terça-feira , 12 agosto 2025
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ANÁLISE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL E TÉCNICA DA MP Nº 1.308/2025 – LICENCIAMENTO AMBIENTAL ESPECIAL E SEUS IMPACTOS NO SETOR ELÉTRICO

Marina Meyer Falcão e Enio Fonseca

Foi publicada no último dia 8 de agosto, em edição extra do Diário Oficial da União, a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190, 2025).

Lula vetou 63 dos 400 dispositivos do projeto aprovado pelo Congresso após mais de 20 anos de tramitação (PL 2.159/2021). Esta iniciativa constitucional pretende consolidar em norma de carater geral, as regras procedimentais padronizadas para todo o País, para a formalização dos processos de licenciamento ambiental. O PL durante todos estes anos foi apoiado pelo agronegócio e setores empresariais, mas vinha sendo combatido por organizações ambientalistas e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) como um grave retrocesso.

O Executivo argumenta que os vetos buscam garantir maior proteção ambiental e segurança jurídica e que os textos retirados da lei poderiam eliminar ou reduzir exigências para o licenciamento.

Uma medida provisória e outro projeto de lei, com urgência constitucional, também foram assinados por Lula, na mesma data, para recompor em parte os dispositivos vetados.

A Medida Provisória nº 1.308, de 8 de agosto de 2025, publicada em edição extra do Diário Oficial da União, institui o Licenciamento Ambiental Especial (LAE), direcionado a empreendimentos classificados como “estratégicos” por decreto, a partir de proposta bianual do Conselho de Governo, conforme pode ser lido no extrato de sua publicação:

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.308, DE 8 DE AGOSTO DE 2025

Dispõe sobre o licenciamento ambiental especial, visando à consecução eficiente e eficaz de atividades e empreendimentos estratégicos, nos termos que especifica.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre o licenciamento ambiental especial, visando à consecução eficiente e eficaz de atividades e empreendimentos estratégicos, nos termos que especifica.

Art. 2º A Licença Ambiental Especial – LAE é ato administrativo expedido pela autoridade licenciadora que estabelece condicionantes que deverão ser observadas e cumpridas pelo empreendedor para localização, instalação e operação de atividade ou de empreendimento estratégico, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, nos termos do regulamento.

Art. 3º O procedimento do licenciamento ambiental especial aplica-se a atividades ou empreendimentos estratégicos, assim definidos em decreto mediante proposta bianual do Conselho de Governo, que dimensionará equipe técnica permanentemente dedicada à função, conforme regulamento.

§ 1º A autoridade licenciadora dará prioridade à análise e à decisão dos respectivos pedidos de licença ambiental das atividades ou dos empreendimentos definidos como estratégicos na forma do caput.

§ 2º Deverá ser priorizada, pelas entidades e pelos órgãos públicos de qualquer esfera federativa, a emissão de anuências, licenças, autorizações, certidões, outorgas e outros documentos necessários ao licenciamento ambiental especial.

Art. 4º O licenciamento ambiental especial observará os seguintes procedimentos:
I – definição do conteúdo e elaboração do termo de referência – TR pela autoridade licenciadora, ouvidas as autoridades envolvidas, quando for o caso;
II – requerimento da LAE, acompanhado dos documentos, dos projetos, do cronograma e dos estudos ambientais exigidos, de responsabilidade do empreendedor, bem como de anuências, de licenças, de autorizações, de certidões, de outorgas e de outros documentos necessários ao licenciamento ambiental especial;
III – apresentação à autoridade licenciadora das manifestações das autoridades envolvidas, quando for o caso;
IV – análise, pela autoridade licenciadora, dos documentos, dos projetos, do cronograma e dos estudos ambientais apresentados, realização de audiência pública e, se necessário, solicitação de informações adicionais e complementares, uma única vez;
V – emissão de parecer técnico conclusivo; e
VI – Concessão ou indeferimento da LAE.
Parágrafo único. O estudo prévio de impacto ambiental – EIA e respectivo relatório de impacto ambiental – Rima, conforme TR definido pela autoridade licenciadora, são requisitos para a emissão da licença ambiental especial.
Art. 5º O processo de licenciamento ambiental especial deve respeitar o prazo máximo de doze meses para análise e conclusão do processo, que poderá ser dividido em etapas, contado da entrega do estudo ambiental pertinente e das demais informações ou dos documentos requeridos na forma desta Medida Provisória.
Art. 6º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 8 de agosto de 2025; 204º da Independência e 137º da República.
Luiz Inácio Lula da Silva
Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima

Sob a ótica constitucional, a MP dialoga diretamente com os arts. 170 e 225 da Constituição Federal. De um lado, reafirma o princípio do desenvolvimento nacional e da ordem econômica (art. 170), buscando conferir celeridade a projetos de relevância para o país, inclusive no setor elétrico, notadamente grandes usinas, linhas de transmissão , projetos de transição energética projetos de exploração e produção de petróleo e gás. De outro, precisa compatibilizar-se com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A estrutura procedimental do LAE, com prazo máximo de 12 meses para conclusão e exigência expressa de EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental), demonstra intenção de manter o núcleo essencial do controle ambiental, evitando uma flexibilização que possa configurar retrocesso ambiental — hipótese vedada pelo Supremo Tribunal Federal em sua jurisprudência de proteção do mínimo existencial ecológico. Ainda assim, a restrição a apenas uma rodada de solicitação de complementações pode gerar debate quanto à suficiência da instrução probatória, especialmente diante da complexidade de empreendimentos energéticos.

No campo federativo, a MP acentua a prioridade e a coordenação entre órgãos de todas as esferas, o que pode representar avanço na eficiência, mas também tensiona a autonomia administrativa dos entes federados prevista no art. 18 da Constituição, caso haja ingerência excessiva da União sobre licenças estaduais ou municipais.

Do ponto de vista do setor elétrico e energético ( além de outros setores estratégicos da economia), a criação do LAE pode ser um instrumento relevante para viabilizar rapidamente projetos estruturantes essenciais à segurança energética e ao cumprimento das metas de descarbonização. No entanto, a definição do que é “empreendimento estratégico” dependerá de regulamentação infralegal, a ser feita pelo Conselho de Governo, o que exigirá atenção das empresas e associações do setor para participar das consultas e evitar discricionariedade desmedida.

Por fim, a MP deve ser acompanhada de regulamentações que assegurem:

Clareza nos critérios de enquadramento como estratégico;
Respeito ao princípio da precaução, previsto implicitamente no art. 225 da CF;
Compatibilidade com tratados internacionais ambientais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção sobre Diversidade Biológica;
Integração com políticas climáticas já em vigor, evitando sobreposição ou contradição com marcos regulatórios do setor elétrico.

A implementação equilibrada do LAE poderá representar não apenas uma inovação procedimental, mas também um teste da capacidade do ordenamento jurídico brasileiro de conciliar, na prática, desenvolvimento econômico e proteção ambiental — um dos maiores desafios constitucionais contemporâneos.

Importante registrar que em vários Estados da Federação já existem critérios de enquadramento de projetos prioritários, tanto públicos ou privados, com análise mais célere das equipes dos orgãos ambientais.

Minas Gerais é um Estado pioneiro na criação de normas legais deste enquadramento de projetos prioritários, com procedimentos que funcionam de forma segura e adequada.

Este e os demais vetos serao ainda reavaliados pelo Congresso Nacional.

Marina Meyer Falcão. Professora Pós Graduação na PUC – Pontifícia Universidade Católica. Presidente da Comissão de Energia da OAB de Minas Gerais Diretora Jurídica do INEL, Diretora da ENERGY GLOBAL SOLUTION – EGS. Advogada especialista em Direito de Energia. Membro representante do Estado de Minas Gerais na missão Energias Renováveis na Alemanha em 2018 e nos Estados Unidos em 2016 (The U.S. Department of State's sponsoring an International Visitor Leadership Program project entitled “Modernizing the Energy Matrix to Combat Climate Change,” for Brazil in 2016), Autora de 3 Livros em Direito de Energia, MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduada em Gestão Ambiental pelo Instituto de Educação Tecnológica - IETEC. Graduada pela Universidade FUMEC. Membro da Comissão de Energia da OAB- MG; Membro da Câmara de Energia, Petróleo e Gás da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais - FIEMG; Ex-Superintendente de Política Energética do Estado de Minas Gerais (2009 a 2014); Ex-Conselheira do Conselho de Política Ambiental – COPAM do Estado de Minas Gerais (2009 a 2014); Ex-Secretária Executiva do Comitê Mineiro de Petróleo e Gás.Marina Meyer Falcão – Professora Pós Graduação na PUC/MG. Presidente da Comissão de Energia da OAB de Minas Gerais Diretora Jurídica e Secretária de Assuntos Regulatórios do INEL, Socia da Area de Energia no Manucci Advogados. Advogada especialista em Direito de Energia.

 

 

 

 

 

 

Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, foi Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil e atual Diretor Meio Ambiente e Relações Institucionais da SAM Metais. Membro do Ibrades, Abdem, Adimin, Alagro, Sucesu, CEMA e CEP&G/ FIEMG e articulista do Canal direitoambiental.com.

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