por Pedro Puttini Mendes.
Em época de redes sociais virtuais e globais, as notícias permeiam pelas mais diversas opiniões e ciências, nem sempre contribuindo para a esclarecer a verdadeira realidade das situações.
O movimento ambientalista ‘desantropizante’ – aquele que vislumbra evitar a antropização e o contato do homem com os recursos naturais, mesmo que de forma sustentável – se aproveita do momento para politizar o assunto, buscar culpas antrópicas, generalizar as causas e continuar com os já conhecidos discursos contra as atividades agropecuárias, sustentáveis ou não. É tempo de dar nomes aos bois.
A resposta para os incêndios do pantanal não está em apontar como principal causa o crescimento do agronegócio na região e a presença da pecuária ou condenar a presença do homem no local, como se vê em variados noticiários nacionais e internacionais.
Aliás, antes de mais comentários, é necessário diferenciar “queimada” ou “queima controlada” de “incêndio”, pois a primeira é uma situação autorizada por lei (Decreto Federal[1] nº 2.661/1998 e Lei Federal[2] nº 12.651/2012), a segunda, de acordo com o dicionário é o fogo que se propaga com intensidade, do qual, se comprovada a ação humana, nos termos da lei, cabe punição administrativa[3] ou criminal[4].
Não obstante estes comentários, as queimadas em áreas rurais não são assunto recente, pois de acordo com relatos dos bandeirantes Orlando Villas Bôas e Claudio Villas Bôas na obra “A Marcha para o Oeste: a epopeia da Expedição Roncador-Xingu”[5], foi através do fogo que foram encontrados indígenas no centro-oeste brasileiro, antes mesmo da existência dos produtores rurais, pois os índios ateavam fogo como prática cultural.
Os Villas Bôas diziam que até viam, distante, fumaça na floresta e, supuseram que se havia fogo, alguém pôs esse fogo lá, até que começaram a encontrar os povos indígenas e seus povoados.
Dito isso, é incontestavelmente lamentável que os incêndios estejam se alastrando há meses pelo pantanal, muito pior nas épocas de estiagem como se espera anualmente no centro-oeste, registrando cada vez mais focos de incêndio e evidentemente estamos presenciando uma mudança climática com baixa umidade do ar e falta de chuvas em períodos de tempo cada vez mais prolongados na região.
É também evidente que uma vegetação menos densa pode ocasionar mudanças ecossistêmicas e a propagação de fogo para distâncias maiores, mas o fato é que ninguém põe fogo na própria casa e não há maior interessado em apagar os incêndios do que o proprietário, quem está gastando fortunas com prevenção e combate, o que não é o caso de invasores, grileiros e afins.
É necessário diferenciar as condutas permitidas por lei, das ilegais, as boas práticas das atividades comprovadamente poluidoras, “dar nomes aos bois” e entender o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, a definição de ‘meio ambiente’ feita pela legislação.
Ademais, as idiossincrasias pantaneiras apontam que a manutenção das atividades agropecuárias tanto quanto unidades de conservação, são responsáveis por uma paisagem amplamente conservada no Pantanal (Mauro; Silva; Silva, 2014).
Segundo documentos constantes do Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai, disponibilizados pela Agência Nacional de Águas, a atividade pecuária bovina é a principal fonte de renda e desenvolvimento da região e relata que “a bovinocultura de corte é uma das atividades mais tradicionais na RHParaguai, sendo desenvolvida tanto na região de planalto como na planície pantaneira, ocupando cerca de 31% da área total da região hidrográfica”.
O mesmo relatório indica que o rebanho bovino na RH-Paraguai oscila entre 7% e 9% do total da área, estabilizando em 2015 com, aproximadamente, 19,5 milhões de cabeças, conforme dados da Pesquisa Pecuária Municipal (PPM) do IBGE.
Com estas considerações a oportunidade de fazer alguns comentários jurídicos sobre pecuária, sustentabilidade e incêndios é extremamente pertinente, com algumas reflexões.
A política nacional do meio ambiente, determinada pela Lei Federal nº 6.938/1981 tem por objetivo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (art. 2º, caput), racionalizando o uso do solo e protegendo os recursos naturais através das devidas políticas públicas e ferramentas de controle, sobretudo, incentivando “estudo e pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais” (art. 2º, VI).
A política agrícola, por sua vez prevista pela Lei Federal nº 8.171/1991, tem como pressupostos (art. 2º):
I – a atividade agrícola compreende processos físicos, químicos e biológicos, onde os recursos naturais envolvidos devem ser utilizados e gerenciados, subordinando-se às normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade;
II – o setor agrícola é constituído por segmentos como: produção, insumos, agroindústria, comércio, abastecimento e afins, os quais respondem diferenciadamente às políticas públicas e às forças de mercado;
III – como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar, aos que a ela se dediquem, rentabilidade compatível com a de outros setores da economia;
IV – o adequado abastecimento alimentar é condição básica para garantir a tranqüilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico-social;
V – a produção agrícola ocorre em estabelecimentos rurais heterogêneos quanto à estrutura fundiária, condições edafoclimáticas, disponibilidade de infra-estrutura, capacidade empresarial, níveis tecnológicos e condições sociais, econômicas e culturais;
VI – o processo de desenvolvimento agrícola deve proporcionar ao homem do campo o acesso aos serviços essenciais: saúde, educação, segurança pública, transporte, eletrificação, comunicação, habitação, saneamento, lazer e outros benefícios sociais.
O Código Florestal, Lei Federal nº 12.651/2012, por sua vez, responsável pela proteção dos recursos naturais e a maioria das áreas de proteção ambiental do país (reserva legal, área de preservação permanente e área de uso restrito) tem como objetivo o desenvolvimento sustentável, por meio de alguns princípios, dentre os quais (art. 1º-A, Parágrafo Único):
“[…] reafirmação da importância da função estratégica da atividade agropecuária e do papel das florestas e demais formas de vegetação nativa na sustentabilidade, no crescimento econômico, na melhoria da qualidade de vida da população brasileira e na presença do País nos mercados nacional e internacional de alimentos e bioenergia”.
Não por outro motivo, o Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012) autoriza a exploração ecologicamente sustentável nos pantanais e planícies pantaneiras considerados como áreas de uso restrito (artigo 10), devendo-se considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa.
Logo, o equilíbrio entre todas estas políticas públicas, sejam ambientais ou produtivas deve buscar socorro na ciência e nas recomendações dos órgãos regulamentadores.
Pouco antes da edição da legislação estadual de Mato Grosso do Sul em 2014 e 2015 tratando do bioma pantaneiro, a Embrapa Pantanal, situada em Corumbá/MS, emitiu nota técnica[6] em 18/10/2013 e assim se manifestou:
Nota Técnica Referência: Decreto Estadual que institui o Cadastro Ambiental Rural de Mato Grosso do Sul (CAR-MS) e o Programa de Regularização Ambiental denominado “MS Nosso Ambiente” em conformidade com a Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012 e sua regulamentação. […]
– No Artigo 24°, sugere-se a inclusão de dois parágrafos neste artigo visando a possibilitar o uso pecuário das ARL em fazendas do Pantanal, estabelecendo critérios para isso. A motivação para esta sugestão baseia-se na experiência da Embrapa Pantanal em relação ao risco de incêndios, e sua intensidade, quando da remoção total do gado e o consequente acúmulo de matéria vegetal combustível. Em ecossistemas de savana, como o Pantanal, o fogo é um fator natural de distúrbio ecológico, mas sua incidência em áreas com excesso de material combustível por falta de herbivoria resulta em impactos consideráveis na vegetação e na fauna, podendo mudar completamente as características das comunidades vegetais. Em áreas protegidas do Pantanal este risco é evidente e, em muitas ARLs isoladas por cerca, como a da fazenda Nhumirim, há um histórico de incêndios intensos motivados pela exclusão completa do gado. Áreas de floresta semidecídua, foram transformadas em vegetação semiaberta, perdendo suas características originais, devido à recorrência de incêndios intensos. Assim, sugere-se que seja possibilitado o uso das RL pelo gado, em período curto, ao final do período de chuvas e início da estação seca, objetivando reduzir o acumulo de material combustível e prevenindo tanto quanto possível, a ocorrência de incêndios intensos. Por esta abordagem, o uso pecuário da RL, nestas condições restritas, caracteriza-se como manejo visando à conservação destas áreas. Neste sentido, o texto sugerido é o que segue
B – O uso pecuário seja efetuado de forma temporária, entre os meses de abril a junho (final das chuvas e início da estação seca), com vistas a reduzir a biomassa vegetal e reduzir o risco de incêndios na subsequente época seca.
[…] Finalmente, é preciso considerar que as recomendações constantes nesta Nota Técnica para as APPs, para o manejo das paisagens e da vegetação para fins pecuários em AUR (substituição de vegetação nativa, uso do fogo e limpeza de pastagens), bem como aquelas que visam a impedir alterações hidrológicas nos ecossistemas, foram elaboradas de forma a constituir um conjunto interdependente e complementar. Desta forma, podem não ser efetivas se forem tratadas de forma isolada.
E assim, no que diz respeito ao pantanal, especificamente, no Sul-mato-grossense, o Decreto Estadual nº 14.273 de 08/10/2015 que “dispõe sobre a Área de Uso Restrito da planície inundável do Pantanal”, dá ênfase à “exploração ecologicamente sustentável e uso alternativo do solo, com base nas recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa e do Órgão Estadual de Meio Ambiente” (artigo 1º), deixando claro, com base nestas premissas que a pecuária é fundamental para mitigar os riscos de incêndios florestais.
Com isso, de maneira bastante peculiar como não acontece em qualquer outro lugar do país, o pastoreio em áreas de reserva legal, foi permitido com previsão no artigo 9º, §2º do mesmo decreto:
Art. 9º […] § 2º É permitido o pastoreio extensivo pelo gado nas áreas de Reserva Legal, exclusivamente, sob os seguintes critérios: […]
II se o uso pecuário for efetuado de forma a reduzir a biomassa vegetal, e, consequentemente, o risco de incêndios florestais;
Não por outro motivo, a legislação estadual, orientada por recomendações de órgãos de pesquisa, bem como órgão ambiental estadual entende como de baixo impacto ambiental, as atividades pecuárias no bioma.
O fundamento encontra-se no Decreto Estadual nº 13.977/2014, que em seu artigo 2º, inciso X, entende por atividades eventuais ou de baixo impacto as ações ou atividades similares reconhecidas em ato do Conselho Estadual de Controle Ambiental (CECA), este que, por sua vez, na Deliberação CECA nº 31 de 17/09/2015 assim o fez, reconhecendo:
Art. 1º O Conselho Estadual de Controle Ambiental reconhece a atividade de pecuária extensiva em pastagens nativas, nas Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal, na área de uso restrito do pantanal, como sendo eventual e de baixo impacto nos termos da Lei nº 12.651 , de 25 de maio de 2012, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul.
E com relação à prática legalizada da queima controlada, não obstante o que consta no Decreto Federal nº 2.661/1998, a legislação de Mato Grosso do Sul, estado que abriga parte do bioma pantaneiro, também validou por meio do Decreto Estadual nº 14.273/2015 e Resolução SEMADE nº 09/2015, sob premissa científica de estrita observância à recomendação de órgãos de pesquisa e boas práticas de exploração ecologicamente sustentável.
Quando da edição dos referidos decretos de 2014 e 2015, e Embrapa Pantanal, situada em Corumbá/MS, emitiu nota técnica em 18/10/2013, com objetivo de contribuir com a promulgação da legislação estadual e assim se manifestou:
Considerando que
– em savanas tropicais o fogo é um fator ecológico natural e importante, mas seu uso para manejo da vegetação com fins pecuários deve ser conduzido dentro de critérios que minimizem os impactos negativos sobre a biodiversidade e a qualidade das pastagens nativas.
– Entende-se como necessária a inclusão de um novo inciso (Queimada controlada) que esclarece do que se trata a queimada no Pantanal, e para o qual é sugerido o seguinte texto descritivo: Queimada controlada – uso do fogo para manejo da vegetação campestre ou de savana, realizada com autorização específica do órgão competente, seguindo orientações técnicas sobre período adequado, construção de aceiro, observação da direção do vento, comunicação aos vizinhos, entre outros, conforme estabelecido na Resolução SEMAC/MS nº 23, 10/12/2007;
– Entende-se como necessária a inclusão de um novo inciso (Uso do fogo para manejo da vegetação) para esclarecer a situação na qual esta medida torna-se recomendável, com o seguinte texto descritivo: Uso do fogo para manejo da vegetação – prática de manejo da vegetação campestre em regiões de atividade pastoril, aplicada em áreas com predominância de gramíneas em estado pouco ou não palatável para o gado, eliminando o acúmulo de material vegetal seco, renovando a pastagem e minimizando o risco de grandes incêndios, e que deve ser aplicada de acordo com critérios técnicos;
E desta forma foi editada a legislação estadual, no seguinte sentido:
Decreto Estadual nº 14.273/2015
Art. 2º […] XVI – uso do fogo para manejo de vegetação: prática de manejo da vegetação campestre em regiões de atividade pastoril, aplicada em áreas com predominância de gramíneas em estado pouco ou não consumível para os herbívoros, por meio do qual se elimina o acúmulo de material vegetal seco, renovando a pastagem e minimizando o risco de grandes incêndios, e que deve ser aplicada de acordo com critérios técnicos; […]
Art. 12. Consideram-se pré-requisitos, para a concessão de autorizações ou de licenças ambientais, a comprovação de que: […]
V - a limpeza das pastagens nativas e cultivadas, assim como o uso do fogo para manejo da vegetação campestre, está sendo conduzido conforme critérios estabelecidos pelo IMASUL;
Resolução SEMADE nº 09/2015
Art. 53. Tendo em vista o que disciplina o Decreto Federal n. 2.661, de 8 de julho de 1998, a queima controlada como fator de produção e manejo para uso alternativo do solo em áreas de atividades florestais, agrícolas ou pastoris, assim como, aquela realizada com finalidade de pesquisa científica e tecnológica será ambientalmente Autorizada, observadas as restrições e condições constantes do anexo IX desta Resolução.
ANEXO IX – NA QUEIMA CONTROLADA
Entende-se por QUEIMA CONTROLADA como sendo um fator de produção e manejo em áreas de atividades florestais, agrícolas ou pastoris, assim como aquela realizada com finalidade de pesquisa científica e tecnológica, a ser executada em áreas de imóveis rurais mediante Autorização Ambiental para Queima Controlada.
O cálculo da área de queima controlada, para efeitos desta Resolução, deverá observar os seguintes critérios: a – a área de queima controlada de SAPECAGEM será igual à área do projeto de supressão; b – a área de queima controlada quando o material a ser queimado estiver disposto em leiras, será aquela efetivamente ocupada pelas leiras, quantificadas mediante “inventário” e, na falta deste, será calculada à razão de no máximo 30% (trinta por cento) da área total a ser ocupada pelo uso alternativo do solo; Obs: Para cada inscrição de CARMS será permitido, a cada 12 (doze) meses, até 03 (três) Autorizações Automáticas para Queima Controlada de Pequena Extensão.
É vedado o uso do fogo em vegetação contida numa faixa de: a – vinte metros de cada lado, na projeção em ângulo reto sobre o solo, do eixo das linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica; b – cem metros ao redor da área de domínio de subestação de energia elétrica; c – cinquenta metros ao redor da área de domínio de estações de telecomunicações; d – dois mil metros ao redor da área de domínio de aeródromos públicos e – onze mil metros do centro geométrico da pista de pouso e decolagem do aeródromo público; f – cinquenta metros do entorno das Unidades de Conservação de Proteção Integral; g – cinquenta metros de cada lado de rodovias e de ferrovias, medidos a partir da faixa de domínio.
As Autorizações para Queima Controlada poderão ser suspensas ou canceladas nos seguintes casos: a – condições de segurança da vida, ambientais ou meteorológicas desfavoráveis; b – interesse de segurança pública e social; c – descumprimento ao Código Florestal e demais normas ambientais vigentes; d – ilegalidade ou ilegitimidade do ato; e – determinação judicial constante de sentença, alvará ou mandado.
Outrossim, os analistas ambientais do próprio Ibama/PrevFogo (Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais), esclareceram com relação à técnica chamada “Queima de expansão”, a qual está diretamente relacionada aos três fatores de existência do fogo (oxigênio, combustível e calor), no caso tendo como combustível a vegetação, motivo pelo qual, as queimadas de baixa intensidade evitando o incêndio, verificadas as condições que influenciam o comportamento do fogo, a direção e velocidade dos ventos, o tipo de terreno e tipo de combustível queimado naquele momento, uma técnica utilizada até mesmo em outros países.
Sabe-se que existem ainda técnicas como as chamadas “aceiro negro”, faixas longas e lineares construídas antes de o incêndio acontecer, que também param o fogo que chega ali, e o “contrafogo”, que cria uma linha de fogo contínua que vai de encontro com o incêndio, usado em último caso.
Parafraseando um pecuarista pantaneiro, para início de um incêndio, basta um raio no capim seco, um caco de vidro, uma faísca do escapamento de um veículo, faísca de rede de energia elétrica, andarilho na estrada, catadores de isca, coletores de mel, bitucas de cigarro na beira da estrada e muitos outros fatores.
Sejam severamente punidas as situações dolosas de crime ambiental, que certamente existem, mas que não devem ser generalizadas em meio a tantas outras hipóteses, pois incendiar as próprias pastagens nativas em época de estiagem, ou seja, de escassez de pastagem para a pecuária, não parece fazer muito sentido.
A pecuária bovina de corte tradicional, implantada há mais de 200 anos no Pantanal, vem moldando as unidades de paisagem da região com pouco impacto, pois a base alimentar são os recursos forrageiros nativos (pastagens nativas), assegurando a manutenção da biodiversidade e a capacidade de recuperação dos ecossistemas pantaneiros, práticas tradicionais que possuem tecnificação que também dependem da passagem de conhecimentos tradicionais entre gerações (Santos et al., 2009).
Por isso a territorialidade é um fator primordial para um território como o pantanal, por estar relacionada à forma como os indivíduos se organizam no espaço e fazem uso da terra de forma íntima; compreende, além da dimensão estritamente política, os aspectos econômicos e sociais, tendo em vista que os indivíduos dão significado ao lugar (Haesbaert, 2004).
Segundo a EMBRAPA, “não há dúvida de que a conservação dessas paisagens está atrelada ao manejo adequado dos recursos naturais realizados pelo homem pantaneiro. Ou seja, o modelo de pecuária bovina extensiva chegou a um “equilíbrio” entre o gado e a natureza” (Pecuária de corte no Pantanal – WWF-Brasil e Embrapa Pantanal, p. 5).
A Organização Não-Governamental WWF, em seu endereço eletrônico, ratifica que a pecuária bovina de corte faz parte da tradição pantaneira há mais de 200 anos, responsável por cerca de 65% da atividade econômica nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
A WWF destaca também o estabelecimento do padrão de ocupação do espaço geográfico fundamental para as ações de conservação no Pantanal, onde a “pecuária orgânica certificada” se mostra como uma alternativa sustentável para a região, já tendo criado um processo de garantia de origem e rastreabilidade da cadeia produtiva de pecuária pantaneira desde 2003 com apoio da Associação Brasileira de Produtores Orgânicos (ABPO), certificando mais de 180 mil hectares com pecuária sustentável, com pioneirismo do estado de Mato Grosso do Sul no ano de 2017, o “Protocolo de Carne Sustentável”.
Enfim, ao invés de as autoridades e organizações intentarem esforços na procura de culpados, descredibilizar o setor produtivo ou provocar o movimento ‘desantropizante’, deve-se buscar a conscientização sobre as ocorrências dos incêndios, seja pela ação humana proposital ou desproposital, seja pela mudança climática, valorizar recomendações de órgãos de pesquisa e investir fortemente nas políticas públicas de prevenção e combate.
Referências
Agência Nacional de Águas – ANA. Plano de Recursos Hídricos da RH-Paraguai. Disponível em http://arquivos.ana.gov.br/portal/RH-Paraguai/Plano.pdf. Acesso em: 17.09.2020.
Agência Nacional de Águas – ANA. Região Hidrográfica do Paraguai. Disponível em: http://www3.ana.gov.br/portal/ANA/as-12-regioes-hidrograficas-brasileiras/paraguai. Acesso em: 17.09.2020.
EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Impactos da agropecuária nos planaltos sobre o regime hidrológico. Autoria do texto: GALDINO, Sérgio; VIEIRA, Luiz Marques; OLIVEIRA, Henrique de; e CARDOSO, Evaldo Luis, dezembro/2002. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/37548/1/CT37.pdf. Acesso em: 17.09.2020.
EMBRAPA. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Embrapa Pantanal. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Agricultura de Baixa Emissão de Carbono – ABC no Pantanal – Banco do Brasil – Embrapa Pantanal. Autoria do texto: ABREU, Urbano Gomes Pinto de maio/2013. Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/94264/1/FOL173.pdf. Acesso em: 17.09.2020
HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do fim dos Territórios à Multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
MAURO, R. A.; SILVA, M. P. da; SILVA, J. dos S. V. da. Idiossincrasias ambientais da unidade de planejamento e gerenciamento do Rio Negro, Pantanal, Mato Grosso do Sul. In: Anais… Revista GeoPantanal, v. 9, n. 16, 2014.
PUTTINI MENDES, P.; CONSTANTINO, M. ; HERRERA, G. P. ; MENDES, D. R. F. ; BOSON, D. S. . Sustentabilidade e Função Social do Pantanal Sul-Mato-Grossense: Evidências da Atribuição Territorial. ECONOMIC ANALYSIS OF LAW REVIEW, 2019.
PUTTINI MENDES, P.; OLIVEIRA, M. A. C. . Políticas Públicas Agroambientais e os Indicadores de Desenvolvimento Local. Revista Razão Contábil & Finanças, v. 10, n. 1, 2019.
PUTTINI MENDES, P.; OLIVEIRA, M. A. C. . Pantanal: bioma constitucional. REVISTA DIREITO AMBIENTAL E SOCIEDADE, v. 9, n. 2, 2019.
SANTOS, S. A.; FEIDEN, A.; SIMÃO, M. T.; SALIS, S. M. Sistemas Silvipastoris Naturais e Alterados no Pantanal. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 4, n. 2, 2009.
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Notas:
[1] Art 2º Observadas as normas e condições estabelecidas por este Decreto, é permitido o emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais, mediante Queima Controlada.
Parágrafo único. Considera-se Queima Controlada o emprego do fogo como fator de produção e manejo em atividades agropastoris ou florestais, e para fins de pesquisa científica e tecnológica, em áreas com limites físicos previamente definidos.
[2] Art. 38. É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações:
I – em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle;
II – emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo;
III – atividades de pesquisa científica vinculada a projeto de pesquisa devidamente aprovado pelos órgãos competentes e realizada por instituição de pesquisa reconhecida, mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente do Sisnama.
[3] Art. 58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida: Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração.
[4] Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta: Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.
[5] Orlando Villas Bôas e Claudio Villas Bôas. “A Marcha para o Oeste: a epopeia da Expedição Roncador-Xingu”. Editora Companhia das Letras, 2012.
[6] Disponível em: <https://www.embrapa.br/documents/1354999/1529097/Nota+T%C3%A9cnica+decreto+CAR+MS+Embrapa+Pantanal_outubro+2013.pdf/4fba305d-71e3-4d7f-bf33-eb9fa99b5496>. Acesso em 17-09-2020.
(foto destacada: Pecuária no Pantanal – de Valtemir Nogueira Mendes – instagram @valtemirnogueiramendes)