quinta-feira , 21 novembro 2024
Home / Jurisprudências / TRF4 nega indenização por desapropriação de terrenos no Parque Nacional do Superagui -PR

TRF4 nega indenização por desapropriação de terrenos no Parque Nacional do Superagui -PR

“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou, na última semana, que a construtora Vista Alegre não tem direito de receber indenização por desapropriação de lotes situados no Parque Nacional do Superagui (PR). A 3ª Turma entendeu que os imóveis estão em ilha natural de domínio da União e que o ‘ente público não precisa ressarcir por algo que já lhe pertence’.

A ação foi ajuizada pela Vista Alegre Empreendimentos Imobiliários Ltda que alegou ter tido dois imóveis confiscados pela União, em 1989. Segundo a empresa, os terrenos estariam registrados como sendo de sua propriedade desde 1976. A Advocacia-Geral da União (AGU) ressaltou que os lotes estão localizados na Ilha de Superagui, que é área protegida pela legislação.

A 3ª Turma do TRF4 confirmou a sentença da Justiça Federal de Paranaguá (PR). De acordo com o relator do processo, desembargador federal Luiz Alberto d’Azevedo Aurvalle, ‘os terrenos em questão se encontram em área de interesse nacional e de preservação permanente‘.

Parque

O Parque Nacional do Superagui fica localizado no litoral norte do estado do Paraná, no município de Guaraçetaba e abrange uma área de aproximadamente 34 mil hectares. Foi criado por decreto presidencial em 1989 e declarado Sítio do Patrimônio Natural pela Unesco dez anos depois.

O parque conta com 38 quilômetros de praias desertas e florestas de Mata Atlântica, onde são encontradas espécies ameaçadas de extinção, como mico-leão-da-cara-preta e papagaio-da-cara-roxa”.
Processo nº 5004438-69.2014.4.04.7008/TRF

Fonte: Notícias, publicado pelo TRF4 em 22/09/2015 (disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=11322)

Abaixo o inteiro teor da decisão referida, extraída da consulta à movimentação processual:

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004438-69.2014.4.04.7008/PR
RELATOR
:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE
:
VISTA ALEGRE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
ADVOGADO
:
HERMINDO DUARTE FILHO
APELADO
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
:
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por VISTA ALEGRE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA através da qual pretende ser indenizada pela UNIÃO FEDERAL no valor da propriedade desapropriada e lucros cessantes correspondentes, considerando-se como dies a quo da ocupação administrativa a data de 26 de abril de 1989, acrescidos de juros compensatórios, juros moratórios, despesas judiciais e honorários advocatícios.

Alega que não foi indenizada pela desapropriação dos terrenos objetos das matrículas de números 79 e 80 do Registro de Imóveis da Comarca de Antonina – Paraná, o que se deu por meio do Decreto 97.688 de 25 de abril de 1989, que criou no Estado do Paraná o Parque Nacional do Superagui.

O magistrado de primeiro grau julgou improcedente a ação. Sustentou, em síntese, que os lotes estão inseridos em ilha, de domínio da União.

Alega a apelante, em preliminar, a nulidade do processo diante da ausência de julgamento de seu agravo, convertido em retido pelo juízo a quo. Defende que, embora o magistrado tenha considerado o laudo pericial esclarecedor e suficiente para o deslinde da demanda, tal decisão não pode prevalecer, devendo ser declarada a sua nulidade em virtude da negativa de prestação jurisdicional, pela falta de análise das demais provas existentes nos autos. Sustenta, ainda, que as matrículas imobiliárias gozam de higidez jurídica para demonstração de domínio.

Com contrarrazões, vieram os autos.

Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do agravo retido e da apelação (Evento 4 – PARECER1).

 

VOTO

A controvérsia dos autos cinge-se a averiguar se os autores possuem direito à indenização pela área descrita na inicial, bem como apurar eventual indenização.

Do agravo retido

Não há que se falar em nulidade do feito do feito por falta de análise das provas.

Segundo o disposto no artigo 130 do Código de Processo Civil, ‘Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias’.

Com efeito, sendo o juiz o destinatário da prova, a ele compete ponderar sobre a necessidade ou não da sua realização. A produção probatória deve possibilitar ao magistrado a formação do seu convencimento acerca da questão posta, cabendo-lhe indeferir as diligências que reputar desnecessárias ou protelatórias ao julgamento da lide, mormente se entender, como no caso em tela, que a perícia realizada possui suficiente força probante para formar o seu juízo de convicção.

Mérito

Como a questão foi apreciada com precisão pelo magistrado de primeiro grau, Dr. Guilherme Roman Borges, mantenho a sentença por seus próprios fundamentos:

( )

A parte autora ajuizou a presente ação pretendendo obter indenização por desapropriação indireta dos terrenos objetos das matrículas de números 79 e 80 do Registro de Imóveis da Comarca de Antonina.

Para dar início ao deslinde do feito, passo a analisar o conceito de desapropriação indireta.

Numa definição sucinta é possível dizer que a desapropriação indireta se caracteriza por ser fato administrativo por meio do qual o Estado se apropria de bem particular sem a observância dos requisitos legais quanto ao ato declaratório e à prévia indenização. Daí decorre que a ação ajuizada constitui-se em meio de indenização onde se busca a reparação pelo esbulho da propriedade particular efetuado pelo Poder Público.

No processo expropriatório, ademais, podemos distinguir duas fases: a declaratória e a executória. A primeira consiste em manifestação de vontade do Poder Público quanto à futura desapropriação. Na segunda a entidade expropriante passa a dar efetividade àquela vontade acima referida, de forma a transferir determinado bem para o seu patrimônio ou para o de pessoa delegada. Nos termos do art. 1º da Lei 4.132/62 a desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art.147 da Constituição Federal.

Nesse contexto, verifica-se antes de mais nada que a desapropriação, seja ela direta ou indireta, somente ocorre com a apropriação pela entidade pública. Ou seja, não basta o ato declaratório manifestando a intenção de expropriar; é necessário que a transferência da propriedade tenha sido efetivada através dos atos executórios. Somente com a desapropriação pode surgir a pretensão indenizatória, tratando-se de desapropriação indireta.

Quanto à prova do domínio, esta deve ser feita na própria ação em que se objetiva a indenização. A comprovação da titularidade deve ser feita necessariamente através da demonstração clara e cabal da sucessão dominial desde a primeira justa propriedade a título privado. Tais documentos devem constar dos registros competentes e devem ser trazidos ao processo para que não pairem dúvidas sobre a real titularidade.

No caso, a perícia realizada colocou fim à celeuma ao trazer elementos novos de convicção aos autos, inclusive o que diz respeito à afirmação de que a ilha do Superagui é uma ilha natural, corroborando os documentos já anexados anteriormente pela União.

Desse modo, localizados os imóveis objeto da ação na ilha do Superagui, de acordo com a legislação que se aplica ao caso, são de domínio da União, de modo que o ente público não precisa desapropriar o que já lhe pertence.

Vejamos.

Primeiramente, cumpre destacar minuciosa descrição do objeto da presente ação, descrito pelo perito nos seguintes termos:

O objeto da presente perícia está representado pela Ilha de Superagui – Parque Nacional de Superagui criado pelo Decreto nº 97.688 de 25/04/1989 e pelo Decreto nº 9.513 de 20/1997, inscrita pela Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná e reconhecida pela UNESCO como SÍTIO DO PATRIMÔNIO NATURAL DA HUMANIDADE – segundo cartas topográficas 1/25000, MI2844 2 SO, MI2844 2 SE, MI2844 3 NE, MI2844 4 NO, MI2844 4 NE, MI2844 3 SE, MI2844 4 SO, limitada ao norte pelo canal do Varadouro – divisa com São Paulo – a leste pelo Canal do Ararapira e Oceano Atlântico, ao Sul pela entrada da Baia de Paranaguá e a Leste pelos canais de Superagui, Baía dos Pinheiros, Canal do Varadouro e Canal do Tibicanga.

A respeito da legislação pertinente à dominialidade das terras no Brasil, incluindo a das ilhas brasileiras, o STF já se pronunciou a respeito, por ocasião do julgamento da oposição ( ACO 317-2) oferecida pela União à ação discriminatória que tinha por objeto as terras da ilha do Cardoso, situada no litoral do Estado de São Paulo, Município de Cananéia.

 

É o seguinte o teor do acórdão acima referido:

É cediço que, no Brasil, a terra pertenceu originariamente ao Estado, que a adquiriu pelo que se tem chamado de direito de conquista (cf. J.º DE LIMA PEREIRA, Da Propriedade no Brasil, Casa Duprat, Rio, 1932, pág. 5/6; CASTRO NUNES, RF nº 159/71; T. BRANDÃO CAVALCANTI, Tratado de D. Administrativo, Freitas Bastos, 1964, vol. III, 437; OSVALDO ARANHA BANDEIRA DE MELO, Ver. D. Adm., vol. II, Fasc. I, págs. 17/18; CIRNE LIMA, Sesmarias e Terras Devolutas, 2ª Ed., Sulina, 1954, pág. 89; ALIOMAR BALEEIRO, RE 51.290-GO, de 24-09-68, in RTJ 40/53).

No que tange às ilhas, conforme anota SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA (RDP 59/60/81), já as Ordenações Filipinas, no seu Livro II, Tít. XXVI, nº 10, caracterizavam como objeto de direito real, do Reino, aquelas ‘adjacentes mais chegadas’, havendo TEIXEIRA DE FREITAS, na ‘Consolidação das Leis Civis’, enumerado, dentre os bens do domínio nacional, ‘as coisas do domínio do Estado (por oposição às coisas do uso público e aos bens da Coroa), como as ilhas adjacentes mais chegadas ao território nacional’ (art. 52, §2º).
A Constituição de 1891, instituidora da Federação, passou aos Estados ‘as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais’ (art. 64). Silenciou acerca das ilhas, o que levou RODRIGO OCTAVIO a afirmar que passaram elas ‘ao domínio dos Estados com cujo litoral enfrentam (Do Domínio da União e dos Estados, Saraiva, 1924, pág. 162). CLÓVIS BEVILÁQUA, todavia, em seus ‘Comentários ao Código Civil’, as inclui entre os bens patrimoniais da União, o que, segundo ainda SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA (op. cit.), revela certa perplexidade, na doutrina, quanto à discriminação, no tocante às ilhas marítimas, entre o domínio federal e o domínio estadual.
As constituições de 1934, 1937 e 1946 silenciaram, do mesmo modo, acerca das ilhas costeiras, ao enumerar os bens de domínio da União (arts. 20, 36 e 34, respect.), persistindo, por essa forma, a perplexidade reinante.
Os Decretos-leis nº 710, de 17.09.38, e 9.760, de 5.9.46, todavia, consideram entre os bens de domínio da União as ilhas situadas nos mares territoriais, ou não, ‘que não estejam incorporadas ao patrimônio dos Estados ou Municípios’, segundo o primeiro diploma citado, e ‘se por qualquer título legítimo não pertencem aos Estados, Municípios ou particulares’, de acordo com o segundo. Interpretou o legislador, pois, em favor da União, o silêncio de nossas quatro primeiras Cartas Políticas republicanas, o que foi acolhido pela doutrina (cf. HELY LOPES MEIRELLES, Direito Adm. Brasileiro, 2ª edição).
O próprio Governo Federal (apud SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA, op. cit.), diante dessa legislação, não tinha nenhuma dúvida de que as ilhas formadas em mar territorial, ou não, pertencem ao domínio da União, embora sujeitas a passarem ao patrimônio privado, por meio de título hábil, expedido pelo poder competente (conforme decisão do Conselho de Terras da União, em processo alusivo à ‘Ilha do Raimundo’ no Rio de Janeiro, contido na RDA 28/329 e segs.).
A Constituição de 1967 incluiu, expressamente, pela primeira vez, as ilhas oceânicas entre os bens da União (art. 4º, II), o que, em face da distinção que ocorre entre ilhas oceânicas e ilhas costeiras, não serviu para afastar toda dúvida que havia, não obstante, na enumeração dos bens dos Estados (art. 5º), tenha referido tão-somente ‘ilhas fluviais e lacustres’, de molde a autorizar o entendimento de que a expressão ‘ilhas oceânicas’ foi empregada no sentido amplo de ilhas situadas no mar, ou marítimas, em contraposição a ilhas dos rios e lagos.
Com efeito, HELY MEIRELLES, conforme acentuado por SÉRGIO FERREIRA (op. cit.), em seu clássico tratado de direito administrativo, classifica as ilhas marítimas em costeiras e oceânicas, oportunidade em que reitera o entendimento de que as ilhas costeiras ‘sempre foram consideradas domínio da União, porque este mar e tudo o que nele se encontra é bem federal’.
A EC/1/69 praticamente reproduziu, no art. 4º, II, a mesma redação que, também sob o art. 4º, II, constava da Carta de 1967.
Com a Carta de 1988, dissipadas restaram quaisquer dúvidas a respeito.
Com efeito, dispõe ela no art. 20, inc. IV, verbis:

Art. 20. São bens da União:

(…)
IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II.

No art. 26, II, está disposto, verbis:

‘Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:

(…)
II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Município ou terceiros.

Restou, pois, patenteado, que as ilhas costeiras se incluem entre os bens da União. A ressalva contida no art. 20, IV, às áreas, nelas situadas, que estiverem no domínio dos Estados, tem sentido explicitativo quanto à possibilidade de parcelas de tais ilhas terem sido, no passado, e virem a ser, no futuro, transferidas para os Estados, Municípios ou particulares, pelos meios regulares de direito, já que as terras públicas dominicais não são insuscetíveis de alienação, ‘nos casos e forma que a lei prescrever’ (art. 67 do CC); sendo elas, ao revés, vocacionadas à passagem do patrimônio público para o patrimônio privado, como um imperativo de progresso.

Portanto, o art. 20, IV, refere-se às ilhas oceânicas como um todo, conferindo à União a titularidade de seu domínio, enquanto o art. 26, II, por mencionar parcelas dos ditos bens (áreas que estiverem no domínio dos Estados), há de ser entendido como alusivo a porções adquiridas por estes, pelos meios regulares de direito.

Consequentemente, na ‘Ilha do Superagui’, reconhecida como ilha natural pela perícia, a parte autora só pode ter domínio sobre áreas que porventura lhe tenham sido transferidas pela União ou por terceiros, por título legítimo, entendido como tal todo título apto à aquisição da propriedade imóvel segundo o direito de então, inclusive.

Se assim for, é claro que tais terras hão de estar devidamente descritas, delimitadas e extremada os respectivos títulos, não carecendo de apuração e deslinde, o que não acontece no presente caso, tendo em vista que os lotes de terreno não tiveram seus marcos inicial, intermediário e final, detalhados, conforme se depreende do laudo técnico.

Com efeito, quanto à localização da área manifestou-se o perito nos seguintes termos:

Devido a quantidade e qualidade do material gráfico compilado e especialmente elaborado por este Perito (…) em relação a todas as áreas em questão, tanto no que diz respeito a perfeita localização, como quanto à possibilidade de se visualizar eventuais espécies exóticas sobre as referidas áreas, o signatário entendeu como desnecessário, neste caso específico, a amostragem de coordenadas GPS ‘in loco’, bem como o respectivo levantamento planialtimétrico no local (mesmo porque existem até mesmo restrições ambientais severas quanto ao deslocamento de veículos automotores na ilha que fariam tal medições, restando pois tal ato uma ofensa física do ponto de vista da manutenção da preservação ambiental no local), ou seja, os 17 MAPAS TÉCNICOS produzidos pelo signatário já espelham com fidelidade a realidade fática e localização das presentes áreas em estudo; permitindo assim alicerçar o convencimento do respeitável Juízo na presente demanda’.

Como se pode ver, em que pese a visualização da área, não há delimitação dos lotes de terreno objetos desta ação.

Outrossim, a documentação apresentada pela autora, consistente nos registros de imóveis, não se mostra eficiente no sentido de comprovar a pretensa titularidade pois não apresentam a cadeia dominial de forma clara e coerente.

O primeiro registro apresentado data de 03 de junho de 1976 e não há nos autos notícia dos transmitentes anteriores ao registro efetuado em 03/06/1976. Além disso, interessante mencionar que questionado por este Juízo se os lotes objeto desta ação estão inseridos em área de marinha de propriedade da União, ainda que não integrassem o Parque Nacional, o perito respondeu que ‘(…) parcialmente seriam considerados como área de marinha tendo em vista o contido no Decreto-Lei nº 9.760 de 05 de setembro de 1946 (fl. 1632 dos autos nº 2002.70.08.001672-7).

Questionado, ainda, se o Código Florestal e a anotação da primeira transcrição da matrícula dos imóveis já lhe retiravam seu valor comercial antes mesmo da edição do Decreto nº 97.688/89, respondeu que sim, tendo em vista as restrições impostas pelo Código Florestal (fl. 1.634 dos autos nº 2002.70.08.001672-7).

Ainda, quanto à demarcação dos lotes objeto da ação, o perito esclareceu ser desnecessário uma vez que a área onde se localizam foram classificados, através do Decreto nº 97.688/89, como área de interesse nacional tendo em vista a criação do Parque do Superagui (fl. 1654 dos autos nº 2002.70.08.001672-7).

Não bastassem tais argumentos, a ilha do Superagui sofre uma série de restrições ambientais, por se tratar de área de proteção permanente cuja exploração ou implantação dos projetos da autora, nas palavras do perito é surreal, porque de um lado quebraria toda a cadeia do ecossistema existente na região, com irreparáveis danos a fauna e flora originais.

Sobre a ilha do Superagui, o perito esclarece que foi inscrita como Patrimônio Natural e Histórico em 1970 pela Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná. Este processo foi contestado pela Companhia Agropastoril Litorânea do Paraná em 1984, a fim de tomar posse das ilhas das Peças e do Superagui para a criação de búfalos e de um pólo turístico. Ainda, que foi reconhecido, em 1985, o tombamento da ilha do Superagui, colocando-se uma série de proibições em relação à várias atividades potencialmente danosas ao meio ambiente. Com a finalidade de garantir a proteção das ilhas de forma mais eficaz, foi criado em 1989 a unidade, formada assim pela ilha do Superagui e pela Ilha das Peças. Ao ser ampliado, em 1997, abrangeu também uma parte do continente, denominada Vale do Rio dos Patos, e as ilhas do Pinheiro e Pinheirinho. Em 1991 a região foi abrangida pela Reserva da Biosfera Vale do Ribeira-Serra da Graciosa e em 1998 foi intitulada pela UNESCO como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade.

Acerca do relevo, concluiu o perito, a partir do seu juízo técnico que se trata de um relevo extremamente planificado com consequente drenagem diferenciada e que não permite nenhuma forma de urbanização. Vejamos:

(…) as áreas em questão são praticamente planas, ou seja, possuem poucos metros acima do nível do mar (variando de 0 (zero) metros à cerca de 20,00 metros de altitude), situação esta que vem delinear um relevo extremamente planificado(…) toda a ilha do Superagui recebe umidade do oceano e tem chuvas bastante regulares durante o ano todo, de tal sorte que as áreas em questão (da requerente) se constituem por si só em uma zona de ‘diferenciada drenagem natural’, condição esta que se agravaria caoticamente caso não exista ou venha-se retirar/impermeabilizar seus solos arenosos e a camada de vegetação nativa com eventuais ‘construções de loteamentos e respectiva infraestrutura idealizadas pela autora’. Ainda, fortalecendo tal tese, tem-se como importante citar, por analogia, o próprio alerta do professor Azis Ab’ Saber:

‘(…) A Ilha de Superagui (abrangida pelo complexo litoral e serra do Mar) – é muito complexo com relação às construções e ação humana, (…) sendo difícil o encontro de sítios urbanizáveis e a abertura de estradas e sua conservação. Se os engenheiros e supervisores de obras públicas no meio tropical úmido brasileiro conhecessem a teoria da biostasia e da resistasia – ou seja, teorias de formação dos solos, com certeza os prejuízos seriam bem menores (…)’ AB’SABER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.(fl.1.298, item 11.1 e fl. 1663 dos autos nº 2002.70.08.001672-7)

Outro ponto de extrema relevância destacado pelo expert é que o objeto desta ação está localizado dentro da Mata Atlântica e da APA:

As áreas objeto da presente ação, de fato, encontram-se localizadas dentro dos limites da Mata Atlântica e da APA (Área de Proteção Ambiental) ou influenciadas nelas caso aconteça a retirada da vegetação, pois não podemos entender um ecossistema isolado dos que estão ao seu redor ou nas proximidades. Doutra banda, já e um entendimento secular que desmatar áreas de ‘restingas e/ou manguezais’ como é o caso da porção leste da Ilha de Superagui acarretará indubitavelmente em prejuízos irreparáveis, tanto para o ambiente como para a humanidade. Tem-se, a título ilustrativo, que a primeira vez que a Serra do Mar (abrangendo o complexo litorâneo) foi colocada sob proteção pública foi no ano de 1952, donde frise-se também Excelência, que sua conservação (da vegetação) é um dos principais meios de garantir a existência da baía de Paranaguá (região aonde se encontram inseridas as áreas em questão/áreas da autora); onde caso contrário sofreria rápido processo de degradação de fauna marinha, terrestre e flora. Ainda, tem-se que o Tombamento da Serra do Mar (entendendo-se complexo litorâneo e áreas serranas) se deu em 25 de julho de 1986, com uma superfície aproximada de 386.000 há, abrangendo inclusive os imóveis objetos da presente perícia (fl.1.299, item 11.2 dos autos nº 2002.70.08.001672-7).

Pois bem.

Diante dos trabalhos realizados, o perito, nas conclusões das fls. 1298/1302 dos autos nº 2002.70.08.001672-7, reitera a impossibilidade técnica de acolhimento do pedido autoral. Há manifestação enfática, na fl. 1.300 dos autos nº 2002.70.08.001672-7, no sentido de que, na compreensão dos auxiliares do Juízo, pelo Código Florestal de 1965, ‘as áreas da autora já sofreriam inúmeras restrições de uso, desmate, considerando declividade, águas superficiais, preservação permanente, entre outros, donde tem-se que com relação ao Decreto nº 97.668/89, este Perito tem a explanar que, tal decreto de fato reiterou os limites/restrições já preconizados no anteriormente citado Código de 1965 e também nos atos citados anteriormente, estes originados nos idos de 1952.’

Desta feita, o art. 1º do Decreto 97. 668/89, prescreve que:

Art. 1° Fica criado, no Estado do Paraná, o Parque Nacional do Superagui, abrangendo terras do Município de Guaraqueçaba, com o objetivo de proteger e preservar amostra dos ecossistemas ali existentes, assegurando a preservação de seus recursos naturais, proporcionando oportunidades controladas para uso pelo público, educação e pesquisa científica.

Reiterando o Código Florestal de 1965, porém, com mais vigor foi o Decreto 750/93.

Conforme redação do art. 197 do Decreto 750/93, tem-se a validação que são reconhecidas como áreas de preservação permanente os ‘manguezais, as nascentes, os mananciais e matas ciliares; as áreas que abriguem exemplares raros da fauna e da flora, bem como aqueles que sirvam como local de pouso ou de reprodução de migratórios; as áreas estuarinas, as paisagens notáveis’.

Características estas que, segundo o perito, se enquadram nas áreas objeto da perícia.

Ainda, o perito considerou relevante tecer comentários técnicos sobre o Decreto 750/93 e o Código Florestal (fls. 1291 e seguintes dos autos nº 2002.70.08.001672-7):

(…)

Art. 1º – Ficam proibidos o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica.
Parágrafo único – Excepcionalmente, a supressão de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica poderá ser autorizada, mediante decisão motivada do órgão estadual competente, com anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, informando-se ao Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, quando necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, mediante aprovação de estudo e relatório de impacto ambiental.

Comentário do perito: Denota-se que das áreas em questão, considerando as suas características instrínsecas (topográficas, geológicas, fauna e flora) nunca houve, mesmo antes do Código de 1965, atividade ou projetos de utilidade pública ou interesse social, portanto, tal proteção legal já existia.

(…)

Art. 3º – Para os efeitos deste Decreto, considera-se Mata Atlântica as formações florestais e ecossistemas associados inseridos no domínio Mata Atlântica, com as respectivas delimitações estabelecidas pelo Mapa de Vegetação do Brasil, IBGE 1988: Floresta Ombrófila Densa Atlântica, Floresta Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, Manguezais, Restingas, Campos de Altitude, Brejos Interioranos e Encraves Florestais no Nordeste.
(…)

Comentário do perito: Tem-se igualmente já na redação do Código Florestal de 1965, a proteção extensiva a restingas e mangues que sofrem influência da bacia hidrográfica e também em áreas passíveis de atenuar erosão das terras.

(…)

Art. 4º – A supressão e a exploração da vegetação secundária, em estágios inicial de regeneração da Mata Atlântica, serão regulamentados por ato do IBAMA, ouvidos o órgão estadual competente e o Conselho Estadual de Meio Ambiente respectivo, informando-se ao CONAMA.
Parágrafo único – A supressão ou exploração de que trata este artigo, nos Estados em que a vegetação remanescente da Mata Atlântica seja inferior a cinco por cento da área original, obedecerá o que estabelece o parágrafo único do art. 1º deste Decreto.
(…)

Comentário do Perito: o Código Florestal era mais rigoroso neste tópico, desta feita tal exploração já seria inviável (não permitida) à época e atualmente também não.

(…)

Art. 5 º – Nos casos de vegetação secundária nos estágios médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica, o parcelamento do solo ou qualquer edificação para fins urbanos só serão admitidos quando de conformidade com o plano diretor do Município e demais legislações de proteção ambiental, mediante prévia autorização dos órgãos estaduais competentes e desde que a vegetação não apresente qualquer das seguintes caractísticas:
I – ser abrigo de espécies da flora e fauna silvestre ameaçadas de extinção;
II – exercer função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão;
III – ter excepcional valor paisagístico.
(…)

 

Comentário do Perito: Tais proteções já se faziam constar explicitamente no Código Florestal de 1965 (art. 3º). Portanto, no caso em tela, por analogia, uma vez existindo vegetação primária nas áreas do autor, tal ocupação seria inviável à época (não permitida) e atualmente também não.

 

(…)
Art. 7º – Fica proibida a exploração de vegetação que tenha a função de proteger espécies da flora e fauna silvestre ameaçadas de extinção, formar corredores entre remanescente de vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração, ou ainda proteger o entorno de unidades de conservação, bem como a utilização das áreas de preservação permanente, de que tratam os arts. 2º e 3º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.
(…)

 

Art. 10 – São nulos de pleno direito os atos praticados em desconformidade com as disposições do presente Decreto.
§1º – Os empreendimentos ou atividades iniciados ou sendo executados em desconformidade com o disposto neste Decreto deverão adaptar-se às suas disposições, no prazo determinado pela autoridade competente.
§2º – Para os fins previstos no parágrafo anterior, os interessados darão ciência do empreendimento ou da atividade ao órgão de fiscalização local, no prazo de cinco dias, que fará as exigências pertinentes.

 

Comentário do Perito: tais proteções já se faziam constar implicitamente no Código Florestal de 1965 (art. 3º), ou seja, tal exploração já seria inviável (não permitida) à época e atualmente também não.

Diante do trabalho de campo efetuado, a respeito da pretensa intenção de implantação de loteamento sobre as áreas em questão imaginada pela autora (fls. 158 dos autos nº 2002.70.08.001672-7), interessante destacar a conclusão do perito:

(…) sobre o enfoque ‘técnico/ambiental’ tal anteprojeto/ ambição resta surreal (inclusive contendo na referida planta automóveis circulando e Avenida Atlântica representada), pois de um lado, quebraria toda a cadeia do ecossistema existente na região, com irreparáveis danos a fauna e flora originais.

Cabe frisar que o Estado do Paraná possui uma das últimas porções contínua da Floresta AtlÂntica (Ombrófila Densa) do país (incluindo o Complexo Superagui e regiões litorâneas adjacentes), e este entendeu nas últimas décadas A NECESSIDADE URGENTE e prioritária para conservação destes remanescentes de alta importância biológica; além do que, qualquer projeto de urbanização na referida área indubitavelmente irá acarretar em desequilíbrio no ecossistema pertencente hoje à humanidade (fl. 1296 dos autos nº 2002.70.08.001672-7)

 

No entender do perito (fl. 1660 dos autos nº 2002.70.08.001672-7), não se trata de invasão de área pública, mas sim idealização e intenção de recebimento de indenização por área que desde meados do ano de 1965 encontra-se caracterizada como de interesse nacional (União).

 

Questionado se em algum momento, retroativo à Constituição Federal de 1967, foi possível a urbanização da ilha do Superagui, respondeu que ‘conforme já informado às fls. 1.299 dos autos, já em meados do ano de 1952 havia restrições sobre a urbanização em áreas como a Ilha do Superagui’ (fl. 1663 dos autos nº 2002.70.08.001672-7).

 

Por fim, sob o ordenamento vigente ao tempo da aquisição e na atualidade, perguntado quais normas impediam e/ou impedem o licenciamento do projeto urbanístico, respondeu que ‘atualmente tem-se que a área em questão se encontra inserida no Parque do Superagui, ou seja, trata-se de área de interesse nacional e de preservação permanente’ (fl. 1663 dos autos nº 2002.70.08.001672-7).

 

Como se pode observar não restou comprovada a desapropriação indireta seja por se tratar de lotes de terreno inseridos em ilha, cujo domínio pertence União, seja por se tratar de área de interesse nacional e de preservação permanente.

 

( )

 

Assim, conforme o prova dos autos, a área descrita na inicial está inserida em ilha natural, e, portanto, é de domínio da União, razão pela qual o ente público não precisa desapropriar o que já lhe pertence, não fazendo o autor/apelante jus à indenização postulada.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e à apelação.

 

Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5004438-69.2014.4.04.7008/PR
RELATOR
:
LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
APELANTE
:
VISTA ALEGRE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA
ADVOGADO
:
HERMINDO DUARTE FILHO
APELADO
:
UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
:
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE – ICMBIO
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PARQUE DO SUPERAGUI. DOMÍNIO DA UNIÃO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.
1. A área em questão se encontra inserida no Parque do Superagui, ou seja, trata-se de área de interesse nacional e de preservação permanente.
2. Manutenção da sentença por seus próprios fundamentos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de setembro de 2015.
Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
Relator

 

Além disso, verifique

Averbação de informações ambientais na matrícula do imóvel é ampliada

Averbação de informações ambientais na matrícula do imóvel é ampliada

Após decisão do STJ, MPF edita orientação sobre informações ambientais facultativas na matrícula do imóvel …

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *