No artigo que ora replicamos, Dr. Ricardo Lodi Ribeiro expõe fundamentos sobre o Poder de Polícia Ambiental, tema tão relevante para a advocacia e o direito ambiental. Além de analisar taxa estadual criada pelo governo do Rio de Janeiro, sua abordagem vai além, expondo também linhas sobre a TCFA, tributo tão contestado e já analisado pelo portal em mais de uma oportunidade.
O convite à leitura está feito.
O Poder de Polícia Ambiental e a Competência para Instituir Taxas
Por Ricardo Lodi Ribeiro (RJ)*
Ao apagar das luzes do ano de 2015, foi publicada a Lei Estadual nº 7.182, de 29 de dezembro de 2015, do Estado do Rio de Janeiro, que instituiu a taxa de controle, monitoramento e fiscalização ambiental das atividades de pesquisa, lavra, exploração e produção de petróleo e gás – TFPG, na esteira do esforço do Governo fluminense em aumentar as receitas tributárias a fim de reagir à profunda crise financeira estadual.
A taxa, de acordo com a referida norma, tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ambiental por parte do Instituto Estadual do Ambiente – INEA, consistente nas atividades previstas no art. 2º da referida lei, sendo o produto da sua arrecadação afetado a essa atuação (parágrafo único do art. 2º).
A base de cálculo da taxa é o valor fixo de uma UFIR (R$ 2,71) por barril de petróleo produzido e, de acordo com o levantamento constante no próprio projeto de lei, espera-se arrecadar com a medida cerca de R$ 2 bilhões já em 2016. Enquanto isso, o orçamento do INEA para 2016 é de apenas R$ 511 milhões, ou cerca de um quarto da receita da taxa.
A criação da TFPG sobre o setor de petróleo no Rio de Janeiro, responsável por 70% da produção nacional, segue o modelo de uma série de taxas minerárias que estão sendo instituídas por vários Estados da Federação, como Minas Gerais, Pará, Amapá e Mato Grosso do Sul, cuja constitucionalidade é objeto de algumas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, ainda pendentes de julgamento. Essa tendência coloca em xeque o uso da competência tributária para instituir as taxas sobre as atividades previstas na competência legislativa comum do artigo 23 da Constituição Federal, a partir do alargamento artificial da tributação como saída para a crise financeira dos Estados, independentemente da afetação desses recursos ao exercício efetivo do poder de polícia, como forma de reforçar o caixa.
A taxa, seja ela relativa à prestação de serviços ou ao exercício do poder de polícia, tem o seu fato gerador vinculado a uma atividade estatal específica em relação a pessoa do contribuinte, nos termos do art. 77 do CTN. Se assim não for, não estaremos diante de uma taxa, mas de um tributo que tenha fato gerador típico de imposto, ainda que a destinação legal do produto da arrecadação o transmute em contribuição parafiscal. Em decorrência dessa vinculação individual à pessoa do contribuinte, a atividade estatal deve ser específica e divisível em relação a ele, qualquer que seja a taxa, embora o art. 79 do CTN só o diga expressamente em relação às taxas de serviços.
Por outro lado, ao contrário do que ocorre na taxa de serviço, em que a prestação estatal pode ser efetivamente prestada ou colocada à disposição do contribuinte, não justifica a cobrança da taxa a prestação potencial do poder de polícia, ou seja, poder de polícia posto à disposição do contribuinte.
Deste modo, o exercício do poder de polícia deve ser específico, divisível e efetivo. Em relação ao caráter específico e divisível das taxas de fiscalização, como destaca Ricardo Lobo Torres, é essencial que ela se destaque em unidade autônoma de prestação em relação à pessoa do contribuinte.
No entanto, essa posição, embora nos pareça a mais acertada, não é unânime na doutrina, tendo Luís Eduardo Schoueri contra ela se manifestado, lastreado no julgamento do RE nº 416.601-1/DF, em que o Plenário do STF, de fato, considerou que a vistoria efetiva, de porta à porta, não é requisito essencial da taxa de fiscalização, e quanto a isso não apresentamos divergências. Afinal, com o avanço tecnológico na área da informação não se pode mais exigir que a fiscalização adote os mesmos procedimentos que eram verificados no século passado. No entanto, ainda que seja admitida uma técnica de praticabilidade administrativa que permita que a fiscalização desempenhe as suas atividades sem a necessidade de visitar cada um dos contribuintes, é preciso o exercício individualizado do poder fiscal pela prática de algum ato de polícia relativo à pessoa do contribuinte, como a autorização, a permissão, a concessão, a análise de documentos prestados de acordo com as exigências estatais, não sendo suficiente a mera previsão genérica da competência fiscalizatória.
Por outro lado, não atende a necessidade de efetividade do exercício do poder de polícia a mera existência de órgão administrativo competente para a sua prática. É indispensável, sob pena de romper com a vinculação individual entre o fato gerador da taxa e a atividade estatal, como lecionava Bernardo Ribeiro de Moraes, que o exercício do poder de polícia seja real e presente.
Todavia, o Plenário do STF, no RE nº 588.322, em decisão com repercussão geral, entendeu em sentido contrário, a partir da ideia de que a existência do órgão administrativo não é condição para o reconhecimento da constitucionalidade da cobrança da taxa de localização e fiscalização, mas um dos elementos para se demonstrar o efetivo exercício do poder de polícia.
Tal orientação jurisprudencial tem sofrido intensa e acertada crítica doutrinária, de que é exemplo a posição de Luís Eduardo Schoueri e de Regina Helena Costa, pois acaba por fragilizar a necessidade do caráter efetivo do exercício do poder de polícia, a partir da ideia de que a existência de órgão em pleno funcionamento o presume. E o mais inquietante ainda é a possibilidade aberta pelo precedente de admitir-se a exigência da taxa de polícia ainda que não aja órgão administrativo competente para o seu desempenho, quando reste comprovado pelo Poder Público que, de outra forma, a atividade foi efetivamente desempenhada.
De qualquer forma, é preciso deixar claro que no voto condutor do Ministro Gilmar Mendes, no referido leading case, não se admitiu a cobrança pelo exercício potencial do poder de polícia, exigindo-se o efetivo. Mas considerou-se que a existência do órgão fiscalizador constitua presunção da efetividade do poder de polícia, embora esta possa ser comprovada pelo Município de outras formas, que não necessariamente a uma atuação feita em loco no estabelecimento.
No caso das atividades previstas no art. 2º da Lei nº 7.182/15, vimos que apenas algumas delas se traduzem no exercício do poder de polícia, vinculadas ao controle, monitoramento e fiscalização da autorização e do exercício das atividades de pesquisa, exploração, lavra e produção de petróleo e gás, bem como da utilização dos recursos delas resultantes. Porém, como já se viu, tais atividades não guardam qualquer especificidade necessária a justificar a cobrança de taxa, pois não revelam ato de fiscalização que possa ser destacado em unidade de prestação individual em relação à pessoa do contribuinte.
Ademais, embora o órgão de fiscalização ambiental indicado pela lei seja existente, essa circunstância, por si só, não autoriza a caracterização da efetividade do poder de polícia quando se sabe, como já demonstrado ao longo desse estudo, que não há relação entre as atribuições do órgão e as atividades a que se vincula a taxa. Assim, é como se não houvesse órgão capaz de exercer efetivamente o poder de polícia a que supostamente se relaciona o fato gerador da TFPG. Sem falar que o montante da taxa supera em quatro vezes as dotações orçamentárias a destinadas à entidade encarregada da atividade estatal, o que desfaz o declarado liame legal entre o INEA e o exercício do poder de polícia, revelando que a referida autarquia ambiental foi lançada a esmo pelo legislador a fim de atender as imposições da atual jurisprudência do STF.
Por essas razões, é inconteste que a atividade estatal a que se vincula a TFPG não é revestida dos requisitos da especificidade, divisibilidade e efetividade que autorizam a cobrança de uma taxa ambiental de polícia.
Por outro lado, estando a competência para a instituição da taxa indicada pela atribuição da função legislativa ou administrativa pela Constituição Federal, quando esta atribui com exclusividade a um dos entes federativos o desempenho da atividade estatal, a definição da competência tributária para instituir a taxa não revela maiores problemas.
As dificuldades surgem em relação às matérias inseridas na competência material comum, previstas no art. 23 da CF, onde os três entes federativos podem atuar. Porém, neste caso, o exercício da competência para a cobrança de taxas não levará a que mais de um ente tribute a mesma manifestação do poder de polícia.
Deste modo, não é legítima a cobrança de taxa ambiental por determinado ente federativo que se vincule à manifestação do poder de polícia da competência material de outro integrante da Federação, ainda que este último não exerça a tributação sobre a atividade ou permita a dedução do valor a ele pago do montante que será devido, como levado a efeito pelo artigo 17-P da Lei Federal nº 6.938/81, em procedimento que foi acolhido pelo parágrafo único do artigo 6º da Lei nº 7.182/15. Se o poder de política previsto pela lei estadual não estiver na competência ambiental do Estado, nem a dedução ou compensação salvará a legitimidade da taxa. A rigidez do nosso sistema tributário não permite que a cooperação entre os entes federativos chegue ao ponto de admitir que o não exercício da competência tributária por um dos entes federativos abra caminho para o seu desempenho por outro (art. 8º do CTN).
Por isso, é necessária a investigação de que entidade federativa é competente para o exercício do poder de polícia a que se vincula a TFPG. É essa investigação que se passa a proceder.
Estando a proteção ao meio ambiente, a que se vinculam as taxas ambientais, inseridas no rol das competências comuns, deve ser exercida de acordo com o esforço comum inerente ao federalismo cooperativo, como destacado pelo parágrafo único do artigo 23. No âmbito desse espírito de colaboração mútua, este dispositivo legal estabelece que as “leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o desenvolvimento do bem-estar em âmbito nacional. ” A inexistência de lei complementar não impede o exercício da parcela de competência por cada um dos entes da Federação. Porém, sendo as três esferas federativas competentes para legislar e não havendo delimitação em lei complementar das esferas de atuação de cada um, faz-se necessária a verificação se a atuação estatal,especificamente considerada, melhor se relaciona com o interesse predominante nacional, regional ou local, a fim de identificar qual o ente competente para exercer determinada atividade.
Contudo, nem sempre se mostra possível separar os limites de onde começa o peculiar interesse local em sua fronteira com as responsabilidades regionais, e dessas em relação aos misteres nacionais. Na impossibilidade de, no caso concreto, identificar o interesse predominante, deve prevalecer a política pública federal, em detrimento da estadual, e esta prefere à municipal, não por uma hierarquia, que inexiste entre as entidades federativas, mas pela tutela aos interesses mais amplos, representados pelos anseios de um maior grupo de cidadãos.
A proeminência do papel da União no exercício da competência ambiental comum prevista no art. 23, VI, CF, é estruturada por meio da Política Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/81, que criou o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), atribuindo-lhe, no artigo 6º, a deliberação sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Coerentemente com essas atribuições, o 8º, I da Lei nº 6.938/81 delegou ao CONAMA a competência para estabelecer normas e critérios relativos ao exercício ao poder de polícia ambiental pelos Estados, como o licenciamento ambiental, bem como estabelecer os padrões relacionados ao meio ambiente que estes devem observar. No desempenho dessa atribuição, o CONAMA editou a Resolução nº 237/97, que reparte a competência do licenciamento ambiental entre União, Estados Distrito Federal e Municípios.
De acordo com o art. 4º, I, da Resolução CONAMA nº 237/97, compete ao IBAMA, e não aos órgãos estaduais, o exercício do poder de polícia ambiental exercido no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental.
A decisão de atribuir à União o poder de polícia ambiental em águas marinhas, ou seja, no mar territorial, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, ganhou maior densidade normativa com a edição da Lei Complementar nº 140, de 08 de dezembro de 2011, que fixou as normas de cooperação ambiental entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do parágrafo único do art. 23, CF, especialmente no que se refere aos seus incisos III, VI e VII. No âmbito da repartição de competência decorrente dessa cooperação, o art. 7º, XV, b, da LC nº 140/11 atribuiu o poder de polícia ambiental exercido sobre os empreendimentos e atividades localizados ou desenvolvidos em águas marinhas também à União Federal.
Como se pode verificar, as atividades de pesquisa, exploração, lavra e produção de petróleo no Estado do Rio de Janeiro constituem-se em empreendimento desenvolvido em águas marinhas, o que enseja que a competência para o poder de polícia ambiental sobre elas exercido seja atribuído à União, e não aos Estados. E nem poderia ser diferente visto que tais áreas, que se costumam denominar de águas marinhas, não estão divididas entre Estados e Municípios, senão no que se refere ao recebimento dos royalties do petróleo, nos termos do artigo 9º da Lei nº 7.525/86, a partir de uma delegação ao IBGE para traçar as linhas de projeção territoriais dos Estados e Municípios, segundo a linha geodésica ortogonal à costa ou segundo o paralelo até o ponto de sua interseção aos limites da plataforma continental.
Como é sabido, a exploração e produção de petróleo no Estado do Rio de Janeiro se dá exclusivamente em águas marinhas, em área em que o legislador estadual não exerce poder de polícia ambiental. Não é por outra razão que o exercício do poder de polícia ambiental em águas marinhas não está previsto entre as atribuições do INEA definidas pelo Decreto nº 41.628/09, em que não consta a prática de atos de controle, monitoramento e fiscalização ambiental do setor de petróleo e gás. Logo, falece à autarquia ambiental estadual competência para exercer o poder de polícia ambiental a que se vincula a TFPG, que se refere a atividades dos contribuintes desenvolvidas no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, de onde são extraídos os barris de petróleo que servirão de base de cálculo para a taxa. Essa desarmonia entre a competência para o exercício do poder de polícia e os elementos da obrigação tributária eleitos pelo legislador torna ilegítima a cobrança da taxa.
E nem poderia tal competência ser deferida por lei estadual, pois a exploração e produção de petróleo no Estado do Rio de Janeiro é exclusivamente desempenhada no mar territorial, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, área em que o poder de polícia ambiental compete ao IBAMA, como vimos.
Como se vê, o exercício do poder de polícia ambiental em relação às atividades de pesquisa, exploração, lavra e produção de petróleo e gás no Estado do Rio de Janeiro não é de competência estadual.
Talvez por isso, a Lei nº 7.182/15 tenha eleito o inciso XI do art. 23, CF, e não o VI, como fundamento de validade para o exercício do poder de polícia a que se vincula a TFPG, a despeito de tratar-se claramente de uma taxa ambiental.
Porém, é preciso considerar que o inciso XI, que confere competência comum para registrar, acompanhar e fiscalizar concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios, não atribui qualquer função aos Estados no que se refere ao poder de polícia especificamente dirigido à pesquisa, lavra, exploração e produção de petróleo e gás, como a seguir se demonstrará.
Definido o papel diminuto, para não dizer inócuo, dos Estados no que se refere à disciplina relativa a concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais, dada a exclusividade da competência federal sobre o tema, cumpre demonstrar agora que o seu comando não se relaciona com o exercício do poder de política previsto na Lei nº 7.182/15. Vejamos a comparação entre os poderes deferidos à competência comum, em que cada entidade federativa deve exercer no âmbito das suas respectivas atribuições e aqueles que foram chamados para si pelo legislador estadual na lei em exame.
Essa comparação é feita tomando por base quatro critérios contidos na tabela abaixo apresentada: a atividade estatal em que consiste a regulação, o objeto da regulação, a atividade privada que se regula e o objeto dessa atividade privada.
NORMA |
ART. 23, XI, CF |
LEI 7.182/15 |
Atividade Estatal |
Registro Acompanhamento Fiscalização |
Controle Monitoramento Fiscalização |
Regulação |
Concessão de Direitos |
Desempenho de Atividades |
Atividade Privada |
a) Pesquisa b) Exploração |
a) Pesquisa b) Exploração c) Lavra d) Produção e) Expansão f) Transporte g) Distribuição h) Utilização |
Objeto da Atividade Privada |
Recursos Hídricos Minerais |
Petróleo Gás |
Em relação à atividade estatal, verifica-se que a Constituição atribuiu o registro, o acompanhamento e a fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais, enquanto que a lei fluminense determinou o exercício do poder de polícia configurado no controle, monitoramento e fiscalização do desempenho das atividades de pesquisa, exploração, lavra, produção, expansão, transporte, distribuição e utilização de petróleo e gás. Nota-se que a visão do legislador estadual, a quem caberia uma pequena parcela no âmbito da cooperação entre os entes federativos, é desejoso de mais poderes dos que lhes foram constitucionalmente atribuídos, pois, se a fiscalização está prevista nos dois modelos, naquele estabelecido pela lei, o Estado, ao invés de registrar, controla. Não acompanha, mas monitora. Discrepâncias semânticas à parte, o regramento local intensifica os poderes que a Constituição atribuiu aos três entes legiferantes em contexto constitucional em que o papel estadual não é proeminente.
No que tange ao objeto da regulação, a Constituição atribui à competência comum o registro, o acompanhamento e a fiscalização da concessão de direitos de pesquisa e exploração dos recursos hídricos pela Agência Nacional de Águas (ANA) e minerais pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquias reguladoras federais, enquanto o poder de polícia estadual visa a muito mais do que a mera concessão pela ANP, mas ao próprio desempenho da atividade produtora pelos concessionários e contratados.
Naquilo que se refere à atividade privada que é objeto de regulação, a Constituição atribuiu à competência comum de pesquisa e exploração, atividades que, por serem anteriores à lavra e produção, não tem o condão de promover danos irreversíveis ao meio ambiente, enquanto a lei fluminense pretende regular não só essas fases preparatórias àlavra e produção, mas essas próprias atividades, além de outras posteriores como transporte, distribuição e utilização. Como se vê, o escopo regulatório fluminense é muito mais amplo do que aquele que foi atribuído à cooperação entre União, Estados e Municípios.
Por fim, enquanto na dicção constitucional o objeto da atividade privada regulada são os recursos hídricos e minerais, na norma fluminense, ressaem o petróleo e o gás. É claro que esses dois hidrocarbonetos constituem espécies do gênero mineral, seja a partir de uma consideração geológica, etimológica ou jurídica. Porém, é forçoso reconhecer que a regulação do petróleo e do gás possuiempeculiaridades constitucionais, legais e administrativas que lhes retiramdo âmbito de aplicação do art. 23, XI, CF. Dentre essas distinções que são relevantes para o caso concreto destaca-se, primeiramente, a disciplina constitucional específica do art. 177 da CF, que não só estabelece regras fortalecedoras do controle da União sobre a regulação da atividade, como atribui o monopólio federal dos direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural no subsolo terrestre nacional, bem como no mar territorial, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, o que não se dá com os demais minerais, cuja disciplina constitucional é estabelecida em termos que realçam de forma menos intensa a centralização regulatória pelo art. 176, CF. Do ponto de vista da regulação legal, a disciplina do petróleo e gás é também especificamente estabelecida pela Lei do Petróleo (Lei no 9.478/1997), em regime que muito discrepa do Código de Mineração (DL nº 227/67). No que tange ao exercício da regulação do petróleo e gás, compete à ANP, enquanto a pesquisa, a exploração, a lavra e a produção dos demais minerais é regulada pelo DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral.
Todas essas peculiaridades, a começar pelo desenho constitucional específico, fazem com que as atividades relativas ao petróleo sejam de competência exclusiva da União, não cabendo aos Estados e Municípios qualquer participação, salvo o recebimento dos royalties nos termos do §1ºdo art. 20, CF. Por isso, a concessão de direitos de pesquisa e exploração de petróleo e gás não é matéria subordinada ao exercício da competência comum do art. 23, XI. CF.
Como se pode ver, as atividades descritas no artigo 2º da Lei nº 7.182/15 em nada se relacionam com a previsão do inciso XI do art. 23, CF, pois extrapolam, em muito, o raio do interesse ambiental regional, invadindo a esfera federal de proteção ao meio ambiente ou de regulação da atividade petrolífera.
Deste modo, é o Estado incompetente para dispor a respeito do poder de polícia ambiental a que se refere o artigo 2º da Lei nº 7.182/15, sendo o seu exercício irregular, o que inviabiliza a cobrança da taxa nos termos do art. 78 do CTN e do art. 145, II, CF.
As balizas para o deslinde da questão não são utilizadas apenas para a solução da presente controvérsia, mas também para uma série de taxas minerárias que sem sendo instituídas pelos Estados produtores de recursos minerais e que nem sempre estão associadas a atividades de competência dos entes regionais. Espera-se do STF que possa, por ocasião do julgamento das ações judiciais que questionam esses tributos, preservar o equilíbrio federativo e a tutela dos direitos fundamentais dos contribuintes envolvidos.
Fonte: Direito do Estado, 14/07/2016
* Mestre em Direito Tributário pela UCAM. Doutor em Direito e Economia pela UGF. Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário (SBDT).
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