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As lições do desastre ambiental de Mariana/MG – Editorial de DireitoAmbiental.Com

Dia 5 de novembro de 2015 entrou para história do Brasil pelo Desastre de Mariana/MG, cidade que por sua abundância em ouro, tornou-se a primeira capital de Minas Gerais. No século XVII a riqueza mineral garantia reconhecimento e relevância política.

O ouro se foi e ficou o ferro, mineral que trouxe riqueza para pequena cidade de 60.000 habitantes, em maioria vinculados direta ou indiretamente à atividade mineira. Presumível que a absoluta dependência econômica abrandara controles ambientais.

Alguém na região apoiaria um fiscal ambiental caso, no dia 4/NOV/15, constatasse a possibilidade de rompimento da barragem de efluentes e determinasse a interdição temporária das atividades e o imediato conserto? Pensemos sinceramente. Este inexistente e fictício fiscal seria taxado de estar à serviço do concorrente, um ecochato ou alguém contrário ao progresso da região. Ora, a Samarco gera cerca de 2,9 mil empregos diretos e 3,5 mil empregos indiretos, sendo a 10ª maior exportadora do país. O que fazer com toda essa gente? O país precisa se desenvolver diriam alguns.

Pois é inegável que vidas se perderam por absoluta falta de zelo, negligência ou até mesmo imprudência. Falhou o princípio da prevenção. Com efeito, qualquer local onde se armazenam efluentes tóxicos deve instalar bacias de contenção para o caso de vazamentos e o que se viu foi a ausência de um sistema de segurança.

Vige no Brasil a Lei n. 12.334/2010 que dispõe sobre a Política Nacional de Segurança de Barragens, inclusive de rejeitos, e prevê inúmeras medidas que provavelmente foram descumpridas pelo empreendedor e pelos órgãos públicos.

O Direito Ambiental prevê, nessas situações, a aplicação da tríplice responsabilidade. As sanções administrativas, civis e penais.

Administrativamente, o Ibama e o Estado multaram a empresa, instaurando-se um conflito (art. 17 da Lei Complementar n. 140/11 e o art. 76 da Lei n. 9.605/98) que ainda deve ser esclarecido. Alguns dizem que o art. 76 foi derrogado, o que não é verdade. Outras sanções, nessa situação de desastre, não respondem à necessidade socioambiental. Talvez a que chega mais próximo da necessidade posta seria a multa diária, mas de aplicação prévia, coercitiva para evitar o pior. No caso seria inegavelmente arrecadatória e meramente punitiva, não tendo a condição de – efetivamente – recuperar ambiente. A sanção de embargo ou interdição seria a ideal previamente à ocorrência. Agora já é tarde. Onde falha a prevenção, entra a recuperação.

Em relação aos valores das multas, o Ibama aplicou cinco multas de cinquenta milhões de reais, valor este que é o teto previsto na Lei n. 9.605/98. Os cinquenta milhões de 1998, atualizado pelos índices inflacionários seriam cento e cinquenta milhões hoje e o Governo sabe dessa desatualização significativa, pois recentemente o Ibama atualizou em 157% sua tabela de serviços (incluindo a TCFA), argumentando que desde o ano de 2001 não havia correção. Em comparação, após as trágicas ocorrências ambientais no golfo do México em 2010, o Presidente Barack Obama tornou mais rígida a legislação sobre compensações por danos em caso de vazamentos de petróleo, que limitava os pagamentos a US$ 75 milhões.

Civilmente, Termos de Compromissos bilionários foram firmados pelos Ministérios Públicos (federal, estadual e do trabalho) e a Empresa. Além disso, no mínimo uma ação popular, e algumas ações civis públicas foram ajuizadas, tanto na justiça estadual quanto na federal dos estados de Minas Gerais (Belo Horizonte) e Espírito Santo (Colatina, Linhares e Vitória). Bloqueios em contas da empresa estão sendo deferidos em diversas comarcas, num flagrante imbróglio jurídico de competência que gerará muito papel e pouco resultado imediato. Discutir competência enquanto a vida de esvai num mar de lama com concentração de metais 1.300.000% acima do normal é burocratizar a efetividade do direito ambiental. A resposta jurídica mais interessante decorre da análise de duas decisões, uma da Justiça Federal do Espírito Santo de 19/NOV/15 que determinou à Samarco que em 24 horas impedisse a lama tóxica de chegar ao mar capixaba, sob pena de multa de R$ 10 milhões por dia não cumprido. Já a Justiça Estadual de Linhares, no dia 20/NOV/15 determinou aumento da abertura da foz do Rio Doce ao mar.

Ainda na seara Civil Ambiental, além de acionista da Samarco, a Mineradora Vale depositava seus rejeitos na barragem que rompeu, motivo pelo qual também é responsável direta pelo ocorrido. Sabe-se que a responsabilidade ambiental é solidária e objetiva, bem como aplicável a Teoria do Risco Integral (que não admite excludentes). A CF/88 preceitua: “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”. São cerca de 55 milhões de metros cúbicos de rejeito tóxico de mineração, o suficiente para encher 22 mil piscinas olímpicas que mataram, destruíram e ainda destruirão por muitos anos.

A ausência de um plano eficaz de contingências é flagrante. Riscos ambientais exigem plano de emergências compatíveis, e os fatos demonstram o contrário. Não está afastada a responsabilidade por omissão dos órgãos fiscalizadores e o evento não pode ser tratado como acidente ou desastre natural. A intervenção humana foi decisiva.

Criminalmente, a omissão estatal é injustificável. Pessoas morreram e ninguém foi preso. O Direito Penal Ambiental vigora no Brasil, mas a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, concedeu Habeas Corpus preventivo ao diretor-presidente da Samarco Mineração, Ricardo Vescovi de Aragão, que entrou com o pedido após o juiz da 1ª Vara de Colatina/ES determinar uma série de medidas à empresa, destacando que um possível descumprimento da liminar implicaria na prisão em flagrante do diretor-geral da Samarco, por crime de desobediência ou prevaricação.

A legislação ambiental brasileira, tão elogiada por tantos, demonstrou carências para tratar de danos emergenciais e desastres ambientais significativos. Obrigações para impor a recuperação imediata do ambiente, o ressarcimento moral e patrimonial presumido das famílias e a privação de liberdade dos responsáveis são medidas que já deveriam ter sido implementadas. Aos órgãos ambientais de todo o Brasil, resta perceber que a tragédia pode ocorrer a qualquer momento inadvertidamente, motivo pelo qual a exigência de planos de contingência compatíveis com a dimensão dos possíveis estrago são inegociáveis. À sociedade, deve ser ambientalmente educada a ponto de compreender que a prevenção ainda é a melhor forma de desenvolvimento.

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