por Paulo de Bessa Antunes.
A eleição de Jair Bolsonaro para presidente da República e a posterior indicação de Ricardo Salles para chefiar o MMA colocaram em polvorosa as hostes ambientalistas e os próprios profissionais do direito ambiental. A questão, em meu ponto de vista, está um pouco fora de foco. O Brasil possui um acervo consistente de leis ambientais, repousando em nossa Constituição Federal a base do sistema jurídico de proteção ao meio ambiente. Dessa forma, um ataque ao direito ambiental brasileiro somente se materializará, se for o caso, com uma ampla reforma legislativa em direção à uma diminuição do padrão de proteção. Muito embora, não seja tarefa simples definir o que pode ser entendido por afrouxamento da proteção, pois estudos científicos podem demonstrar que, em não poucas vezes, determinadas medidas “protetivas” possam ser excessivamente onerosas e de poucos efeitos práticos.
Entretanto, não seria lícito que se esquecesse que, na aplicação do direito ambiental em nosso país, a norma jurídica escrita e positivada vem, seguidamente, sendo substituída pela aplicação dos princípios gerais de direito ambiental a casos concretos, independentemente da existência de normas expressas, não poucas vezes dispondo em sentido contrário à uma determinada compreensão do significado do principio. Isto tem acarretando elevado nível de insegurança jurídica para todas as atividades que dependem de licenciamento ambiental. Acresça-se o fato de que boa parte da doutrina de “maior proteção” tenha origem judicial, muito embora, a lentidão do Judiciário na solução das questões ambientais seja notória e, portanto, as suas decisões possuam naturezas mais retóricas do que efetivas. Todavia, tendem a sinalizar um bom grau de aversão à atividade econômica. As recentes súmulas ambientais editadas pelo STJ, se por um lado contribuem para a segurança jurídica, por outro se constituem em inegável direito novo. O tão discutido ativismo judicial é muito presente em matéria ambiental, ainda que o STF, no caso concreto, tenha atitudes mais moderadas e conformes com os textos legais e constitucionais.
Não bastasse o fato acima, há uma quantidade de normas ambientais, sobretudo no chamado direito sancionador (administrativo ou penal), cujo grau de abertura dá margem a um grau de subjetividade que, francamente, transforma qualquer atividade ligada ao meio ambiente em uma verdadeira loteria e os profissionais envolvidos em potenciais criminosos. Mantida a legislação ora existente no País, a modificação de sua interpretação pelo administrador é algo que está plenamente inserido no regular mundo da aplicação do direito. Como se sabe, não há decisão jurídica “certa”, existem decisões jurídicas possíveis. A escolha dentro dos limites do razoável e, especialmente, cabível dentro do texto legal é atributo irrenunciável da administração pública.
Infelizmente, após 37 anos da edição da política nacional do meio ambiente, o licenciamento ambiental criado por ela, permanece como objeto de acirrada discussão, como se fora uma novidade. Contudo, é necessário que se afirme que os órgãos de controle ambiental, apesar de suas conhecidas dificuldades, possuem um consenso sobre a matéria. A pressão é externa e, principalmente, baseada em questões jurídicas e não ambientais. Assim, o licenciamento ambiental é hoje um problema de advogados e não de profissionais da biologia, da química etc. Isto fez com que, na prática, as licenças ambientais necessitem “confirmação” judicial ou ministerial (MP) , reduzindo a pó a presunção de legalidade dos atos administrativos.
As concepções políticas e ideológicas do administrador sempre estarão presentes nas suas ações concretas, seja ele de direita ou de esquerda. A mudança de rumos da política também. De fato, a administração Bolsonaro significará o protagonismo de concepções de direito ambiental e proteção da natureza que, até então, não eram consideradas relevantes no debate nacional sobre o tema. Todavia, elas sempre existiram e foram pouco ouvidas no contexto brasileiro. Quando questões relativas à lei de crimes ambientais são levantadas, ainda que de forma desconexa, não se pode desconhecer que a doutrina penalista, desde longa data vem criticando uma lei que é pouco técnica, confusa e que beira o direito penal objetivo. Excessivamente longa, a norma pune criminalmente danos às plantas ornamentais.
As opiniões subjetivas dos novos administradores são importantes, pois indicam uma direção política que, no caso concreto, implicam, em alguns temas, em virada de 180 graus. Todavia, o arcabouço legislativo do País tem estrutura sólida, os órgãos ambientais são atuantes e a sociedade, bem como o Congresso Nacional e o próprio Judiciário, cada um dentro de suas prerrogativas e competências próprias terão capacidade de temperar excessos. Um retorno à legalidade mais fundada na norma e não na aplicação banal de princípios ambientais é salutar.
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Professor, poderia falar mais sobre uma passagem do seu texto, por gentileza?:
“De fato, a administração Bolsonaro significará o protagonismo de concepções de direito ambiental e proteção da natureza que, até então, não eram consideradas relevantes no debate nacional sobre o tema.”
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