A Construtora Nunes, de Criciúma (SC), terá que apresentar um plano de recuperação para uma área localizada no município de Nova Veneza, degradada após a extração de 2,4 mil toneladas de cascalho. A decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) foi proferida na última semana e confirmou sentença de primeiro grau.
No mesmo julgamento, o TRF4 negou um pedido de indenização da União no valor de R$ 72 mil, referente aos minerais removidos.
Em 2008, a Construtora Nunes obteve autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para lavrar e extrair cascalho no município de Nova Veneza até fevereiro de 2011. No entanto, segundo fiscalização do próprio DNPM, a empresa permaneceu explorando a área mesmo após o término do prazo estipulado.
A União ajuizou ação afirmando que a atividade clandestina provocou prejuízo aos cofres públicos, uma vez que todos os recursos minerais presentes no solo nacional são de sua propriedade. Foi solicitada indenização equivalente ao valor médio de mercado de todo o cascalho extraído.
A empresa, por sua vez, defendeu que em nenhum momento foi informada de que estava desguarnecida de documentos que possibilitassem a extração.
O pedido de ressarcimento material foi negado pela Justiça Federal de Criciúma. Em contrapartida, o juízo determinou que a ré promovesse a recuperação ambiental da área degradada. Ambas as partes apelaram.
A construtora solicitou o cancelamento da ação alegando que já teria implantado o programa de recuperação no local. A União reiterou que houve usurpação de bem de sua propriedade, pois o cascalho foi removido em período não autorizado pelo DNPM.
Por unanimidade, o TRF4 decidiu manter a decisão de primeiro grau. Segundo o relator do processo, juiz federal Marcus Holz, convocado para atuar na 3ª Turma, “não se trata de usurpação de bem mineral da União, porquanto a atividade da ré estava revestida de todas as formalidades legais, apenas não tendo havido a renovação da licença”.
O magistrado acrescentou que, “por outro lado, é cabível a condenação à obrigação de recuperar, pois ficou demonstrado pela prova técnica a ocorrência de dano com baixo impacto ambiental”.
A UNIÃO ajuizou ação civil pública em face de CONSTRUTORA NUNES LTDA, objetivando a condenação da ré a ressarci-la pela extração ilegal de recurso mineral e a restaurar os danos ambientais causados por tal prática, bem como a decretação, inclusive em sede de antecipação de tutela, de indisponibilidade dos bens da ré e das pessoas físicas que a administram e que, ao longo da instrução, também forem comprovadamente responsáveis.
Sentenciando, o magistrado de origem julgou parcialmente procedentes os pedidos, extinguindo o processo com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do antigo CPC, para impor à ré obrigação de fazer, consistente em elaborar e apresentar ao órgão ambiental competente para o licenciamento, no prazo de 60 (sessenta) dias, um plano de recuperação da área degradada (PRAD), de acordo com o laudo pericial produzido e com o respectivo cronograma de execução. Sem condenação na verba honorária, nos termos da Lei nº 7.347/85, mas com condenação da União ao reembolso de 80% dos honorários periciais, porquanto decaiu da maior parte do pedido. Isenção de custas, pela autora União (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), e pela ré, em 20% do valor total devido (evento 133 – SENT1).
Apelou a parte ré, alegando, em síntese, perda do objeto da ação, uma vez que já foi implementado voluntariamente o PRAD, o qual foi devidamente aprovado pelo órgão ambiental (FATMA) e está em curso. Refere, outrossim, que a União foi omissa ao ajuizar a ação e que o ofício expedido pelo DNPM, que instrui a inicial, refere-se somente à alegada usurpação de recursos, sem alusão a qualquer dano ambiental (evento 145 – APELAÇÃO4).
Também apelou a autora, reiterando que houve usurpação de bem mineral da União, porquanto caracterizada a extração ilegal do cascalho em período não autorizado pelo DNPM, tendo havido vencimento da autorização, sendo que a empresa ré atrasou mais de um mês para protocolar o pedido de renovação a qual, em verdade, se trata de uma nova guia. Refere que o prazo da Portaria DNPM 144/2007 não é exíguo, sendo de 60 dias para protocolar o pedido. Aduz que, se houve usurpação, resta o deve de indenizar e que a CEFEM não é mera indenização, pois não corresponde ao valor do minério usurpado, razão pela qual deve ser reformada a sentença. Subsidiariamente, requer seja a União condenada tão somente a reembolsar 50% dos honorários periciais porque metade dos pedidos foram julgados procedentes (evento 146 – APELAÇÃO1).
Com as contrarrazões e o parecer do representante do Ministério Público Federal junto a este Tribunal, Procurador Regional da República Cláudio Dutra Fontella, manifestando-se pelo improvimento das apelações, vieram os autos (evento 4 – PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Cinge-se a controvérsia ao dever de reparação em decorrência de alegado dano ambiental pela extração irregular de minério (2.406 toneladas de cascalho – seixo rolado).
A União aduz, na inicial, que a Guia de Utilização nº 27/2010 emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral para lavrar e extrair recurso mineral autorizava a extração de 8.500 toneladas com validade até 10 de fevereiro de 2011, mas que, em fiscalização efetuada pelo DNPM, constatou-se que a ré, no período compreendido entre fevereiro e novembro de 2011, extraiu irregularmente 2.406 toneladas de seixos, causando impacto ambiental ainda não mesurado.
Ao seu turno, alega a empresa ré que fez a extração de seixo no período autorizado e dentro dos limites impostos na guia de utilização. Aduz que nenhum momento foi informada que estava desguarnecida de documentos que possibilitassem a extração e que a comercialização de produto estocado não implica irregularidade, muito menos aplicação de penalidades. Impugna o valor pretendido a título de indenização. Quanto aos danos ambientais, diz que foram observadas todas as condicionantes estipuladas na licença prévia, mas concorda com a vistoria da FATMA e a realização de perícia para a verificação dos supostos danos.
O magistrado de origem, com base na prova técnica, entendeu inexistente o direito ao ressarcimento pelo cascalho extraído irregularmente, porquanto atividade desenvolvida pela ré, em si, estava revestida de todas as formalidades legais exigíveis.
De fato, tenho que não merece reparos a sentença, cujo trecho transcrevo, adotando os seus fundamentos como razões de decidir:
DA PROPRIEDADE DOS RECURSOS MINERAIS
A autora União busca indenização pelos recursos minerais que diz serem de sua propriedade, por força dos artigos 20, IX, e 176, da Constituição Federal, correspondentes a 2.406 toneladas de cascalho (seixo rolado), em área localizada no Município de Nova Veneza/SC. Segundo narra a petição inicial, o prejuízo, no valor de R$ 72.180,00, corresponde à multiplicação do preço da tonelada do minério, de R$ 30,00, pela quantidade irregularmente extraída.
Ora, assim dispõe o art. 20, IX, da Constituição Federal (grifos meus):
Art. 20. São bens da União:
(…)
IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
(…).
Já o art. 176, caput e § 1º, da Constituição Federal, assim dispõe (grifei):
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
§ 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o ‘caput’ deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
(…).
Os recursos minerais, portanto, são inequivocamente de propriedade da União. E a exploração dos recursos minerais pertencentes à União é feita unicamente sob regime de concessão, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.
DO RESSARCIMENTO PELO CASCALHO LAVRADO IRREGULARMENTE
O art. 20 da Constituição Federal, em seu § 1º, assim dispõe (grifei):
Art. 20. São bens da União:
(…)
§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, partic
ipação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
(…).
O dispositivo constitucional referido trata da compensação financeira pela exploração de recursos minerais (CFEM). O Supremo Tribunal Federal firmou sua jurisprudência no sentido de que a CFEM possui natureza jurídica de receita patrimonial (MS 24.312/DF, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 19.12.2003, p. 50; RE 228.800/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16.11.2001, p. 21; AI 453.025/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 9.6.2006, p. 28).
A Lei nº 4.320/64, em seu art. 11, classifica a receita orçamentária em duas categorias econômicas: receitas correntes e receitas de capital. Com a Portaria Interministerial STN/SOF nº 338, de 26 de abril de 2006, essas categorias econômicas foram detalhadas. As receitas correntes podem ser originárias ou derivadas. As receitas correntes originárias são aquelas resultantes da venda de produtos ou serviços colocados à disposição dos usuários ou da cessão remunerada de bens e valores (Manual de Procedimentos das Receitas Públicas, item 4.1. Disponível em: Acesso em: 22 mai. 2015). Asreceitas originárias patrimoniais, por sua vez, constituem-se dos ingressos provenientes de rendimentos sobre investimentos do ativo permanente, de aplicações de disponibilidades em operações de mercado e outros rendimentos oriundos de renda de ativos permanentes.
Para Ricardo Lobo Torres, esses ingressos patrimoniais provêm diretamente da exploração do patrimônio público, sendo obtidos através da exploração dos bens dominiais do estado, como as florestas, ilhas estradas, imóveis e dos bens minerais, entre outros (TORRES, Ricardo Lobo. Cursos de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 189). Segundo Kiyoshi Harada (grifei):
As Receitas Patrimoniais ou Originárias são aquelas que resultam da atuação do Estado, sob o regime de direito privado, na exploração de atividade econômica. São as resultantes do domínio privado do Estado, os chamados bens dominicais, constituídos por terras, prédios, empresas, direitos, etc. que são passíveis de alienação, bem como administração pelo regime de direito privado, tal qual faria um particular. (HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 65).
Noutras palavras, as receitas patrimoniais são aquelas resultantes da cessão remunerada de bens públicos dominiais, em parte destinadas a indenizar a perda dos recursos minerais, e, em parte,como contraprestação pela exploração. É o que afirma Manoel Gonçalves Ferreira, ao analisar o art. 20, § 1º, da Constituição Federal:
A norma distingue entre participação e compensação. Esta última pressupõe um ‘prejuízo’ decorrente da exploração. Já a participação constitui uma associação de benefícios.
Compreende-se que o ente federativo que no seu território sofra a exploração, seja por ela compensado, ou, até, nela tenha participação. (FERREIRA, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição de 1988. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 154).
A Carta da República possibilitou à União a participação no resultado da exploração de recursos minerais no respectivo território ou compensação financeira por essa exploração. E a CFEM, criada no art. 6º da Lei nº 7.990/89, acima transcrito, veio instituir justamente a forma de compensação pela exploração dos recursos minerais, como assentou o Ministro Sepúlveda Pertence no voto condutor proferido no julgamento do RE nº 228.800/DF (1ª Turma, DJ de 16.11.2001, p. 21).
Pois bem, veja-se o que dispõe a Lei nº 7.990/89, em seu art. 6º (grifos meus):
Art. 6º A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.
Em poucas palavras: mesmo sendo a União proprietária dos recursos minerais, não há que se falar em indenização ou ressarcimento pelo que, ainda que irregularmente, foi lavrado pela ré. Assiste à União, tão somente, o eventual direito à cobrança da compensação financeira respectiva prevista em lei, a CEFEM, pela posterior venda do cascalho obtido, o que não constitui objeto desta demanda, diga-se. Esse é o único ressarcimento, no âmbito cível, a que faz jus a União pela exploração de recursos minerais. E, frise-se, nem poderia ser diferente, porquanto não é admissível que a União venha a auferir, em decorrência da lavra ilícita,valor em muito superior ao que lhe seria devido caso a lavra fosse lícita.
É o que se depreende do disposto no art. 944 do Código Civil (grifei):
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
O objetivo da indenização – tornar indene – é a reparação proporcional ao dano sofrido pela vítima. Nem mais, nem menos. Não pode a indenização proporcionar lucro à vítima, ganho que não auferiria acaso o dano não houvesse ocorrido.
Nesse passo, o recolhimento dos valores devidos a título de CEFEM relativos a todo o cascalho (seixo rolado) lavrado na área em foco está demonstrado por meio dos documentos acostados aos autos pela própria autora União (evento 1 – ANEXO2, p. 25). De fato, consta do demonstrativo expedido pelo DNPM (‘ARRECADAÇÃO DETALHADA‘), que de fevereiro a novembro de 2011, a ré extraiu 2.406 toneladas,recolhendo em todos esses meses o valor da CEFEM devida.
No caso dos autos, é preciso consignar, a atividade desenvolvida pela ré, em si, estava revestida de todas as formalidades legais exigíveis. De fato, a lavra foi desenvolvida mediante autorização de pesquisa, aprovação do relatório de pesquisa e prévia autorização do DNPM para extração da substância mineral antes da outorga da concessão (Código de Mineração, artigos 22, § 2º, e 30, I), por meio de ‘Guia de Utilização‘ (Portaria DG-DNPM nº 144/2007), como comprovam os documentos carreados aos autos pela própria autora União (evento 1 – ANEXO2, p. 17), ao menos em parte do período (Guia de Utilização nº 27/2010).
Tais fatos, levam à conclusão de que a ré estava, ainda que tacitamente e em caráter precário, autorizada a lavrar. Cumpre ressaltar, ainda, que a renovação da guia de utilização se dá de forma automática, desde que requerida até 60 dias antes do final do seu prazo de validade. No caso dos autos, a ré requereu a renovação da guia, em 15/03/2011 (evento 1 – ANEXO2, p. 19), mas o fez somente depois do prazo estipulado para que a renovação se desse de forma automática. Note-se, porém, que o DNPM somente se manifestou acerca do pedido de renovação da Guia em 03/06/2011,quase 3 meses depois. Assim, como se depreende desse parecer, a validade da Guia de Utilização nº 27/2017 só não foi renovada porque a ré o requereu depois do prazo de renovação automática.Disso decorreu, agora sim automaticamente, a conclusão de que a extração do minério teria sido ilícita a partir da expiração do prazo de validade da Guia de Utilização nº 27/2010, em 10/02/2011, o que levou, também automaticamente, ao indeferimento do requerimento (evento 1 – ANEXO2, p. 21). É também indispensável dizer que, pela referida Guia, a ré estava autorizada, durante o seu prazo de validade, a extrair um total de 8.500 toneladas de minério. No entanto, computado o período a descoberto de guia de utilização,o total extraído pela ré foi de apenas 4.075 toneladas (evento 93 – LAUDPERI1, p. 19), menos da metade da quantidade autorizada.
Pois bem, tal proceder, por parte do DNPM, não resiste a qualquer exame sob o ângulo da razoabilidade e da proporcionalidade. Não pode um simples prazo para renovação automática de autorização de exploração, demarcar a fronteira entre o lícito e o ilícito. De fato, se o requerimento houvesse sido protocolado até 60 dias antes do prazo de validade da indigitada Guia, a autorização estaria automaticamente renovada e a exploração objeto dos autos não poderia ser inquinada de ilícita. Como foi protocolado cerca de um mês depois da expirada a validade da Guia, a ré não só teve negado o requerimento de renovação, como passou a ostentar a pecha de ter agido criminosamente. Isso quando o próprio DNPM levou quase 3 meses para se manifestar sobre o requerimento em tela. Ora, o que esperava o DNPM que a ré fizesse nesse ínterim, que paralisasse suas atividades e demitisse seus empregados, até que a autarquia renovasse a validade da Guia? Vale frisar: não se trata de exploração clandestina, sem que sequer houvesse sido requerida autorização para a exploração e sem o recolhimento da Contribuição constitucional e legalmente devida. Trata-se, isso sim, de mera questão de prazo.
Nesse passo, deve-se destacar que a inobservância do prazo para o requerimento de renovação da guia de utilização implica somente as sanções de advertência, multa ou caducidade do título minerário(Código de Mineração, artigos 52 e 63), não em ressarcimento do mineral irregularmente extraído da área titulada. Ademais, a ilicitude, embora seja una, não implica necessariamente conseqüências iguais nos diversos âmbitos em que possa repercutir. Assim, as sanções podem ser diversas para o ilícito nas searas civil, penal, administrativa ou tributária, por exemplo.
Não fosse isso suficiente, está o minerador sujeito às sanções penais previstas no art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e no art. 91, II, ‘b’, do Código Penal, e, ainda, às sanções administrativas previstas nos artigos 70 a 76 da Lei nº 9.605/1998. Não se pode dizer, portanto, que eventual ilicitude atinente à lavra de minérios está ao abrigo de impunidade.
Assim, por qualquer ângulo que se examine o tema, não merece guarida o pedido formulado pela autora União, de ressarcimento pela alegada extração indevida de recursos minerais feita pela ré.
DA RECUPERAÇÃO DO DANO AMBIENTAL SUPOSTAMENTE CAUSADO PELA EXTRAÇÃO IRREGULAR
A autora União pretende também, com a demanda, obter a condenação da ré à restauração dos danos alegadamente causados ao meio ambiente, decorrentes da lavra irregular de cascalho (seixo rolado) que teriam sido extraídas irregularmente da área localizada no Município de Nova Veneza/SC.
A tutela do ambiente, elevada ao patamar de norma constitucional fundamental por força do disposto no art. 225, § 2º, da Constituição Federal, impôs a recuperação das áreas degradadas pela mineração (grifei):
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder P
úblico e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(…)
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
(…).
A expressão ‘dano ambiental‘, além de não ter significado universalmente unívoco, não foi expressamente conceituada no ordenamento jurídico brasileiro. Não obstante, há na legislação brasileira definição de ‘degradação da qualidade ambiental‘ (Lei nº 6.938/81, art. 30, II) e de ‘poluição‘ (Lei nº 6.938/81, art. 30, III). A degradação da qualidade ambiental é pela Lei definida como ‘a alteração adversa das características do meio.’. Trata-se de noção complexa, que poderá variar de acordo com a conceituação de meio ambiente. Já a definição de poluição é mais clara e específica: ‘poluição consiste na degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: (a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; (b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; (c) afetem desfavoravelmente a biota; (d) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.‘.
A Convenção de Lugano do Conselho da Europa, no seu art. 2.7, dispõe que ‘Dano significa: a) a morte ou lesões corporais; b) qualquer perda ou qualquer prejuízo causado a bens outros que a instalação ela mesma ou os bens que se achem no local da atividade perigosa e situados sob controle de quem a explora; c) qualquer perda ou prejuízo resultante de alteração do meio ambiente, na medida em que não seja considerada como dano no sentido das alíneas a ou b acima mencionadas, desde que a reparação a título de alteração do meio ambiente, excetuada a perda de ganhos por esta alteração, seja limitada ao custo das medidas de restauração que tenham sido efetivamente realizadas ou que serão realizadas; d) o custo das medidas de salvaguarda, assim como qualquer perda ou qualquer prejuízo causado por essas medidas, na medida em que a perda ou o dano previstos nas alíneas a e c do presente parágrafo originem-se ou resultem das propriedades de substâncias perigosas, de organismos geneticamente modificados ou de microorganismos, ou originem-se ou resultem de rejeitos.’.
Destes conceitos e definições depreende-se que a expressão dano ambiental ‘(…) serve tanto para designar lesões e alterações nocivas ao meio, como os efeitos que tais alterações podem provocar na saúde das pessoas em seus bens e interesses‘ (BENJAMIN, Antonio Herman de. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. In: Revista de direito ambiental, ano 3, n.9, jan/mar de 1998. São Paulo: RT. p. 48/49).
Ao discorrer sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Sérgio Cavalieri Filho assim leciona:
O dano encontra-se no centro da regra de responsabilidade civil. O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma conseqüência concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar. (…) Mesmo na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Em suma, sem dano não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 77).
Nessa seara, afirma Patrícia Lemos que ‘(…) o dano ao meio ambiente se configura a partir do alcance de determinado nível de impacto. Isso porque qualquer atuação humana, até mesmo o simples existir gera impacto no meio ambiente.‘ (LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Meio ambiente e responsabilidade civil do proprietário: análise do nexo causal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 105). Assim, para Paulo Afonso Leme
Machado ‘Seria excessivo dizer que todas as alterações no meio ambiente vão ocasionar um prejuízo, pois dessa forma estaríamos negando a possibilidade de mudanças e inovações, isto é, estaríamos entendendo que o estado adequado do meio ambiente é o imobilismo, o que é irreal.’ (MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 8ª ed. revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 335).
Disso tudo, portanto, é possível concluir que existe um limiar a ser respeitado. O dever de reparação só se impõe quando existe dano. Em outras palavras, o dano, mesmo na seara da tutela do ambiente, ainda é elemento fundamental e indispensável da obrigação de reparar.
No caso dos autos, durante TODO o período de extração, inclusive o de alegada ilicitude, que iria de fevereiro a novembro de 2011, a ré esteve acobertada por licença ambiental de operação – LAO nº 514/2009(evento 30 – OUT4), emitida pela FATMA, contendo todas as medidas de mitigação e controle exigidas pelo órgão ambiental. É o que consta do item nº 3.6 do laudo pericial (evento 93 – LAUDPERI1, p. 18 e 22).
Diz o perito, ainda (grifei):
Considera-se que pelo baixo impacto, que a adoção de medidas de reparação da vegetação ao longo da margem com o abandono da atividade, e com o monitoramento e controle das espécies arbóreas plantadas ocasionará recuperação e restauração do ambiente às condições locais. Posteriormente com o adensamento do plantio a área poderá retornar ao seu ambiente original. O rio deve ser monitorado ao longo do tempo para que as margens se mantenham íntegras. Durante os períodos de chuvas o monitoramento deve ser feito com o registro fotográfico do local e do entorno antes e após a chuva com vistas a avaliação do impacto as margens e ao meio sócio econômico. (evento 93 – LAUDPERI1, p. 17/18).
Segue o perito (grifos no original e meus):
Meio biótico – Fauna e Flora
A área de extração é localizada na calha do rio Cedro Alto, a alteração das condições da água durante a extração causa o afugentamento das espécies aquáticas e a modificação da flora sub- aquática. Este impacto é mitigado com a paralisação da atividade. A melhoria das condições deve ser monitorada com medições e contagens de espécies da flora e fauna aquática e somente a partir destas medições é possível determinar as medidas necessárias a potencialização da recuperação do meio.
Meio Físico:
Aqui ocorre o impacto a morfologia que é a forma da calha do rio e seu leito, em duas dimensões, profundidade e largura. A paralisação da atividade não é suficiente para mitigar e recuperar este impacto uma vez que depende também da manutenção das condições ao longo de todo o curso do rio. Para este impacto é necessária além da paralisação da lavra de seixo a manutenção das margens do rio, essa manutenção deve ser feita de forma cuidadosa com revegetação das margens e manutenção de áreas de dissipação de energia que impeçam a erosão.
Meio Sócio Econômico
Ao meio sócio econômico a atividade é benéfica ou de impacto positivo, pois com a extração são minimizados os efeitos das enxurradas e com eles os fenômenos de inundações em casas e plantações, destruição de pontes e acessos (estradas).
Os impactos ao meio físico e biótico, relacionados acima estão no momento mitigados com a paralisação da atividade. A recuperação ocorre com a medição e potencialização da recuperação. Para a feitura de um PRAD deve ser feito o diagnóstico ambiental do leito do rio e das margens. As medidas compensatórias poderão ser propostas somente após o prévio diagnóstico do meio físico, biótico e socioeconômico conforme estabelece a resolução Conama 01 de 23 de janeiro de 1986.
Percebe-se, portanto, das conclusões do perito exaradas no laudo pericial, que os danos ambientais causados são de baixo impacto e podem ser recuperados por meio de medidas simples e do necessário monitoramento, todas elas, aliás, previstas na LAO concedida à empresa ré.
Por tudo, merecem guarida apenas em parte, os pedidos.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOS, extinguindo o processo com decisão de mérito, na forma do art. 269, I, do CPC, para impor à ré obrigação de fazer, às suas expensas, consistente em elaborar e apresentar ao órgão ambiental competente para o licenciamento, no prazo de 60 (sessenta) dias, um plano de recuperação da área degradada (PRAD) apontada no laudo pericial dos presentes autos, com o respectivo cronograma de execução, bem como executar o PRAD com a observância do respectivo cronograma.
Nas ações civis públicas, a disciplina da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, aplicando-se as normas próprias da Lei nº 7.347/85. Nesse passo, em sede de ação civil pública, a condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé. Assim, em simetria de tratamento e à luz de interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não pode o autor se beneficiar de honorários quando for vencedor na ação civil pública, nem mesmo com a reversão da verba a algum fundo de direitos difusos e coletivos referido no artigo 13 da Lei n.º 7.347/85 (TRF4, AC nº 2003.72.09.000980-7, 3ª T., Relatora Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. de 10/09/2010).
Considerando que a autora União decaiu da maior parte dos pedidos, condeno-a ao reembolso de 80% dos honorários periciais antecipados pela ré, atualizados pelo IPCA-E desde o depósito até o efetivo pagamento (CPC, art. 21, caput).
Isenção de custas, pela autora União (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), e pela ré, em 20% do valor total devido.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Havendo interposição de recurso e presentes as condições de admissibilidade, recebo-o nos efeitos devolutivo e suspensivo (Art. 520, caput, do CPC). Apresentadas as contrarrazões, remetam-se os autos à instância de segundo piso.
Oportunamente, dê-se baixa (evento 133 – SENT1)..
No caso em tela, não se trata de usurpação de bem mineral da União porquanto foi requerida a renovação da GU pela empresa ré em 15/03/2011, sendo que o DNPM só se manifestou acerca do pedido em 03/06/2011, conforme verifica-se dos documentos juntados ao evento 1 – ANEXO2, processo originário. Asim, não pode a União alegar que a ré se omitiu em providenciar a renovação.
Por outro lado, também não merece acolhida a alegação da parte ré de que não logrou a autora demonstrar o dano ambiental e de que havia um plano de recuperação da área degradada em curso.
Como bem enfatizado pelo Parquet, ‘durante o período de extração, inclusive o de alegada ilicitude, que iria de fevereiro a novembro de 2011, a Construtora Nunes Ltda. esteve acobertada por licença ambiental de operação – LAO n. 514/2009 (evento 30 – OUT4 – processo originário), emitida pela FATMA, contendo todas as medidas de mitigação e controle exigidas pelo órgão ambiental. Não obstante, nos termos da Perícia Judicial, os danos causados são de baixo impacto e podem ser recuperados por meio de medidas simples e do necessário monitoramento, todas elas previstas, por sua vez, na LAO concedida à empresa ré‘ (evento 4 – PARECER1).
Com efeito, pela prova técnica restou demonstrado o dano ambiental, o qual não é negado pela parte ré, sendo que os documentos juntados com a apelação só demonstram a elaboração do PRAD, mas não a sua aprovação ou mesmo a execução. Assim, não há falar em perda de objeto.
Mantida a verba sucumbencial tal como fixada pela sentença, porquanto em consonância com os critérios legais e jurisprudenciais.
Por tais motivos, merece ser mantida a bem prolatada sentença.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento às apelações.
Juiz Federal MARCUS HOLZ
Relator