por Silvana Colombo[1]
RESUMO: O presente artigo analisa a arbitragem ambiental no direito interno. Após uma breve abordagem do conceito da arbitragem, estabelece as condições para a utilização da arbitragem em matéria ambiental. Ao final, demonstra que a arbitragem pode servir como via alternativa de solução das controvérsias ambientais, quando esses litígios envolverem relações patrimoniais concernentes ao bem jurídico ambiental.
Palavras-chave: arbitragem ambiental, dano ambiental, direitos indisponíveis.
ABASTRACT: his article analyzes the environmental arbitration in domestic law. After a brief concept approach to arbitration, establishes the conditions for the use of arbitration in environmental matters. In the end, it demonstrates that arbitration can serve as an alternative means of addressing environmental disputes when such disputes involve property relations concerning the environmental legal interest.
Keywords: Environment Arbitration. Environmental damage, Unavailable rights.
SUMÁRIO: 1 Consideraçõe iniciais; 2 Métodos alternativos de solução de conflitos (MASCS); 2.1 Conceito de arbitragem; 3 Condições para utilização da arbitragem na área ambiental à luz da lei de arbitragem; 3.1 Casos em que a arbitragem poderia ser utilizada para solucionar os conflitos ambientais no direito brasileiro a partir de experiências internacionais; 5 Considerações Finais; Referências bibliográficas.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O objeto deste artigo é a arbitragem como mecanismo de a solução dos conflitos ambientais no direito interno. Pretende-se estabelecer as condições para a utilização da arbitragem ambiental à luz da limitação (direitos disponíveis) prevista no artigo 2° da Lei de Arbitragem. Isto porque a arbitragem é meio extrajudicial, célere, e eficaz para assegurar os direitos constitucionalmente garantidos, entre eles, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Tema este, sem dúvida, da maior atualidade e relevância para o Brasil e que merece nossa atenção Demonstra-o, pelo esforço do legislador, dos doutrinadores, advogados, juristas, para conferir eficácia aos direitos constitucionalmente garantidos. É neste contexto que emerge os mecanismos não jurisdicionais de solução os conflitos ambientais, entre eles, a mediação e arbitragem.
A controvérsia judicial que chega à justiça importa a inexistência de canais de contenção ordenados no âmbito social e administrativo, o qual, em termos ambientais, é sempre mais oneroso, já que em algumas situações a solução é impraticável em função do custo, pela complexidade ou irreversibilidade do dano.
Neste sentido, o direito precisa gerar soluções para os problemas ambientais baseado na crescente complexidade em na prevenção dos danos ambientais. O complexo processo de gestão ambiental exige que os problemas ambientais sejam resolvidos não apenas com normas, mas como uma gestão que requer a inclusão de novos atores, transparência e fácil acesso às informações, perspectiva holística e multidimensional.
Além dos problemas ambientais de primeira geração, marcados pela preocupação com a prevenção e controle da poluição ambiental (risco concreto), foram substituídos pelos direito de geração caracterizados pela preocupação dos aspectos globais da questão ambiental e nos efeitos colaterais das ações das presentes às futuras gerações (risco abstrato).
Nas palavras de Carvalho,
Enquanto os riscos concretos são diagnosticáveis pelo conhecimento científico vigente, os abstratos encontram-se em contextos de incerteza científica. Para o gerenciamento dessas espécies de riscos, o direito ambiental prevê, respectivamente, os princípios da prevenção e da precaução, como programas de decisão.[2]
“O risco agora caracteriza-se se pela indivisibilidade, pela globalidade e pela imprevisibilidade”[3] e exige a participação na apenas dos operadores do direito, mas uma ação de forma global e que inclua estudos multidisciplinares, novos mecanismos de solução das controvérsias judiciais e participação dos cidadãos enquanto sujeitos de direitos e deveres.
O estudo da arbitragem ambiental está norteado por marcos conceituas e referenciais teóricos fundamentados em:(a) A arbitragem como mecanismo alternativo de solução dos problemas ambientais para a otimização de uma justiça eficaz, diante da ineficácia das ações Estatais e dos instrumentos jurídicos de proteção ambiental; (b) No estado de direito ambiental e ecológico cuja ordem constitucional esteja pautada pela proteção contra riscos e não apenas perigos e na gestão global dos problemas ambientais.
2 MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS (MASCS)
A partir do processo de democratização e proteção do meio ambiente, sedimentada pela Constituição 1988, e também em função da nova Lei da Arbitragem e Mediação, ganha importância os métodos alternativos de resolução de conflitos, entre eles, a negociação, conciliação, a mediação e arbitragem, por se constituírem em opções mais céleres e efetivas do que o sistema judicial de Justiça.
Dito isto, é necessário conceituar cada um destes meios de resolução de conflitos para que seja possível diferenciá-los e, posteriormente, trazer alguns exemplos de aplicação na área de Segurança Pública nos estados da federação, em especial, no Estado do Paraná e Santa Catarina.
Inicia-se, pela negociação, que pode se conceituada como uma técnica de resolução de conflitos por meio do qual as partes em litigio buscam a solução do mesmo, em regra, sem a intermediação de terceiros. Apesar da sua informalidade, pode ser considerada como técnica de resolução de conflitos, porque estabelece um processo de comunicação entre as partes envolvidas no conflito com a finalidade de construção de um consenso acerca da disputa estabelecida.[4]
A conciliação[5] é uma forma de resolução pacífica de conflitos em que as partes confiam a uma terceira pessoa, chamada de conciliador que objetiva aproximar as partes e ajudá-las na construção de um acordo. Para Maurício Godinho Delgado:
A conciliação, por sua vez, é o método de solução de conflitos em que as 12 partes agem na composição, mas dirigidas por um terceiro, destituído do poder decisório final, que se mantém com os próprios sujeitos originais da relação jurídica conflituosa. Contudo, a força condutora da dinâmica conciliatória por esse terceiro é real, muitas vezes conseguindo implementar resultado não imaginado ou querido, primitivamente, pelas partes (…).[6]
Quanto a mediação, esta pode ser caracterizada como uma técnica de resolução de conflitos por meio do qual uma terceira pessoa auxilia as partes a chegarem a uma solução consensual. Nas palavras de Juan Carlos Veluzza a:
Mediação é a técnica privada de solução de conflitos que vem demonstrando, no mundo, sua grande eficiência nos conflitos interpessoais, pois com ela, são as próprias partes que acham as soluções. O mediador somente as ajuda a procurá-las, introduzindo, com suas técnicas, os critérios e os raciocínios que lhes permitirão um entendimento melhor[7]
Nesta técnica, o mediador não tem o poder de decidir o conflito de forma imperativa, ou seja, ele atua como facilitador da comunicação/diálogo entre as partes que tem a responsabilidade de chegar a um consenso. Dito de outra forma, a ” mediação (judicial ou consuensul, extrajudicial) propicia aos contendores o encontro da solução amigável capaz de resolver definitivamente a controvérsia, seja pela conciliação ou pela transação”.[8]
Já a arbitragem é uma via jurisdicional de solução pacífica dos conflitos, na qual as partes têm a liberdade de escolher o árbitro, delimitar o direito aplicável e estabelecer com que critérios ele deve dirimir a matéria conflituosa. Em outras palavras, os sujeitos das relações jurídicas têm a possibilidade de atribuir ao árbitro o poder de decidir a controvérsia, conforme as regras convencionadas pelas mesmas.
É o entendimento de Carlos Alberto Carmona,
A arbitragem, de forma ampla, é uma técnica para solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção, sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir a eficácia de sentença judicial”. [9]
No que tange às características da arbitragem, o fato dela ser um “mecanismo jurisdicional, porém não judiciário, de solução pacífica de conflitos”. O árbitro é escolhido ad hoc pelas partes, portanto, ele não tem permanência, sua função jurisdicional é transitória, está limitada à matéria confiada pelas partes.
Importante mencionar, a diferença entre conciliação, mediação e arbitragem, ambas consideradas meios alternativos de solução de conflitos. As duas primeiras pressupõe a intervenção de uma terceira pessoa, entretanto, na conciliação o mediador pode interferir diretamente na solução do conflito. Quanto a arbitragem, é mecanismo de resolução de conflito por um terceiro escolhido pelas partes, sendo que a decisão vincula as partes e é passível de execução.[10]
Menciona-se, também, que apesar da semelhanças entre conciliação e a mediação, ambas se diferenciam em função do papel exercido pela terceira pessoa na resolução do conflito, a saber: “a atividade do mediador é mais intensa que a do conciliador, pois aquele toma mais iniciativas que este, não só realizando propostas de conciliação, mas persuadindo as partes para que cheguem a uma solução do conflito”.[11]
Dentre as técnicas de solução alternativa de conflitos,será objeto de estudo a arbitragem na área abiental.
2.1 Conceito de Arbitragem
A arbitragem é uma via jurisdicional de solução pacífica dos conflitos, na qual as partes têm a liberdade de escolher o árbitro, delimitar o direito aplicável e estabelecer com que critérios ele deve dirimir a matéria conflituosa. Em outras palavras, os sujeitos das relações jurídicas têm a possibilidade de atribuir ao árbitro o poder de decidir a controvérsia, conforme as regras convencionadas pelas mesmas.
No que tange às características da arbitragem, o fato dela ser um “mecanismo jurisdicional, porém não judiciário, de solução pacífica de conflitos”[12].O árbitro é escolhido ad hoc pelas partes, portanto, ele não tem permanência, sua função jurisdicional é transitória, está limitada à matéria confiada pelas partes.
De se anotar que a arbitragem como meio alternativo de solução das controvérsias, presente no Brasil desde as Ordenações Filipinas, ganha ênfase nos dias atuais diante de uma Justiça tardia, marcada pela morosidade, burocracia e formalidades do processo judicial. Isto é, a ineficiência do Judiciário potencializa o uso da arbitragem, na área privada e também na área pública, quer no plano internacional, quer no plano nacional. [13]
No Brasil, a Lei da Arbitragem disciplinou a matéria e representou um marco importante na justiça brasileira. A referida lei trouxe dois grandes avanços que merecem ser mencionados: (i) a possibilidade das entidades de direito público se submeterem à arbitragem para solucionar os problemas contratuais de forma mais célere e econômica; (ii) a sentença arbitral produz entre as partes os mesmo efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. Consoante o que prescreve o artigo 31 da referida lei, a sentença arbitral equivale a uma sentença judicial, portanto, é um título extrajudicial automaticamente executável.
Por oportuno, menciona-se que o Supremo Tribunal Federal decidiu (2001) pela Constitucionalidade da Lei 9.307/96 que trata da arbitragem no Brasil. Esse fato também contribuiu para a propagação do uso da arbitragem como meio alternativo para solucionar os litígios que se prolongam perante o Poder Judiciário por muitos anos.
As breves considerações feitas até o momento permitem examinar o cerne da questão submetida à análise, ou seja, a arbitragem em matéria ambiental. Regra geral, as controvérsias que envolvem matéria ambiental somente podem ser solucionadas perante o juízo estatal, especialmente porque à proteção do meio ambiente é considerada direito público e indisponível.
Consoante esse entendimento, a Lei de Arbitragem menciona no seu artigo 1° a exclusividade da aplicação da via arbitral aos direitos disponíveis e patrimoniais. A indisponibilidade dos direitos difusos leva muitos juristas a considerarem que uma relação jurídica de conteúdo ambiental não possa ser submetida à arbitragem. Nesse sentido, a cultura jurídica brasileira tem restringido o uso da arbitragem às questões ambientais internacionais.
Se por um lado, a arbitragem no campo do Direito Ambiental esbarra na limitação material imposta pela Lei da Arbitragem, por outro lado, é sabido que a violação de direitos difusos-direito fundamental ao meio ambiente – implica na violação de direitos privados de particulares.
Neste sentido, a opção pela potencialização do uso da arbitragem ambiental como instrumento de solução pacífica de conflitos ambientais deve ser pautada pela verificação das condições de utilização da arbitragem para a tutela ambiental.
3 CONDIÇÕES PARA UTILIZAÇÃO DA ARBITRAGEM NA ÁREA AMBIENTAL À LUZ DA LEI DE ARBITRAGEM
A discussão sobre a viabilidade da arbitragem ser aplicada no âmbito nacional enseja a sua análise sob a perspectiva da subjetividade e também da objetividade. Objetividade, porque é preciso determinar quais as questões que podem ser dirimidas pela via arbitral, tendo como parâmetro à restrição material importa pela Lei de Arbitragem. Subjetividade, pois é preciso determinar quem poderá ser parte e quem poderá postular em um procedimento arbitral em matéria ambiental. [14]
Sendo assim, é preciso perquirir quais as condições e os limites para o seu emprego no direito brasileiro, especialmente em função da limitação material-direitos disponíveis- prevista na Lei da Arbitragem que dispõe no seu artigo 1°: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Consequentemente, a proteção do meio ambiente, considerada matéria de ordem pública, estaria excluída dessa possibilidade.
A expressão direitos patrimoniais disponíveis é um conceito jurídico abstrato e aberto, razão pela qual convém explicitar antes o que se entende por disponibilidade, para então, aduzir algumas reflexões acerca das condições materiais de aplicação da arbitragem. Por isso, partir-se-á do conceito de direitos disponíveis, para que se possa posteriormente elucidar os argumentos favoráveis à utilização da arbitragem em matéria ambiental.
Segundo Lacerda, direito patrimonial disponível:
É todo aquele direito que advindo do capital ou do trabalho, ou da conjugação de ambos, bem como ainda dos proventos de qualquer natureza como tais entendidos os acréscimos patrimoniais não oriundos do capital ou do trabalho ou da conjugação de ambos, pode ser livremente negociado pelas partes, eis que não sofre qualquer impedimento de alienação quer por força de lei, quer por força de ato de vontade (…). [15]
Como já mencionado, a interpretação do artigo 1º da Lei nº. 9.307/96 e também do conceito de direito patrimoniais leva muitos juristas a considerar que a arbitragem não é aplicável em matéria ambiental, eis que o meio ambiente, nos termos da Constituição Federal, pertencente a toda a coletividade, portanto, integra o rol dos direitos difusos.
Em razão do disposto no citado artigo, que reza ser a arbitragem um instrumento apto para solucionar conflitos de natureza patrimonial disponível, não seria possível a aplicação desse mecanismo extrajudicial no campo do Direito Ambiental. Igualmente, a ausência de dispositivo legal em sentido contrário tornaria inviável a solução de conflitos ao meio ambiente por meio da arbitragem.
Delimitado, assim, que a arbitragem requer somente direitos disponíveis e reserva para os indisponíveis apenas a jurisdição estatal, cabe-nos a tarefa de verificar se as matérias ambientais contidas em um litígio envolvem tão somente direitos indisponíveis ou, então, se podem também envolver relações patrimoniais concernentes ao bem ambiental.
Se positivo, a arbitragem poderia ser utilizada para solucionar os conflitos ambientais, sem infringir a limitação material contida no arcabouço legislativo brasileiro. Em outras palavras, o fato do bem jurídico ambiental, qualificado como uso comum do povo, ter natureza difusa, não exclui a possibilidade de a proteção ambiental ser submetida ao regime jurídico de direito privado.
O ponto de partida para estabelecer as condições de utilização da arbitragem na tutela ambiental é a verificação da natureza jurídica do bem ambiental. A disponibilidade do objeto da lide e, por conseguinte, a submissão de conflitos ambientais ao juízo arbitral, ocorre quando as matérias ambientais presentes no conflito envolverem relações patrimoniais.
A dificuldade de aplicação da arbitragem na esfera ambiental pode ser superada com a compreensão de que o bem jurídico ambiental admite tanto o regime jurídico de direito privado quanto o regime jurídico de direito público. Isso resulta da complexidade da matéria ambiental, especialmente, pelo fato da interpenetração dos aspetos públicos e privados com relação ao dano ambiental.
Para melhor compreender-se a condição de validade do requisito – direitos disponíveis-é relevante uma reflexão, acerca do conceito de dano ambiental, que está circunscrito pelo significado que se atribui ao meio ambiente. Em sentido jurídico, o meio ambiente é um macrobem unitário, incorpóreo e imaterial, com uma configuração também de microbem. Ou seja, o conceito amplo de meio ambiente envolve os elemento naturais, artificiais e culturais.[16]
O dano ambiental, por sua vez, designa as alterações nocivas ao meio ambiente e, ainda, engloba os efeitos que essa alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses. Em sua acepção ampla, a lesão provocada pelo dano o dano ao meio ambiente pode recair sobre o patrimônio ambiental, cultural, natural e artificial.
Com muita propriedade Leite destaca que o dano ambiental em relação aos interesses objetivados pode ter uma bipartição:
1.De um lado, o interesse da coletividade em preservar o macrobem ambiental, sendo, então chamado de dano ambiental de interesse da coletividade ou de interesse público; 2. De ouro lado, o interesse particular individual próprio, ambos relativos às propriedades das pessoas e a seus interesses (microbem) concernente a uma lesão ao meio ambiente que se reflete no interesse particular da pessoa e, no caso, sendo chamado dano ambiental de interesse individual”.[17]
Acrescente-se, ainda, que o dano ambiental resulta da agressão injusta aos bens ambientais, constituídos dos bens ecológicos e mais os bens pessoais, econômicos, morais e materiais. Isto significa dizer que o meio ambiente (macrobem) é constituído de microbens que podem integrar o rol tanto dos direitos disponíveis quanto dos direitos indisponíveis. [18]
“Pensemos nos danos (i) à propriedade privada decorrentes da poluição atmosférica (paredes e janelas enegrecidas de uma habitação), ou da (ii) falta de água pura (diminuição da produção de uma empresa)”.[19] Essas hipóteses configuram danos patrimoniais disponíveis, portanto, o litígio poderia ser arbitrável.
Neste sentido, as facetas privadas do dano em matéria ambiental podem ser submetidas à arbitragem sem burlar a limitação de mérito imposta pelo artigo 1° da Lei da Arbitragem. A solução arbitral seria uma opção célere e eficaz de dirimir os litígios ambientais e de promover a proteção do meio ambiente, sem significar a substituição do papel do Poder Judiciário nas demandas que envolverem o bem ambiental de natureza difusa.
3.1 Casos em que a arbitragem poderia ser utilizada para solucionar os conflitos ambientais no direito brasileiro a partir de experiências internacionais
De início, faz-se necessário mencionar que questões envolvendo matéria ambiental tem sido objeto da arbitragem internacional. Cumpre notar, nesse sentido, que o Brasil é signatário de vários tratados e convenções internacionais que admitem a arbitragem como instrumento pacífico de solução dos conflitos, entre eles: a Convenção de Viena para a proteção da Camada de Ozônio (artigo XI, 3,a);a Convenção sobre Mudança de Clima(artigo 14,2,b); Convenção de Basiléia sobre o controle de movimento transfronteiriços de resíduos perigosos e seu deposito (artigo20,3,b).[20]
Acrescente-se, ainda, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, determinada a conservar e utilizar de forma sustentável a diversidade biológica para benefício das gerações presentes e futuras, que em seu próprio texto prevê a adoção de medidas de bons ofícios, mediação e arbitragem no caso de controvérsias envolvendo os Estados-signatários. [21]
Vale destacar que, o Protocolo de Brasília, assinado em 1991, estabelece o procedimento arbitral como um dos mecanismos para solucionar os conflitos entre os Estados no âmbito do Mercosul. O Tribunal Arbitral ad hoc é composto de três árbitros escolhidos em uma lista, integrada por juristas de reconhecida competência na matéria objeto da controvérsia.
Já no direito brasileiro, segundo Rosana Siqueira Bertucci, no direito brasileiro, o precedente que merece ser destacado “é o caso ocorrido em Minas Gerais na qual figuraram o Ministério Público (conciliados) a empresa FIAT AUTOMÓVEIS e a SEMA/SP. Foi levada ao conhecimento do primeiro a fabricação de veículos em suposto desacordo com as normas relativas à emissão de poluentes”. [22] A solução obtida, por meio da arbitragem, foi levada pelo Ministério Público Estadual ao Conselho do Ministério Público local e ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para ser referendada.
Menciona-se, a partir da experiência internacional, alguns casos que a arbitragem poderia ser útil para solucionar os conflitos ambientais no direito interno. O primeiro deles é no caso de danos ambientais individuais decorrentes de desastres ambientais, a arbitragem “pode ser feita através de negociação formalizada em contrato entre o causador (.v.g., o armador), a seguradora ou outros responsáveis pela reparação do dano e os que sofreram os seus efeitos (v.g., pescadores atingidos pela poluição por óleo no mar)”[23].Além da vantagem de um julgamento célere, as partes podem escolher o árbitro de acordo com as qualidades que considerarem relevantes para o caso, o que resultaria num julgamento especializado.
Além disso, é possível utilizar a arbitragem quando da ocorrência de danos ambientais individuais em conflitos de vizinhança, tais como “poluição atmosférica, poluição sonora advinda de música alta em locais de entretenimento, despejo de dejetos em terreno baldio e acúmulo de água parada em imóvel vizinho, possibilitando a proliferação da dengue”[24][25].
Em tais situações fica configurado o direito de indenização, por dano patrimonial e/ou moral, e tal conflito pode ser solucionado pela arbitragem trazendo vantagens para as partes envolvidas, seja em função da celeridade, seja em função do julgamento técnico.
Diante da ocorrência dos danos ambientais individuais ou reflexo, ou seja, quando embora ocorra um dano ao meio ambiente, este não é o foco da discussão porque fica restrito à esfera individual, há possibilidade das partes optarem pela justiça arbitral.
Imagine-se, por exemplo, uma sociedade de economia mista que se dedique à transmissão de energia elétrica através de linhas instaladas em propriedades particulares e que contrate subempreiteiras para promover o preparo das áreas que virão a ficar abaixo das linhas de transmissão. Se estas empresas contratadas causarem dano ambiental, a companhia de energia elétrica será civilmente responsável pela reparação e indenização do dano ambiental. Em um momento posterior, a ela poderá ser mais interessante submeter o conflito que se criou com a subempreiteira a uma Câmara ou Juízo Arbitral, encerrando-o em menor tempo.[26]
Percebe-se, a partir do exposto, que a aplicação da arbitragem para a solução de conflitos ambientais no Brasil é promissora, seja pela comprovada utilidade da arbitragem ambiental no âmbito internacional, seja pela celeridade e capacitação técnica das decisões tomadas pelos árbitros especializados.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proteção do meio ambiente é um importante desafio que se apresenta para o Direito na contemporaneidade. O uso da arbitragem para tutelar o bem ambiental, consolidará uma nova postura do Direito (tanto no âmbito público como privado) no que se refere à pacificação dos conflitos ambiental na ordem jurídica interna.
Diante das considerações feitas anteriormente, pode-se afirmar que o fato do bem jurídico ambiental, qualificado como uso comum do povo, ter natureza difusa, não exclui a possibilidade de a proteção ambiental ser submetida ao regime jurídico de direito privado, especialmente, quando esses litígios envolverem relações patrimoniais concernentes ao bem jurídico ambiental.
A solução arbitral seria uma opção célere e eficaz de dirimir os litígios ambientais e de promover a proteção do meio ambiente, sem significar a substituição do papel do Poder Judiciário nas demandas que envolverem o bem ambiental.
Em outras palavras, o uso da arbitragem apresenta como principal vantagem a possibilidade das partes escolherem livremente o árbitro que é conhecedor dos aspectos necessários para decisão, sem a violação dos direitos da ampla defesa e do contraditório, já que o procedimento arbitral está submetido ao controle de legalidade e constitucionalidade.
Por fim, à disponibilidade no exercício do direito fundamental do ambiente determina a medida da aplicabilidade da arbitragem em matéria ambiental. Neste sentido, o uso da arbitragem dentro de certos limites pode conferir mais efetividade à proteção do meio ambiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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—
Notas:
[1] Doutoranda em Direito pela PUC/PR.Mestre em Direito Ambiental pela UCS/RS.Professora do Curso de direito da URI.Advogada.
[2] CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.265.
[3] CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p.275.
[4] TARTUCCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. Rio de Janeiro :Forense,2008.
[5] A conciliação também pode ser judicial, neste caso, o próprio juiz do processo atua como conciliador.
[6] DELGADO, Maurício Goudinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 2010, p.1346.
[7] VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e Prática da Mediação. Paraná: Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, 1998, p.56.
[8] FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem. Legislação Nacional e Estrangeira e o Monopólio Jurisdicional. São Paulo: LTR, 1999;
[9] CARMONA, Carlos Alberto. A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.19.
[10] DOS SANTOS, Ricardo Stersi.Noções gerais da arbitragem. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. 185 páginas.
[11] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 3º ed. São Paulo: Ltr, 2010, p.34.
[12]REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. São Paulo: Saraiva 2008.
[13]SZKLAROWSKY, Leon Frejda. A Justiça na sociedade moderna. Revista jurídica Consulex, Ano XI-240-15 de janeiro de 2007.
[14] LEMES, Selma. A arbitragem na Concessão de serviços Públicos-arbitrabilidade objetiva. Confidencialidade ou publicidade processual? Os novos paradigmas do Direito Administrativo, palestra proferida na reunião do Comitê Brasileiro de Arbitragem, São Paulo, maio de 2003, p.2.
[15] LACERDA, Belizário Antônio de. Comentários a lei de Arbitragem. São Paulo: Lúmen Júris, 2002.p.32
[16] LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo, extrapatrimonial. São Paulo: Editoria Revista dos Tribunais, 2003.
[17] LEITE, José Rubens Morato. Op.cit, p.98.
[18] ANTUNES, Paulo de Bessa. Conciliação, Arbitragem e Meio Ambiente. Publicado no Jornal do Comércio em 28 de novembro de 2003.
[19] ANTUNES, Paulo de Bessa. Conciliação, Arbitragem e Meio Ambiente. Publicado no Jornal do Comércio em 28 de novembro de 2003. p.3.
[20] ANTUNES, Paulo de Bessa. Conciliação, Arbitragem e Meio Ambiente. Publicado no Jornal do Comércio em 28 de novembro de 2003.
[21] Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), assinada no rio de Janeiro, no período de 5 a 14 de junho de 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O Decreto Legislativo n.2, de 03 de fevereiro de 1994, ratificou a CDB.
[22]BERTUCCI, Rosana Siqueira. Arbitragem ambiental: reflexões sobre sua aplicabilidade. Disponível no site http://www.oabms.org.br/noticias. Acesso em 10 de agosto de 2015.
[23] PASSOS DE FREITAS, Vladimir.a utilização da arbitragem nos conflitos de natureza ambiental no brasil. La utilización del arbitraje en los conflictos de naturaleza ambiental en Brasil. Revista Vasca de Derecho Procesal y Arbitraje, v. XXVII, p. 81-94, 2015.
[24] PASSOS DE FREITAS, Vladimir.a utilização da arbitragem nos conflitos de natureza ambiental no brasil. La utilización del arbitraje en los conflictos de naturaleza ambiental en Brasil. Revista Vasca de Derecho Procesal y Arbitraje, v. XXVII, p. 81-94, 2015
[25] PASSOS DE FREITAS, Vladimir.a utilização da arbitragem nos conflitos de natureza ambiental no brasil. La utilización del arbitraje en los conflictos de naturaleza ambiental en Brasil. Revista Vasca de Derecho Procesal y Arbitraje, v. XXVII, p. 81-94, 2015
[26] PASSOS DE FREITAS, Vladimir.a utilização da arbitragem nos conflitos de natureza ambiental no brasil. La utilización del arbitraje en los conflictos de naturaleza ambiental en Brasil. Revista Vasca de Derecho Procesal y Arbitraje, v. XXVII, p. 81-94, 2015
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