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APPs e Tragédias Climáticas

Enio Fonseca e Décio Michellis Jr.

“Construções e atividades irregulares em Áreas de Preservação Permanente, em especial nas margens de rios, encostas, são convite para tragédias recorrentes, até mesmo fatais, e prejuízos patrimoniais, devastadores, de bilhões de reais, que oneram orçamento público, arrasam haveres privados e servem de canteiro fértil para corrupção e desvio de fundos emergenciais. Por exemplo, desastres urbanos (inundações, desmoronamentos de edificações,escorregamento de terra etc.) estão em curva ascendente, no contexto de agravamento da frequência, intensidade e danosidade de eventos climáticos extremos e da vulnerabilidade de assentamentos humanos”.

Ministro Herman Benjamin

Fonte: GOV Presidência República

As APPS, áreas protegidas, em especial aquelas conceitualmente denominadas como Áreas de Preservação Permanente, são importantes instrumentos de conservação dos recursos naturais. Elas começaram a ser territorialmente demarcadas no Brasil nos anos 30 e, desde então, passaram por longo processo de amadurecimento que levou à criação de distintas tipologias e categorias. Acompanhe a evolução dessas áreas no Brasil, buscando compreender sua lógica de criação e a inserção nos principais contextos políticos nacionais. Observe os aspectos legais associados aos critérios de uso e proteção relativos à sua gestão ao longo do tempo, e os impactos dos eventos climáticos sobre estes espaços, e refletirmos sobre os recentes episódios de eventos com chuvas torrenciais que afligiram o estado do Rio Grande do Sul. APPs e Tragédias Climáticas

O tema é extremamente complexo, com importância crescente, em especial quando o mundo discute mudanças e extremos climáticos, com progressivos episódios de destruição de ambientes urbanos e rurais, chuvas torrenciais que causam impactos severos no meio ambiente, em benfeitorias e até mortes de pessoas e animais, sobretudo nas áreas de preservação permanente ao longo dos cursos de água.

Este artigo é inspirado no ebook lançado pelos autores, Darwinismo Climático: Adaptação já. Algumas considerações sobre a evolução geológica, climática e a adaptação humana e pode ser acessado clicando aqui. APPs e Tragédias Climáticas

As enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, decorrente de chuvas torrenciais, que aconteceram no ano de 2023 e neste ano de 2024, são cíclicas e tem merecido de gestores públicos, políticos, ONGs, jornalistas, apelos para a população que ocupa as áreas de preservação ao longo dos cursos de água e as encostas, para moradia ou produção, no meio urbano ou no rural, sejam retiradas destes locais.

Estes acontecimentos são hoje um tema cada vez mais presente no dia a dia das pessoas, em todos os continentes do mundo, observado que sua ocorrência, encontra hoje um sistema de divulgação de acontecimento “on time”, fazendo com que as pessoas percebam imediatamente cada uma delas, em qualquer lugar do mundo. APPs e Tragédias Climáticas

Responsáveis por expressivos danos e perdas, de caráter social, econômico e ambiental, os desastres naturais têm tido uma recorrência e impactos cada vez mais intensos, sendo que muitos ambientalistas, jornalistas e parte da população mundial sugerem que suas ocorrências em tempos recentes já sejam resultado das mudanças climáticas globais.

Dado a dinâmica climatológica e geológica do planeta, a maioria dos agentes causadores dos desastres naturais que ocorrem nos diferentes continentes, e ao longo da história, não podem ser simplesmente evitados.

Independentemente do tipo de desastre natural, urge nos adaptarmos e nos preparamos para compreender e agir melhor sobre os riscos. Construir resiliência onde os desastres ameacem cada vez a segurança e o bem-estar das pessoas.

São inúmeros os desastres naturais existentes sendo os principais os ciclones, furacões ou tufões; endemias; epidemias e pandemias; erupções vulcânicas; fenômenos erosivos extremos; incêndios florestais; inundações; rajadas violentas de vento; secas: sismos; tempestades; terremotos; tornados e tsunamis.

Contudo, seus impactos podem ser reduzidos mediante conhecimento científico dos fenômenos associados, monitoramento e adoção de inúmeras ações de prevenção, preparação e respostas.

Não devemos confundir desastres ambientais naturais com:
  • Negligência: (omissão ou falta de observação no dever de prevenção, preparação e respostas, ou seja, aquele de agir de forma, prudente, não age com o cuidado exigido pela situação e deixa acontecer);
  • Imprudência: (imprevidência, tem a ver com algo mais do que a mera falta de atenção ou cuidado. Pode até se revelar de má fé, extrapola os limites da inteligência e do bom senso);
  • Imperícia: (falta de técnica, conhecimento ou até falta de habilidade, erro ou engano na execução de alguma tarefa que ele deveria saber);
  • Desídia: comportamento negligente, usado para representar a atitude de um funcionário que executa suas funções com desleixo, preguiça, desatenção ou má vontade. Falta de zelo e atenção para com alguma atividade ou função. A procrastinação excessiva, a falta de compromisso e a tentativa de evitar qualquer tipo de esforço físico ou moral são algumas das características que configuram a desídia);
  • Ineficiência: a baixíssima capacidade de investir rápido e bem em ações contra os efeitos dos desastres naturais.
A linha do tempo dos atos protetivos ligados às áreas de preservação permanente APPs e Tragédias Climáticas

As áreas de preservação permanente por imposição da legislação vigente hoje, no Estado brasileiro, abrangem espaços territoriais e bens de interesse nacional especialmente protegidos, cobertos ou não por vegetação, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. APPs e Tragédias Climáticas

As áreas de preservação permanente, ainda que sob outra designação existem no Direito Brasileiro tendo sido introduzidas pelo Decreto n° 4.421, de 28 de dezembro de 1921, que em seu artigo 3º, I, §§ 1º, 2º, 3º e 4º estabeleceu que eram protetoras as florestas que servissem para:

  • beneficiar a higiene e a saúde pública, APPs e Tragédias Climáticas
  • garantir a pureza e abundância dos mananciais aproveitáveis à alimentação,
  • equilibrar o regime das águas correntes que se destinam não só às irrigações das terras agrícolas como também às que servem de vias de transporte e se prestam ao aproveitamento de energia,
  • evitar os efeitos danosos dos agentes atmosféricos; impedir a destruição produzida, pelos ventos; obstar a deslocação das areias movediças como também os esbarrocamentos, as erosões violentas, quer pelos rios, quer pelo mar, e APPs e Tragédias Climáticas
  • auxiliar a defesa das fronteiras.

O primeiro Código Florestal brasileiro foi editado em 23 de janeiro de 1934 através do Decreto Federal 23.793/34, tendo sua publicação no Diário Oficial, como “Ato do Governo Provisório” datada de 2 de março de 1935. Essa regulamentação apresentava um caráter técnico já com uma óptica de conservação das funções básicas dos ecossistemas naturais e com uma preocupação sobre a importância da conservação de todos os tipos de vegetação nativa, e não somente daquelas que pudessem oferecer lenha, uma das principais fontes de energia no passado.

O Capítulo II, artigos 3º e 4º apresentava a seguinte redação:

Art. 3º. As florestas classificam-se em: APPs e Tragédias Climáticas

  • protetoras;
  • remanescentes;
  • modelo;
  • de rendimento.
Art. 4º. Serão consideradas florestas protetoras as que, por sua localização, servirem conjunta ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:
  • conservar o regime das águas;
  • evitar a erosão das terras pela ação dos agentes naturas;
  • fixar dunas;
  • auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessário pelas autoridades militares;
  • assegurar condições de salubridade pública;
  • proteger sítios que por sua beleza mereçam ser conservados;
  • asilar espécimes raros de fauna indígena.

Em relação a este código, (Ribeiro, Glaucus Vinicius Biasetto, 2011) pontua: “Na redação podemos observar que a definição de florestas protetoras mostra um nítido sentido preservacionista ecossistêmico, tal qual é aplicado na atualidade, em um momento histórico pretérito distinto. Dessa forma o Código Florestal de 1934, voltado para as florestas e madeireiros, já procurava estabelecer um conjunto de regras específicas para o que hoje é conhecido como meio ambiente”.

Ele afirma ainda: “Em um interessante trabalho voluntário intitulado O “novo” código florestal brasileiro: conceitos jurídicos fundamentais, o engenheiro florestal Sergio Ahrems aborda o tema da criação do Código Florestal de 1934 sustentando que àquela época a maior concentração populacional do país situava-se nas imediações da cidade do Rio de Janeiro, Capital da República.

O sistema de cafeicultura e da criação extensiva de gado avançava pelos morros e planícies da região substituindo de forma descontrolada a vegetação nativa. Iniciava, no estado de São Paulo, a introdução da cultura do Eucalyptus, cultura hoje denominada de exótica, enquanto no restante do país a atividade florestal era voltada exclusivamente ao extrativismo – no sul do país a floresta de araucárias estava sendo dizimada. Neste contexto é que o Poder Público intercedeu, estabelecendo limites ao que parecia ser um saque ou pilhagem dos recursos florestais, com a edição do Código Florestal. Como consequência da não aplicação efetiva do Código Florestal de 1934, o que viria a se repetir décadas mais tarde, foi elaborada uma nova tentativa de regulação visando a proteção jurídica do patrimônio florestal brasileiro.

Dentro desse contexto, podemos compreender que essas eram tidas como florestas protetoras, equivalendo-se ao que hoje estamos denominando áreas de preservação permanente. Observemos que, à época, a proteção era conferida às florestas, porém, indiretamente, buscava-se proteger também as áreas onde tais florestas se inseriam. As florestas têm por finalidade proteger determinada área que, por sua vez é indispensável para a manutenção da vitalidade de um curso d’água, ou seja, uma está intimamente ligada a outra. Aquelas áreas sem cobertura vegetal, com seus solos expostos tenderiam à degradação, tanto pelos efeitos nefastos da erosão, quanto pelo desgaste do solo, pois não têm a capacidade de realizar a fixação de água e de sombra, dentre vários outros fatores ambientais não favoráveis”.

Legalmente, conforme a denominação prevalente, as áreas de preservação permanente foram criadas no Brasil pela Lei nº. 4.771 que instituiu o novo Código Florestal, promulgada pelo Presidente H. Castello Branco, em 16 de setembro de 1965, conforme consta no Diário Oficial dos Estados Unidos do Brasil n°. 117, ano CIII, Seção I, Parte I. Esta lei modificou e detalhou o Decreto nº. 23.793 de 1934, até então vigente, que aprovou o Código Florestal, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas. Foi no novo Código Florestal que surgiu oficialmente a denominação preservação permanente, com a seguinte definição explicitada em seu Artigo 2º.

Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: APPs e Tragédias Climáticas
  • ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d’água, em faixa marginal cuja largura mínima será:
  • De 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura:
  • Igual à metade da largura dos cursos que meçam de 0 (dez) a 200 (duzentos) metros de distância entre as margens;
  • De 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros;
    ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;
  • nas nascentes, mesmo nos chamados “olhos d’água”, seja qual for a sua situação topográfica;
  • no topo de morros, montes, montanhas e serras;
  • nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º, equivalente a 100% na linha de maior declive;
  • nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
  • nas bordas dos tabuleiros ou chapadas;
  • em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, nos campos naturais ou artificiais, as florestas nativas e as vegetações campestres.

Ao analisarmos o texto do Código Florestal de 1965 podemos observar que seu propósito era proteger diversos elementos naturais que não apenas as árvores e as florestas, apesar de sua denominação, seguindo a terminologia do código anterior. Em sua essência fundamental e objetivos principais, afirmava a preocupação de proteção dos recursos hídricos, encostas muito declivosas, áreas topograficamente diferenciadas, ambientes costeiros, dentre outros.

Basicamente, seus objetivos seguiam a mesma linha do seu antecessor. No entanto, ele extinguiu as quatro tipologias de áreas protegidas antes previstas na versão de 34, substituindo-as por quatro outras novas: Parque Nacional e Floresta Nacional (anteriormente categorias específicas), as Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL). Estas duas últimas, uma tipificação de dispositivos existentes na versão de 34, eram uma clara tentativa de conter os avanços sobre a floresta. A primeira declarando intocável todos os espaços cuja presença da vegetação garante sua integridade (serviços ambientais) e, a segunda, transferindo compulsoriamente para os proprietários rurais a responsabilidade e o ônus da proteção.

A Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001, acrescentou o § 2º, I ao artigo 1º do Código Florestal reafirmando o conceito finalístico para que se pudesse determinar a existência ou não de APP:

Art. 1º As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem […] § 2º Para os efeitos deste Código, entende-se por: […] II- área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”

Esta iniciativa legal ampliou de forma abrangente o conceito protetivo nos espaços territoriais definidos, que com qualquer uso de solo, vegetação nativa ou não, passam a ser considerados de preservação permanente.

A Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, implantou o novíssimo Código Florestal, estabelecendo novas normas para proteção das áreas de preservação permanente, reserva legal, uso restrito, exploração florestal e assuntos relacionados.

Seu texto original foi modificado em alguns pontos pela Lei no 12.727 de 17 de outubro de 2012. Algumas regulamentações foram dadas pelo Decreto no. 7.830 de 17 de outubro de 2012.

Sua aplicação se insere no arcabouço jurídico e instrumentos legais que orientam e disciplinam o uso da terra e a conservação dos recursos naturais no Brasil, como, por exemplo, da Lei no 6.938 de 31/08/1981 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente; da Lei no 9.605 de 12/02/1998, também conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, e do Decreto no 6.514 de 22/07/2008 que a regulamenta; das Leis no 9.985 de 18/07/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e da Lei no 11.428 de 22/12/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica, além de outras.

Áreas de Preservação Permanente (APP) são áreas protegidas e considerados ambientalmente vulneráveis pela Lei 12.651/2012, o “Novo Código Florestal Brasileiro”, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Podem ser áreas públicas ou privadas, com ou sem vegetação nativa.

As Áreas de Preservação Permanente estão localizadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água; ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais; nas nascentes; no topo de morros, montes, montanhas e serras; nas encostas ou partes destas; nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; nas bordas dos tabuleiros ou chapadas; e em altitude superior a 1.800 metros. Não é permitido fazer uso dos recursos florestais em áreas de APP. A supressão da vegetação em APP somente poderá ser autorizada apenas em casos de utilidade pública ou interesse social.

A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em APP somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstos nessa Lei. Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em APP o proprietário, possuidor ou ocupante é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.

Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. Nesses casos, a faixa a ser recomposta depende do tamanho da propriedade e os métodos de recomposição também são definidos no Capítulo XIII.

Uma das inovações da Lei é a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a previsão de implantação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) nos Estados e no Distrito Federal. Com o CAR, será possível ao Governo Federal e órgãos ambientais estaduais conhecerem não apenas a localização de cada imóvel rural, mas também a situação de sua adequação ambiental; o PRA, por sua vez, permitirá que os estados orientem e acompanhem os produtores rurais na elaboração e implementação das ações necessárias para a recomposição de áreas com passivos ambientais nas suas propriedades ou posses rurais, seja em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal ou de Uso Restrito.

O reconhecimento da existência de áreas rurais consolidadas – área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008 – em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal ou de Uso Restrito também é um ponto de destaque na aplicação da nova Lei. Para isso, traz regras para que as propriedades ou posses rurais possuidoras de áreas consolidadas na referida data possam se adequar, sejam por meio da adoção de boas práticas, de sua recomposição, compensação ou de outros instrumentos legais previstos. Além de indicar critérios para a adoção de tais meios, define os casos e condições passíveis de exploração ou manejo da vegetação nativa na propriedade rural.

Nesse sentido, a nova lei traz uma série de benefícios para o agricultor familiar ou detentor de pequena propriedade ou de posse rural, a partir da inclusão do seu imóvel ou posse no Cadastro Ambiental Rural. A exemplo disso, podem ser citadas as regras diferenciadas e baseadas no tamanho do imóvel em módulos fiscais para a regularização das Áreas de Preservação Permanente; e da regularização da Reserva Legal para propriedades e posses rurais com até 4 módulos fiscais, definindo-se a dimensão da Reserva Legal como aquela existente até 22/07/2008.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um sistema de registro eletrônico de abrangência nacional instituído pela Lei 12.651/2012, regulamentada pelo Decreto no 7.830/2012, que reúne as informações das propriedades e posses rurais compondo uma base de dados para o controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. O CAR contempla os dados do proprietário, possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural; a respectiva planta georreferenciada do perímetro do imóvel; das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública; informações da localização dos remanescentes de vegetação nativa; das áreas consolidadas; das Áreas de Preservação Permanente (APP), das Áreas de Uso Restrito (AUR) e da localização das Reservas Legais (RL).

As informações cadastradas de todos os imóveis rurais em cada Estado e no Distrito Federal são recebidas, integradas e gerenciadas pelo Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) dentro do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA).

De acordo com a Lei 12.651/2012, o cadastramento de todos os imóveis rurais do País é obrigatório. O não cadastramento no prazo previsto incorre em perda da oportunidade de regularização ambiental, nas condições e prazos oferecidos pela Lei, incluindo a suspensão das autuações e multas recebidas antes de 22/07/2008. Além disso, o não cadastramento impede que o proprietário tenha acesso ao crédito agrícola em instituições financeiras.

O Programa de Regularização Ambiental (PRA), também previsto na Lei 12.651/2012, com normas gerais dispostas no Decreto no 7.830/2012, contempla um conjunto de ações a serem desenvolvidas pelos proprietários e posseiros rurais com o objetivo de promover a regularização ambiental de suas propriedades ou posses. Os PRAs devem ser constituídos no âmbito dos Estados e do Distrito Federal e para sua adesão é obrigatória a inscrição do imóvel rural no CAR.

A adesão formal ao PRA contempla a assinatura de Termo de Compromisso que contenha, no mínimo, os compromissos de manter, recuperar ou recompor as áreas degradadas ou áreas alteradas em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de Uso Restrito do imóvel rural, ou ainda de compensar Áreas de Reserva Legal. O projeto de recomposição de áreas degradadas e alteradas é um dos instrumentos do PRA e as atividades nele estabelecidas deverão ser concluídas de acordo com o cronograma previsto no Termo de Compromisso.

A partir da assinatura do Termo de Compromisso serão suspensas as sanções decorrentes das infrações relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de Áreas de Uso Restrito cometidas antes de 22/07/2008.

Outro ponto de destaque da Lei 12.651/2012, em seu Capítulo X, é a previsão da instituição do “Programa de apoio e incentivo à preservação e recuperação do meio ambiente”, incluindo o incentivo para a adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, como forma de promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável. Entre os incentivos são destacados o pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, e compensação pelas medidas de conservação ambiental necessárias, incluindo benefícios creditícios, fiscais e comerciais.

Do ponto de vista da produção agropecuária, a implementação da Lei 12.651/2012 reveste-se de especial importância, tendo em vista o reconhecimento dos impactos positivos no campo na busca de uma produção sustentável.

O Novo Código Florestal não estabelece as dimensões mínimas a serem recompostas nas áreas de preservação permanente degradadas localizadas no entorno de reservatórios, em encostas, topos de morros, montes, montanhas e serras, bordas de tabuleiros ou chapadas, mangues, restingas, e de altitude acima de 1.800 metros.

Tais dimensões mínimas deverão ser indicadas por ocasião da adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) estaduais, ou conforme dispuser o licenciamento ambiental.

Por meio da Lei n º 14.285, de 29 de dezembro de 2021, foram alteradas as regras das APP (Áreas de Preservação Permanente) urbanas. Com a nova lei, os municípios ganham autonomia em áreas urbanas consolidadas para regulamentar a faixa de restrição às margens de rios, córregos e lagoas. Ou seja, os planos diretores ou legislações de uso e ocupação do solo urbano passarão a regulamentar o tema.

Diante deste novo cenário, surge a possibilidade de regularização de construções passadas bem como de melhor aproveitamento de áreas em novos empreendimentos e por outro lado, aumenta-se a responsabilidade do poder público municipal de editar suas legislações e regulamentar a temática acerca de suas particularidades locais.

Existe uma ADI em tramitação no STF, ainda não Julgada, que solicita que esta lei seja considerada inconstitucional.

Penalidades para intervenções não autorizadas em Áreas de Preservação Permanente

Existem várias proibições impostas pela legislação para as intervenções em APP, a saber: intervenções antrópicas, como a ocupação por meio de edificações ou a supressão de vegetação e desmatamento. A exceção fica para hipóteses de intervenções permitidas pelo próprio Código Florestal, desde que devidamente autorizadas pelo Poder Público.

Por se tratarem as APPs de bem jurídico tutelado pelos direitos penais e administrativos, caso haja o descumprimento do Código Florestal, o Poder Público pode fixar penas de multa, penas restritivas de direito e, até mesmo, penas privativas de liberdade.

Pela Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), por exemplo, o ato de “destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção”, constitui um delito cuja pena prevista é a de detenção, de um a três anos ou multa, podendo ser aplicadas de modo cumulativo.

No âmbito administrativo, a infração de “destruir ou danificar florestas ou demais formas de vegetação natural ou utilizá-las com infringência das normas de proteção em área considerada de preservação permanente” implica em uma multa como sanção. Multa esta que vem a ser fixada a partir de R$ 5 mil até o valor de R$ 50 mil por hectare ou fração danificada.

Um mesmo ato pode apresentar a justificativa para outros crimes e infrações ambientais, que estejam indiretamente relacionados à preservação das APPs. Com isso, a soma das penas e multas pode agravar de forma exponencial a sanção a quem intervir nas Áreas de Preservação Permanente em desacordo com o Código Florestal. APPs e Tragédias Climáticas

Penalidades de caráter administrativo podem ser enviadas ao MP e se transformarem também em processos criminais, ou serem solucionados com assinaturas de Termos de Ajustamento de Conduta.

Em decorrência das grandes inundações registradas no Rio Grande Sul, que afetaram em boa parte as áreas de preservação permanente ao longo dos cursos de água, em áreas rurais e urbanas, o Ministério Público já instruiu ações públicas contra diversos atores responsáveis por gerir estes espaços, incluindo aí as Prefeituras, Governos estaduais, órgão públicos e até moradores e produtores.

Apenas a título de exemplo, o Ministério Público Federal de Caxias, RS instruiu uma Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipatória, processo nº 2746 datado 11 de junho UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, que responde por meio da Advocacia-Geral da União; Estado do Rio Grande Sul, municípios de Arroio do Meio, Bom Retiro do Sul, Colinas, Cruzeiro do Sul, Encantado, Estrela, Lajeado, Muçum, Roca Sales, numa demanda envolve questão relacionada à litigância. climática e é proposta nos termos da Portaria Conjunta CNJ e CNMP п. 1/2019, por envolver litígio estrutural caracterizado por “questões ambientais, econômicas e sociais de alta complexidade, grande impacto e repercussão”.

Ainda como exemplo de atuação dos órgãos de controle e do poder judiciários temos uma recente decisão exarada pelo STJ, no recurso especial 1989227-SC (2022/006419-7), que teve como relator o Ministro Herman Benjamin que decidiu que “não há direito ao fornecimento de energia em área de preservação permanente”. APPs e Tragédias Climáticas

O posicionamento do STJ afirma ainda que “um imóvel construído em área de preservação permanente não pode receber energia elétrica, ainda que outras construções irregulares tenham conseguido o serviço”. APPs e Tragédias Climáticas

A proibição se deu a pedido do Ministério Público de Santa Catarina, que ajuizou ação civil pública para impedir a ligação com a rede elétrica de diversos imóveis ilegais. A sentença mandou a concessionária não fornecer o serviço.

Centenas de outras ações do MP existem Brasil afora versando sobre as áreas de Preservação permanente, em especial com o objetivo de retirar os moradores que lá estejam, as atividades produtivas, bem como infraestruturas, com a finalidade ainda de se obrigar a fazer a restauração dos espaços. APPs e Tragédias Climáticas

É possível explorar economicamente as APPs? APPs e Tragédias Climáticas

O Código Florestal prevê a possibilidade do manejo sustentável das Áreas de Preservação Permanente nas seguintes situações e oportunidades:

Art. 21: É livre a coleta de produtos florestais não madeireiros, tais como frutos, cipós, folhas e sementes, devendo-se observar: 1. os períodos de coleta e volumes fixados em regulamentos específicos, quando houver; 2. a época de maturação dos frutos e sementes; 3. técnicas que não coloquem em risco a sobrevivência de indivíduos e da espécie coletada no caso de coleta de flores, folhas, cascas, óleos, resinas, cipós, bulbos, bambus e raízes.

Art. 22: O manejo florestal sustentável da vegetação da Reserva Legal com propósito comercial depende de autorização do órgão competente e deverá atender as seguintes diretrizes e orientações:

  • não descaracterizar a cobertura vegetal e não prejudicar a conservação da vegetação nativa da área;
  • assegurar a manutenção da diversidade das espécies;
  • conduzir o manejo de espécies exóticas com a adoção de medidas que favoreçam a regeneração de espécies nativas.

Art. 23: O manejo sustentável para exploração florestal eventual sem propósito comercial, para consumo no próprio imóvel, independe de autorização dos órgãos competentes, devendo apenas ser declarados previamente ao órgão ambiental a motivação da exploração e o volume a ser explorado, a exploração anual ficando limitada a 20 metros cúbicos.

Sua exploração depende de licenciamento pelo órgão competente do SISNAMA, mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável – PMFS que contemple técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas a serem formados pela cobertura arbórea (Art. 31).

A recomposição da APP pode ser promovida mediante o plantio intercalado, que mescle espécies nativas e exóticas ou frutíferas, em sistema agroflorestal. O plantio de espécies exóticas deve ser combinado com as espécies nativas de ocorrência regional. E a área recomposta com espécies exóticas não pode ultrapassar 50% da área total de recuperação.

No caso de compensação, que consiste em destinar uma área externa à propriedade rural para a conservação, a extensão e os padrões ecológicos precisam ser equivalentes aos da área a ser compensada.

É preciso que a área de compensação esteja localizada no mesmo bioma e, caso esteja localizada em outra Unidade da Federação, esta deverá ser uma área identificada pela União ou pelos Estados como área prioritária para conservação conforme disposto no Decreto No. 8.235/2014.

Para compensar a área de preservação permanente, os passos são os seguintes: aquisição de Cotas de Reserva Ambiental (CRA); arrendamento de áreas sob regime de servidão ambiental ou reserva legal; doação ao poder público de área localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público pendente de regularização fundiária.

A Instrução Normativa IBAMA nº 14, de 01 de julho de 2024 estabelece procedimentos para elaboração, apresentação, execução e monitoramento de Projeto de Recuperação de Área Degradada ou Área Alterada (PRAD) pelo administrado com vistas ao cumprimento da legislação ambiental em todos os biomas e suas respectivas fitofisionomias.

APPs e Desastres Ambientais APPs e Tragédias Climáticas

Se todas as áreas de APP definidas na legislação, existentes no Rio Grande do Sul estivessem preservadas, neste período em que extremos climáticos com chuvas torrenciais e enchentes catastróficas, isto seria suficiente para afastar a ocorrência destes fenômenos climáticos?

Não necessariamente, pela relação direta que chuvas e secas têm com a dinâmica climática, sendo especialmente influenciadas por fenômenos como El Nino e La Nina. APPs e Tragédias Climáticas

Ter as APPs sem a presença humana, naquela condição, não modificaria os fenômenos climáticos observados, mas é certo que os impactos observados como mortes, destruição de áreas urbanas, infraestruturas e prejuízos econômicos poderiam ser menores.

Referências
Ribeiro, Glaucus Vinicius Biasetto. A origem histórica do conceito de Área de Preservação Permanente no Brasil, Revista Thema, 2011, visualizado pelo link clicando aqui, acessado em 03/07/2024.

Ênio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais , Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, , em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation, Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil.Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais , Especialização em Proteção Florestal pelo NARTC e CONAF-Chile, em Engenharia Ambiental pelo IETEC-MG, , em Liderança em Gestão pela FDC, em Educação Ambiental pela UNB, MBA em Gestão de Florestas pelo IBAPE, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, foi Gestor Sustentabilidade Associação Mineradores de Ferro do Brasil . Membro do Ibrades, Abdem, Adimin, Alagro, Sucesu, CEMA e CEP&G/ Fiemg e articulista do Canal direitoambiental.com.

LinkedIn Enio Fonseca 

Decio Michellis Jr. – Licenciado em Eletrotécnica, com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura, extensão em Gestão de Recursos de Defesa e extensão em Direito da Energia Elétrica, é Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico - FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance. https://www.linkedin.com/in/decio-michellis-jr-865619116/Decio Michellis Jr. – Licenciado em Eletrotécnica, com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura, extensão em Gestão de Recursos de Defesa e extensão em Direito da Energia Elétrica, é Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.

Linkedin Decio Michellis Jr.

 

 

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