisão paradigmática do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, “(…) o legislador, ao implementar um dever de prestação que lhe foi imposto pela constituição (especialmente no âmbito dos deveres de proteção), encontra-se vinculado pela proibição de insuficiência, de tal sorte que os níveis de proteção (portanto, as medidas estabelecidas pelo legislador) devem ser suficientes para assegurar um padrão mínimo (adequado e eficaz) de proteção constitucionalmente exigido”.

Prosseguindo, o festejado constitucionalista ainda destaca, na esteira do pensamento de JUAREZ FREITAS, que “o princípio da proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução de seus objetivos. Exageros para mais ou para menos configuram irretorquíveis violações ao princípio”.

Na lição do Ministro GILMAR MENDES (in Mendes, G. & Branco, P.G.G., Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 2011, pp.1544), “a conceituação de uma conduta estatal como insuficiente (untermässig), porque ‘ela não se revela suficiente para uma proteção adequada e eficaz’, nada mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida conduta como desproporcional em sentido estrito (…)”.

Por isso a proibição da proteção deficiente vem sendo reconhecida expressamente pelo Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados recentes (e.g., RE 1024321/SC, julg. 23/02/2017; RE 646721/RS, julg. 10/05/2017), valendo destacar o aresto abaixo transcrito a título de exemplificação:

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – MANUTENÇÃO DE REDE DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DEVER ESTATAL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- 197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO PODER PÚBLICO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 6º, 196 E 197) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO PODER PÚBLICO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219- 1220) – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (ARE 745745 AgR, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014) (grifado)

A par da proibição da proteção deficiente, merece destaque o “princípio da adaptação”. No âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Acordo de Paris, ratificado em Nova York no início de 2016, pelo amplo consenso obtido, fez emergir, definitivamente, ao universo jurídico internacional, a realidade climática sob a influência do homem, estabelecendo, dentre outras obrigações, a de adaptação, nomeadamente, visando reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos, aí incluído o ambiente urbano das grandes cidades, frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima.

Diante de sua repercussão no sistema normativo de países signatários, dentre eles o Brasil, é possível afirmar que hoje há, além do “dever de mitigação”, que se extrai do princípio-irmão da mitigação, o “dever de adaptação”.

Antes mesmo do Acordo de Paris, o Brasil já havia editado a Lei nº 12.187/2009, instituindo a Política Nacional sobre Mudança do Clima, que reconheceu, em seu art. 3º, inciso I, que todos têm o dever de atuar, em benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes das interferências antrópicas sobre o sistema climático. Estatuiu ainda que, na persecução desse objetivo, deve-se levar em consideração os diferentes contextos socioeconômicos, bem como a distribuição dos ônus e encargos entre os setores econômicos e as populações e comunidades interessadas, de modo equitativo e equilibrado, sopesando-se ainda as responsabilidades individuais (art. 3º, III), mediante mecanismos de identificação de vulnerabilidades voltados a adoção de medidas de adaptação (art. 5º VI, c).

Portanto, o princípio da adaptação, do qual deriva o dever de adaptação dirigido a todos, do indivíduo ao próprio Estado, obriga a redução da vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos, no caso o das cidades, frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima que já se fazem sentir.

Um desses graves efeitos pode ser exemplificado pelas recentes chuvas na cidade do Rio de Janeiro, a cada dia mais intensas e em regime torrencial, que desagregam toda a urbe, impedem a circulação de pessoas e bens e bloqueiam possíveis rotas viárias de fuga, causando mortes, especialmente pela falta de planejamento das cidades e pela deficiência dos estudos de impacto de vizinhança para a implantação de empreendimentos de grande porte.

A integração do princípio da proibição de proteção deficiente e do princípio da adaptação permite reconhecer o cabimento da postulação do Ministério Público quanto à necessidade de dar efetividade ao EIV diante da realidade urbanística do Município de Niterói, a exemplo do critério já adotado pelo Plano Urbanístico das Praias da Baía (art. 61 da lei Municipal nº 1.967/02) para empreendimentos com mais de seis pavimentos então considerados de grande porte.

Observe-se que a presente ação não objetiva suscitar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.051/03, muito menos reproduz ação anteriormente ajuizada, sendo formulado pedido no sentido de dar efetivo cumprimento às normas urbanísticas e ambientais para obrigar o Município a exigir Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para aprovação dos empreendimentos de grande porte, medida indispensável para a redução de riscos urbanos e tendente à garantir a sustentabilidade de grandes cidades como Niterói.

Isso porque o Estudo de Impacto de Vizinhança concretiza algumas das diretrizes previstas no estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), como a garantia do direito a cidades sustentáveis (art. 2º, I), a gestão democrática da cidade (art. 2º, II) e o desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 2º, caput). Contribui, assim, efetivamente, para a defesa da própria sociedade e atende à obrigação de adaptação, não podendo ficar à mercê de proteção legal insuficiente.

Ressalte-se que o conjunto probatório produzido nos autos demonstra que houve a concessão de licenças para empreendimentos imobiliários de grande porte sem prévia realização de Estudos de Impacto de Vizinhança – EIV, acarretando extremo adensamento urbano e populacional na cidade de Niterói e consequente impacto negativo no seu sistema viário e em toda a vizinhança.

Por isso propõe o Ministério Público a adoção dos critérios elencados no art. 61 do PRU das Praias da Baía (Lei Municipal nº 1.967/02) – nas quais também se insere a região urbana objeto da lide – que considera de grande porte empreendimentos com mais de seis pavimentos, a saber:

Art. 61 – Para edificações com mais de seis pavimentos de unidades habitacionais é permitido embasamento nas seguintes condições:

a) semi-enterrado que deverá ter no máximo 2,00 (dois metros) de altura acima do nível do meio-fio até o piso do pavimento térreo, para não ser computado nos gabaritos máximos indicados por esta Lei (Redação dada pela Lei nº 2581/2008).

b) pavimento térreo, cujo fechamento e cobertura em laje somente é permitido fora da projeção da lâmina, obedecendo a um afastamento mínimo de quinze metros contados do alinhamento frontal do terreno, exceto no caso de embasamento comercial, em que poderá ser coberto fora da projeção da lâmina, obedecido o alinhamento frontal da fachada;

c) pavimento de uso comum, destinado ao lazer e recreação, que será obrigatório, e situado imediatamente abaixo do primeiro pavimento de unidades habitacionais, com área igual ou superior a área do pavimento tipo;

d) pavimento adicional de garagem, acima do pavimento térreo, nas mesmas condições deste, que somente será permitido nos casos em que for construída garagem no subsolo e no semienterrado.

§ 1º – O piso da cobertura do pavimento térreo ou do pavimento adicional de garagem, quando construído, poderá ser utilizado para atividades de lazer descobertas, integradas às do pavimento de uso comum.

§ 2º – Toda a área do terreno no pavimento térreo, inclusive fora da projeção da lâmina, poderá ser utilizada para vagas de estacionamento, resguardada a circulação de pedestres que deverão ser separadas por muretas, ou similares, com altura mínima de sessenta centímetros.

§ 3º – Somente será permitido o pavimento de garagem previsto na alínea “d” deste artigo, quando existir subsolo e semi-enterrado ambos com a ocupação mínima de 70% (setenta porcento) da área do terreno ou o aproveitamento máximo permitido do terreno, respeitados os afastamentos previstos para o local. (Redação dada pela Lei nº 2581/2008)

§ 4º – No pavimento semi-enterrado, somente poderá ser utilizada a altura de dois metros acima do nível do meiofio, quando existir subsolo com área mínima correspondente a 70% (setenta por cento) da área do terreno ou aproveitamento máximo permitido do terreno, respeitados os afastamentos previstos para o local, caso contrário à altura máxima será de um metro e trinta centímetros. (Redação dada pela Lei nº 2581/2008).

Note-se que, conforme definição no art. 2º, inciso XXIV, da Lei nº 1.967/02: “embasamento corresponde aos pavimentos inferiores de uma edificação, de uso comum, onde são proibidas unidades habitacionais”.

Ressalte-se ainda, como salientado na douta sentença, que a presente demanda baseou-se “(…) no Inquérito Civil em apenso, no qual ficou comprovado que a região de Icaraí sofre significativa influência com a construção de prédios residenciais, que de forma repentina tomam conta do espaço urbano, aumentando em demasia a densidade populacional provocando reflexos negativos para população do Município, causando inquestionável impacto no sistema viário do município, com evidente prejuízo a qualidade de vida de seus moradores. O crescimento desordenado é um problema atual em todas as grandes cidades, com consequências nefastas para a qualidade de vida dos moradores. (…) não se pode descuidar de que o Estatuto da Cidade, ao traçar instrumentos de proteção ao meio ambiente, está vinculado ao sistema coletivo de direitos difusos, consoante arts. 53 e 54 da Lei no 10.257/2001, art. 1º da Lei nº 7.347/85 e art. 129, III, da Constituição Federal. Por tudo já exposto, embora as licenças e autorizações sejam atos da Administração Pública, não se pode negar a discussão da matéria na via judicial, em razão da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF), não podendo o Poder Público dispensar os estudos de impactos ambientais por mera discricionariedade administrativa”.

Concluiu ainda, com inegável acerto, a sentença que “(…) jamais as deficiências do procedimento do Município poderá servir de pretexto para relativizar as normas protetivas ao meio ambiente, sobretudo em vista do caráter difuso constitucional da matéria ambiental. Assim, não há qualquer óbice legal na exigência de elaboração do Estudo de Impacto de Vizinhança. Ao contrário, é a medida de justiça que se impõe”.

O legislador municipal não levou em conta que já naquela época ocorriam mudanças da dinâmica de apropriação do solo, com significativas transformações tipológicas e morfológicas e o processo de adensamento da região como vetor de expansão do bairro de Icaraí, o chamado “boom Imobiliário”.

É razoável a aplicação de critério hermenêutico, ou seja, interpretação extensiva da norma legal, para conferir maior eficácia a Lei Municipal nº 2.051/03, em consonância ao estabelecido no próprio Estatuto da Cidade, impondo-se a manutenção da sentença que confirmou a tutela antecipada e condenou a parte ré a prévia aprovação do competente Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para todos os empreendimentos imobiliários de grande porte, residenciais multifamiliares ou comerciais, com mais de seis pavimentos, no bairro de Icaraí.

Observa-se a possibilidade de aplicação de sanção para o caso de descumprimento da ordem judicial, com base no art. 11, da Lei nº 7.347/85 e no art. 536, § 1º, do CPC, sendo esta medida de apoio, objetivando conferir efetividade ao comando judicial.

O valor fixado a título de multa deve considerar o bem jurídico tutelado, de forma que funcione como meio de coação legal hábil a deflagrar, com maior brevidade possível, o cumprimento da decisão. Ademais, afigura-se proporcional ao resultado inibidor legitimamente almejado, consubstanciadas na exigência de prévia aprovação de estudo de impacto de vizinhança, tendo em vista que os atos de gestão administrativa devem servir para o cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atrelados.

Assim, com relação ao valor da multa fixada para o caso de descumprimento da ordem judicial, não merece reparo a sentença, porquanto fixada em valor proporcional e razoável ao alcance de sua finalidade, não havendo nenhum excesso. Em remessa necessária, não merece reparo a sentença no ponto em que rejeitou o pedido de dano material, eis que não há qualquer comprovação da ocorrência destes. De igual modo, verifica-se que, não obstante ser possível a condenação à indenização por dano extrapatrimonial ou dano moral coletivo, a teor do art. 1º da Lei nº 7.347/85, no caso dos autos não foi demonstrado de forma clara e irrefutável o efetivo dano moral causado à coletividade alegado na inicial.

A concessão de licença para construção de empreendimentos imobiliários de grande porte sem Estudo de Impacto de Vizinhança, embora indesejável, não pode ensejar a caracterização do dano moral coletivo, porquanto no caso concreto não se constatou que a conduta da administração tenha representado grave sofrimento ou abalo à coletividade a ponto de ensejar a pretendida condenação em danos morais coletivos […]”.

6. Como se denota dos excertos colacionados, inexiste, na decisão reclamada, declaração explícita ou implícita de inconstitucionalidade a ensejar violação ao Princípio da Reserva de Plenário previsto no art. 97 da Constituição Federal e na Súmula Vinculante 10, haja vista a atuação meramente interpretativa do Juízo reclamado acerca da Lei Municipal nº 2.051/2003 para conferir-lhe eficácia em consonância ao que estabelecido no Estatuto da Cidade.

7. Nesse contexto, não há falar em afronta à Súmula Vinculante 10, uma vez que não houve afastamento da lei local em razão de sua incompatibilidade com o texto constitucional, mas tão somente o exame estrito da legalidade da citada norma local face à legislação infraconstitucional de regência. Confiram-se, inter plures, o seguintes julgados:

“EMENTA AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE 10. INEXISTÊNCIA DE AFASTAMENTO DE LEI OU ATO NORMATIVO COM BASE EM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. RAZÕES RECURSAIS QUE REPETEM OS ARGUMENTOS TRAZIDOS EM SEDE DE EMBARGOS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Na esteira da jurisprudência desta Suprema Corte, no caso em que ocorre tão só processo de interpretação legal, função inerente a toda atividade jurisdicional, não há falar em afronta à Súmula Vinculante 10. 2. As razões recursais do agravo interno apenas repetem os argumentos já afastados na decisão agravada, a demonstrar total ausência de aptidão para infirmar a decisão monocrática. 3. Agravo interno conhecido e não provido, com aplicação da penalidade prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, calculada à razão de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, se unânime a votação” (Rcl 30733 ED-AgR, da minha lavra, Primeira Turma, Dje 13.02.2020)

“Embargos de declaração no agravo regimental na reclamação. 2. Alegação de ofensa à Súmula Vinculante 10. Não caracterização. 3. Inexistência de declaração de inconstitucionalidade da norma com apoio em fundamentos extraídos da Constituição Federal. 4. Ausência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 5. Embargos de declaração rejeitados” (Rcl 34877 AgR-ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Dje 18.12.2019).

“RECLAMAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL – ACÓRDÃO OBSERVÂNCIA – INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS – ESGOTAMENTO – AUSÊNCIA. A parte final do artigo 988, § 5º, inciso II, do Código de Processo Civil revela estar condicionada a admissibilidade da reclamação, visando a observância de acórdão alusivo a extraordinário submetido ao regime da repercussão geral, ao esgotamento prévio das instâncias ordinárias. RESERVA DE PLENÁRIO – VERBETE VINCULANTE Nº 10 DA SÚMULA DO SUPREMO – INTERPRETAÇÃO DE NORMA LEGAL. O verbete vinculante nº 10 da Súmula do Supremo não alcança situações jurídicas em que órgão julgador tenha dirimido conflito de interesses a partir de interpretação de norma legal” (Rcl 30556 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, Dje 06.08.2019).

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA À SÚMULA VINCULANTE 10/STF. MERA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DE NORMAS JURÍDICAS. NÃO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O ato reclamado, ao considerar ilegal a contratação de empregado, por empresa interposta, para prestar serviços essenciais à atividade fim da tomadora, nos termos da Súmula 331, I, do TST, não declarou expressamente, nem implicitamente, a inconstitucionalidade de qualquer norma especial de regência aplicável ao caso. 2. É firme a jurisprudência do STF no sentido de que não se exige reserva de plenário para a mera interpretação e aplicação das normas jurídicas que emerge do próprio exercício da jurisdição, sendo necessário para caracterizar violação à cláusula de reserva de plenário que a decisão de órgão fracionário fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal e o Texto Constitucional. 3. Agravo regimental, interposto em 2.3.2017, a que se nega provimento” (Rcl 26408 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, Dje 05.12.2017).

8. Quanto à veiculada afronta à Súmula Vinculante 37, melhor sorte não tem a reclamação. É que este paradigma de controle invocado pela reclamante espelha a reiterada jurisprudência desta Suprema Corte, antes consolidada na Súmula 339/STF, no sentido de que “não cabe ao Poder Judiciário, apenas com fundamento no princípio da isonomia, aumentar vencimentos de servidores públicos”, o que não tem identidade material com o ato reclamado.

9. Realço que o caso dos autos versa sobre exigência de prévia aprovação de Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV para concessão de licença de construção de empreendimentos de grande porte, e não sobre concessão de vantagem pecuniária a servidor ao fundamento de isonomia.

10. Nesse contexto, a reclamação, sob pena de desvirtuamento de seu papel, não consubstancia sucedâneo recursal, de modo que não se excogita, nesta via estreita processual, da veiculada afronta a verbete vinculante exarado por esta Corte.

11. Ante o exposto, forte no no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento à presente reclamação, prejudicado o exame da medida liminar.

Brasília, 21 de fevereiro de 2020.

Publique-se.

 

Ministra Rosa Weber

Relatora

(Rcl 35699, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 21/02/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 27/02/2020 PUBLIC 28/02/2020)

 

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