“Decisão reconheceu direito de permanência das barracas autorizadas pela União e concedeu prazo de dois anos para desocupação das demais.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 deu parcial provimento aos embargos infringentes ajuizados pelo Ministério Público Federal – MPF e União para determinar a desocupação, demolição e remoção na Praia do Futuro, em Fortaleza (CE), com a recomposição ambiental da área correspondente, no prazo máximo de dois anos, dos empreendimentos que não se acham amparados em título de ocupação ou aforamento emitido pela Secretaria de Patrimônio da União – SPU, bem como de quaisquer instalações ou equipamentos implantados por outros estabelecimentos fora da área delimitada no título de ocupação ou de aforamento respectivo.
‘Uma Ação Civil Pública com propósito tão nobre como o de devolver espaço público à população não pode desvirtuar-se como instrumento de ruína de quem quer que seja. Não é senão para impedir esse efeito indesejado, que se deve fixar um prazo razoável, que permita aos réus encerrarem suas atividades sem atropelos e em condições de cumprir com todas as suas obrigações’, afirmou o relator, desembargador federal Manoel Erhardt.
ENTENDA O CASO – O MPF e a União Federal ajuizaram Ação Civil Pública contra 154 ocupantes, que exploram barracas e estabelecimentos em área localizada na Praia do Futuro em Fortaleza/CE, sob o fundamento de que as ocupações foram irregulares.
O Juiz da 4ª Vara da Justiça Federal no Estado do Ceará concedeu a antecipação de tutela para determinar que em 30 dias os réus retirassem, por sua própria conta, todos os obstáculos que impediam o livre acesso em todas as direções à praia, que cessassem todas e quaisquer atividades, das 43 que não contam com qualquer registro ou inscrição na Gerência Regional do Patrimônio da União – GRPU.
A decisão se estendeu, também, para as ocupações realizadas nas áreas excedentes aos respectivos títulos das outras 98 barracas existentes, devendo as 43, bem como os trechos excedentes e de uso não autorizado das aludidas 98, ficarem provisoriamente interditados e desocupados, até segunda ordem da Justiça. Três das ocupações foram abandonadas.
Os barraqueiros (comerciantes), o Banco do Nordeste do Brasil – BNB, a Petrobrás, o MPF e a União apelaram da decisão. O Município de Fortaleza recorreu adesivamente.
A decisão da Quarta Turma, por maioria, foi no sentido de manter as barracas e determinar a demolição das construções abandonadas e a aquelas construídas depois de determinada judicial.
O MPF e a União ajuizaram Embargos Infringentes da decisão da Quarta Turma, requerendo a desocupação e demolição das construções naquela área”.
Fonte: TRF5, 05/04/2017 – EINFAC 538038 (CE).
Confira a ementa do julgado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONHECIMENTO PARCIAL. PRAIA. OCUPAÇÃO POR PARTICULAR.
1. Acórdão não unânime que, nos autos de ação civil pública voltada à assegurar o livre acesso à Praia do Futuro, em Fortaleza/CE, bem como à recuperação do ambiente degradado, dá provimento parcial a apelações de comerciantes estabelecidos no local, para abrandar a condenação que lhes fora imposta na Primeira Instância, mantidas, somente, a obrigação de retirar os obstáculos que impedem o acesso de pessoas à praia e a de demolir as construções abandonas e as edificadas, sem autorização, após o provimento liminar concedido no AGTR 69.739/CE.
2. Embargos infringentes do Ministério Público Federal e Embargos infringentes da União, ambos buscando fazer prevalecer o voto vencido, favorável à remoção “de todas barracas, empreendimentos e equipamentos instalados naquela área”, por caracterizarem uso privativo de bem comum do povo ou, quando menos, ocupação irregular de bem dominial da União. Contrarrazões: (a) questionando a viabilidade dos embargos; (b) reclamando de erro do voto vencido ao interpretar o laudo pericial; (c) afirmando imprescindível o levantamento da Linha do Preamar Médio de 1831 (LPM/1831); (d) asseverando que as ocupações não estão a ocorrer em área de praia e que a maioria delas têm registro na Secretaria de Patrimônio da União (SPU); (e) realçando que a atuação do Poder Público na área estabeleceu um ambiente de confiança entre os ocupantes; (f) defendendo que a propriedade pública deve estar comprometida com a concretização dos direitos sociais do lazer e do trabalho; (g) destacando princípios e diretrizes estabelecidos no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) e pela Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA); (h) negando a existência de dano ambiental; (i) alertando para os prejuízos sociais e econômicos que haverão de advir do eventual provimento do recurso. Parecer da Procuradoria Regional da República opinando pelo provimento dos embargos para que prevaleça o voto vencido.
3. O Código de Processo Civil de 1973 previa a interposição de embargos infringentes contra o acórdão não unânime que houvesse reformado, em grau de apelação, sentença de mérito, ou julgado procedente ação rescisória (CPC/73, art. 530). Logo, essa modalidade de recurso não se presta para o rejulgamento de apelações que não foram providas.
4. A modificação que o acórdão embargado promoveu no provimento de Primeiro Grau e que, por isso, é passível de ser combatida por meio de embargos infringentes restringe-se à situação dos estabelecimentos cuja demolição, parcial ou total, determinada na sentença, foi desautorizada ou abrandada em função do provimento parcial das apelações dos réus. Não conhecimento dos embargos infringentes relativamente aos estabelecimentos que não se enquadram nesse perfil. Exame dos trechos das contrarrazões correlatos às partes dos recursos tidas como impertinentes prejudicado.
5. A Geologia Marinha identifica, na fisiografia das praias, pelo menos, duas regiões sucessivas, de acordo com sua localização em relação às alturas das marés: (1) a antepraia; e (2) o pós-praia.
6. O pós-praia, no qual se localizam as bermas, longe de ser algo estranho à noção de praia, nela se compreende, como a mais interior das duas regiões fisiográficas por ela abrangidas, exatamente aquela em que a praia encontra seu limite, pelo lado continental, com a vegetação natural ou com outro ecossistema.
7. Concepção técnica da qual não se distancia a legislação federal ao definir praia como: “área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema” (Lei 7.661/88, art. 10, parágrafo 3º).
8. Igualmente condizente tanto com a noção cientifica quanto com a definição legal de praia revela-se a legislação do Estado do Ceará quando define bermas como: porção horizontal do pós-praia constituído por material arenoso e formado pela ação das ondas e em condições do nível do mar atual” (Lei Estadual 13.796/2006, art. 2º, inc. XIV).
9. Se é fato que as ocupações mencionadas na inicial, inclusive as discutidas nestes infringentes, estão a ocorrer em berma, não há como negar, à luz tanto das noções de Geologia quanto dos textos normativos, que as áreas ocupadas são, efetivamente, de praia. Precedentes deste Regional.
10. Constatado que as áreas discutidas nestes embargos são de praia, não há como caracterizá-las como terreno de marinha, nem, consequentemente, porque investigar a LPM/1831 na localidade.
11. Quem quer que se aventure a usufruir, com exclusividade, de área de praia deve devolvê-la ao uso comum da população. O modo como se haverá de dar essa devolução é que pode variar conforme as circunstâncias, porquanto, se é verdade que toda ocupação de praia é condenável, nem toda ela experimenta o mesmo grau de reprovabilidade.
12. Caso em que o comportamento dos réus, objetivamente, não foi exclusivamente nocivo, mas simultaneamente vantajoso para a população, sobretudo no aspecto social e no econômico, e, subjetivamente, também não se afigurou dos mais reprováveis, mormente porque informado por uma noção falsa da realidade, fruto de erro plenamente escusável, para o qual muito concorreu a Administração. Fixação de prazo razoável, que permita aos réus encerrarem suas atividades sem atropelos e em condições de cumprir com todas as suas obrigações. Adoção, como referência básica, do prazo de dois anos previsto na legislação para os processos de recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 61).
13. Embargos infringentes dos quais se conhece, em parte, e, nessa parte, a eles se dá provimento parcial, para determinar a desocupação, a demolição e a remoção, com a recomposição ambiental da área correspondente, no prazo de dois anos a partir da publicação deste acórdão, dos empreendimentos que não se acham amparados em título de ocupação ou aforamento emitido pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU), bem como de quaisquer instalações ou equipamentos implantados por outros estabelecimentos fora da área delimitada no título de ocupação ou de aforamento respectivo.
(PROCESSO: 20058100017654504, EIAC538085/04/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, Pleno, JULGAMENTO: 05/04/2017, PUBLICAÇÃO: DJE 07/04/2017 – Página 15)
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