Por Enio Fonseca Decio Michellis Jr.
“É verdade que a experiência e o pensamento claro são a melhor maneira de fundamentar as convicções.” (Albert Einstein)
O tema Transição Energética vem sendo discutido de forma acalorada em todos os níveis decisórios de instituições de governo ou privadas, empresas, academias, ONGs, em todo o mundo, tendo por base as últimas reuniões das Conferências das Partes-COP, da Organização das Nações Unidas.
O termo “Net Zero” (Neutralidade de carbono) foi aprovado por mais de 100 países na COP 26, em Glasgow e é cada vez mais usado para descrever um compromisso mais amplo e abrangente com a descarbonização e a ação climática, indo além da neutralidade de carbono.
O relatório “Transição Net Zero” elaborado pela consultoria americana McKinsey, em 2022, aponta que: “o custo global para realizar a transição para uma matriz energética limpa até 2050 é de 275 trilhões de dólares, ou 9,2 trilhões de dólares anuais.”
O cálculo estima que os setores ligados à alta emissão de gás carbônico, responsáveis por aproximadamente 20% do PIB mundial, seriam profundamente afetados e 185 milhões de empregos diretos e indireto em todo o mundo seriam perdidos, principalmente de setores ligados a combustíveis fósseis, como indústrias de carvão, petróleo e gás. Embora o artigo mencione como possibilidade, a criação de empregos em quantidade similar, são números impactantes.
Transição é um processo, uma jornada que tem o tempo como referencial. Pode ser lenta, rápida, levar décadas. É um processo de adaptação que impacta a vida das pessoas. A transição energética envolve mudanças de modelos de produção e consumo da energia.
É uma mudança que envolve a redução das emissões de gases de efeito estufa. Uma mudança fruto de uma jornada tecnológica, que envolve o manejo do carbono, buscando a emissão zero. Essa jornada envolve a mudança de modelos econômicos e, principalmente, as pessoas, desde a mudança de hábitos até o seu emprego e salário. Portanto, a transição energética tem que ter foco nas pessoas e não somente nos processos.
Outro conceito que deve ficar claro é o de que a Transição Justa representa a mudança de modelo econômico de um mundo de alto carbono para um mundo de baixo carbono sem destruir valor econômico e social. É aquela que atende ao objetivo ambiental de reduzir as emissões de gases efeito estufa sem destruir o valor econômico e social.
Também no Brasil essa questão tem dominado as discussões políticas e econômicas, amparadas também em recentes conceitos que permeiam o movimento ESG, e as orientações dos principais agentes financeiros mundiais.
No último dia 03 de maio de 2023, na Câmara dos Deputados, em Audiência Pública na Comissão de Minas e Energia, foi apresentado o documento “Planejamento e Transição Energética”, pelo Sr. Thiago Barral, Secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia.
O Programa BID-CEBRI-EPE de Transição Energética (PTE) foi estabelecido com o objetivo de identificar trajetórias de neutralidade de carbono para o Brasil, buscando entender quais delas possibilitariam um uso mais eficiente dos recursos e, assim, contribuir de forma independente e aberta com a formulação de políticas públicas para a matriz energética brasileira de 2050.
Foram elaborados três cenários distintos que convergem para a emissões líquidas nulas de gases de efeito estufa (GEE) no país no horizonte de 2050, intitulados: (i) Transição Brasileira (TB); (ii) Transição Alternativa (TA) e (iii) Transição Global (TG), a partir da modelagem do Cenergia (PPE/COPPE/UFRJ).
O relatório apresenta os resultados do processo de construção e desenvolvimento de cenários e seu rebatimento quantitativo (projeções).
“Neutralidade de carbono até 2050: Cenários para uma transição eficiente no Brasil” Acesse aqui o material
“Caderno executivo do Programa de Transição Energética” Acesse aqui o material
O documento admite a Transição Energética como verdade imutável em curso. Ocorre que a transição energética pode nos tornar mais pobres. O impacto dos subsídios “necessários” ao nos privar voluntariamente de tecnologias bem estabelecidas, apenas para substituir a infraestrutura existente por outra de baixo carbono ou Net Zero, é muito elevado, e segundo muitos especialistas, sem garantias de se alcançar os resultados desejados. As leis Net Zero estão parecendo uma forma de auto sacrifício econômico. Livrar-se do petróleo e do gás em busca de emissões líquidas zero até 2050 impactaria seriamente os padrões de vida das pessoas no Brasil e globalmente.
Uma vez que o uso de combustíveis fósseis é a espinha dorsal de todas essas partes da vida, faz sentido dizer que é “altamente improvável” que uma eliminação gradual de combustíveis fósseis seja apoiada quando os consumidores e contribuintes perceberem o impacto no dia a dia. São mais de 6.000 produtos derivados do petróleo bruto que são a base dos nossos estilos de vida e da nossa economia. São fundamentais, por exemplo, em medicamentos, equipamentos médicos, vacinas, embalagens de alimentos frescos e congelados (só para citar algumas aplicações). Mas ainda não temos um plano reserva para substituir produtos derivados do petróleo, em qualidade, disponibilidade e preço.
Uma pesquisa recente da YouGov (1) com vários milhares de europeus em diferentes países descobriu que a maioria dos europeus afirmou estar preocupada com as mudanças climáticas. No entanto, quando a pesquisa perguntou quanto eles estavam dispostos a sacrificar, o apoio diminuiu rapidamente. A maioria não apoiou limitar a ingestão de carne ou laticínios, pagar mais por eletricidade ou eletrodomésticos eficientes, limitar o número de filhos ou limitar ou proibir veículos movidos a motores de combustão interna.
As pessoas apoiam a luta contra a mudança climática, desde que não envolva muito sacrifício pessoal ou econômico. À medida que as propostas para combater a mudança climática se tornam mais invasivas, exigindo mudanças comportamentais ou de estilo de vida significativas, elas rapidamente despencam em popularidade.
A partir de 2018, influenciados pela União Europeia, os países começaram a estabelecer metas políticas com o objetivo de atingir emissões “líquidas zero” até 2050 para os países desenvolvidos e 2070 para países em desenvolvimento. O primeiro-ministro Narendra Modi disse na cúpula do clima global COP26, em Glasgow que a Índia atingirá a meta de emissões líquidas zero até 2070. Declaração conjunta de Índia, Bolívia, China, Gabão, Irã, Iraque, Mali, Nicarágua, Panamá e Síria: “Precisamos de um reconhecimento claro de que os países em desenvolvimento precisarão de muito mais tempo além de 2050 para atingir o Net-Zero, dados seus objetivos abrangentes de erradicação da pobreza e desenvolvimento, e atingirão o pico após os países desenvolvidos. Eles precisarão de um prazo adicional para atingir o pico e ir em direção ao Net Zero, que será além de 2050” (2)
Como esperar que abandonemos os combustíveis fósseis quando os países ricos não chegaram nem perto de fazê-lo? Com a guerra na Ucrânia e seus impactos na segurança energética mundial os países estão desacelerando suas políticas Net Zero ou mesmo abandonando-as em defesa da segurança energética.
Em um mundo que aparentemente está ficando mais quente e mais frio (extremos climáticos) por causa do aquecimento global, como é que podemos confiar cada vez mais em eletricidade não despachável (ou seja, intermitente, geralmente indisponível), dependente do clima de usinas eólicas e solares para substituir, não apenas suplementar, despachável (isto é, carga básica, quase sempre disponível) carvão, gás e energia nuclear? Em outras palavras, se nosso clima está se tornando menos previsível, como é que uma economia de consumo como a nossa pode depender previsivelmente de recursos dependentes do clima?
Sobre a realidade dos “empregos verdes”: (3)
• Não existe uma definição consistente de “emprego verde”;
• A maioria dos empregos em empresas que produzem produtos ou serviços verdes não são “verdes”. Por exemplo, em uma fábrica de turbinas eólicas há poucos ou nenhum emprego verde clássico. Em vez disso, o perfil do trabalho reflete o de uma fábrica típica com vários empregos para Montadores, Maquinistas, Engenheiros, Inspetores, Operários, Escriturários etc. No entanto, estes são empregos verdes devido ao produto que está sendo produzido;
• Haverá relativamente poucas vagas anuais para Técnicos de Serviço de Turbinas Eólicas ou para Instaladores Solares Fotovoltaicos. Assim, não é aconselhável produzir muitos milhares de trabalhadores anualmente nessas ocupações. O resultado final provavelmente será o desapontamento dos trabalhadores treinados nessas habilidades;
• Mesmo para ocupações verdes certificáveis, na próxima década a maioria das vagas anuais geradas pela economia verde não será para os tipos de empregos verdes glamorosos que são os mais divulgados e badalados; por exemplo, Técnico de Serviço de Turbina Eólica, Instalador Solar Fotovoltaico, Engº Ambiental etc.;
• A maioria das pessoas nesses empregos não percebe que deve seu sustento à economia verde;
• A maioria dos empregos verdes não são atraentes ou bem pagos;
• Os salários dos empregos verdes não são superiores à média.
A fabricação de VEs – Veículos Elétricos provavelmente significará menos empregos automotivos: Um dos motivos é que os VEs têm muito menos peças e são mais simples de construir, portanto, exigem menos trabalhadores e muitas vezes só precisam de um novo módulo de bateria de US$ 6.000. Outra é que a fabricação de baterias é facilmente automatizada.
Quanto aos empregos diretamente afetados na transição energética: nas indústrias extrativas, indústrias intensivas em energia, na indústria automotiva e manufatura tradicionais, como siderurgia e produtos químicos. “É fácil dizer que precisamos alcançar metas climáticas ambiciosas até 2050 e 2030. Mas a estratégia industrial deve dar a resposta sobre ‘como’ vamos chegar lá. E, no momento, ainda não temos essas respostas. As políticas climáticas só vão dar certo se você puder vendê-las para a opinião pública, se você puder fazer isso sem perturbação social nas indústrias e nas regiões em questão”. (Luc Triangle)
O histórico de empregos na indústria brasileira em relação à concorrência chinesa não inspira otimismo: painéis solares, veículos elétricos e outras tecnologias verdes são um “quase monopólio” chinês. O Brasil é cada vez menos competitivo. A indústria já representou 35,9 % do PIB (1985) contra os atuais 12,9 % (2022). Significa aumentar a dependência da China.
Os empregos subsidiados em eletricidade verde mataram 6 vezes mais empregos na economia real: conforme experiência no Reino Unido há muitos custos ocultos para energias renováveis. Eletricidade cara leva a menor produtividade e menor crescimento econômico. A produtividade do setor de energia elétrica vem caindo com o avanço das energias verdes.
Muitos dos empregos no setor de energia renovável intermitente são empregos subsidiados (pelo contribuinte). Em outras palavras, a perda em indústrias altamente produtivas foi cerca de seis vezes maior do que o ganho na produção de eletricidade subsidiada. É difícil acreditar que subsidiar empregos na produção primária de eletricidade em detrimento de empregos altamente produtivos no setor privado seja bom para a saúde da economia a longo (ou até mesmo médio) prazo. (4)
É crescente o processo de automação e utilização de robôs na construção e implantação de painéis solares. O Terafab (Clique aqui para acessar o site) é um sistema digital automatizado com robôs que constroem fazendas solares em escala de utilidade pública, e seus criadores afirmam que é capaz de dobrar a produtividade da instalação e reduzir custos. Robôs de instalação de painéis solares podem operar “24 horas por dia, 7 dias por semana” em uma linha de montagem automatizada no local da fazenda solar. O sistema usa braços robóticos que levantam e conectam painéis solares a rastreadores. O sistema também apresenta um gêmeo digital (ou seja, um modelo virtual do local da fazenda solar), sistemas de gerenciamento de logística e um centro de comando digital sem fio no local.
A visão equivocada de que a destruição de capital é realmente boa para a economia por causa de todo o trabalho gerado em repará-lo, ao invés de ver que tal atividade não aumenta o estoque líquido de riqueza e não leva em conta o custo de oportunidade. Portanto os recursos poderiam ter sido aplicados em algo mais produtivo. Muito do investimento líquido zero simplesmente substitui o capital existente. Não a melhora e, na verdade, o que resta é, sem dúvida, pior do que antes, deixando um setor de energia menos produtivo e menos útil do que tínhamos no início. Como isso nos torna uma economia mais produtiva?
Quanto ao aspecto de crescimento econômico temos uma abordagem dirigista da transição energética altamente ineficiente.
Estamos nos limitando, reduzindo oportunidades e, como resultado, limitando nossa economia, política externa e capacidade de defesa – nossa capacidade de obter o que queremos no mundo e nos tornar mais ricos.
Estamos vendo interrupções no fornecimento de energia em partes dos EUA. Não deu certo na Califórnia, no Texas, Reino, na Alemanha, na Austrália etc. A economia da Alemanha – o motor da União Europeia – entrou oficialmente em recessão em grande parte devido ao aumento dos preços da energia. A Alemanha entrou em recessão técnica no primeiro trimestre de 2023, após a segunda contração consecutiva do Produto Interno Bruto (PIB), em um cenário de queda da demanda na indústria, inflação e taxas de juros elevadas. Os preços da energia vão disparar, produtividade mais baixa em toda a economia e desinvestimento em indústrias relativamente intensivas em energia, tornando mais ou menos tudo mais caro, e haverá apagões frequentes.
Quanto ao Valor Adicionado: Os acionistas possuem uma expectativa de ganho sobre seu negócio. O EVA (Economic Value Added), mostra se um investimento trouxe ganhos reais para os acionistas, ou seja, se está gerando valor. O objetivo é ter um maior retorno sobre o capital investido. Organizações podem ser chamadas de lucrativas somente quando geram riquezas para seus stakeholders.
As ações afirmativas, atividades, iniciativas, projetos, programas, planos e políticas de transição energética estão adicionando valor ao contribuinte no médio e longo prazo?
A modicidade tarifária é um objetivo pretendido, mas nunca alcançado, algo como uma miragem considerando os tributos, subsídios e incentivos tarifários – ou seja, a surpreendente regra: pague dois e leve um (“de cada R$ 100 que o consumidor brasileiro paga em sua conta de luz, R$ 46 são usados para bancar 11 encargos do setor elétrico e oito tributos federais, estaduais e municipais” – PwC).
§ 2º “A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço”.
Porém não basta ser “barato (eficiente) e funcionar”, tem que ser atual na “modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações”.
Quanto à estratégia de reindustrialização: O esforço para chegar ao zero líquido criou uma oportunidade de rent-seeking como nenhuma outra. Ocorre quando um agente privado busca garantir seus interesses econômicos manipulando a seu favor decisões públicas, por meio de lobbys e corrupção. Benefícios podem vir de empréstimos subsidiados, taxas para importação maiores para bens estrangeiros, ou até mesmo de contratos com valor superfaturados.
O medo da globalização, cadeias de suprimentos frágeis (como aconteceu na crise do COVID) e segurança nacional criaram um impulso para reconstruir bases industriais onde elas foram esvaziadas. A indústria no Brasil já representou 35,9 % do PIB (1985) contra os atuais 12,9 % (2022). A autossuficiência e o protecionismo voltaram à moda.
Mas há pouco a comemorar sobre as guerras de subsídios em curso. Elas criarão o pior tipo de capitalismo de compadrio e restringirão o livre comércio globalmente.
Quanto ao Nacionalismo de recursos: A demanda global por materiais necessários à transição energética está provocando uma onda de nacionalismo de recursos que pode se intensificar. A Indonésia intensificou progressivamente as restrições à exportação de minério de níquel bruto, exigindo que ele seja processado primeiro no país.
Exportamos grande quantidade de bens, principalmente commodities agrícolas e minerais (minério de ferro, soja, óleos brutos de petróleo, açúcar, carne bovina, farelos de soja, óleos combustíveis de petróleo, carnes de aves e celulose são os principais produtos exportados) para todo o mundo – a maior parte deles com baixo valor agregado – enquanto guardamos os resíduos e a degradação ambiental para nós. Isto significou mais perda da cobertura vegetal, mais contaminação, mais gastos em saúde e uma conta energética maior. Até quando continuaremos a exportar commodities agrícolas e minerárias com baixo valor agregado sem processamento nacional?
Quanto à retomada do Gás Natural na matriz elétrica nacional: Enquanto mais renováveis e maior eficiência para reduzir o uso de combustíveis fósseis continuam, carvão, petróleo e gás natural continuarão a fornecer a maior parte da energia mundial por muito mais tempo do que provavelmente imagina. Como o combustível fóssil mais limpo com as menores emissões de CO2, o gás natural em particular tem um papel essencial a desempenhar. Mesmo assim, será impossível substituir todos os combustíveis fósseis que agora são necessários para aquecimento, transporte e usos industriais por alternativas sem carbono nas próximas décadas.
O combustível é perfeitamente adequado para alimentar novas capacidades de geração verde (energia de backup) que possam operar com despacho e eficiência de conversão inigualáveis, para serem usados com mais eficiência do que qualquer outro combustível em uma infinidade de processos industriais e para fornecer (por muito tempo) uma matéria-prima indispensável para sínteses de muitos produtos químicos essenciais.
No Brasil 80 % dos poços do pré-sal estão associados a existência do gás natural. Por falta de infraestrutura a maior parte dele é reinjetada.
Reconhecido recentemente na União Europeia como fonte de energia “verde”, a utilização do gás natural na geração elétrica seria uma importante oportunidade de aproveitar este recurso energético.
Quanto à retomada da energia Nuclear na matriz elétrica nacional: Existe uma tecnologia que pode fornecer um suprimento barato e confiável de eletricidade com baixas emissões: a energia nuclear. O interesse pela energia nuclear está aumentando à medida que mais e mais pessoas percebem que ela é segura e confiável. As centrais nucleares modernas são inerentemente seguras e baixos níveis de radiação nuclear não são perigosos. A energia nuclear poderia fornecer toda a eletricidade de baixo custo e baixas emissões de que o Brasil e o mundo precisam por centenas ou milhares de anos.
Eólica e solar não são suficientes: vento e o sol são naturalmente intermitentes e, portanto, naturalmente imprevisíveis. As transições energéticas anteriores foram até agora caracterizadas pela produção de mais energia em áreas de terra menores. Mudamos da madeira para o carvão e depois para o petróleo e o gás. Agora com energia eólica e solar revertemos esta tendência. São fontes de energia de baixa intensidade e ocupam muito mais área, além do intenso uso de recursos naturais não energéticos e disposição final ainda não devidamente resolvida, mas reconhecidamente poluente e impactante.
As energias eólicas e solar politicamente favorecidas são recursos “não despacháveis” (com fatores de capacidade inferiores a 35%), enquanto os combustíveis fósseis e nucleares são “despacháveis” (com fatores de capacidade de 85% ou mais). Isso significa que as comparações de custo entre energia eólica e solar (intermitente, geralmente indisponível) versus combustíveis fósseis e nuclear (carga básica, quase sempre disponível) são muito mais imaginárias do que reais.
E muito mais energia eólica e solar enfrentam o crescente obstáculo da “alta classificação”, onde os melhores pontos (a fruta mais baixa) são colhidos primeiro. Em outras palavras, cada construção incremental para parques eólicos e solares será, naturalmente, em áreas menos ventosas e menos ensolaradas porque suas melhores localizações são finitas.
Quanto à Segurança Energética de Longo Prazo: Existe uma relação entre abundância de energia (independentemente de a fonte de energia) e liberdade humana. O acesso à energia por si só não cria liberdade, mas a escassez é impeditiva da liberdade. Quando a energia escasseia e os recursos são limitados, as liberdades são reduzidas e o conflito entre os que têm e os que querem ter, podem gerar crueldades impensáveis.
A evolução tecnológica está aumentando a nossa dependência e uso da energia elétrica. Mesmo com programas intensivos de eficiência energética o consumo per capita de eletricidade vai crescer.
Os impactos ambientais provocados por fontes alternativas, em larga escala, podem ser tão significativos quanto os decorrentes das fontes convencionais. Isto permite concluir que qualquer fonte de energia que passe a ter uso intensivo, pode gerar impactos socioambientais tão graves e intensos quantos as fontes tradicionais que pretende substituir. Cada tipo de fonte de energia tem sua aplicação e lugar na matriz energética. A escolha deve considerar as especificidades locais e o custo de oportunidade socioambiental. Nenhuma fonte pode ser desprezada!
Um futuro de energia abundante ajuda a preservar a liberdade que a escassez muitas vezes ameaça. Embora a fartura de energia e a liberdade estejam diretamente relacionados e possam se reforçar mutuamente, a produção de energia em abundância é um imperativo econômico e moral. O progresso humano implica no crescimento exponencial contínuo da geração de energia.
A tecnologia energética é a base para a liberdade. Sociedades livres são mais capazes de produzir energia e o acesso a mais energia liberta a humanidade. A energia é o sangue vital de uma economia. Deve ser abundante, acessível, confiável, despachável e robusta. A prosperidade nacional e mundial depende de energia confiável, abundante e barata. Nossas decisões agora terão um impacto de longo prazo.
O Brasil já é uma economia de baixo carbono: Fontes renováveis como solar, eólica e geotérmica, por exemplo, juntas correspondem a apenas 2,5% da matriz energética mundial. Somando à participação da energia hidráulica e da biomassa, as renováveis totalizam aproximadamente 15%. A matriz energética do Brasil usa mais fontes renováveis que no resto do mundo. Somando lenha e carvão vegetal, hidráulica, derivados de cana e outras renováveis, nossas renováveis totalizam 44,8%, quase metade da nossa matriz energética. Nossa matriz energética é 3,3 mais limpa que a média mundial. (fonte EPE).
A matriz elétrica brasileira é baseada em fontes renováveis de energia, ao contrário da matriz elétrica mundial. Ela é 3 vezes mais limpa que a média mundial.
Somos hoje o que as obesas economias mundiais (carbono intensivas) gostariam de ser amanhã.
As emissões per capita do Brasil são de 6,88 tCO2/pessoa por ano (2019) enquanto a média mundial é de 6,27 tCO2/pessoa (2013). EUA com 17,6 tCO2/pessoa e Rússia 13,3 tCO2/pessoa são os que possuem as emissões per capita mais altas. As emissões per capita da Índia, em paralelo, estão entre as mais baixas, com apenas 2,5 tCO2e/pessoa. (Fonte WRI)
Os países com as taxas de emissões per capita mais altas são aqueles com altas emissões nos setores de energia e uso solo.
De acordo com o Carbon Action Tracker, nenhum país no mundo é “1,5 º graus C” é compatível com o atendimento ao Acordo de Paris. Seis países são classificados como “quase suficientes”: Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Nepal, Etiópia, Marrocos e Nigéria. As classificações dos 10 maiores países fora da OCDE também são reveladoras. China, Índia, Arábia Saudita e Indonésia são classificados como “altamente insuficientes” e Rússia, Irã e Vietnã são classificados como “criticamente insuficientes”. Apenas a África do Sul e o Brasil são classificados como “suficientes”.
Além disso, se todos esses países cumprissem as metas que estabeleceram para si mesmos nos planos de emissões submetidos às Nações Unidas, em todos os casos, exceto um (Brasil), suas emissões em 2030 seriam maiores do que em 2010. É improvável que eles cumpram seus próprios compromissos. (5)
Quanto ao Cenário complementar da avaliação das emissões no consumo (offshored emissions): É necessário inserir um cenário complementar da avaliação das emissões no consumo (offshored emissions) contando as importações, exportações e o transporte internacional, apurando o real valor das emissões brasileiras. De acordo com o Protocolo de Quioto as emissões são designadas para os países que as produziram. Focar no consumo em vez de na produção das emissões (medir as emissões no consumo em vez de na produção) é a única solução inteligente e ética.
Exportamos grande quantidade de bens, principalmente commodities agrícolas e minerais (minério de ferro, soja, óleos brutos de petróleo, açúcar, carne bovina, farelos de soja, óleos combustíveis de petróleo, carnes de aves e celulose são os principais produtos exportados) para todo o mundo – a maior parte deles com baixo valor agregado – enquanto guardamos os resíduos e a degradação ambiental para nós. Isto significou mais perda da cobertura vegetal, mais contaminação, mais gastos em saúde e uma conta energética maior.
Os países ricos têm cada vez menos pressão ambiental e o Brasil tem cada vez mais. Há uma relação histórica entre renda e emissões. Em geral, à medida que aumentam o crescimento e a industrialização, o mesmo acontece com o consumo e estilos de vida intensivos em energia e, consequentemente, mais alta a taxa de emissões per capita. Os dados de emissões de CO2 acumuladas per capita demonstram que os países ricos têm maior responsabilidade nas mudanças climáticas. Eles causaram o problema e devem assumir a maior parte do custo das soluções.
Nossas vantagens comparativas raramente se transformam em vantagens competitivas: Apesar de sermos uma economia de baixo carbono isto não significa nenhuma vantagem para exportar os produtos brasileiros.
O Mecanismo de Ajuste da Fronteira de Carbono está chegando. (Acesse aqui o material). Os importadores de eletricidade, alumínio, cimento, fertilizantes, hidrogênio, ferro e aço para a UE pagarão um imposto a partir de 2026 pelas emissões de gases de efeito estufa criadas durante a produção. Não há construção sem cimento, ferro e alumínio.
“O Brasil mostra-se como um país promissor no cenário atual, apresentando características únicas que o posicionam de maneira competitiva no mercado internacional. Essa vantagem é potencializada pela busca por uma economia verde e de baixo carbono, na qual o país demonstra grande potencial de crescimento. Com a maior biodiversidade do mundo, vasta disponibilidade de biomassa e uma matriz energética mais limpa que a maioria dos países, o Brasil possui os recursos necessários para assumir a liderança nessa nova economia.” (6)
Por mais que o Brasil faça, nunca está bom, ou é suficiente, para satisfazer as cobranças que são feitas por governos, empresas, ONGs, órgãos de comunicação ou entidades acadêmicas do Primeiro Mundo, como as pontuadas a seguir:
• Desperdiça com o plantio de cana-de-açúcar áreas preciosas para o plantio de alimentos; ou desperdiça, com o plantio de alimentos, áreas preciosas de vegetação nativa. Se não é uma coisa nem outra, então é porque utiliza pesticidas demais, produz transgênicos demais, tem agricultura demais.
• A carne brasileira é um êxito sem precedentes no comércio exterior, mas não é rastreada o suficiente, os bois não são bem tratados o suficiente e os frigoríficos não são fiscalizados o suficiente. Mesmo se isso tudo estivesse em ordem, o rebanho do Brasil é excessivamente grande: onde o mundo vai parar, em matéria de efeito-estufa, se o rebanho continuar crescendo desse jeito?
• Há trabalho escravo no Brasil, e quando não há trabalho escravo há trabalho infantil.
• Já os trabalhadores brasileiros que não são escravos ou crianças ganham muito pouco, e estão atrapalhando com seus baixos salários a estabilidade do mercado de trabalho do mundo desenvolvido.
• O Brasil trata mal as mulheres, as minorias, os índios, os sem-terra, os quilombolas, os deficientes físicos.
• Os brasileiros não têm a maturidade necessária para cuidar sozinhos da Amazônia.
O movimento ambientalista internacional é, predominantemente, um instrumento político a serviço de uma agenda de restrições ao nosso desenvolvimento socioeconômico, com propósitos específicos:
• Reduzir o impulso pró-industrialização;
• Manter o controle sobre regiões ricas em recursos naturais;
• Como uma “potência ambiental”, sem a qual não pode haver um acordo climático significativo (e vinculante com restrições às emissões de GEE para o Brasil);
• Importante ator internacional para a segurança energética (como grande exportador de matérias-primas);
• Limitar o crescimento demográfico;
• Reduzir o “otimismo tecnológico” nacional; e
• Subordinar à agenda ambientalista a utilização plena dos recursos naturais para o desenvolvimento interno soberano do País através de pressões políticas e midiáticas motivadas por argumentos ambientalistas.
Qual o papel do Brasil na cadeia de suprimento necessária à transição energética: À medida que o mundo muda para fontes de energia mais limpas, o controle sobre os materiais necessários para alimentar essa transição ainda está em jogo.
A China atualmente domina o processamento global dos minerais críticos que agora estão em alta demanda para fabricar baterias para veículos elétricos e armazenamento de energia renovável. Todo mundo também quer. Os países ricos ainda estão essencialmente competindo por recursos escassos.
Autoridades dos EUA dizem que apenas o suprimento global de lítio precisa aumentar 42 vezes até 2050 para atender à crescente demanda por veículos elétricos.
Atingir a meta do Green Deal da União Europeia de neutralidade climática até 2050 exigirá 35 vezes mais lítio e 7 a 26 vezes a quantidade de metais de terras raras, um fornecimento anual muito maior de alumínio (equivalente a 30% do que a Europa já usa hoje), cobre (35%), silício (45%), níquel (100%) e cobalto (330%). Tudo isso é essencial para os planos da Europa para a produção de veículos elétricos e baterias, tecnologias renováveis de energia eólica, solar e de hidrogênio e a infraestrutura de rede necessária para alcançar a neutralidade climática. Cria o risco de novas dependências de fornecedores “insustentáveis”.
Projetos de mineração para extração desses metais podem levar mais de uma década (em média 16 anos) para entrar em operação e, portanto, a escassez deve ser ainda maior na próxima década.
A transição energética, para uma economia de baixo carbono, é uma decisão política institucional que foi sacramentada pelos organismos e instituições da governança global, vem sendo implementada por países, empresas e pela sociedade, e deve ser executada com o devido planejamento que deve respeitar as especificidades nacionais. O Brasil tem já uma matriz elétrica preponderantemente verde, contemplando todas as fontes, e isso é um diferencial a nosso favor.
A transição, pela própria essência, pressupõe passagem de um estágio tecnológico para outro, observando-se etapas evolutivas e circunstanciais. Quando a nação decide estabelecer metas e critérios de transição energética, reflete, na essência, uma mudança comportamental, econômica, social e institucional, pela atenção acolhida pela sociedade e nas condições de interação com o mercado mundial e preservação do ambiente, com responsabilidade. Em suma a tomada de decisão corresponde à visão ampla da sustentabilidade ambiental, econômica e social.
Deste modo, a transição energética é, em sentido macro, a tomada de consciência do atual modelo produtivo, da expectativa de consumo e do reaproveitamento da matéria e energia, com reflexos da influência da matriz energética nas mudanças climáticas, e deve abraçar a premissa de ser “Justa” respeitando especificidades sociais.
Trabalhamos em nosso artigo algumas visões sobre este importante tema. Deixamos para que vocês após lerem o artigo, tirem suas próprias conclusões e possam ao final, responder: Transição Energética: E eu com isso?
- “Many Europeans want climate action – but less so if it changes their lifestyle, shows poll”; Acesse aqui o material
-
“Developing Countries Need Much Longer Beyond 2050 To Reach Net-Zero: Joint Statement By India, China, Other Nations”; Acesse aqui o material
-
“The Reality of American ‘Green jobs’” Acesse aqui o material
-
“Subsidised Green Jobs Killing Real Jobs”; Acesse aqui o material
-
“Canada – The Climate Pawn”; Acesse aqui o material
-
“Brasil caminha para liderança em economia verde e baixo carbono”; Acesse aqui o material ,
Enio Fonseca – Engenheiro Florestal, Senior Advisor em questões socioambientais, Especialização em Engenharia Ambiental, em Gestão Empresarial pela FGV, Conselheiro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, FMASE, foi Superintendente do IBAMA em MG, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, Chefe do Departamento de Fiscalização e Controle Florestal do IEF, Conselheiro no Conselho de Política Ambiental do Estado de MG, Ex Presidente FMASE, founder da PACK OF WOLVES Assessoria Ambiental, parceiro da Econservation.
Decio Michellis Jr. – Licenciado em Eletrotécnica, com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura, extensão em Gestão de Recursos de Defesa e extensão em Direito da Energia Elétrica, é Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.
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