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Dano ambiental: TRF4 determina demolição de parte de imóvel que foi ampliado em área de APP sem licença ambiental

“O proprietário de um casa no Morro Santa Marta, em Laguna (SC), que ampliou o imóvel sem licença ambiental, terá que demolir a parte nova  e recuperar a vegetação local. No último dia 09/06/2016, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu manter sentença de primeiro grau, entendendo que a construção coloca em risco o bioma local. A ação civil pública foi movida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O morro e seu entorno são considerados Área de Preservação Permanente (APP) desde 2000. As edificações ficam a aproximadamente 200 metros do Farol de Santa Marta. É uma área de restinga, com dunas móveis e fixas, um promontório (local mais elevado) e praias marítimas em cujas águas há o trânsito baleias francas.

O caso chegou à Justiça em 2010, depois de o dono não ter atendido às notificações do órgão. Além da demolição da parte ampliada, o Ibama ainda exigiu o pagamento de indenização pelos danos ambientais causados.

Um laudo pericial foi realizado. O estudo constatou que, além de alterar a paisagem e a topografia da APP, a obra favorece a circulação de veículos e o despejo de resíduos que propiciam a instalação de espécies invasoras no meio ambiente.

Já o dono do imóvel à época e o atual habitante da moradia alegaram que a casa é anterior à instituição da área como APP e que foi construída com licença ambiental.

Em primeira instância, 1ª Vara Federal de Laguna (SC) deu parcial provimento à ação. Além da demolição da parte ampliada, a Justiça ordenou a elaboração de um plano de recuperação ambiental a fim de recompor a área degradada. Já o pedido de indenização foi negado, uma vez que a determinação de reparação dos prejuízos seria adequada. Os réus recorreram ao tribunal.

Na 4ª Turma, o relator do caso, desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, rejeitou o apelo. ‘Entendo que a apropriação e transformação da área de preservação permanente para interesses meramente individuais vai em sentido oposto à destinação comum dada pela Lei, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele’, disse”.

Fonte: TRF4, 20/06/2016.

Direito Ambiental

 Confira a íntegra da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000040-76.2010.4.04.7216/SC
RELATOR
:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE
:
alecsandro ronsani
ADVOGADO
:
alecsandro ronsani
:
JOÃO DANIEL BARBOSA
:
GUILHERME DE SOUZA BÚRIGO
APELANTE
:
GILSON SIDNEY SOARES DE SOUZA
ADVOGADO
:
PAULO MARCIO MOREIRA DE MOURA FERRO
APELANTE
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
APELADO
:
OS MESMOS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
 
Trata-se de apelação em Ação Civil Pública, ajuizada pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, objetivando a recuperação dos danos ambientais e a elaboração de projeto de recuperação pelo réu GILSON SIBNEY SOARES DE SOUZA, bem como a condenação ao pagamento de indenização decorrentes das obras de ampliação de imóvel no Morro de Santa Marta Grande, caracterizada como ares de preservação permanente.
Processado o feito, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para:
b.1) determinar aos réus, solidariamente, a procederem ou custearem a demolição total da edificação apontada na exordial, recuperando-se o dano ambiental ocorrido na área mencionada, removendo-se entulhos provenientes da demolição e implementando-se projeto de recuperação de área degradada (PRAD), tudo iniciando-se no prazo de 90 (noventa) dias a contar de sua intimação desta sentença, considerando a ausência de efeito suspensivo ex lege de eventual recurso de apelação (Lei n.º 7.347/85, art. 14), sob pena de multa diária a ser definida por ocasião do cumprimento da sentença, sem prejuízo de outras medidas coercitivas a serem fixadas na fase de execução, se necessário for, inclusive acréscimo do valor da multa;
b.2) determinar aos réus que comprovem nos autos, no prazo de 90 (noventa) dias, a publicação da sentença em jornal de circulação regional, sob pena de multa diária e outras medidas coercitivas, a serem avaliadas por ocasião do cumprimento.
Julgo improcedente o pedido de pagamento de indenização por danos ambientais.
A parte ré Gilson, apelou (evento 193), arguindo, preliminarmente, o provimento do agravo retido interposto em 12 dezembro de 2012. Relatou que a reforma efetuada pelo apelante foi realizada dentro dos limites da pequena propriedade, e, além disso, não acarretou degradação ou dano ambiental, bem como não causou lesão ao patrimônio ecológico. Sustentou que a exordial limitou-se a mencionar o dano ambiental, sem, no entanto identificá-lo e/ou especificá-lo. Requereu a reforma da sentença, uma vez que no local já havia construção, a qual contava com o conhecimento e aquiescência do SPU.
O IBAMA apelou (evento 195), postulando a reforma da sentença no que diz respeito a condenação do réu ao pagamento de indenização em dinheiro, pois entende que mesmo que um dia se consiga recompor a vegetação nativa a um status semelhante ao de sua supressão pelo apelado, ainda sim, houve dano irreparável. Sustentou que inúmeras espécies animais e vegetais morreram e todo o ecossistema foi atingido, causando deste modo, danos que por mais que sejam amenizáveis são indeléveis ao ecossistema.
Houve apelo também, pelo réu Alecsandro (evento 217), que em síntese insurgiu-se contra a determinação de demolição total da edificação. Alegou que a sentença é extra petita, já que não há pedido expresso de demolição na inicial. Entre outras coisas, sustentou que o imóvel está inserido em área especial criada pela Lei 1.658/2013 do Município de Laguna, destinada a moradias particulares.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento, perante a qual o MPF manifestou-se pelo provimento do apelo do IBAMA e pelo improvimento dos recursos dos réus.
É o relatório.
VOTO
Examinados os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença proferida, nos seguintes termos:
2. Fundamentação
1. Preliminares
As preliminares de prescrição, decadência e ilegitimidade passiva já foram afastadas pelo decisório do evento 99, ao qual me reporto para evitar tautologia.
2. Mérito
Consta dos autos que o IBAMA, em 04/11/1999, lavrou auto de infração contra o réu GILSON, pela execução de ‘construção, ampliação p/ fins de urbanizar em área costeira, superfície de costão, considerada de preservação permanente, de relevante interesse, sem licença/autorização, desrespeitando normas específicas’ (evento 1, PROCADM2, p. 1).
 
O IBAMA, na exordial, sustentou a irregularidade da edificação, porque localizada em área de restinga, dunas móveis e fixas, promontório e praia marítima. Também restou verificado que o imóvel estaria inserido na APA da Baleia Franca.
 
Inicialmente, convém ressaltar que, conforme restou atestado no laudo pericial (evento 113), a residência em questão não está situada em terreno de marinha. Contudo, resta caracterizada a competência da Justiça Federal, pois: a) o IBAMA, autarquia federal que é, compõe o pólo ativo, a atrair a regra do art. 109, inc. I da Constituição Federal; b) o imóvel está localizado dentro da APA da Baleia Franca, unidade de conservação federal, sujeita à fiscalização de outra autarquia federal – ICMBio, cuja anuência é também necessária para a emissão de licenciamentos ambientais (a respeito: TRF4, AC 5002516-19.2012.404.7216; TRF4, AC 2008.72.16.000014-7, v.g.).
 
2.1 APA da Baleia Franca
 
A prova técnica (evento 113) constatou que o imóvel encontra-se no interior da APA da Baleia Franca, unidade de conservação federal.
 
O art. 225 da Constituição Federal impõe ao Poder Público o dever de preservar e defender o meio ambiente, ao qual incumbe, dentre outras medidas, ‘definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (inc. III).
 
Este dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei n. 9.985/00, que, no art. 2º, inc. I, definiu como unidade de conservação o ‘espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
 
A conservação da natureza, por sua vez, entende-se, conforme inc. II daquele artigo, pelo ‘manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral.
 
A área de proteção ambiental foi estabelecida pela legislação unidade de uso sustentável (art. 14, inc. I), considerada como ‘área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
 
A APA da Baleia Franca foi criada pelo Decreto Federal sem nº, de 14/09/2000, com a finalidade de proteger, em águas brasileiras, a baleia franca austral, ordenar e garantir o uso racional dos recursos naturais da região, ordenar a ocupação e utilização do solo e das águas, ordenar o uso turístico e recreativo, as atividades de pesquisa e o tráfego local de embarcações e aeronaves (art. 1º).
 
Consoante art. 3º desse ato normativo, na área de proteção ambiental, ficam sujeitas à regulamentação específica dos órgãos competentes, dentre outras, as atividades de: implantação ou alteração de estruturas físicas e atividades econômicas na faixa de marinha e no espaço marinho (inc. V); implantação de projetos de urbanização, novos loteamentos e a expansão daqueles já existentes (inc. VI); implantação ou execução de qualquer atividade potencialmente degradadora do ambiente (inc. XI).
 
Por fim, o art. 4º dispõe que na APA ‘deverão ser adotadas medidas para recuperação de áreas degradadas, proteção da vegetação fixadora de dunas e melhoria das condições de disposições e tratamento de efluentes e lixo.
 
Retira-se, pois, da Lei Fundamental e da legislação que a regulamenta, que o Poder Público tem o dever de instituir unidades de conservação, às quais será dispensado um regime especial de proteção, e de zelar pela preservação ambiental dessas áreas protegidas. Se as atividades ou edificações, independentemente da época em que iniciadas ou erigidas, provocam degradação ecológica, é dever das autoridades competentes atuar para impedir, mitigar e recuperar os danos ambientais ocasionados.
 
Na lição de José Afonso da Silva:
 
Espaços territoriais e seus componentes, sem sentido ecológico, referem-se, na verdade, a ecossistemas. Se são dignos de proteção especial é porque são áreas representativas de ecossistemas. Sua definição, como tais, pelo Poder Público lhes confere um regime jurídico especial quanto à modificabilidade e quanto à fruição (…). Quer constituam bens de propriedade privada, quer bens de domínio público, ficam eles sujeitos a um regime jurídico de interesse público, pela relevância dos atributos naturais de que se revestem, postulando proteção especial (in Direito Ambiental Constitucional. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 237) (grifei).
 
No caso concreto, verifica-se que a construção ora hostilizada foi objeto de auto de infração em 04/11/1999.Contudo, ainda que realizada antes da criação da APA, em 14/09/2000, como restou aludido, o uso e a manutenção de edificação em desconformidade com os objetivos da área de proteção ambiental pode ensejar a ação do Poder Público e a demolição do imóvel, até porque inexiste direito adquirido a poluir.
 
O laudo pericial (evento 113) apontou os seguintes danos ambientais decorrentes da edificação erguida pelo réu GILSON e mantida pelo réu ALECSANDRO: alteração paisagística e de topografia; seu uso provoca geração de efluentes sólidos e líquidos (que são parcamente tratados); o favorecimento de espécies botânicas invasoras; a atração de veículos para o local; disposição inadequada de resíduos de construção civil; sistema de esgoto insuficiente à demanda.
 
Desse modo, resta demonstrado que o imóvel em questão prejudica qualidades ambientais do Morro de Santa Marta Grande, e sua utilização acarreta degradação ecológica.
 
Cabe referir que se trata de casa de veraneio, com finalidade turística, onde não residem os réus, ambos domiciliados em Criciúma/RS. E o lazer dos demandados, conquanto não se negue sua relevância, não deve preponderar sobre o direito ao meio ambiente equilibrado, mormente na situação dos autos, em que afetadas negativamente as características ambientais da região.
 
Ademais, segundo concluiu o perito judicial, não houve mera reforma do local, mas ampliação e construção de edificações novas, entre os anos de 1995 e 2011. Asseverou também o expert que, conforme documento da SPU de 1995, a estrutura ocupava 56,43m², e um levantamento realizado pelo réu em 1999 (evento 7) menciona o tamanho de 55m². Atualmente, o imóvel possui 124,52m², o que demonstra, assim, que os réus quase triplicaram as dimensões da construção.
 
A alegação de que a ocupação do local fora autorizada pela SPU, não isenta os demandados da responsabilidade ambiental, posto que: a) a manifestação desse órgão federal limita-se à anuência de ocupação em terreno de marinha, que não guarda qualquer relação com questões ecológicas; b) de qualquer modo, o imóvel não se encontra em terreno de marinha, como se depreende do laudo pericial, motivo pelo qual a autorização da SPU afigura-se sem efeitos para o fim a que se destinou; c) das certidões emitidas pela SPU consta que a ocupação é em caráter precário, não gerando para o ocupante quaisquer direitos sobre o terreno ou indenização pelas benfeitorias realizadas (evento 07, OUT2, pp. 7-16). Logo, os demandados sempre tiveram ciência de que sua ocupação no local revestia-se de caráter precário, que poderia ser revogada a qualquer momento.
 
Ademais, o auto de infração contra o réu GILSON, primeiro ocupante do local, foi lavrado pelo IBAMA em 04/11/1999 (evento 1, PROCADM2, p. 1), e aos 27/02/2008 consta recebimento de correspondência na residência do réu GILSON, emitida pelo IBAMA para efetivar a recuperação da área degradada (evento 1, PROCADM2, pp. 19-20), o que não foi feito (p. 21) e gerou o ajuizamento desta demanda. Portanto, já sabiam de sua situação irregulare somente depois desses fatos, no ano de 2009, é que foi solicitada a ‘regularização’ da obra na Prefeitura (evento 7, PROCADM2, pp. 34-42).
 
Por outro lado, a inércia do IBAMA em determinar a recuperação ambiental, na demora de quase dez anos desde a lavratura do auto de infração para tanto, e o acordo judicial entre a Prefeitura e GILSON no bojo de uma ação de nunciação de obra nova (evento 7, OUT2, p. 33) podem ter reflexos na mitigação da responsabilidade dos réus. No entanto, não os exime de reparar os danos ambientais, nem os libera para prosseguir em situação irregular.
 
Quanto ao laudo juntado pelo réu GILSON (evento 138, OUT2), consiste em documento particular e parcial, que confronta não apenas com outro laudo igualmente parcial, acostado pelo IBAMA (evento 1, PROCADM2), mas também, e principalmente, com a perícia judicial, elaborada de forma isenta e completa. Assim, diante da existência de dois laudos particulares divergentes, certamente devem ser privilegiadas as conclusões do perito de confiança do juízo.
 
2.2 Promontório e área de preservação permanente
 
O laudo pericial igualmente menciona que o imóvel objeto dos autos está edificado em área de promontório, qual seja, Morro do Cabo de Santa Marta Grande, conceituada pelo perito como ‘estruturas que atuam como barreiras físicas que interrompem o transporte de areia através da costa, de maneira a provocarem erosão e acumulação de sedimentos nas praias adjacentes a esta estrutura natural’.
 
Às áreas de preservação permanente também são tributadas especial proteção, para que ‘não ocorram erosão e assoreamento dos rios, deslizamentos e inundações que possam afetar a população’ (SILVA, Solange Teles, BORGES, Fernanda Salgueiro. Aplicação do Código Florestal: Áreas de Preservação Permanente e Riscos. In: LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental na Sociedade de Risco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 217).
 
Quanto à importância biológica para a conservação do local, assim se manifestou o expert:
 
Os ambientes costeiros são ecossistemas muito complexos e frágeis. Essa complexidade está relacionada com o fato desse ambiente ser o ponto de encontro entre a plataforma continental e o oceano. Já a sua fragilidade se dá pelas suas características típicas, como o alto teor de salinidade e a baixa concentração de nutrientes no solo (evento 113, LAUDPER2, p. 15).
 
O revogado Código Florestal, veiculado pela Lei n. 4771/65, não previa o promontório como área de preservação permanente.
 
No art. 2º, § 2º, inc. II, incluído pela MP 2166-67/2001, trazia a seguinte definição de área de preservação permanente: ‘área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas’.
 
Também não constou nas resoluções n. 303/2002 e 369/2006 do CONAMA.
 
A Lei n. 7661/88, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, conferiu à zona costeira elevada proteção ambiental, definiu o promontório como recurso natural dessa macrorregião (art. 3º, inc. I) e consignou que ‘a degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos naturais da Zona Costeira implicará ao agente a obrigação de reparar o dano causado e a sujeição às penalidades previstas no art. 14 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981’ (art. 7º).
 
Os promontórios foram reputados áreas de preservação permanente pela legislação estadual e municipal.
 
Com efeito, a Lei Estadual de Santa Catarina n. 5793/80, no art. 6º, estabeleceu que o ‘Poder Executivo poderá, mediante decreto, criar áreas de proteção especial e zonas de reserva ambiental, visando preservá-las e adequá-las aos objetivos desta Lei’. No § 1º, al. ‘b’, dispôs que essas áreas poderão compreender promontórios.
 
Já o Decreto Estadual n. 14.250/81 expressamente conferiu aos promontórios proteção especial:
 
Art.42 – São consideradas áreas de proteção especial:
(…)
II- os promontórios, as ilhas fluviais e as ilhas costeiras e oceânicas, estas quando cedidas pelo Governo Federal;
 
Art. 43 – Para efeito deste Regulamento, considera-se:
(…)
III- promontório – a elevação costeira florestada ou não que compõem a paisagem litorânea do continente ou de ilhas (grifei).
 
No art. 47 do mencionado ato normativo, restou caracterizada a área dos promontórios como non edificandi:
 
Art. 47. Nos promontórios, numa faixa de até 2.000(dois mil) metros de extensão, a partir da ponta mais avançada é proibido:
I – o corte raso da vegetação nativa;
II – a exploração de pedreiras e outras atividades que degradem os recursos naturais e a paisagem;
III- a edificação de prédios ou construções de qualquer natureza.
Parágrafo único – Mediante prévia autorização, desde que admitida pelos órgãos municipais ou, quando for o caso, pelos órgãos federais competentes, poderá ser deferido pedido de construção de que trata o item III, deste artigo (grifei).
 
Do mesmo modo, a Lei Orgânica do Município de Laguna, no art. 129, § 2º, inc. IX, atribuiu ao Morro do Cabo de Santa Marta Grande a condição de área de preservação permanente, non aedificante, vedada a transferência a particulares:
 
Art. 129. O Município coibirá qualquer tipo de atividade que implique em degradação ambiental e quaisquer outros prejuízos globais à vida, e ao meio ambiente:
(…)
§ 2º. Constituem áreas de preservação permanente do Município não edificante, salvo quando para instalação de empreendimentos turísticos e parques temáticos, que incentivem a educação ambiental, e sua utilização far-se-á na forma da Lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais: (MODIFICADO PELA EMENDA L.O.M. Nº 002/02)
(…)
IX – Morro do Cabo de Santa Marta Grande;
(…)
§ 3º. As áreas de preservação permanente, de relevante interesse ecológico e proteção ambiental não poderão ser transferidas a particulares a qualquer título.
 
Sendo assim, o imóvel dos réus, porquanto localizado em área de preservação permanente, cuja edificação e transferência a particulares é vedada, deve dali ser retirado, efetuada a devida recuperação do meio ambiente degradado.
 
De observar que, embora a legislação estadual confira à municipalidade a possibilidade de autorizar construções em promontórios, o próprio Município de Laguna declarou que o Morro do Cabo de Santa Marta Grande como área não-edificável e não transferível.
 
Ao depois, a obra foi realizada a descoberto de qualquer autorização, próximo ao ano de 1999. Cerca de dez anos depois é que a Prefeitura avalizou a obra (evento 7, OUT2, pp. 31-40), e isso mediante mera doação de notebook à FLAMA, a título de medida compensatória. Evidente, portanto, que essa providência não apresenta qualquer aptidão de mitigar os impactos ambientais causados pela construção, o que evidencia omissão da edilidade na tutela do meio ambiente.
 
Aliás, como restou assinalado acima, com fundamento no laudo pericial, a edificação causou e tem causado diversos prejuízos ambientais ao local.
 
Assim, o Município, ao autorizar a construção, violou sua própria Lei Orgânica, o que justifica a atuação supletiva do IBAMA, mesmo que para resguardar o meio ambiente protegido por legislação local. A respeito:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA DO IBAMA 1. O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização. 2. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação. 3. Compete ao IBAMA fiscalizar, ainda que de forma supletiva, o exercício de toda e qualquer atividade ou empreendimento que, de alguma forma, possa causar degradação ambiental, o que inclui a destruição de vegetação nativa em área de preservação permanente. (TRF4, AG 5009953-94.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D’azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 17/07/2013).
Importante mencionar que a existência de diversas outras residências na região não elide a obrigação de os réus preservarem o meio ambiente, nem impede a ação protetiva dos órgãos competentes e a aplicação das medidas necessárias à reparação dos danos ambientais causados. Essas outras edificações também poderão estar em situação irregular, e cabe aos órgãos competentes averiguar o fato.
 
Conforme constatou o perito, a região teve sua ocupação atual iniciada por pescadores que se estabeleceram no final do século XIX, logo após a construção do Farol de Santa Marta. A partir da década de 1990, a população e as construções no local aumentaram em grandes proporções e de forma não planejada, devido ao interesse turístico no local.
 
Percebe-se, desse modo, que os poderes públicos consentiram, nas últimas décadas, com a ocupação irregular, desordenada e ecologicamente lesiva do Morro do Cabo de Santa Marta, em afronta, inclusive, à própria Lei Orgânica. Lamentavelmente, emprestaram prioridade aos interesses imediatistas, em prejuízo de políticas sociais e ambientais de longo prazo e, assim agindo, renderam-se ao que se convencionou chamar viés do presente, muito bem explorado por Juarez Freitas: (…) existe tendência de buscar recompensas imediatas, sem perguntar sobre os efeitos a longo prazo, causando prejuízos de toda ordem (inclusive à saúde pública), por falhas nas escolhas intertemporais (in Hermenêutica Jurídica e a Ciência do Cérebro: como lidar com os automatismos mentais. Revista da Ajuris, ano XL, n. 130, jun de 2013, p. 236).
 
Sucede que esta tolerância, seguida de ações ilegais do Poder Público, não gera direito adquirido em permanecer em situação irregular, nem imuniza os réus da obrigação de recompor o meio ambiente degradado. Estão, é natural, preocupados com seus interesses de curto prazo, consubstanciados no desfrute de uma casa de veraneio. Contudo, esse interesse não prevalece sobre a obrigação constitucional de tutela do meio ambiente, a acarretar benefícios de longo prazo para a população.
 
Existe, na legislação e jurisprudência, certa tolerância para ocupação de áreas de preservação permanente em situações excepcionais, quando se tratar de comunidades tradicionais radicadas no local, envolver o direito à moradia ou área urbana consolidada. Não é o caso, porém, dos autos, que versa sobre casa de veraneio, construída em região de promontório, não urbanizada.
 
No ponto, importante mencionar emblemática decisão do STJ, que impôs a demolição de obra de hotel, construído em 1993, em promontório situado em Porto Belo/SC, e decretou a nulidade de licenciamento concedido pelo Município. Rejeitou-se, igualmente, a alegação de fato consumado e direito adquirido a poluir, ainda que a região já estivesse deteriorada e ocupada:
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. ZONA COSTEIRA. LEI 7.661/1988. CONSTRUÇÃO DE HOTEL EM ÁREA DE PROMONTÓRIO. NULIDADE DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA URBANÍSTICO-AMBIENTAL. OBRA POTENCIALMENTE CAUSADORA DE SIGNIFICATIVA DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EPIA E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL – RIMA. COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO-AMBIENTAL. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (ART. 4°, VII, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 6.938/1981). RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981). PRINCÍPIO DA MELHORIA DA QUALIDADE AMBIENTAL (ART. 2°, CAPUT, DA LEI 6.938/1981).
1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pela União com a finalidade de responsabilizar o Município de Porto Belo-SC e o particular ocupante de terreno de marinha e promontório, por construção irregular de hotel de três pavimentos com aproximadamente 32 apartamentos.
2. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, deu provimento às Apelações da União e do Ministério Público Federal para julgar procedente a demanda, acolhendo os Embargos Infringentes, tão-só para eximir o proprietário dos custos com a demolição do estabelecimento.
3. Incontroverso que o hotel, na Praia da Encantada, foi levantado em terreno de marinha e promontório, este último um acidente geográfico definido como ‘cabo formado por rochas ou penhascos altos’ (Houaiss). Afirma a união que a edificação se encontra, após aterro ilegal da área, ‘rigorosamente dentro do mar’, o que, à época da construção, inclusive interrompia a livre circulação e passagem de pessoas ao longo da praia.
4. Nos exatos termos do acórdão da apelação (grifo no original): ‘O empreendimento em questão está localizado, segundo consta do próprio laudo pericial às fls. 381-386, em área chamada promontório. Esta área é considerada de preservação permanente, pela legislação do Estado de Santa Catarina por meio da Lei n° 5.793/80 e do Decreto n° 14.250/81, bem como pela legislação municipal (Lei Municipal n° 426/84)’.
5. Se o Tribunal de origem baseou-se em informações de fato e na prova técnica dos autos (fotografias e laudo pericial) para decidir a) pela caracterização da obra ou atividade em questão como potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente – de modo a exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (Epia) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) – e b) pela natureza non aedificandi da área em que se encontra o hotel (fazendo-o também com fulcro em norma municipal, art. 9°, item 7, da Lei 426/1984, que a classifica como ‘Zona de Preservação Permanente’, e em legislação estadual, Lei 5.793/1980 e Decreto 14.250/1981), interditado está ao Superior Tribunal de Justiça rever tais conclusões, por óbice das Súmulas 7/STJ e 280/STF.
6. É inválida, ex tunc, por nulidade absoluta decorrente de vício congênito, a autorização ou licença urbanístico-ambiental que ignore ou descumpra as exigências estabelecidas por lei e atos normativos federais, estaduais e municipais, não produzindo os efeitos que lhe são ordinariamente próprios (quod nullum est, nullum producit effectum), nem admitindo confirmação ou convalidação.
7. A Lei 7.661/1988, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, previu, entre as medidas de conservação e proteção dos bens de que cuida, a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental – Epia acompanhado de seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental – Rima.
8. Mister não confundir prescrições técnicas e condicionantes que integram a licença urbanístico-ambiental (= o posterius) com o próprio Epia/Rima (= o prius), porquanto este deve, necessariamente, anteceder aquela, sendo proibido, diante da imprescindibilidade de motivação jurídico-científica de sua dispensa, afastá-lo de forma implícita, tácita ou simplista, vedação que se justifica tanto para assegurar a plena informação dos interessados, inclusive da comunidade, como para facilitar o controle administrativo e judicial da decisão em si mesma.
9. Indubitável que seria, no plano administrativo, um despropósito prescrever que a União licencie todo e qualquer empreendimento ou atividade na Zona Costeira nacional. Incontestável também que ao órgão ambiental estadual e municipal falta competência para, de maneira solitária e egoísta, exercer uma prerrogativa – universal e absoluta – de licenciamento ambiental no litoral, negando relevância, na fixação do seu poder de polícia licenciador, à dominialidade e peculiaridades do sítio (como áreas representativas e ameaçadas dos ecossistemas da Zona Costeira, existência de espécies migratórias em risco de extinção, terrenos de marinha, manguezais), da obra e da extensão dos impactos em questão, transformando em um nada fático-jurídico eventual interesse concreto manifestado pelo Ibama e outros órgãos federais envolvidos (Secretaria do Patrimônio da União, p. ex.).
10. O Decreto Federal 5.300/2004, que regulamenta a Lei 7.661/1988, adota como ‘princípios fundamentais da gestão da Zona Costeira’ a ‘cooperação entre as esferas de governo’ (por meio de convênios e consórcios entre União, Estados e Municípios, cada vez mais comuns e indispensáveis no campo do licenciamento ambiental), bem como a ‘precaução’ (art. 5°, incisos XI e X, respectivamente). Essa postura precautória, todavia, acaba esvaziada, sem dúvida, quando, na apreciação judicial posterior, nada mais que o fato consumado da degradação ambiental é tudo o que sobra para examinar, justamente por carência de diálogo e colaboração entre os órgãos ambientais e pela visão monopolista-exclusivista, territorialista mesmo, da competência de licenciamento.
11. Pacífica a jurisprudência do STJ de que, nos termos do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/1981, o degradador, em decorrência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 4°, VII (primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar – por óbvio que às suas expensas – todos os danos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que, consequentemente, torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização.
12. Ante o princípio da melhoria da qualidade ambiental, adotado no Direito brasileiro (art. 2°, caput, da Lei 6.938/81), inconcebível a proposição de que, se um imóvel, rural ou urbano, encontra-se em região já ecologicamente deteriorada ou comprometida por ação ou omissão de terceiros, dispensável ficaria sua preservação e conservação futuras (e, com maior ênfase, eventual restauração ou recuperação). Tal tese equivaleria, indiretamente, a criar um absurdo cânone de isonomia aplicável a pretenso direito de poluir e degradar: se outros, impunemente, contaminaram, destruíram, ou desmataram o meio ambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todos beneficie.
13. Não se pode deixar de registrar, em obiter dictum, que causa no mínimo perplexidade o fato de que, segundo consta do aresto recorrido, o Secretário de Planejamento Municipal e Urbanismo, Carlos Alberto Brito Loureiro, a quem coube assinar o Alvará de construção, é o próprio engenheiro responsável pela obra do hotel.
14. Recurso Especial de Mauro Antônio Molossi não provido. Recursos Especiais da União e do Ministério Público Federal providos. (REsp 769753/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 10/06/2011) (grifei)
 
2.3 Responsabilidade Civil por Danos Ambientais
 
A responsabilidade civil por danos ao meio ambiente encontra respaldo no art. 225, § 3º da Constituição Federal, que recepcionou o regime da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, prevista pela Lei n. 6.938/81, art. 14, § 1º. Restou albergada também pelo art. 7º da Lei n. 7661/88, que dispôs sobre a zona costeira, e decorre dos princípios do poluidor-pagador, da prevenção e precaução.
 
Além disso, a obrigação de recompor o meio degradado é propter rem, inerente à função socioambiental da propriedade, de modo que acompanha o imóvel e pode ser exigida dos adquirentes posteriores, ainda que não tenham sido autores da lesão ecológica.
 
A propósito:
 
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. TERRENOS DE MARINHA. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AGRAVANTE ADQUIRENTE DO TERRENO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. Improvimento do agravo de instrumento. (TRF4, AG 5002696-81.2014.404.0000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 27/03/2014)
(…)A responsabilidade pela reparação do dano ambiental constitui obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário a reparação por danos causados pelos proprietários antigos. Precedentes do STJ. 4. Impõe-se, na hipótese, a aplicação dos princípios do ‘poluidor-pagador’ e do ‘usuário-pagador’, previstos no art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/1981, segundo o qual cabe ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, a contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. 5. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. (TRF4, AC 0004811-27.2006.404.7216, Quarta Turma, Relator Luís Alberto D’azevedo Aurvalle, D.E. 02/04/2014)
(…) 2. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente.
(…) (STJ, AgRg no REsp 1367968/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 12/03/2014)
 
Consequentemente, tanto ao réu GILSON, primeiro ocupante do local e responsável pelas construções censuradas, como ao demandado ALECSANDRO, adquirente posterior do imóvel, devem ser atribuídas as obrigações de reparar a degradação ambiental. De qualquer forma, o laudo pericial atesta que os danos ambientais ainda estão presentes, e são, evidentemente, causados pelo último ocupante.
 
A determinação aos réus de demolição do imóvel e recuperação da área, enfim, é adequada à vocação do Direito Ambiental, que prioriza medidas preventivas, reparatórias e compensatórias, em lugar da mera indenização pelos danos ocasionados.
 
Conquanto tenha relatado o expert (evento 113, p. 6) que a medida somente mostrará efeito caso aplicada nos demais imóveis da região, essa circunstância não obsta a adoção de providências reparatórias e mitigadoras sobre a edificação específica dos demandados. Ao invés, a fim de minimizar os impactos ambientais gerados pela ocupação desorganizada do local, sobretudo pelo efeito de adensamento, revela-se necessária a demolição e recuperação, cabendo aos órgãos competentes agir em relação aos demais imóveis do entorno.
 
Assim já decidiu o e. TRF da 4ª R.:
 
DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE MARINHA. ZONA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA. 1. Além de configurar terreno de marinha, a área em que está situada a construção localiza-se em Zona de Preservação Permanente (ZPP) prevista na Lei Orgânica do Município de Laguna/SC, consoante informado pela Administração Municipal. 2. Embora prática temerária da Administração, a ausência de resposta aos pedidos efetuados pelo requerido junto do Serviço de Patrimônio da União, em face das normas citadas, cujos preceitos, sem sombra de dúvida são cogentes, não tem o condão de possibilitar ao particular que se apodere do bem, utilizando segundo seus próprios interesses. 3. As praias são bens públicos de uso comum, isto é, de utilização comum pela coletividade, devendo seu acesso ser garantido a todos e não podem ser objeto de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. 4. A apropriação e transformação da praia para interesses meramente individuais, vai em sentido diametralmente oposto à destinação comum dada pelo legislador, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele. 5. Sob este prisma exsurge inarredável a necessária ingerência do Judiciário sobre o mundo fático. Ocorre que, num mundo como o atual, onde cada vez mais, os problemas ambientais vêm degradando a qualidade de vida, todos têm responsabilidades a assumir e o Poder Judiciário, uma vez provocado, deve fazer prevalecer os postulados constitucionais e a lei, voltando-se para uma interpretação comprometida com essa realidade, para a melhoria do ecossistema. 6. Impõe-se a demolição da construção irregular (imóvel de alvenaria) e condenação do réu em proceder à completa reparação da área, através da remoção dos detritos, bem como pela plantação da vegetação característica do local. (TRF4, AC 2002.72.07.008762-6, Quarta Turma, Relator Marga Inge Barth Tessler, D.E. 27/08/2007, grifei) Grifei.
 
De outra parte, ainda que possível a cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar pelas agressões ao meio ambiente, no caso em voga é suficiente ordenar a recuperação do local degradado.
 
Isso porque, conforme restou admitido pelo perito judicial (evento 113, p. 6), embora o imóvel venha a ser gerador de impactos ao meio ambiente, ele é apenas mais um contribuinte para os danos ambientais, visto que há outros imóveis em seu entorno que também produzem interferências ambientais. Afirma, demais disso, que a cessão dos danos apontados requerem a demolição da edificação, de suas cercas e das espécies exóticas que a circundam
 
Ao depois, como ficou esclarecido acima, os réus foram induzidos em erro pelos poderes públicos. De fato, inicialmente, obtiveram da SPU, nos anos de 1989 e 1998, anuência para ocupação de terreno de marinha (evento OUT2, pp. 7-16), o que certamente criou uma aparência de legalidade da edificação. O IBAMA, por sua vez, demorou quase dez anos para determinar a recuperação da área degradada, pois lavrou o auto de infração no ano de 1999, e intimou o réu GILSON para tanto apenas no ano de 2008 (evento 1, PROCADM2, p. 20), o que acarretou, aliás, instauração de sindicância administrativa pela autarquia para apurar essa irregularidade. A Prefeitura, por fim, formalizou acordo em ação de nunciação de obra nova com GILSON, em 20/04/2001 (evento 7, OUT2, p. 33), ou seja, antes de ele saber que teria de reparar os danos ambientais. E posteriormente, no ano de 2009, acatou um pedido de ‘regularização’ da construção (evento 7, OUT2, pp. 34-42).
 
Sendo assim, é desproporcional condenar os réus a pagar indenização, além dos custos que terão com a demolição e recuperação do meio, se foram induzidos em erro pelo SPU, IBAMA e Município de Laguna, e contaram com a conivência duradoura do Poder Público.
 
Não é outro o entendimento do e. TRF da 4ª Região:
 
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DO MEIO AMBIENTE. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. DESNECESSIDADE DE CONDENAÇÃO DE INDENIZAÇÃO NO CASO EM APREÇO. 1. A demolição de edificação em Área de Preservação Permanente é medida adequada a cessar a agressão ao meio ambiente. 2. Presentes os elementos caracterizadores da responsabilidade civil por dano ambiental, impõe-se a condenação da parte ré à reparação do dano por meio de apresentação de PRAD ao IBAMA em prazo de 90 dias, a contar da presente decisão, pois – considerado o transcurso de tempo – resta inviabilizada a determinação de contagem de prazo desde a sentença. 3. Ainda que possível a cumulação da obrigação de fazer, consistente na recuperação do dano ambiental in natura, com a condenação ao pagamento de indenização, nos termos do art. 3º da Lei 7.347/85, diante da ausência de demonstração de ocorrência de outros prejuízos e, tendo sido determinada a recuperação da área, a partir de projeto de recuperação de área degradada (PRAD), descabida a condenação ao pagamento de indenização. (TRF4, AC 5000237-21.2011.404.7208, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 29/08/2013) (grifei)
 
2.4 Publicação da sentença
 
O IBAMA pugnou pela publicação da sentença em jornal de âmbito regional, a ser patrocinada pelos suplicados.
 
A divulgação deste veredicto é providência que se afina com a necessária informação ambiental, prevista expressamente pelo Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992, verbis:
 
(…) No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. (…)
 
O princípio da informação também tem assento constitucional (CF, art. 225, § 1º, inc. IV) e legal (Lei n. 6938/81, art. 9º, incs. VII e XI).
 
Proporcionar o acesso da comunidade ao conteúdo desta decisão tem a possibilidade de atenuar a pressão sobre a área especialmente protegida do Cabo de Santa Marta, de molde, ao menos, a frear a expansão desordenada das ocupações ecologicamente lesivas.
 
A medida encontra pode ser ordenada com fundamento no art. 461, § 5º do CPC, e art. 84, § 5º do CDC, os quais proporcionam ao juiz o poder de impor providências apropriadas para a tutela do direito material, ainda que não tipificadas em lei. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni, esses dispositivos, ao dispensarem a ação de execução para obrigações de fazer e não-fazer, tiveram a ‘nítida intenção de conferir ao juiz que proferiu a sentença a possibilidade de determinar a medida executiva adequada ao caso concreto, mesmo que não expressamente tipificada na lei’ (in Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 123).
 
A jurisprudência tem admitido a publicação da sentença em determinadas ocasiões. A respeito:
 
A publicação da sentença não caracteriza dupla condenação pelo mesmo fato e pode ser imposta na sentença que deferiu indenização pelo dano extrapatrimonial, a ser cumprida imediatamente depois do seu trânsito em julgado.
(…) (STJ, REsp 265146/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2000, DJ 12/03/2001, p. 147)
 
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. POLO PASSIVO OCUPADO PELO IBAMA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REPARAÇÃO POR OCASIÃO DE TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. Apelação desprovida. (TRF4, AC 5000906-17.2010.404.7206, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, juntado aos autos em 31/05/2013)
 
Em conclusão, o demandado deverá: a) promover a demolição da edificação, bem como elaborar plano de recuperação de área degradada (PRAD), que observe as recomendações do ICMBio. Os réus deverão iniciar a implementação do PRAD no prazo de 90 (noventa) dias após a aprovação pelo órgão ambiental – ICMBio, encerrando-o dentro do cronograma estipulado, sob pena de incidência de multa diária a ser definida por ocasião do cumprimento da sentença; b) custear a divulgação da sentença em jornal de circulação regional, no prazo de 90 (noventa) dias, que deverá ser comprovada nos autos nesse mesmo prazo.
 
Do agravo retido – evento 110
Insurgem-se os réus acerca da decisão proferida nos autos de origem, postulando seja conhecido o recurso de agravo retido interposto, em face do afastamento de preliminar de prescrição.
A r. decisão recorrida foi proferida nos seguintes termos (evento 99):
2. Decadência e prescrição
Não merece acolhida a arguição de ocorrência de decadência ou prescrição, já que a ação de reparação de dano ambiental, em razão da natureza do bem jurídico tutelado, não se sujeita a prazos decadenciais ou prescricionais, inexistindo direito adquirido de degradar.
Sustenta o recorrente que a intenção de reparação do meio ambiente diz com auto de infração lavrado em novembro de 1999, o que se conclui pela necessidade ser reconhecida a prescrição.
Não merece respaldo a insurgência do recorrente. A pretensão de reparação ao meio ambiente não prescreve na medida em que o dano ocasionado, no caso, pela alegada utilização de área em preservação permanente, se repete a cada dia, não precluindo o direito da coletividade a sua reparação.
Nestes termos:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO. ACEITAÇÃO DE MEDIDA REPARATÓRIA. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CONTROVÉRSIA NÃO DESLINDADA PELA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA DE IDENTIDADE FÁTICA E JURÍDICA. DA IMPOSSIBILIDADE DE INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS QUE NÃO FORAM OBJETO DE ANÁLISE PELA CORTE A QUO.
1. Trata-se de Ação Civil Pública que visa não só discutir a obrigação de reparação do dano, mas a de não degradação de área de preservação. O pedido inicial abrange não só a cessação dos atos, mas a elaboração de plano de recuperação e sua execução, após a demolição do empreendimento existente no imóvel situado à área de proteção.
2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado, motivo pelo qual as ações de pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis.
3. A controvérsia relativa à efetiva reparação do dano, consubstanciada na aceitação de medida reparatória, não se deduz, ao menos da análise perfunctória dos julgados originários.
Conferir interpretação diversa exigiria a incursão no universo fático-probatório, vedada ante ao óbice trazido pela Súmula 7 deste Superior Tribunal de Justiça e implicaria contraditar o relatado pela Corte originária.
4. O destrame realizado pelo Tribunal de origem ficou restrito ao tema prescrição, As demais questões ficam para exame futuro, uma vez que exigem ampla e aprofundada análise de fatos e provas, sob pena de indevida supressão de instância. Nesse contexto, ainda que não incidente o óbice acima enunciado, seria de rigor o não conhecimento do recurso especial neste ponto, por ausência de prequestionamento.
5. Ausente similitude fática que demonstre a divergência jurisprudencial invocada.
6. A apresentação de novos fundamentos para reforçar a tese trazida no recurso especial representa inovação, vedada no âmbito do agravo regimental.
7. Matérias que não foram objeto de análise no Tribunal a quo encontram empeço de avaliação nesta Corte, por ausência de prequestionamento.
Agravo regimental improvido.
– AgRg no Resp 1421163/SP, Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 17/11/2014.
Nego provimento, pois, ao agravo retido.
Sobre a alegação de sentença extra petita considero que a ação civil pública proposta para fins de recuperação de meio ambiente degradado contém o objetivo de reparação do local atingido ao status quo ante. Sendo assim, cabe ao Julgador a análise das medidas necessárias ao desiderato, dentre elas, incluída a possibilidade de demolição, que logicamente decorre da literalidade do pedido:‘proceder à recuperação total do dano ambiental perpetrado’.
Do artigo 11 da Lei da Ação Civil Pública, extrai-se o referido ensinamento, na medida em que estabelece na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.’
Neste sentido, já decidiu o Col. STJ: ‘Inexiste o julgamento extra petita quando o acórdão recorrido opta por solução que, embora não expressa na petição inicial, estava implícita no pedido deduzido em juízo’ (REsp 200.453, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, j. 16-5-2006).
Improcede, pois, a alegação.
Inicialmente, friso que o fato de ter concedido antecipação de tutela recursal (evento 7) não vincula este Relator a provimento do apelo da parte. O deferitório levou em consideração a possibilidade de o cumprimento da medida de demolição causar prejuízo irreparável e de difícil reparação caso este Colegiado entenda pelo provimento do pleito. Para tanto, frente às alegações trazidas em sede de apelo, entendi por bem, naquele momento, alcançar efeito suspensivo ao recurso até o presente julgamento. Ocorre que, diante do aprofundamento da questão trazida, tenho que as mesmas razões não se mosram suficientes ao provimento do pleito recursal.
A v. sentença merece ser mantida pelos seguintes fundamentos:
– o imóvel se encontra dentro da APA Baleia Franca – Morro de Santa Maria Grande (prova pericial – evento 113);
– APA Baleia Franca trata-se de unidade de conservação federal, onde há necessária observância do regramento legal para fins de ocupação;
– segundo Decreto Federal sem nº, de 14/09/2000, a APA Baleia Franca foi criada com a finalidade de proteger, em águas brasileiras, a baleia franca austral, ordenar e garantir o uso racional dos recursos naturais da região, ordenar a ocupação e utilização do solo e das águas, ordenar o uso turístico e recreativo, as atividades de pesquisa e o tráfego local de embarcações e aeronaves (art. 1º). Consoante artigo 3º ficam sujeitas à regulamentação específica dos órgãos competentes, dentre outras, as atividades de: implantação ou alteração de estruturas físicas e atividades econômicas na faixa de marinha e no espaço marinho (inc. V); implantação de projetos de urbanização, novos loteamentos e a expansão daqueles já existentes (inc. VI); implantação ou execução de qualquer atividade potencialmente degradadora do ambiente (inc. XI).
a criação da APA Baleia Franca em momento posterior à lavratura de auto de infração ou existência da construção no local, não afasta a conclusão de que o imóvel não pode se manter edificado. Na linha do lançado no comando sentencial: No caso concreto, verifica-se que a construção ora hostilizada foi objeto de auto de infração em 04/11/1999.Contudo, ainda que realizada antes da criação da APA, em 14/09/2000, como restou aludido, o uso e a manutenção de edificação em desconformidade com os objetivos da área de proteção ambiental pode ensejar a ação do Poder Público e a demolição do imóvel, até porque inexiste direito adquirido a poluir. Ademais, o dano ao meio ambiente não se verifica apenas pela construção em APA Baleia Franca, mas segue por se tratar de promontório, área de preservação permanente, e caso que não se amolda com aquelas em que se estaria autorizada a construção de imóvel, no caso de lazer.
– o laudo pericial indica: a data inicial de ligação da primeira construção com a Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina) ocorreu em outubro de 1989; imagens de levantamento topográfico deixam claro que no ano de 1995 tem-se a mais antiga edificação, com metragem aquém da atual; em 1978 não havia registro de imóvel no local; a carta da SPU cadastra a obra em 1995.Sendo assim, ao tempo em que existentes as construções já havia a legislação referente a proteção aos promontórios.
– consta do laudo pericial (evento 113) que A reforma realizada no imóvel proporcionou aumento da capacidade de alojamento da edificação, o que acarreta no aumento da produção de resíduos sólidos e líquidos -principalmente por se tratar de edificação de veraneio. Além disso, verificou-se disposição inadequada de resíduos de construção civil e um sistema de tratamento e esgoto ineficiente. … que o imóvel trata-se de casa de veraneio perfazendo um total de 124,52m² … que o Cabo de Santa Marta é considerado área non aedificandi e sua utilização far-se-á na forma da lei…que o Cabo de Santa Marta é considerado promontório e que promontório é definido como área de proteção especial; que o prédio sofreu alterações desde 1999; … que os danos decorrentes da presença de edificação estão relacionados com alteração paisagística e alteração topográfica; que seu uso, provoca a geração de efluentes sólidos e líquidos (que são parcamente tratados) e o favorecimento de espécies botânicas invasoras e a atração de veículos; a residência não se encontra licenciada pela FATMA ou IBAMA;
a autorização de ocupação do local pela SPU não altera a conclusão de que há responsabilidade ambiental pelo dano causado, na medida em que aquela Secretaria apenas atua anuindo na utilização de terreno de marinha;
– o fato de existir, no local, outras unidades de moradias/casa de veraneio não altera a conclusão estabelecida para a presente ação;
– É cediço que, em se tratando de edificação situada em área de preservação permanente, ocupada em desacordo com as normas jurídicas da espécie, impõe-se ao poluidor responsável pela atividade causadora de degradação ambiental a obrigação de reparar e ou indenizar os danos causados, nos termos do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal e dos artigos 4º, VII e 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81. A reparação pode demandar, inclusive, a demolição da obra irregularmente edificada, conforme determina o artigo 72, VIII, da Lei n. 9.605/98, pois, somente desta forma se atinge a completa restauração e recuperação da área degradada.
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a respeito da impossibilidade de construção em área de preservação permanente e da conseqüente obrigação de reparar os danos causados, é pacífica:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO DE OBRA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LEI Nº 4.771/65. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. POSSIBILIDADE. DEMOLIÇÃO. PLANO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA (PRAD). 1. É irregular a construção de obra em área de preservação permanente, constituindo manguezal e mata ciliar, nos termos da Lei nº 4.771/65, art. 2º, ‘f’, e da Resolução do CONAMA n° 303, de 20.03.2002, e, conseqüentemente, área non aedificandi, razão pela qual a demolição integral é medida que se impõe, bem como os reparos aos danos ambientais correspondentes a toda extensão lesada. 2. A Lei nº 7.347/85 (art. 3º) não impede a cumulação de pedidos de obrigação de fazer, na medida em que se deve considerar a situação ofensiva ao interesse difuso ou coletivo que o autor pretenda coibir. (Precedente do STJ). (TRF4, AC 2002.72.08.005357-1, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Márcio Antônio Rocha, D.E. 09/02/2009)
  
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E A SUA RECUPERAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. – A área em questão é definida como de preservação permanente, tendo sido demonstrado nestes autos que houve degradação de recursos naturais. O laudo pericial constatou que o réu edificou sobre restinga fixadora de dunas uma casa de alvenaria, de modo que foi retirada a vegetação nativa para a construção da casa. Assim, ficou claramente evidenciada a degradação ao meio ambiente. – De outro lado, o direito de propriedade não possui caráter absoluto. Prestigiar, em casos como o presente, o direito de propriedade é comprometer à preservação do meio ambiente. – Ademais, a área em questão constitui-se em terreno de marinha, consoante esclareceu o laudo pericial, sendo necessária autorização para sua utilização, autorização que, na hipótese, seria inviável em face da caracterização da área como de preservação permanente. (TRF4, AC 2002.04.01.025208-0, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, publicado em 13/09/2006).
– No caso dos autos, o direito de propriedade está sendo exercido em desarmonia com sua função social, onde se tem o direito ambiental. Sendo assim, a edificação em área considerada de preservação permanente, em violação às normas ambientais de vigência, como é o caso dos autos, não merece ser mantida.
Diante disso, entendo que a apropriação e transformação da área de Preservação Permanente para interesses meramente individuais, vai em sentido diametralmente oposto à destinação comum dada pelo legislador, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele.
– por fim, acerca da legislação referida pelo recorrente, como permissora da ocupação no local (Lei nº 1658/2013), não tem aplicação no caso concreto. Tal lei refere que a Zona Especial do Farol de Santa Marta (ZEFSM) corresponde à área urbana próxima ao promontório do Cabo de Santa Marta, caracterizada por uso misto, inclusive residencial com a presença de Habitações de Interesse Social (HIS) de comunidade pesqueira tradicional, onde também se desenvolvem usos e atividades de comércio e serviço, principalmente associadas ao turismo, assim como usos e atividades institucionais e comunitários, considerada de média a alta densidade.
§ 1º Existem nesta zona especial algumas infraestruturas urbanas e serviços públicos e comunitários adequados já instalados, entre eles rede de abastecimento de água, drenagem de águas pluviais, coleta de resíduos sólidos, entre outros; possuindo relativa fragilidade ambiental e declividades que variam de moderada a alta.
§ 2º Esta zona tem como objetivo delimitar área prioritária para ações de infraestruturação e regularização fundiária por parte do poder público, além de ordenar a ocupação existente e diminuir sua densidade de ocupação e constantemente monitorá-la.
§ 3º A implantação desta zona visa permitir a instalação de habitações populares da comunidade típica da região, possibilitando o acesso às moradias à população de baixa renda desde que haja manutenção e ampliação de infraestrutura e serviços públicos existentes, respeitado as condicionantes físico-ambientais próprias da zona. Tornando-se obrigatória a adoção de soluções sanitárias (fossa, filtro e sumidouros) para as novas edificações, bem como, quando da realização de reformas das edificações já existentes.
§ 4º Esta zona especial ainda tem como finalidade permitir e fomentar o desenvolvimento sustentável de usos e atividades de comércio e serviço ligadas ao setor de turismo, sendo esta outra vocação importante da região e importante fonte de renda e emprego das populações tradicionais, devendo ser desenvolvidas de forma equilibrada e respeitado as condicionantes físico-ambientais e econômicas da zona, fazendo-se obrigatório a implantação de soluções sanitárias relativas aos efluentes gerados, por meio de Estações de Tratamento de Efluentes (ETE), construídas dentro das normas da ABNT e com acompanhamento de técnico profissional qualificado quando da criação de novos empreendimentos, bem como, análise por parte do Conselho Municipal de Desenvolvimento (CMD), da necessidade da ultimação destas medidas, no caso de reforma dos estabelecimentos já existentes.
§ 5º Os usos e atividades desta zona especial devem se desenvolver de forma a zelar, conservar e preservar os sambaquis e os aquíferos subterrâneos próximos, em especial nas áreas de campos de dunas e restingas do entorno da região.
§ 6º Os parâmetros urbanísticos desta zona especial presentes na tabela do Anexo 13, bem como o detalhamento de suas Áreas e Zonas, estão ilustradas em mapa específico, Anexo 8 desta lei.
Conquanto o caso dos autos não se identifique com as referências indicadas pela legislação referida pelo autor, certo que se está diante de casa de veraneio, a verdade é que a própria municipalidade, através da Lei Orgânica do Município, refere o Morro do Cabo de Santa Marta como área de preservação permanente, in verbis:
Art. 129. O Município coibirá qualquer tipo de atividade que implique em degradação ambiental e quaisquer outros prejuízos globais à vida, e ao meio ambiente:
I – controlando e fiscalizando a instalação, proteção, estocagem, transporte, comercialização e utilização de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco efetivo ou potencial à qualidade de vida e ao meio ambiente;
II- registrando, acompanhando e fiscalizando as concessões e direitos de pesquisa e exploração de recursos naturais, renováveis ou não,no território do Município;
II – realizando, periodicamente, auditorias nos sistemas de controle de poluição, e riscos de acidentes nas instalações e atividades de significativo potencial de gradação ambiental;
IV – exigindo, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ambiental, estudo prévio de impacto de meio ambiente, ao qual se dará publicidade.
§ 1º. Aquele que for autorizado a explorar recursos minerais,fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na formada lei.
§ 2º. Constituem áreas e preservação permanente do Município não edificante, salvo quando para instalação de empreendimentos turísticos e parques temáticos, que incentivem a educação ambiental, e sua utilização far-se-á na forma da Lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais:(MODIFICADO PELA EMENDA L.O.M.Nº 002/02)
I – áreas verdes dos morros e coberturas florestais nativas e primitivas, obedecida à legislação federal pertinente;
II – monumentos e paisagens de excepcional beleza;
III – sítios arqueológicos, inclusive o Morro do Casqueiro, na localidade e Cabeçuda;
IV – Parque Municipal do Morro da Glória;
V – Morro do Gy;
VI – Morro do Iró;
VII – Morro do Cabo de Santa Marta Pequena;
VIII – Morro da Ponta da Ilhota até a Praia da Tereza;
IX – Morro do Cabo de Santa Marta Grande;
X – Lagoa de Santo Antônio dos Anjos;
XI – mananciais de água que abastecem a cidade;
XII – rios, lagoas, lagos, córregos e quedas d’água situadas na circunscrição do Município;
XIII – as praias e as dunas que as margeiam;
XIV – a área que começa na ponta do Tamborete, seguindo o rumo sul pela Ponta do Gravatá, praia do Gravatá, até o final da praia do Siri, a contar da faixa de marinha ao cume dos respectivos morros;
XV – lagoa do Nóca, na Ponta da Barra;
XVI – morro do Itapirubá.
§ 3º. As áreas de preservação permanente, de relevante interesse ecológico e proteção ambiental não poderão ser transferidas articulares a qualquer título.
Sendo assim, não prevalece a intenção na manutenção da edificação existente no local.
Da apelação do IBAMA – cumulação com obrigação de indenizar
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade norteiam a responsabilidade civil e determinam que a reparação da conduta lesiva causada ao meio ambiente deve ser proporcional ao dano gerado, atentando para um critério razoável que, de um lado, não deixe o degradador/poluidor com a sensação de impunidade, mas que também não seja causa de ruína do mesmo.
Não procede a apelação do IBAMA quanto ao pedido de cumulação da condenação de indenização à condenação de obrigação de fazer já fixada. Isso porque a demolição da edificação e a recuperação da área degradada através da elaboração e execução de PRAD mostra-se medida suficiente para promover a completa reparação do local degradado no local. A cumulação mostra-se possível, mas entendo que deva ser determinada de acordo com princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
Por oportuno, transcrevo excerto de julgamento desta Quarta Turma, que bem elucida a questão:
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO EM DUNAS. DANOS AO MEIO AMBIENTE. RECUPERAÇÃO IN NATURA E INDENIZAÇÃO. CUMULAÇÃO. 1. Em sendo incontroverso que a área litigiosa classifica-se como de preservação permanente, por ser região com vegetação de restinga fixadora de dunas, é inafastável o dever do agente à integral recuperação do meio ambiente degradado. 2. Se a recuperação in natura é suficiente para a recomposição do meio ambiente degradado, não há razão para impor ao infrator, cumulativamente, o dever de indenizar em pecúnia o dano perpetrado. 3. A responsabilidade do Município à restauração do meio ambiente é solidária, uma vez que a obra irregular foi autorizada, mediante a concessão de alvará em desacordo com a legislação ambiental.
 (TRF-4 – APELREEX: 50026449320124047101 RS 5002644-93.2012.404.7101, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 10/12/2015, QUARTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 06/01/2016) – sem grifos no original
Assim, se tem que, com base no princípio da reparação in natura, a obrigação de fazer é medida bastante para recuperar a área degradada, nesse caso, por meio de demolição das obras no local e elaboração e execução de PRAD.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e às apelações.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000040-76.2010.4.04.7216/SC
RELATOR
:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE
:
alecsandro ronsani
ADVOGADO
:
alecsandro ronsani
:
JOÃO DANIEL BARBOSA
:
GUILHERME DE SOUZA BÚRIGO
APELANTE
:
GILSON SIDNEY SOARES DE SOUZA
ADVOGADO
:
PAULO MARCIO MOREIRA DE MOURA FERRO
APELANTE
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
APELADO
:
OS MESMOS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. AGRAVO RETIDO – PRESCRIÇÃO – IMPROVIMENTO. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RECUPERAÇÃO DANO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO IN NATURA. DEMOLIÇÃO DA EDIFICAÇÃO E ELABORAÇÃO DE PRAD.
1. A pretensão de reparação ao meio ambiente não prescreve na medida em que o dano ocasionado, no caso, pela alegada utilização de área em preservação permanente, se repete a cada dia, não prescrevendo o direito da coletividade a sua reparação.
2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade norteiam a responsabilidade civil e determinam que a reparação da conduta lesiva causada ao meio ambiente deve ser proporcional ao dano gerado.
3. Incontroverso que a área litigiosa classifica-se como de preservação permanente. Portanto, inafastável o dever do agente à integral recuperação do meio ambiente degradado.
4. Com base no princípio da reparação in natura, a obrigação de fazer é medida suficiente para recuperar a área degradada, não havendo razão para impor, cumulativamente, o dever de indenizar em pecúnia o dano perpetrado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 08 de junho de 2016.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador8173651v14 e, se solicitado, do código CRC 22BFA76B.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Data e Hora: 09/06/2016 13:25

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