quinta-feira , 21 novembro 2024
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A Produção Antecipada de Provas no Direito Ambiental

por Eduardo Saes

 

É notório que o Sistema Judiciário enfrenta uma sobrecarga de demandas, com um número muito alto de processos e que tendem a levar anos até sua conclusão. Isso é perfeitamente representado nos processos ambientais, em que os dados surpreendem inclusive quem atua no ramo do direito.

Segundo o relatório “Justiça em números 2021”[1], do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram registrados mais de 57 mil novos processos ambientais só no ano de 2020. Ou seja, são 220 novos processos por dia útil, ou, um novo processo a cada seis minutos.

Além disso, os processos ambientais costumam exigir uma profunda análise probatória para que seja proferida uma decisão definitiva pelo magistrado, o que acresce no tempo necessário para resolução da demanda. Afinal, o CPC determina em seu artigo 156 que, quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz da causa deverá ser assistido por perito.

Dessa forma, tem-se uma receita para o fracasso: número elevado de processos somado ao fato de que essas demandas costumam levar muito tempo para sua resolução. Nem o meio ambiente e muito menos o desenvolvimento sustentável acabam sendo corretamente tutelados.

Em virtude disso, a ação de produção antecipada de provas se mostra uma possível solução para essa sobrecarga do sistema judiciário, especialmente na área ambiental. Ao invés de se resolver problemas, pode-se buscar evitá-los.

 

Mas afinal, o que é a produção antecipada de provas?

O Código de Processo Civil regula a produção antecipada de provas na Seção II do Capítulo XII, que engloba os artigos 381, 382 e 383.

Nestes artigos, está estabelecido que esse procedimento será admitido (i) quando houver fundado receio de que se torne impossível ou muito difícil de se verificar determinados fatos na pendência da ação, (ii) quando a prova a ser produzida viabilize a autocomposição ou forneça outro meio adequado de resolução do conflito; e (iii) quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento da ação.

O primeiro cenário, disposto no inciso I do art. 381, trata de situações em que o objeto da prova pode sofrer alterações durante o curso do processo. Assim, caso se aguarde o regular deslinde do feito, a produção da prova pretendida se tornará impossível ou muito difícil.

Já o segundo (art. 381, inciso II) traz a produção antecipada de prova como uma solução para um processo já em curso, seja por um acordo ou outro meio adequado. Um exemplo disso é quando, por meio da prova a ser produzida, é possível atestar algum fator que enseje uma nulidade no processo ou que cause a sua extinção, sem a resolução do mérito. Com inteligência e criatividade se pode diminuir a duração do processo e evitar decisões que tragam enormes prejuízos.

Por fim, a terceira situação, abordada no inciso III do art. 381, diz respeito a um ato preparatório de eventual ação, sendo quase uma tentativa indireta de previsão do resultado do processo. Ou seja, é quando se produz uma prova que pode indicar a procedência ou improcedência de eventual ação a ser futuramente ajuizada. Dessa forma, por já possuir maior conhecimento acerca da presença ou não do direito a ser pleiteado, por meio da prova produzida de maneira antecipada, a parte pode decidir com mais convicção se irá ou não acionar o judiciário. Isso pode evitar inúmeras situações em que discussões técnicas acerca do meio ambiente sejam levadas ao Poder Judiciário. Com isso, trazem insegurança jurídica a todos os envolvidos.

 

E quais os critérios para propor a produção antecipada de provas?

Para ingressar com essa medida, é necessário apresentar, na petição inicial, as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova, além de indicar precisamente os fatos sobre os quais a prova recairá.

Após a apresentação da petição inicial, será determinada a citação dos interessados na produção da prova ou no fato a ser provado, que poderão requerer a produção de qualquer prova no mesmo procedimento, desde que relacionada ao mesmo fato e que a sua produção conjunta não acarrete em demora excessiva. Inclusive, o autor pode (e em muitos casos deve) indicar as partes que ele deseja que participem dessa produção antecipada. Até para que isso desestimule justamente essas partes de quererem judicializar algo que já esteja demonstrado faticamente o que é.

Por possuir apenas o objetivo de viabilizar a produção da prova, não há formação de convencimento ou valoração da prova pelo magistrado responsável. Dessa forma, a sentença prolatada ao final da ação de produção antecipada de provas é homologatória, atestando apenas que os elementos lá produzidos possuem condão de prova judicial. Não gerará debates ou contraposições. Será rápido e objetivo.

A análise da prova em si ocorrerá, se necessário, em outra ação (futura ou já em curso) na qual se discute o mérito e os fatos a serem comprovados por meio da prova produzida na produção antecipada. Justamente por isso, não é admitida defesa ou recurso[2] contra a produção da prova nesse procedimento. Mais uma característica que torna esse procedimento extremamente célere e com alto grau de solução de conflito ou, como já dito, de evitar que uma dúvida fática vire uma demorada ação judicial ambiental.

Ao final do processo, os autos permanecerão em cartório durante um mês para extração de cópias e certidões pelos interessados. Após esse período, os autos serão entregues ao promovente da medida. Cumpre mencionar, também, que o ajuizamento de ação de produção antecipada de provas não previne a competência para o julgamento da ação em que se discutirá a prova produzida, e nem o contrário.

 

Como posso utilizar a produção antecipada de provas?

Um importante fator da produção antecipada de provas, é que ela não gera a necessidade de ajuizamento de nova ação após o término da mesma. Com isso, essa ação pode servir muitas vezes como uma precaução, sendo uma forma de produzir, antes da implementação de um empreendimento, uma prova capaz de refutar os argumentos trazidos em eventual ação civil pública ajuizada após o início das obras.

Com certeza, em um momento em que se vive muita insegurança jurídica em função do altíssimo número de demandas ambientais propostas, uma forma de ter uma maior garantia de que uma área está apta, por exemplo, a receber um determinado empreendimento. Ou ainda demonstrar a inexistência de uma APP, a correta delimitação de uma determinada vegetação ou ainda a perda da função ambiental de determinada área.

Além disso, a produção antecipada de provas surge como uma possibilidade de produzir uma prova técnica – tão importante para a correta resolução de uma demanda ambiental – já validada em juízo, sem a necessidade de se aguardar todo o deslinde do feito até a designação da perícia, passando pela nomeação do perito, aceite do encargo, proposta de honorários, manifestação das partes para, só então, ser designada data para a produção da prova.

Uma aplicação prática da produção antecipada de provas relacionada à matéria ambiental seria no caso de um empreendimento a ser implementado próximo a um curso d’água não natural, como uma vala de drenagem, por exemplo. Nesse caso, é possível se resguardar e desde cedo produzir uma prova atestando que às margens do curso d’água presentes no imóvel não se caracterizam como uma APP[3].

Ou seja, além de ser uma maneira mais célere de produção da prova, essa ação é capaz de evitar o ajuizamento de processos em que, por muitas vezes, é deferida uma liminar que paralisa uma obra ou determina outra medida prejudicial à parte, que, mesmo se posteriormente revertida em função da produção de uma prova técnica, pode já ter causado danos ao empresário, por conta do tempo que a medida gravosa esteve vigente.

Dessa forma, a ação de produção antecipada de provas aparece não só como uma possível solução à sobrecarga de processos enfrentada pelo sistema judiciário brasileiro, mas também como uma solução aos empreendedores alvos de ações ambientais que podem ser refutadas por meio de provas técnicas.

 

 

[1] JUSTIÇA EM NÚMEROS 2021. CNJ, 2021. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf>. Acesso em: 11 de maio de 2022.

[2] É permitida apenas a interposição de recurso contra a decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.

[3] COSTA, Mateus Stallivieri da. Tempestade em corpo d’água. Saes Advogados, 2020. Disponível em: <https://www.saesadvogados.com.br/2020/07/06/tempestade-em-corpo-dagua-o-que-fazer-se-um-rio-corta-a-minha-propriedade/>. Acesso em: 10 de jun. de 2022.

 

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