sábado , 7 dezembro 2024
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Quais os impactos da Lei Federal 14.595 de 2023?

Por Albenir Querubini e Mateus Stallivieri da Costa.

Parte 1 – Entenda o que mudou no âmbito do Programa de Regularização Ambiental com a conversão da Medida Provisória 1.150 de 2022 na Lei Federal 14.565 de 2023

No dia 5 de junho de 2023 foi publicada, com vetos, a Lei Federal 14.595 de 2023, que converteu a Medida Provisória 1.150 de 2022, que, por sua vez, alterou o Código Florestal  na disposição referente ao prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental – PRA. A redação, aprovada pela Câmara dos Deputados, sofreu diversas críticas, tanto no sentido material – sendo tratada por muitos como um retrocesso –, como no sentido formal, por conter diversos dispositivos estranhos ao seu objeto original.

A tramitação da Medida Provisória ganhou repercussão na mídia por revelar um suposto tensionamento entre as Casas Legislativas, além da dificuldade de articulação do Governo Federal com o Poder Legislativo, principalmente com a Câmara dos Deputados.

A fim de entender toda a polêmica acerca da tramitação da Lei Federal 14.595 de 2023, preparamos um resumo do processo que culminou na conversão da Medida Provisória em lei, analisando os artigos aprovados e vetados, e mostrando os impactos jurídicos da nova norma.

Para isso, a análise foi dividida em dois momentos: um primeiro relacionado ao processo legislativo e aos dispositivos já vigentes, e um segundo que abordará especificamente os vetos apresentados pela Presidência da República na Mensagem 258 de junho de 2023.

  1. O Processo Legislativo que culminou na aprovação da Lei Federal 14.595 de 2023

 

Em dezembro de 2022, ainda durante o Governo do Presidente Jair Messias Bolsonaro, foi enviado para o Congresso Nacional a Medida Provisória 1.150 de 2022, que alterava exclusivamente o artigo 59 do Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012). Em resumo, a Medida Provisória alterou o prazo para a adesão do proprietário ou possuidor rural ao Programa de Regularização Ambiental – PRA[1].

As Medidas Provisórias, iniciativas do Presidente da República, são restritas a situações relevantes e urgentes[2], e que, apesar de produzirem efeitos imediatos, devem ser apreciadas pelo Poder Legislativo para serem convertidas de forma definitiva em Lei.

Medidas Provisórias possuem um prazo de vigência de 60 dias, mas caso não tenham sido apreciadas pelas duas Casas Legislativas, recebem automaticamente uma prorrogação pelo mesmo período[3].

Com a chegada de uma Medida Provisória no Congresso Nacional, designa-se uma Comissão Mista[4], formada por 12 senadores e 12 deputados. A Comissão Mista pode (i) aprovar o texto enviado pelo Presidente da República; (ii)aprovar o texto com alterações, caso em que a tramitação passa a ser apreciada como Projeto de Lei de Conversão – PLV; ou (iii) rejeitar a matéria.

No caso da Medida Provisória 1.150 de 2022, a Comissão Mista entendeu pela aprovação com alterações, de forma que a apreciação ocorreu como Projeto de Lei de Conversão. É no tocante às alterações, tanto da Comissão Mista, como nas fases seguintes, que se encontra a polêmica envolvendo a proposta.

Ao chegar na Câmara dos Deputados, o texto, do agora Projeto de Lei de Conversão, foi novamente alterado, sendo enviado uma terceira redação para o Senado Federal. Como no Senado Federal o texto também sofreu alterações em seu mérito, o Projeto de Lei de Conversão voltou para a Câmara dos Deputados, que, por sua vez, recusou a nova proposta do Senado, mantendo a originalmente aprovada pelos Deputados.

Desse modo, ao chegar para a análise de sanção ou veto, o texto já havia sido modificado em três momentos: na Comissão Mista, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, tendo, ainda, o agravante de que a análise final seria realizada por uma nova gestão do Poder Executivo, agora com o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não foi o propositor original da Medida Provisória 1.150 de 2022.

O resultado foi o veto de 4 pontos, incluindo todos que visavam alterações na Lei da Mata Atlântica (Lei Federal 11.428 de 2006), que não era objeto do texto inicial da Medida Provisória 1.150 de 2022. Foi justamente essa descaracterização da proposta que justificou, em parte, os vetos por parte da Presidência da República, ponto que será analisado na segunda parte deste artigo.

Antes da análise do texto que foi convertido na Lei Federal 14.595 de 2023, cabem breves comentários sobre o regramento do processo legislativo, principalmente no tocante à interpretação constitucional da inclusão de novos dispositivos nas propostas já em tramitação.

  1. A inclusão de dispositivos no processo legislativo e a inconstitucionalidade dos “jabutis”

 A Constituição Federal de 1988 determina, em seu artigo 2º, que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Para que essa harmonia exista, cada um dos Poderes da União deve cumprir o seu papel de forma transparente e dentro dos procedimentos adequados para atingir, com eficiência, os seus objetivos primários.

Por meio do Poder Legislativo o povo exerce, de forma indireta e por meio de representantes eleitos, a sua soberania. Nesse sentido, o processo legislativo torna-se muito mais do que mero procedimento em que as leis são aprovadas. Suas regras existem para que os debates e discussões exercidos no Congresso Nacional possam ser fiscalizados e acompanhados pelos verdadeiros detentores da soberania: o povo.

Acontece que, para facilitar a aprovação de determinadas pautas – seja por serem urgentes, seja por serem polêmicas -, tornou-se costume a inclusão de matérias em Projetos de Lei com temática distinta da original. Essa prática foi muito utilizada, particularmente, nos casos de análise de conversão de Medidas Provisórias, pois os prazos existentes facilitam um andamento acelerado dos debates.

Na prática política, a inserção de temas desconexos nos Projetos de Lei ou Medidas Provisórias – tramitando, assim, em conjunto com assunto diverso – passou a ser denominada como “jabuti” ou “contrabando legislativo”. A popularização do termo “jabuti” vem de uma frase atribuída ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, que afirmava que “jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente[5].

O Supremo Tribunal Federal analisou, em julgamento realizado em outubro de 2015, a constitucionalidade da prática na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.127/DF. Segundo os ministros, a “inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória” é contrária a Constituição Federal de 1988 no tocante a violação do princípio democrático e do devido processo legislativo (artigos 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV)[6].

Considerando que a redação original da Medida Provisória 1.150 de 2022 propunha apenas uma alteração relacionada ao prazo de adesão ao Programa de Regularização Ambiental, emendas e inclusões com temáticas diversas podem vir a ser questionadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Assim, considerando o enfoque da Medida Provisória, cabe, então, verificar o que é o Programa de Regularização Ambiental e a sua importância.

 O que é o Programa de Regularização Ambiental – PRA

 O atual Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012) foi aprovado em 2012 substituindo o Código Florestal de 1965 (Lei Federal 4.771 de 1965), que, por sua vez, havia substituído o Código Florestal de 1934 (Decreto Federal 23.793 de 1934).

O processo legislativo que acarretou na aprovação da lei foi bastante intenso, contando com diversas audiências públicas e debates. Finalizado o processo, o Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012) ainda enfrentou uma longa batalha judicial, com 4 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937) e uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 42), julgadas no Supremo Tribunal Federal apenas em fevereiro de 2018.

Entre as diferentes novidades trazidas pelo novo Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012), uma das que mais chamou a atenção foi a instituição do Cadastro Ambiental Rural – CAR.

O Cadastro Ambiental Rural é um registro público de âmbito nacional, obrigatório, em regra, para todos os imóveis rurais. O objetivo desse registro é integrar as informações dos imóveis rurais, facilitando o exercício de controle e fiscalização da Administração Pública e dos possíveis interessados. É possível entender o Cadastro Ambiental Rural como uma “fotografia” da propriedade, em que se pode conferir o responsável e identificar características ambientais, como a localização do remanescente de vegetação, da reserva legal e das áreas de preservação permanente.

Apesar da importância, o Cadastro Ambiental Rural sofreu, e ainda vem sofrendo, muitas dificuldades para a sua efetiva implementação. Essas dificuldades ficam evidentes, inclusive, na leitura das reformas legislativas que ocorreram no Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012).

A redação original do Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012) previa que os proprietários deveriam realizar a inscrição do Cadastro Ambiental Rural dentro de um ano após o início da vigência da lei, podendo esse prazo ser prorrogado uma única vez por ato do chefe do Poder Executivo. Em 2016 o prazo para inscrição foi alterado para o final de dezembro de 2016, novamente prorrogável por mais um ano (Lei Federal 13.295 de 2016). Em 2019 a previsão mudou mais uma vez, trazendo agora a obrigação por prazo indeterminado (Lei Federal 13.887 de 2019).

Para o produtor rural, os prazos relacionados ao Cadastro Ambiental Rural são fundamentais para a continuidade das suas atividades. Além das cobranças existentes no âmbito do próprio mercado, que cada vez mais exige a comprovação dos documentos em dia, ainda existe a possibilidade de responsabilização administrativa nos casos de irregularidades[7].

Além desses dois elementos mencionados, a inscrição no Cadastro Ambiental Rural também é condição obrigatória para que o proprietário do imóvel rural possa aderir ao Programa de Regularização Ambiental – PRA.

O Programa de Regularização Ambiental visa permitir que o proprietário ou possuidor de imóvel rural se adeque às exigências do Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012). Com a adesão ao Programa de Regularização Ambiental, o proprietário ou possuidor não poderá mais sofrer sanções por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, sendo também permitida a conversão de multas em programas de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, garantindo a regularização da reserva legal e das áreas de preservação permanente.

A adesão ao Programa de Regularização Ambiental é, portanto, um direito subjetivo conferido pelo legislador aos proprietários e possuidores rurais que desejam se adequar às disposições do Código Florestal, a qual se dá na finalização do preenchimento do Cadastro Ambiental Rural.

Assim como o Cadastro Ambiental Rural, o Programa de Regularização Ambiental também teve problemas de implementação. Além de exigir o Cadastro Ambiental Rural como fase prévia, o Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012) também atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência para detalhar a implantação do Programa de Regularização Ambiental, que deveria ser regulamentado de forma geral pela União. A morosidade do Poder Público acabou prejudicando a adesão por parte dos proprietários e possuidores de imóveis rurais.

Até o fechamento do presente artigo, apenas quinze estados regulamentaram de forma efetiva o Programa de Regularização Ambiental (Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo e o Distrito Federal)[8].

Cabe observar que a lógica legislativa do Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012) pautou-se por privilegiar o federalismo em matéria ambiental, na qual a União ficaria responsável pelas normas gerais e implementação do Cadastro Ambiental Rural, ficando a regulamentação do Programa de Regularização Ambiental a encargo dos produtores rurais. Na prática, porém, a omissão legislativa de diversos Estados trouxe prejuízo ao meio ambiente e aos produtores e possuidores rurais que deixaram de se inscrever no Cadastro Ambiental Rural por não possuírem a opção de adesão ao Programa de Regularização Ambiental, numa verdadeira afronta ao direito subjetivo dos particulares.

Nesse sentido, por exemplo, um produtor rural com passivos ambientais anteriores a 22 de julho de 2008 com propriedade rural no Estado de São Paulo, que regulamentou o Programa de Regularização Ambiental pelo Decreto Estadual 61.792 de 2016, pode realizar o Cadastro Ambiental Rural com adesão ao Programa de Regularização Ambiental, enquanto que os produtores rurais gaúchos ainda não têm essa opção por falta de regulamentação do Programa de Regularização Ambiental no Estado do Rio Grande do Sul.

A omissão dos Estados na regulamentação do PRA, conforme observam Albenir Querubini e Maria Clara Rodrigues Alves Gomes, “pode causar uma série de problemas, a exemplo da falta de acesso ao crédito rural ou ao financiamento privado (nos termos do art. 78-A do Código Florestal)”, que motivou a edição do “Decreto 11.015, de 29 de março de 2022, que instituiu o chamado Plano Nacional de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais – RegularizAgro[9].

Voltando para a análise legislativa, a redação anterior à elaboração da Medida Provisória 1.150 de 2022 orientava que a inscrição do imóvel rural no Programa de Regularização Ambiental deveria ser feita em até dois anos da inscrição do Cadastro Ambiental Rural, este que, por sua vez, deveria ter a sua inscrição realizada até o dia 31 de dezembro de 2020.

Esse prazo para a solicitação do Programa de Regularização Ambiental se tornou, em muitos casos, impraticável, o que gerou a necessidade de mais uma prorrogação, culminando, assim, na aprovação da Lei Federal 14.595 de 2023, demonstrando que a ideia de prestigiar um federalismo ambiental do legislador do Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012) era boa na teoria, mas falhou na prática. Toda a celeuma legislativa e insegurança jurídica poderia ter sido evitada se o legislador do Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012)  tivesse originalmente ditado normas gerais sobre a adesão ao Programa de Regularização Ambiental. É possível, inclusive, verificar que houve uma falha na técnica legislativa com relação aos prazos de adesão ao Cadastro Ambiental Rural e ao Cadastro Ambiental Rural com os benefícios do Programa de Regularização Ambiental.

A justificativa para a Medida Provisória 1.150 de 2022 é, de uma vez por todas, organizar os prazos de adesão do Programa de Regularização Ambiental

  1. Mudanças aprovadas pela Lei Federal 14.595 de 2023

A primeira mudança trazida pela nova lei foi no sentido de adequar o prazo do Programa de Regularização Ambiental à realidade dos proprietários e possuidores rurais, alargando o período em que é possível a inscrição. A grande inovação em relação às atualizações anteriores foi que a redação final trazida pela Lei Federal 14.595 de 2023 cria prazos diferenciados de acordo com o tamanho do imóvel ou com a sua utilidade, tratando-se, neste último caso, de agricultura familiar.

 

Redação Anterior

Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012)

Redação Atual

Alteração instituída pela Lei Federal 14.595 de 2023

Artigo 29, parágrafo 4º: Os proprietários e possuidores dos imóveis rurais que os inscreverem no CAR até o dia 31 de dezembro de 2020 terão direito à adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), de que trata o art. 59 desta Lei.    (Incluído pela Lei nº 13.887,de 2019) Artigo 29, parágrafo 4º: Terão direito à adesão ao PRA, de que trata o art. 59 desta Lei, os proprietários e possuidores dos imóveis rurais com área acima de 4 (quatro) módulos fiscais que os inscreverem no CAR até o dia 31 de dezembro de 2023, bem como os proprietários e possuidores dos imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais ou que atendam ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que os inscreverem no CAR até o dia 31 de dezembro de 2025.   (Redação dada pela Lei nº 14.595, de 2023)

Já a segunda mudança abordou diretamente a necessidade de inscrição no Cadastro Ambiental Rural para a adesão ao Programa de Regularização Ambiental. Ao contrário das atualizações anteriores, a nova redação inverteu, de certa forma, a lógica da contagem do prazo.

Na nova sistemática, o órgão responsável, após recebida a inscrição no Cadastro Ambiental Rural, realizará a avaliação dos documentos e levantará o possível passivo ambiental existente no imóvel, notificando, então, o proprietário para que, no prazo de 1 ano, realize ou não a adesão ao Programa de Regularização Ambiental.

A Lei Federal 14.595 de 2023 também ampliou o marco temporal relativo às infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, não podendo, agora, o proprietário ou possuidor ser autuado durante o período de 1 ano após a notificação para a adesão ou não do Programa de Regularização Ambiental.

Redação Anterior

Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012)

Redação Atual

Alteração instituída pela Lei Federal 14.595 de 2023

Art. 59.  A União, os Estados e o Distrito Federal deverão implantar Programas de Regularização Ambiental (PRAs) de posses e propriedades rurais, com o objetivo de adequá-las aos termos deste Capítulo.              (Redação dada pela Lei 13.887, de 2019)
§ 2º  A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA, que deve ser requerida em até 2 (dois) anos, observado o disposto no § 4º do art. 29 desta Lei. (Redação dada pela Lei 13.887, de 2019) § 2º A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA, que será requerida pelo proprietário ou possuidor do imóvel rural no prazo de 1 (um) ano, contado da notificação pelo órgão competente, que realizará previamente a validação do cadastro e a identificação de passivos ambientais, observado o disposto no § 4º do art. 29 desta Lei.
§ 4º No período entre a publicação desta Lei e a implantação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito. § 4º No período entre a publicação desta Lei e o vencimento do prazo de adesão do interessado ao PRA, e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.

 

As últimas novidades trazidas pela Lei Federal 14.595 de 2023 foram referentes à publicidade de transparência dos imóveis rurais inscritos do Cadastro Ambiental Rural ou no Programa de Regularização Ambiental.

Conforme já mencionado, as exigências do mercado tornaram-se cada vez mais rígidas, de forma a surgir um sistema de autorregulação. Antes de contratar e trabalhar com o produtor rural, o empreendedor procura saber o máximo de informações relativas a sua atividade, sendo fundamental para essa “fiscalização privada” o acesso aos dados em posse do Poder Público. Nesse contexto, duas inclusões foram realizadas no artigo 59.

A primeira inclusão realizada no referido dispositivo prevê expressamente a obrigação de que os órgãos ambientais garantam acesso aos dados mencionados para as instituições financeiras. Essa disposição é fundamental para que os financiadores de projetos realizados no âmbito rural possam analisar o histórico dos imóveis, permitindo, assim, a elaboração de due diligence ambientais e a verificação da compatibilidade com os programas de compliance ambiental e ESG.

Já a segunda inclusão, realizada em sentido semelhante, trata do formato de disponibilização de informações, exigindo a manutenção, de forma atualizada e em endereço eletrônico, dos dados referentes ao Cadastro Ambiental Rural e Programa de Regularização Ambiental.

§ 9º Os órgãos ambientais competentes devem garantir o acesso de instituições financeiras a dados do CAR e do PRA que permitam verificar a regularidade ambiental do proprietário ou possuidor de imóvel rural. (Incluído pela Lei nº 14.595, de 2023)

 § 10. Os órgãos ambientais competentes manterão atualizado e disponível em sítio eletrônico demonstrativo sobre a situação da regularização ambiental dos imóveis rurais, indicando, no mínimo, a quantidade de imóveis inscritos no CAR, os cadastros em processo de validação, os requerimentos de adesão ao PRA recebidos e os termos de compromisso assinados. (Incluído pela Lei nº 14.595, de 2023) 

A facilitação do acesso às informações do Cadastro Ambiental Rural e Programa de Regularização Ambiental segue com a lógica atual de proteção ambiental, permitindo que agentes externos ao Estado fiscalizem as atividades rurais, utilizando, assim, os dados obtidos para adequar as suas atividades conforme padrões que entendam ser mais adequados a sua realidade.

 

  1. Comentários finais

 O Código Florestal (Lei Federal 12.651 de 2012), ao criar um dever imposto, em regra, a todos os produtores rurais de se inscrever no Cadastro Ambiental Rural, em contrapartida também tornou direito subjetivo a possibilidade de adesão ao Programa de Regularização Ambiental. A dependência entre ambos os instrumentos, somados à construção de um modelo federalista, que colocou os estados como fundamentais para a regulamentação do instrumento, acabou tornando todo processo de adesão moroso, prejudicando os particulares e exigindo constantes renovações dos prazos originalmente pensados.

As mudanças propostas pela Medida Provisória 1.150 de 2022, e posteriormente convertidas pela Lei Federal 14.595 de 2023, não fogem a concepção original do Programa de Regularização Ambiental, apenas adequando os novos prazos à realidade e garantindo a possibilidade de concretização desse direito subjetivo. A publicidade e digitalização também atualiza o Cadastro Ambiental Rural, tornando mais moderno o seu acesso e disponibilização, algo fundamental para o atual momento do mercado.

Em relação aos dispositivos aprovados, ao contrário das inovações vetadas, conforme será apresentado na segunda parte do presente artigo, a pertinência temática da versão final com o primeiro texto apresentado pelo Poder Executivo é nítida, não sendo possível se falar em “contrabando legislativo”.

Não é possível afirmar, hoje, que as novidades trazidas pela Lei Federal 14.595 de 2023 finalmente irão concretizar o direito dos produtores rurais ao Programa de Regularização Ambiental, porém, analisando as disposições, é possível afirmar que elas possibilitam um avanço, sendo, no nosso entendimento, uma novidade bem vinda.

Notas:

[1] Originalmente, a única proposta de alteração prevista pela Medida Provisória 1.150 de 2022 era a alteração da redação vigente do artigo 59, parágrafo 2º, sendo proposto: “§ 2º  A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA, que será requerida pelo proprietário ou possuidor do imóvel rural no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da convocação pelo órgão competente, observado o disposto no § 4º do art. 29.”.

[2] Constituição Federal de 1988, artigo 62: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.

[3] Constituição Federal de 1988, artigo 62 parágrafo 3º: “As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.”.

[4] Constituição Federal de 1988, artigo 62 parágrafo 9º: “Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.”.

[5] Informações disponíveis em: https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2021/06/18/entenda-o-que-e-um-jabuti-na-politica.ghtml. Acesso dia 15 de junho de 2023.

[6] DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. CONTEÚDO TEMÁTICO DISTINTO DAQUELE ORIGINÁRIO DA MEDIDA PROVISÓRIA. PRÁTICA EM DESACORDO COM O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E COM O DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO).

1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória.

2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º, XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de conversão fruto dessa prática promulgadas até a data do presente julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação.

3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria de votos.

(STF – ADI: 5127 DF, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 15/10/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 11/05/2016)

[7] As infrações administrativas estão previstas no Decreto Federal 6514 de 2008. No artigo 55 da norma é prevista uma infração específica para os casos em que o proprietário ou possuidor rural deixar de averbar a Reserva Legal, procedimento que, hoje, é realizado por meio do Cadastro Ambiental Rural: “Art. 55.  Deixar de averbar a reserva legal: Penalidade de advertência e multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração da área de reserva legal.

[8] O levantamento mencionado foi realizado no artigo LOPES, Cristina Lema; MACHADO, Lourdes de Alcantara; CHIAVARI, Joana. Onde estamos na implementação do Código Florestal? Radiografia do CAR e do PRA nos Estados brasileiros. Climate Policy Initiative, 2022. Disponível em:  https://www.climatepolicyinitiative.org/pt-br/publication/onde-estamos-na-implementacao-do-codigo-florestal-radiografia-do-car-e-do-pra-nos-estados-brasileiros-edicao-2022/. Acesso dia 27 de junho de 2023.

[9] QUERUBINI, Albenir; GOMES, Maria Clara Rodrigues Alves. Comentários aos arts 61-A e 62. In: MILARÉ, Édis (coordenador). Lei Florestal – uma análise após 10 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 45.2

 

Albenir Querubini – Advogado Agrarista com atuação especializada em Agronegócio (www.wba.adv.br). Especialista em Direito Ambiental e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenador da Especialização Direito Aplicado ao Agronegócio – IDCC.

 

 

 

 

 

 

Mateus Stallivieri da Costa – Advogado de Direito Ambiental. Doutorando em Direito pelo PPGD da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Direito e Desenvolvimento pelo PPGD da FGV-SP. Mestre em Direito Internacional e Sustentabilidade pela UFSC. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico e Especialista em Direitos e Negócios Imobiliários pelo IBMEC-SP. [email protected]

 

 

 

 

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