por Marcos Saes.
Trabalho com meio ambiente há 20 anos e é muito difícil participar de uma conversa, de um processo de licenciamento, dar uma aula ou mesmo trabalhar em um processo sem perceber que alguma das partes é guiada por paixão ao tratar sobre o tema.
Entendo o radicalismo, a defesa de uma posição a qualquer custo ou a manutenção de uma posição que vá de encontro a todos os fatos quando o assunto é futebol, por exemplo. Mas ter esse tipo de posicionamento quando o assunto é meio ambiente (que a Constituição define como algo essencial à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações) não leva a lugar algum. Leva, apenas e tão somente, a uma simplificação nada inteligente ou a uma dicotomia entre preservação e desenvolvimento. Um desperdício!
Vivemos em um país capitalista (opção feita pelo constituinte) e que possui uma Constituição Federal que não pode ser desrespeitada. Ela é o norte e deve pautar não só todos os atos administrativos mas também a elaboração de leis e normas. Infelizmente na seara ambiental não é incomum vermos normas infralegais criarem restrições ao constitucional direito de propriedade (criação de áreas de preservação permanente pelo CONAMA, por exemplo) ou normas isentando de licenciamento ambiental atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental. Não importa meu viés ideológico, constitucionalmente falando, tanto a norma que erroneamente cria restrições quanto a norma que sem competência traz consigo desobrigações, são ilegais e inconstitucionais. Pensar o contrário é transformar o debate acerca do assunto em Flaflu ou Grenal.
O Supremo Tribunal Federal acaba de publicar o acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.312/TO em que declarou inconstitucional lei daquele Estado que dispensava de licenciamento ambiental as atividades agrossilvipastoris. Com todo respeito a quem elaborou a norma, era um final previsível para a Lei Estadual 2.713/2013. Tanto é assim que o julgamento foi unânime, ou seja, nenhum dos Ministros da Suprema Corte discordou da inconstitucionalidade de se dispensar de licenciamento ambiental uma atividade que pode causar degradação ambiental.
Faz-se necessário destacar que o julgamento apreciou uma norma estadual e ressalvou que uma eventual dispensa deveria, em tese, ser prevista em lei federal e não estadual ou municipal (com arrimo no art. 24, da CF). O Ministro Alexandre de Moraes citou, inclusive, o art. 12, da Resolução CONAMA 237/97 para afirmar que os órgãos ambientais locais podem – e me parece que inclusive a partir de leis estaduais ou municipais, ou mesmo Resoluções dos Conselhos Estaduais e/ou Municipais de meio ambiente – possuir procedimentos simplificados para realizar o licenciamento ambiental, mas não poderiam simplesmente dispensá-lo. E justamente aí inicia o fundamento para entendermos que ainda que uma lei federal promova essa dispensa, a mesma fatalmente terá o mesmo destino da norma tocantinense, ou seja, terá sua inconstitucionalidade declarada pelo STF. Vejamos.
Logo após concluir que a lei estadual teria invadido competência da lei federal – essa sim norma geral, nos termos do art. 24, da CF – o relator faz a seguinte afirmação:
“Ademais, observo que a dispensa de licenciamento de atividades identificadas conforme segmento econômico, independentemente de seu potencial de degradação, implica proteção deficiente de direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF), cabendo ao Poder Público o exercício do poder de polícia ambiental visando a prevenir e mitigar potenciais danos ao equilíbrio ambiental.
Ora, ao relembrar que o julgamento do Supremo foi unânime, também adotando o fundamento acima como razão de decidir, parece-nos claro que mesmo uma lei federal que venha a isentar atividades com algum potencial degradados será fatalmente declarada inconstitucional. Assim, insistir nessa tese nos parece não somente equivocado do ponto de vista legal, mas também algo que criará uma falsa expectativa para uma classe produtiva. Isso porque se criará uma expectativa que posteriormente será frustrada por um julgamento pela Corte Suprema. Numa expressão bastante conhecida e muito popular, seria jogar pra galera.
Parece-nos muito mais adequado simplificar o rito – e somente o rito – para o licenciamento de atividades que tenham seus efeitos extremamente conhecidos e que sejam de baixo impacto, do que eximi-las de passar por um processo de licenciamento. O estado de Santa Catarina, por exemplo, instituiu o licenciamento por adesão e compromisso para a avicultura (atividade histórica naquele Estado e que possui rígidas normas sanitárias e também de compliance estabelecido pelos compradores da carne de frango). Ou seja, o próprio empreendedor contrata técnicos (desonera o Estado) que atestam a conformidade da atividade e o cumprimento das normas e o Estado apenas fiscaliza. Com isso, os órgãos ambientais conseguem ter mais tempo e estrutura para analisar os projetos que realmente necessitam de grande debate técnico e de complexos estudos ambientais. Com isso às normas são respeitadas (não se dispensa de licenciamento uma atividade com potencial poluidor), o processo é agilizado, há ganhos econômicos e o meio ambiente é respeitado. Eficiência administrativa e desenvolvimento sustentável.
Em nossa opinião, as questões ambientais devem ser tratadas com frieza, responsabilidade e respeito ao arcabouço legal. Fazer normas para dar “respostas à sociedade” não nos parece adequado. Citar o desastre de Brumadinho para querer “recrudescer” normas acerca de licenciamento ambiental é ignorar completamente que o problema mais claro naquela situação foi de fiscalização. É como aceitar que um órgão estatal aplique 31 multas a uma instituição mas permita que a mesma continue abrigando pessoas em obras irregulares. As normas existem, o Poder de Polícia também, o que se precisa é se tratar e enfrentar os assuntos com seriedade e sem demagogia.
Cabe à iniciativa privada entender de uma vez por todas que licenciamento ambiental, sustentabilidade, condicionantes ambientais e outras questões ligadas ao meio ambiente não são apenas uma etapa de um processo. O respeito à legislação, um correto licenciamento ambiental (como instrumento de planejamento) e o respeito diuturno ao desenvolvimento sustentável são a única saída para um empreendimento saudável sob todos os aspectos. Como se diz, você pode não virar CEO por causa da Sustentabilidade, mas com certeza poderá de ser CEO em função dela. Ter o medo de deixar de ser CEO é certamente o começo para um tratamento mais adequado às questões ambientais como instrumento de planejamento e de fazer algo da melhor forma possível. Já quando essas preocupações também se tornarem motivo para alguém virar CEO, aí sim estaremos num ótimo caminho.
Estamos prestes a aprovar uma lei geral de licenciamento ambiental no Brasil e a questão será amplamente debatida pela sociedade. Espera-se que a expertise técnica seja levada em consideração para termos uma norma adequada, que a expertise jurídica seja respeitada para que se tenha uma norma constitucional, que o Legislativo possa aprovar a Lei, que o Executivo possa sancioná-la e que o Judiciário não precise avaliar futuramente a sua constitucionalidade. Pois se todos possuem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, é fato que isso só será alcançado com um correto desenvolvimento.
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Perfeito.
Se o âmago das discussões ambientais tem se pautado na necessidade da multilateralidade técnica das soluções – o que é sensato e deveras racional -, é preciso também que não nos deixemos inebriar por paixões e conceitos que contrariem o Direito e a estrutura normativa.
A Constituição é a fonte inicial e o destino último a que se devem os esforços tanto em prol do meio ambiente quanto de progresso econômico.
Sem esquecer disso poderemos trilhar, com segurança, o melhor caminho.