domingo , 24 novembro 2024
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Breves considerações acerca da decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região relativa a questão do Coral-sol na Baía de Ilha Grande

por Rebeca de Souza.

 

Recentemente, em 12.07.2017, o desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região proferiu importante decisão que envolve o tema do Coral Sol, questão de alta indagação  no âmbito do Direito Ambiental e que vêm atingindo diretamente o setor de petróleo e gás no Brasil.

Trata-se da decisão que concedeu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento n.º 0007499-47.2017.4.02.0000 interposto pela Petrobras visando a reforma de decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Angra dos Reis, nos autos da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal que determinou aos réus PETROBRAS, TRANSPETRO, ESTALEIRO BRASFELS, TERMINAL ILHA GUAÍBA (TIG) e TECHNIP, a realização de diversas medidas relacionadas a elaboração de estudos, planos, laudos de vistoria e inspeções em embarcações, plataformas e embarcações de apoio.

No entendimento do ilustre desembargador, embora as medidas determinadas em sede liminar possam contribuir para a eficaz instrução processual e formação do convencimento do juízo, algumas questões devem ser consideradas no caso concreto, quais sejam:

  • a discutível eficácia das medidas estabelecidas, visto que, embora a propagação do Coral Sol Baía de Ilha Grande seja notória, trata-se de mera suposição o fato de que as plataformas, embarcações e outras instalações utilizadas na exploração de petróleo sejam as únicas responsáveis pela propagação do Coral Sol;
  • a excessiva oneração das empresas do setor de petróleo e gás, em detrimento dos outros segmentos da exploração empresarial marítima;
  • a necessidade de estabelecimento de medidas mais abrangentes para o equacionamento dos eventuais danos à biodiversidade marítima decorrentes da disseminação do coral-sol;
  • a existência de um Grupo de Trabalho, instituído pela Portaria MMA n. 94, de 6 de abril de 2016, com a finalidade de fornecer assessoramento técnico e coordenar a elaboração de um plano de controle e monitoramento da bioinvasão do coral-sol.

Tais considerações ensejaram a seguinte conclusão:

7. Assim sendo, entendo que a prudência recomenda, que diante da ausência do periculum in mora, dado que, como resta assentado, a invasão pelo coral-sol em águas brasileiras e na Baía da Ilha Grande data de mais de trinta anos e do fato de que as medidas determinadas tem eficácia duvidosa ante à dimensão do problema, seja suspensa a decisão proferida às fls. 2415/2420 dos autos da ação civil pública, até o julgamento final do presente agravo.

Observa-se que, ainda que de forma implícita, a decisão em comento apresenta um interessante juízo de proporcionalidade, a partir dos requisitos que informam este princípio, quais sejam, adequação (aptidão da medida para alcançar a finalidade pretendida), necessidade (indispensabilidade da medida) e proporcionalidade em sentido estrito.

A realização deste juízo é essencial para a obtenção de decisões justas, que ponderem os direitos estão comumente em conflito nas ações envolvendo temas ambientais:  a garantia constitucional do livre exercício da atividade econômica, consagrada no parágrafo único do art. 170 da CF e o direito ao meio ambiente ecologicamente protegido, consagrado no art. 225 da CF.

É certo que a manutenção das medidas determinadas pelo juízo de 1ª instância, além de não serem aptas a finalidade pretendidas, que, em última análise, consiste na erradicação do Coral-sol na Baía de Ilha Grande, poderiam acarretar prejuízos irreparáveis ao desenvolvimento das atividades desenvolvidas pelas empresas rés.

Não se pode negar que a questão do Coral-sol nas águas jurisdicionais brasileiras é importante e merece ser melhor desenvolvida a fim de evitar danos a biodiversidade marítima. Assim é que a mesma está sendo conduzida pelos órgãos ambientais federais, com a colaboração de diversos setores da sociedade, inclusive do setor de petróleo e gás, por meio do GT instituído pelo MMA.

Todavia, tal demanda não pode onerar excessivamente o desenvolvimento de atividades marítimas relacionadas ao setor de petróleo e gás, de modo a torná-las inviáveis, o que traria prejuízos significativos à já combalida economia brasileira.

Rebeca de Souza é Advogada, Consultora Jurídica na Petrobras e Mestre em Direito da Cidade pela UERJ.

Direito Ambiental

Confira a íntegra da decisão:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

Agravo de Instrumento – Turma Espec. III – Administrativo e Cível

0007499-47.2017.4.02.0000 (2017.00.00.007499-0)

 

DECISÃO

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto por Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras – objetivando a reforma de decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 1a Vara Federal da Subseção Judiciária de Angra dos Reis, Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que, nos autos da Ação Civil Pública registrada sob o n. 0151584-90.2015.4.02.5111, movida pelo Ministério Público Federal em face da ora agravante e outros, deferiu medida liminar, para determinar:

 

“a) que os réus PETROBRAS – PETRÓLEO BRASILEIRO S/A, TRANSPETRO – PETROBRAS TRANSPORTE S/A, ESTALEIRO BRASFELS LTDA, VALE S/A – TERMINAL ILHA GUAÍBA (TIG) e TECHNIP OPERADORA PORTUÁRIA S/A, apresentem, no prazo de 60 (sessenta) dias, laudo de vistoria nos respectivos terminais, e em todos os navios, plataformas, meios flutuantes e estruturas submersas que possam servir de substrato para fixação do Coral-Sol, que tenha relação direta e indireta com as respectivas atividades empresariais, bem como plano emergencial e cronograma de execução, para controle da presença das espécies exóticas invasoras do gênero Tubastraea (Coral-Sol) nas respectivas estruturas, devendo o aludido plano prever o monitoramento e o controle periódico da espécie, com acompanhamento e supervisão do IBAMA, apoio técnico do Instituto Brasileiro de Biodiversidade (Projeto Coral-Sol) e apoio científico do Departamento de Ecologia – Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (UERJ), com apresentação de relatórios trimestrais acerca do avanço da situação;

b) que o réu PETROBRAS – PETRÓLEO BRASILEIRO S/A, sob supervisão do IBAMA, apoio técnico do Instituto Brasileiro de Biodiversidade (Projeto Coral-Sol) e apoio científico do Departamento de Ecologia – Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (UERJ), apresente, no prazo de 90 (noventa) dias, diagnóstico completo acerca do estabelecimento das espécies invasoras do gênero Tubastraea (Coral-Sol) na Baía da Ilha Grande e cronograma de erradicação local, controle e extração da espécie no prazo máximo de 2 (dois) anos;

c) que os réus PETROBRAS – PETRÓLEO BRASILEIRO S/A, TRANSPETRO – PETROBRAS TRANSPORTE S/A, ESTALEIRO BRASFELS LTDA, VALE S/A – TERMINAL ILHA GUAÍBA (TIG), TECHNIP OPERADORA PORTUÁRIA S/A e IBAMA, estabeleçam método para inspeção, em até 15(quinze) dias, de todas as embarcações e plataformas que venham a trafegar na área e tenham qualquer relação com a exploração e/ou prospecção de petróleo (mesmo que após o seu ingresso), inclusive aquelas destinadas apenas à prestação de apoio às aludidas atividades, no intuito de impedir novas introduções do organismo invasor; procedam à elaboração de programa de informação/educação sobre as áreas já infestadas pelo Coral-Sol, até a sua total erradicação, conforme Programa de Educação Ambiental realizado pelo Instituto Brasileiro da Biodiversidade (Projeto Coral-Sol);

d) que os réus INEA e IBAMA procedam à revisão, no prazo de 90 (noventa) dias, de todos os Estudos de Impactos Ambientais relacionados a atividades na Baía da Ilha Grande que estejam sob licenciamento dos referidos órgãos e que importem em locomoção de navios e plataformas de petróleo, para prever obrigação específica de prevenção e controle do Coral-Sol, além de incluir a mesma previsão nos EIA hoje em análise e futuros.

Fixo, desde logo, multa diária no valor de 50.000,00 (cinquenta mil reais), em caso de descumprimento injustificado da medida liminar ora deferida.”

(grifo no original)

2. Em suas razões recursais, argumenta, a agravante, que a decisão agravada é teratológica, inexequível e, principalmente, ineficaz, além de inverter o ônus probatório de maneira equivocada. Afirma que ao proferir a decisão ora atacada, magistrado deixou de analisar efetivamente óbices decorrentes da imposição das medidas, os quais esbarram, entre outros aspectos, em questões de natureza técnica, logística, de segurança humana e operacional, de custos extraordinários, de ausência de substrato jurídico para a medida imposta, além da própria ineficácia das determinações. Ademais, as premissas das quais partiu o juiz para proferir a decisão estão equivocadas. Isto porque utiliza argumentos técnicos unilaterais e equivocados fundados em teoria de autoria do Prof. Joel Creed, da UERJ -Universidade do Estado do Rio de Janeiro – e do Instituto de Biodiversidade Marinha (que concebeu o Projeto Coral-Sol, o qual hoje está sendo conduzido pelo Instituto Brasileiro de Biodiversidade), impondo, inclusive, que a Agravante e as demais rés se submetam ao “apoio técnico” e “apoio científico” das aludidas instituições – vinculadas ao citado professor -, que, na verdade, pode ter contribuído com disseminação da espécie naquela região, conforme parecer do Prof. Doutor Rubens Lopes, da USP, anexo aos autos. Argumenta que o periculum in mora não existe já que é sabido que a espécie existe há cerca de 37 anos no país, tanto que a liminar foi deferida mais de um ano e meio após a propositura da ação e não resultará em nenhum efeito prático para o meio ambiente, nem mesmo para o julgamento da lide. Salienta que realizar vistorias, apresentar plano emergencial e cronograma de execução para controle da espécie, apresentar diagnóstico com cronograma de erradicação, com apoio das organizações apontadas imporá – via ordem judicial – a disseminação ainda maior na região da espécie, sendo o periculum in mora, portanto, reverso. Além disso, a decisão ora agravada ignora que o Estado Brasileiro, por meio de uma ampla discussão com os setores envolvidos e a sociedade, está elaborando normativa geral e impessoal para prevenção, controle e monitoramento dos riscos do coral-sol. Assim não será uma decisão judicial isolada, como a ora agravada, que irá viabilizar o gerenciamento do problema, sem que sejam sopesados de forma racional e proporcional os fins pretendidos, os métodos a serem empregados, em cotejo com os custos, na linha do decidido com repercussão geral pelo STF (Tema 479), pois a ordem judicial aqui atacada não viabilizará resultados práticos. Ademais, destaca que não há que se falar em razoável grau de certeza da ocorrência de danos ambientais, sendo altamente discutível e questionável, do ponto de vista técnico, a remoção do coral-sol na forma proposta na inicial da ação originária e acolhida pela decisão agravada, quando ordena o apoio técnico do Prof. Joel Creed da UERJ e do Instituto da Biodiversidade (que só propõe a técnica de remoção manual com martelo e ponteira), pois justamente onde esta técnica foi aplicada ocorreu o maior alastramento da espécie. Assim há dúvida técnica, razoável, proporcional e suficiente para afastar a utilização da técnica de “martelinho” difundida pelo pesquisador e seus adeptos da UERJ, a qual foi utilizada amplamente na Baía de Ilha Grande. Também não faz sentido vistoriar e buscar um plano emergencial para controle da espécie, em prazo tão curto – 60 dias – e, muito menos ainda falar-se em erradicação em prazo de 2 anos. Registra, ainda, que não existe efeito prático na vistoria nos terminais, plataformas, navios, estruturas submersas, meios flutuantes, pois sabe-se da existência do coral-sol no local em abundância. Aduz que tampouco faz sentido a determinação de apresentação de diagnóstico completo, com cronograma de erradicação local, controle e extração da espécie no prazo máximo de 2 (dois) anos, pois este prazo é inexequível, além de não ser possível erradicar a espécie no local, como apontado pela Prof. Doutor Rubens Lopes da USP e outros inúmeros pesquisadores. Por fim, aduz não haver lógica na apresentação de método de inspeção para embarcações e plataformas das empresas rés, pois existem outros vetores de disseminação importantes no local, não sendo razoável que tal método seja elaborado pelas rés, sem apoio da Marinha e demais órgãos de controle, sem avaliar concretamente as necessidades de toda a região. Afirma, ainda, causar espécie o fato de a decisão indicar que o Departamento de Ecologia – Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (UERJ) e o Instituto Brasileiro de Biodiversidade, devam ser contratados para realizar apoio técnico para os réus, com o qual a Petrobras e inúmeros técnicos nacionais e internacionais não concordam. Consigna que não cabe ao Poder Judiciário impor a contratação de determinado técnico ou instituição, ainda mais quando os métodos por ele utilizados são altamente questionáveis e apresentam grave risco de justamente disseminar a espécie no local, uma vez que foi o próprio Projeto coral-sol provavelmente um dos grandes responsáveis pela disseminação na Baía de Ilha Grande, por meio da utilização de remoção manual. Afirma que não existe nenhuma possibilidade de que as ações adotadas venham a ser eficazes para gerenciamento do problema, pois não auxiliarão no julgamento da lide e, ainda mais, são desproporcionais e excessivamente onerosas, inviabilizando setores operacionais importantes. Considera, ainda, ser discriminatória a decisão agravada, sob três aspectos: (i) coloca a área da Baía de Ilha Grande, onde existe um Porto, em uma situação diferenciada dos demais locais do país, pois imputa ações as quais não são realizadas em outros locais e que, portanto, em razão da circulação de embarcações, não viabilizará com eficácia o gerenciamento, o controle e o manejo da espécie, sobre o qual sequer ainda se tem certeza que deva ser feito, naquele local, pois, por exemplo, no Golfo do México não é feito nenhum manejo ou controle da espécie, não obstante o coral-sol também lá exista; (ii) não controla todos os vetores mas apenas parte deles, pois as embarcações de pesca, turismo e outras não foram contempladas pela decisão; e (iii) impõe exclusivamente em face da Petrobras – sem qualquer justificativa – o cumprimento de uma das obrigações, que é a constante do item “b” da ordem liminar. Argumenta que no tocante às alegações de que o único vetor de disseminação do coral-sol seja as estruturas vinculadas à produção de  óleo e gás natural, essas não procedem, inexistindo comprovações inequívocas de tão grave acusação, posto que o coral-sol é encontrado também em locais onde não há, nem nunca houve, uma embarcação sequer ligada à indústria do Petróleo, por exemplo, algumas ilhas do Caribe onde o tráfego marinho é composto essencialmente por embarcações turísticas. Destaca, ainda, que o Ministério do Meio Ambiente instituiu, através da Portaria MMA No 94, de 06/04/2016, grupo de trabalho interno, com integrantes do próprio MMA, do IBAMA e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, com vistas à elaboração do Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Coral-sol (Tubastraea spp.) – “Plano Coral-Sol”. O propósito de tal plano é definir ações integradas de prevenção, controle e monitoramento das espécies de coral-sol presentes na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Brasil, visando evitar a dispersão para novas áreas e mitigar os impactos negativos sobre a biodiversidade, além de propor diretrizes para os processos de licenciamento ambiental. Dessa forma, uma vez que o assunto está em plena discussão nacional para elaboração do plano que visa ser o orientador das ações e práticas a serem adotadas e pela ausência de legislação nacional sobre o tema, considera salutar que qualquer nova demanda aos setores envolvidos deva aguardar a conclusão dos trabalhos, evitando desalinhamento com as futuras orientações ainda em discussão no grupo multisetorial estabelecido pelo Governo. Argumenta, ainda, que a forma pela qual decisão aplica o princípio da precaução não abarca a universalidade, impõe discriminação quando ordena no item “b” obrigação apenas à Agravante, não traz motivação congruente e proporcional e desrespeita as balizas impostas pelo STF, já que o único consenso que hoje se tem em relação ao coral-sol é que a espécie possui eficientes estratégias reprodutivas e altas taxas de crescimento. Relativamente à aplicação do princípio da precaução, importante anotar, ainda, que as medidas propostas hão de ser eficazes, o que inocorre no caso, pois se tem absoluta certeza da ineficácia da medida imposta proposta pelo magistrado. Outro aspecto a ser considerado é que a inversão do ônus da prova é uma exceção à regra geral, segundo a qual a comprovação do dano compete a quem aproveita o reconhecimento do fato (artigo 373, I, do Código de Processo Civil). O legislador, por óbvio, previu exceções, que só se aplicam quando há impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou ainda à maior facilidade da obtenção da prova do fato contrário (§ 1o do art. 373 do CPC), não tendo previsto tal inversão, tampouco com base no princípio da precaução. Além disso, pretender impor ao empreendedor, no caso a Agravante, a inversão do ônus da prova, em toda e qualquer hipótese, sem que exista incerteza científica sobre o fato, que deve ser objeto de estudo específico, representa flagrante desrespeito aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da atividade econômica, impedindo que se alcance o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3o, II, artigo 5o, II, LIV e LV, artigo 170, da CRFB), além de violação ao disposto no artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. Requer, assim, seja concedido imediato de efeito suspensivo ao recurso, inaudita altera pars, em face do risco de lesão grave e de difícil reparação, suspendendo-se a liminar deferida pelo juízo singular, face a ausência dos requisitos exigíveis para a sua concessão, sua completa e total inadequação para os fins pretendidos da decisão e o seu perigo reverso de danos a Agravante. Seja, no mérito, conhecido e processado o presente agravo de instrumento, para, ao final, dar-lhe provimento, revogando-se a decisão ora agravada, proferida pelo Juízo da Vara Única Federal de Angra dos Reis. Subsidiariamente, requer, sendo mantida a decisão, seja a mesma modificada para expandir os prazos estabelecidos nos itens “a”, “b” e “c” para respectivamente, pelo menos, 2 anos (ao invés de 60 dias), 2 anos e 6 meses para o diagnóstico (ao invés de 90 dias) e cronograma de execução de 25 anos; e, por fim, 8 meses para apresentação do método de inspeção e demais exigências. Por fim, pugna seja reformada a decisão no que tange à inversão do ônus probatório.

É o breve relatório.

Decido.

3. A decisão agravada está assim fundamentada:

“Trata-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRAS, PETROBRAS TRANSPORTE S/A – TRANSPETRO, ESTALEIRO BRASFELS LTDA., VALE S/A – TERMINAL ILHA GUAÍBA (TIG) e TECHNIP OPERADORA PORTUÁRIA S/A, IBAMA – INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS, ICMBio – INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, postulando a concessão de medida liminar para que os réus apresentem laudo de vistoria nos respectivos terminais, e em todos os navios, plataformas, meios flutuantes e estruturas submersas que possam servir de substrato para fixação do Coral-Sol, bem como plano emergencial e cronograma de execução, para controle da presença das espécies exóticas invasoras do gênero Tubastraea; estabeleçam método para inspeção, em até 72 (setenta e duas) horas, de todas as embarcações e plataformas que venham a trafegar na área e tenham qualquer relação com a exploração e/ou prospecção de petróleo, inclusive aquelas destinadas apenas à prestação de apoio às aludidas atividades, no intuito de impedir novas introduções do organismo invasor; à Petrobras, para apresentar, em 90 (noventa) dias, um diagnóstico completo acerca do estabelecimento das espécies exóticas invasoras na Baía da Ilha Grande e cronograma de erradicação local, controle e extração da espécie no prazo máximo de 2 (dois) anos; elaboração de programa de informação/educação sobre as áreas já infestadas pelo Coral-Sol, até a sua total erradicação; ao INEA e ao IBAMA, para revisar, no prazo de 90 (noventa) dias, todos os Estudos de Impactos Ambientais relacionados a atividades no local que estejam sob licenciamento dos referidos órgãos e que importem em locomoção de navios e plataformas de petróleo, para prever obrigação específica de prevenção e controle do Coral-Sol, além de incluir a mesma previsão nos EIA hoje em análise e futuros.

Sustenta, em síntese, a responsabilidade dos réus pela ausência de medidas mitigadoras e de controle da bioinvasão provocada pela presença na Baía da Ilha Grande da espécie conhecida como Coral-Sol, a qual é caracterizada como espécie exótica invasora e estaria causando desequilíbrio no ecossistema costeiro, em decorrência da incrustação em plataformas de petróleo e cascos de navios.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 66/919, bem como foram acautelados em Secretaria os documentos descritos às fls. 976.

Às fls. 981/982, foi proferida decisão postergando a análise do pleito liminar.

Contestações do ICMBio às fls. 995/1021 e do IBAMA às fls. 1059/1083, com documentos às fls. 1022/1058 e 1084/1097, respectivamente.

Contestação da BRASFELS às fls. 1107/1129, com preliminares de falta de interesse de agir e ilegitimidade passiva, acompanhada dos documentos de fls. 1130/1321. Contestação da TECHNIP às fls. 1224/1260, suscitando preliminar de ilegitimidade passiva e acostando documentos às fls. 1261/1321. Contestação da TRANSPETRO às fls. 1322/1393, com  documentos às fls. 1394/1861. Contestação da PETROBRAS às fls. 1862/1937, com preliminares de ilegitimidade ativa e passiva, ausência de interesse de agir e litisconsórcio passivo necessário, com documentos às fls. 1938/2361. Contestação da VALE S/A (TIG) às fls. 2227/2397 (documentos às fls. 2286/2371) e do INEA às fls. 2380/2397, ambas com preliminares de ilegitimidade passiva.

Petição do ICMBio às fls. 2372/2379, requerendo a intervenção no polo ativo, com inclusão de novos pedidos.

Réplica às contestações apresentada pelo MPF às fls. 2403/2410.

É o relato do necessário. Passo a decidir.

Inicialmente, rejeito as preliminares de ilegitimidade passiva suscitadas pelos réus BRASFELS, TECHNIP, PETROBRAS, VALE S/A e INEA, visto que a petição inicial indica, de forma individualizada, supostos fatos atribuídos aos réus, que impõem, na ótica do MPF, o dever legal de adoção de medidas preventivas e repressivas postulados nesta ação. Assim, os fundamentos alegados nas preliminares claramente se confundem com o mérito da demanda, pois a ausência ou não de responsabilidade deve ser objeto de análise, por ocasião da instrução processual. Aliás, consigno que a resolução do mérito é de interesse das próprias partes, a fim de definir exatamente qual a responsabilidade de cada um, caso de fato ela realmente exista. Aplica-se, portanto, a teoria da asserção, em consonância com a orientação firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que “o entendimento desta Corte Superior é pacífico no sentido de que as condições da ação, incluindo a legitimidade ad causam, devem ser aferidas in status assertionis, ou seja, à luz exclusivamente da narrativa constante na petição inicial” (STJ, Quarta Turma, AGARESP 372227, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 05/05/2015).

Do mesmo modo, rejeito as preliminares de ausência de interesse de agir suscitadas pelos réus BRASFELS e PETROBRAS, pois a necessidade-utilidade se mostra evidente, com base na causa de pedir e nos pedidos. O interesse de agir possui caráter processual e não pode ser confundido com o interesse material, por assim dizer, que está relacionado ao mérito em si da causa posta em análise. No presente caso, o MPF aponta a ocorrência de atos e omissões que, em tese, legitimam seu direito de ação, relacionado à proteção do meio ambiente. Há uma demonstração do clássico conceito de pretensão resistida, ou seja, da necessidade de tutela jurisdicional, bem como da adequação da via eleita. A procedência ou não do pleito autoral se relaciona ao mérito.

Ademais, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa suscitada pela PETROBRAS, tendo em vista que o artigo 129, III, da Constituição Federal dispõe acerca da legitimidade do MPF para a propositura de ação civil pública para proteção do meio ambiente, norma esta replicada na legislação infraconstitucional (v.g. artigos 1° e 5° da Lei n° 7347/85). Além disso, o interesse federal se justifica por se tratar de supostos danos à ESEC Tamoios, em zona costeira e ilhas (artigo 225, § 4° e 20, IV, da CF), bem como pela presença de entes federais no polo passivo (artigo 109, I, da CF).

Por fim, não há que se falar em litisconsórcio passivo necessário, como sustenta a PETROBRAS, pois como bem salientado pelo Parquet, em matéria ambiental, a regra geral é o litisconsórcio facultativo e a responsabilidade solidária, podendo ser demandados quaisquer dos eventuais responsáveis pela degradação, isoladamente ou em conjunto.

Além disso, a presença dos entes indicados na contestação não traria benefícios concretos à análise da causa, mas apenas prejuízos quanto ao regular andamento, já prejudicado em razão da quantidade de réus.

Superadas as preliminares, no intuito de promover o saneamento do feito, passo a analisar o pedido liminar formulado pelo Ministério Público Federal.

Os princípios da prevenção e da precaução vigoram, no direito ambiental, como instrumentos indispensáveis à eficácia das normas destinadas à garantia do convívio equilibrado, entre o homem e seu entorno, a permitir que o progresso científico e material não implique irreversíveis danos ao meio ambiente, além de viabilizar a propagação de nossa espécie, num contexto propício à saúde humana.

Quanto ao princípio da precaução, restou consignado na declaração ECO 92 produzida por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais especificamente no princípio 15, com o seguinte teor:

‘Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental’.

Portanto, extrai-se, dentre outros, o princípio interpretativo do in dubio pro natura, por meio do qual se estabelece a tese de que, diante de situações fáticas duvidosas, deve-se dar preferência à proteção ao meio ambiente.

No caso em tela, as peças defensivas, de maneira geral, sustentam que não há certeza científica com relação à forma que o Coral-Sol vem se alastrando no país, bem como ressaltam a ausência de provas no tocante à ligação entre tal espécie exótica e os navios e plataformas que navegam pelo mar territorial brasileiro.

Não obstante a petição inicial esteja acompanhada de farta prova documental, entendo que a análise do pedido liminar não demanda análise aprofundada do tema, pois no presente momento processual, entendo que há demonstração suficiente dos danos causados pelo Coral-Sol e de sua proliferação no ambiente marinho da Baía da Ilha Grande. Em linhas gerais, pode-se dizer que os réus também concordam, em maior ou menor medida, com tal conclusão. Não se pode perder de vista que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é garantia constitucional e de cumprimento obrigatório por todos.

O pleito antecipatório consiste, tão somente, na adoção de medidas relacionadas a estudos, laudos, inspeções etc, o que contribuirá de forma eficaz para a instrução processual e formação do convencimento do juízo.

Note-se, ainda, que em situações como a presente, deve recair sobre a parte ré a incumbência de comprovar a alegada ausência de danos ambientais, o que corrobora o deferimento do pleito. Destaco que a medida conta com robusto beneplácito jurisprudencial, de cujo acervo colaciono, a título meramente exemplificativo, o seguinte aresto:

PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE MULTA POR DANO AMBIENTAL – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – OMISSÃO – NÃO-OCORRÊNCIA – PERÍCIA – DANO AMBIENTAL – DIREITO DO SUPOSTO POLUIDOR – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. 1. (…) 3. O princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório, competindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva. 4. Nesse sentido e coerente com esse posicionamento, é direito subjetivo do suposto infrator a realização de perícia para comprovar a ineficácia poluente de sua conduta, não sendo suficiente para torná-la prescindível informações obtidas de sítio da internet. 5. A prova pericial é necessária sempre que a prova do fato depender de conhecimento técnico, o que se revela aplicável na seara ambiental ante a complexidade do bioma e da eficácia poluente dos produtos decorrentes do engenho humano. 6. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos à origem com a anulação de todos os atos decisórios a partir do indeferimento da prova pericial. (STJ – SEGUNDA TURMA, RESP 200801130826, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 14/12/2009)

Assim, com base no princípio da precaução, o deferimento da liminar requerida se impõe, pois resta configurado o requisito da probabilidade do direito alegado, bem como do perigo de dano, consubstanciado pelo razoável grau de certeza acerca da ocorrência de danos ambientais, razão pela qual há necessidade de adoção urgente de medidas que possam mitigar e evitar a ampliação de tais danos. Todavia, importante frisar que, neste momento, não há atribuição prévia de responsabilidade concreta e especifica quanto aos danos, o que será esclarecido por ocasião da instrução processual. Se há alguma irreversibilidade, esta se configura tão somente em razão de eventual indeferimento do pleito, diante da proliferação da espécie exótica”. (grifos no original)

4. Da leitura da decisão agravada, extrai-se que o magistrado de piso fulcrou basicamente suas conclusões e decisum em três alicerces: a) a de que o princípio da precaução e prevenção orienta que a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental, em casos de danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente, ante ao brocardo in dubio pro natura; b) que é reconhecido pelos próprios réus que o coral-sol vem se alastrando no país; e c) que a análise do pedido liminar não demanda análise aprofundada do tema, pois há demonstração suficiente dos danos causados pelo coral-sol e de sua proliferação no ambiente marinho da Baía da Ilha Grande.

Entendeu, ainda, o magistrado, que o pleito antecipatório consiste, tão somente, na adoção de medidas relacionadas a estudos, laudos, inspeções etc., o que contribuirá de forma eficaz para a instrução processual e formação do convencimento daquele juízo e que deve recair sobre a parte ré a incumbência de comprovar a alegada ausência de danos ambientais, o que corrobora o deferimento do pleito.

5. Entretanto, muito embora seja louvável a determinação de realização de estudos quanto à nocividade do coral-sol na biota da Baía da Ilha Grande, fato é que a matéria é bastante controvertida no meio científico, não sendo aconselhável, num primeiro olhar próprio dessa fase processual, estabelecer-se prazos tão exíguos para a adoção de medidas cuja eficácia é discutível.

Não é demais repisar que, embora a infestação do coral-sol seja bastante acentuada na localidade mencionada, é fato que se alastrou pela Costa Brasileira – como afirmado pelo próprio magistrado -, sendo tal fato notório (vide matéria publicada no site http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/05/1880264-bonito-e-danoso-coral-sol-avanca-pelo-litoral-e-vira-motivo-de-preocupacao.shtml), sendo, portanto, aparentemente inócua a realização de vistorias em plataformas, cascos de navios, bóias e outros meios flutuantes que tenham relação com a exploração de petróleo, até porque é apenas uma suposição a ideia de que o coral-sol tenha se espalhado – não só pela costa brasileira, mas por outros países do mundo – somente nos cascos das embarcações e meios flutuantes ligados à exploração desse ramo empresarial. Não resta esclarecido que as embarcações ligadas à exploração de outros ramos empresariais também não estejam relacionados à disseminação do invasor.

6. Vê-se, assim, que é duvidosa a realização de estudos, vistorias apenas em determinados tipos de navios e meios flutuantes, quando a disseminação do coral-sol pode ser realizada por outros meios como a água de lastro das embarcações. A medida, posta nos termos em que foi, onera apenas determinados segmentos de exploração empresarial marítima, sem considerar a possibilidade de que outros sejam os vetores de disseminação.

Não é demais considerar, ainda, que não se trata de deixar de negar efetividade ao princípio 15 da ECO 92, já que se está diante de caso clássico de incerteza científica que, a princípio, não justifica a inércia. O que se está a considerar aqui é o fato de que as medidas seriam como verdadeira “gota no oceano”, perdoe-se o trocadilho, ante à magnitude do problema que, ao que se sabe, já ensejou a edição da Portaria MMA n. 94, de 6 de abril de 2016, para formação de Grupo de Trabalho com a finalidade de fornecer assessoramento técnico e coordenar a elaboração de um plano de controle e monitoramento da bioinvasão do coral-sol. Tal Grupo de Trabalho tem como atribuições justamente coordenar a elaboração do Plano Coral-Sol, visando mitigar os impactos negativos das espécies Tubastraea spp. sobre a biodiversidade marinha do Brasil; definir a estratégia e o arranjo institucional para a elaboração e implementação do Plano Coral-Sol; e propor e avaliar, no âmbito do Plano, ações integradas de prevenção, controle e monitoramento das espécies invasoras de coral-sol presentes no Brasil.

7. Assim sendo, entendo que a prudência recomenda, que diante da ausência do periculum in mora, dado que, como resta assentado, a invasão pelo coral-sol em águas brasileiras e na Baía da Ilha Grande data de mais de trinta anos e do fato de que as medidas determinadas tem eficácia duvidosa ante à dimensão do problema, seja suspensa a decisão proferida às fls. 2415/2420 dos autos da ação civil pública, até o julgamento final do presente agravo.

8. Dessa forma, concedo o efeito suspensivo requerido, na forma do art. 1019, I, do NCPC suspendendo os efeitos da decisão agravada, até julgamento do mérito do presente agravo.

9. Intime-se a parte agravada (MPF) para apresentar as contrarrazões, no prazo legal. Comunique-se ao Juízo Federal da 1a Vara de Angra dos Reis. Oficie-se ao Ministério do Meio Ambiente para que, no prazo de 15 (quinze) dias, informa a este Relator acerca do andamento das atividades do Grupo de Trabalho instituído pela Portaria n. 94/2016.

Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal, para manifestar-se, como fiscal da ordem jurídica, na forma do art. 1019, III.

P.I.

Rio de Janeiro, 12 de julho de 2017.

(assinado eletronicamente – art. 1o, § 2o, inc. III, alínea a, da Lei no 11.419/2006)

GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

Desembargador Federal

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