Por Dr. Bruno Campos Silva
Muito se discute e é propagado pela doutrina e nossos tribunais a possibilidade de retorno ao status quo ante quando há em jogo bens ambientais.
Ora, pensar em retorno ao status quo ante é raciocinar pela infinitude dos bens ambientais, e, o que é pior, é supor que cada espécime seja igual, portador de uma mesma digital, o que é totalmente inconcebível, s.m.j.
Basta imaginar um espécime que esteja em vias de extinção. E mais, cada um possui suas características próprias, assim como o “ser humano”.
Então, o retorno ao status quo ante, em matéria ambiental, não passa de um raciocínio folclórico, utópico, haja vista a impossibilidade de fungibilidade entre um ser e outro. Ainda assim, será que poderíamos falar em identidade (rectius: equivalência) ecológica (ambiental), a qual justificaria a restauração natural?
Em relação à dificuldade do retorno ao status quo ante,[1] Édis Milaré traz posicionamento de Annelise Monteiro Steigleder:
“No ponto, considerando a dificuldade de plena repristinação ao status quo ante, pondera, com razão, Annelise Monteiro Steigleder: “Além da impossibilidade de substituir os componentes naturais do ambiente por outros idênticos, emergem diversas dificuldades científicas e técnicas. Em primeiro lugar, dificilmente se conhece o estado inicial do meio ambiente degradado, por inexistirem inventários ou estudos globais realizados antes da degradação. Em segundo lugar, é indispensável dispor de critérios científicos capazes de calcular o grau de reconstituição do meio ambiente danificado, de tal forma que o standard reparação estabelecido para cada caso em concreto corresponda ao standard de qualidade ambiental legalmente previsto. Finalmente, há que se considerar as dúvidas relativas à própria existência do dano ambiental, pois é difícil prever os efeitos futuros do fato lesivo em cotejo com a capacidade de regeneração natural”.[2]
Ora, a aplicabilidade da fungibilidade, segundo defendemos, terá de observar a identidade, ou seja, um pelo outro, sem a necessidade de adaptação; e nesses casos, um ser “não” humano não se equivale ao outro, eis que, como afirmado, possuem digitais próprias e distintas, s.m.j.
Vejam: um espécime de tigre, de gato, de equino etc. não é igual – não se trata de clone – mas, de seres “não” humanos dotados de características peculiares e próprias, verdadeiras digitais que fazem de cada um, um ser diferenciado no seu respectivo habitat.
E mais: (i) um espécime da flora, por exemplo, uma roseira X possui um certo número de “acúleos”[3], nem sempre coincidente com o número de acúleos de uma roseira Y; (ii) um espécime da flora, v.g., um limoeiro A possui um certo número de “espinhos”[4], nem sempre coincidente com o número de espinhos de um limoeiro B.
Dos exemplos acima desenhados, pode-se concluir que, na verdade, o que se tem é a tentativa de se (restaurar ou compensar) a extinção do espécime da fauna ou flora, mas, nunca o retorno (mas, apenas uma proximidade) ao status quo ante.
Segundo Édis Milaré: “A modalidade ideal – e a primeira que deve ser tentada, mesmo que mais onerosa – é a restauração natural do bem agredido, cessando-se a atividade lesiva e repondo-se a situação o mais próximo possível do status anterior ao dano, ou adotando-se medida compensatória equivalente”.[5]
Nem a restauração natural, nem a compensação por equivalente ecológico (se impossível a restauração in natura) é capaz de operacionalizar o retorno ao status quo ante.
Uma ação coletiva (v.g., ação civil pública), a nosso ver, não é capaz de ressuscitar um espécime extinto; daí a extrema necessidade de utilização de medidas preventivas (antecipar-se ao ilícito), a fim de se coibir as ameaças de ilícitos ambientais.[6]
O debate e concordância em prol do retorno ao status quo ante (com a restauração in natura) seria simples e de utilidade com situações patrimoniais; enfim, puro raciocínio utilitarista contrário ao núcleo essência da efetiva proteção aos bens ambientais (finitos).
Somos únicos, assim como a roseira e o limoeiro!
Referências:
[1] Já manifestamos em outra oportunidade, o seguinte: “Na realidade, os legitimados deveriam propor ações inibitórias diante de ilícito ambiental futuro (até mesmo com a utilização de tutelas provisórias de urgência em caráter antecedente), ou seja, antecipar-se ao ilícito para que o dano ambiental não se implemente, vez que, ao se danificar os bens difusos, muito difícil (ou pouco provável) será sua repristinação” (SILVA, Bruno Campos. Sistematização da tutela inibitória e o Código de Processo Civil de 2015. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 72-73). [2] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 12. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 327-328. [3] Em morfologia botânica (acúleo) – substantivo masculino – dicionário: “emergência epidérmica dura e pontiaguda (como as encontradas na roseira), que se pode destacar com facilidade, sem produzir lesão acentuada no vegetal, o que a distingue do espinho”. [4] Em morfologia botânica (espinho) – substantivo masculino – dicionário: “órgão axial ou apendicular, duro e pontiagudo (como os encontrados na laranjeira), resultante da modificação de um ramo, folha, estípula ou raiz, constituído por tecido lignificado e vascular, e que, se arrancado, destrói o tecido subjacente”. [5] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 12. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 327. [6] Para aprofundamento sobre ilícito e ameaça, verificar: SILVA, Bruno Campos. Sistematização da tutela inibitória e o Código de Processo Civil de 2015. Belo Horizonte: Fórum, 2021.