“A Advocacia-Geral da União (AGU) confirmou na Justiça a legitimidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para ajuizar ação civil pública com o objetivo de proteger o meio ambiente. Os procuradores federais defenderam a atuação judicial da autarquia em cumprimento aos dispositivos legais e constitucionais.
A discussão surgiu a partir do ajuizamento de ação civil pública ambiental pelo Ibama e pela União contra particular, em virtude da destruição de 903 hectares de floresta da região amazônica sem autorização. O objetivo da ação era obrigar o réu a recuperar a área degradada e obter a condenação dele por danos materiais e morais.
No entanto, a 2ª Vara Federal de Sinop (MT) determinou a exclusão do Ibama do polo ativo da demanda. O entendimento foi no sentido de que, por se tratar de ação para tutelar direito difuso, a autarquia não possuiria legitimidade ativa extraordinária para promover ação civil pública ambiental ‘porque a legitimidade extraordinária é excepcional e demanda expressa previsão legal nesse sentido’.
A decisão foi então alvo de recurso apresentado pela Procuradoria Regional Federal da 1ª Região (PRF1), Procuradoria Federal no Estado do Mato Grosso (PF/MT) e Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto (PFE/Ibama). A unidades da AGU alertaram que o entendimento do juízo de primeira instância violou dispositivos de leis federais.
Atribuição legal
Em especial, os procuradores federais ressaltaram que a exclusão do Ibama da lide afrontou o artigo 5º, inciso IV, da Lei nº 7.347/85, com redação dada pela Lei nº 11.448/2007, que conferiu, expressamente, às autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, a atribuição jurídica para ajuizar ação civil pública.
Segundo a AGU, a atuação judicial do Ibama, por meio do ajuizamento de ações civis públicas, possui relevância para dar eficiência à legislação em situações concretas, bem como para prevenção, reparação, restauração, recuperação e indenização de danos ambientais. Estes, portanto, seriam os propósitos de proteção do direito difuso fundamental de todos ao ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida, conforme preconizado no artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988.
Jurisprudência
O relator do recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, reconheceu que os argumentos da AGU estão em consonância com a jurisprudência do tribunal e deferiu o pedido de liminar para reconhecer a legitimidade do Ibama para ajuizar a ação civil pública ambiental, determinando sua permanência no polo ativo do feito.
No voto, o relator destacou que ‘a defesa do meio ambiente concerne a todas as pessoas de Direito Público da Federação de forma não excludente. Assim, sendo o Ibama entidade autárquica constituída com a finalidade de executar a Política Nacional do Meio Ambiente, consequentemente, possui legitimidade para propor ações civis pública de cunho ambiental’”.
PRF1, PF/MT e PFE/Ibama são unidades da Procuradoria-Geral Federal, órgão da AGU”.
Fonte: AGU, 30/05/2017 (Ref.: Agravo de Instrumento nº 9457-95.2017.4.01.0000 – TRF1).
Confira a íntegra da decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0009457-95.2017.4.01.0000/MT (d)
RELATOR | : | DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN |
AGRAVANTE | : | INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS – IBAMA |
PROCURADOR | : | DF00025372 – ADRIANA MAIA VENTURINI |
AGRAVADO | : | LEO KRONBAUER BATTIROLA |
D E C I S Ã O
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis contra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Sinop/MT que, na Ação Civil Pública nº 3300-79.2008.4.01.3603, determinou a sua exclusão do polo ativa da demanda, por ilegitimidade ativa para causa.
2. A decisão recorrida, no que relevante à controvérsia, está assim consignada (fls. 634/644):
(…) Indo avante, constato, ainda, que o IBAMA não possui legitimidade ativa para a presente ação, de forma que deve ser imediatamente excluído do polo ativo.
Pela presente ação civil pública, a Autarquia Federal IBAMA e a UNIÂO tem o nobre objetivo de que o meio ambiente, em tese, danificado em razão de suposta conduta ilegal atribuída à parte ré, seja integralmente recomposto por esta e que, além disso, esta suporte sanções legais em razão de seus atos.
Todavia, este Juízo possui entendimento de que o IBAMA não possui legitimidade para promover ação civil pública ambiental, cujo direito ou interesse defendido tem natureza difusa.
Assim, por coerência lógica, não pode este Juízo admitir a presença do IBAMA na presente ação civil pública, ainda que sejam louváveis os objetivos por ele visados, sob pena de se criar grave risco à credibilidade das decisões judiciais emanadas deste Juízo que, como dito, em várias outras ações, cujo direito ou interesse defendido pelo IBAMA possui natureza difusa, tem proferido decisões reconhecendo a ilegitimidade ativa da referida Autarquia Federal.
Sendo a legitimidade de parte uma das condições que se deve fazer presente para que o Juízo reconheça o direito de ação, não concorrendo esta, seja qual for o momento da constatação, deve-se concluir pela carência de ação do autor.
Pois bem, passo a enfrentar o tema relativo à legitimidade ativa do IBAMA.
A presente ação, proposta, conjuntamente, pelo IBAMA e pela UNIÃO, possui natureza de ação civil pública, uma vez que objetiva tutelar interesse difuso de proteção ao meio ambiente. Os autores, portanto, atuam na qualidade de legitimados extraordinários da coletividade. Em outras palavras, não buscam tutela de direito próprio.
Nesse sentido, entendo que o IBAMA não possui legitimidade ativa extraordinária para exercer ação civil pública em defesa do meio ambiente.
Isto porque a legitimidade extraordinária é excepcional e demanda expressa previsão legal nesse sentido. Ainda mais em se tratando de entidade sujeita ao regime jurídico administrativo, que possui apenas os poderes (e deveres) expressamente outorgados pela lei que lhe conferiu suas competências (princípio da legalidade administrativa).
Nem se diga que o inc. IV do art. 5º da Lei n. 7.347/85 conferiria tal legitimidade extraordinária ao IBAMA. Na verdade, o que o dispositivo faz é, genérica e abstratamente, autorizar a atribuição desta legitimidade às autarquias, o que se dará efetivamente apenas mediante expressa previsão legal na norma que instituir e disciplinar as atribuições de determinada autarquia.
Veja-se:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
Porém, da legislação de regência do IBAMA não se extrai norma alguma que lhe atribua, especificamente, tal competência.
Tal é o entendimento recente da Quinta Turma do E. TRF da 1ª Região, ao adotar a tese de que o IBAMA carece de legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas. Confira-se:
(…)
Como se extrai do julgado, a Lei da Ação Civil Pública cuida, tão somente, de legitimidade genérica, prevendo não mais que uma possibilidade de que a lei, ao criar determinada autarquia e outorgar-lhe as respectivas competências, lhe co confira tal legitimidade ativa extraordinária.
Demais disso, o manejo da ação civil pública pelo IBAMA muitas vezes se revela como instrumento de indevida intimidação, a fim de inibir o exercício do direito de ação por parte do administrado. É o que se infere da realidade enfrentada por este Juízo.
(…)
Com efeito, o Des. João Batista Moreira, após destacar que o IBAMA não possui competência legal para exercer legitimação extraordinária em matéria de ação civil pública, trouxe importante reflexão sobre a necessidade de se evitar o casuísmo da Procuradoria do IBAMA quando do ingresso de ações civis públicas contra determinados infratores em detrimento de outros.
(…)
Sendo assim, rendo-me ao posicionamento da E. 5ª Turma do TRF da 1ª Região para reconhecer a ilegitimidade ativa do IBAMA e, em consequência, determinar a sua imediata exclusão da presente ação.
Ante o exposto:
(…) d) DETERMINO A EXCLUSÃO do IBAMA do polo ativo da presente ação civil pública, ante a sua ilegitimidade, conforme fundamentado acima. (…)
3. Relata o agravante, inicialmente, que ajuizou Ação Civil Pública, em face de Leo Kronbauer Battirola, objetivando, dentre outros pedidos, sua condenação na obrigação de recuperar o meio ambiente degradado, em decorrência da alegada destruição de 903 hectares de Floresta da Região Amazônica sem autorização competente.
4. Aduz, inicialmente, que a decisão ora impugnada encontra-se eivada de nulidade, pois não foi dada às partes a oportunidade para se manifestarem acerca da legitimidade da autarquia para figurar na qualidade de autora na ação civil pública, em evidente violação ao princípio da “não surpresa”.
5. Sustenta, ainda, que a legitimidade do IBAMA para ajuizar ação civil pública é evidente por expressa autorização legal (art. 5º, IV, da LACP), especialmente quando o objeto da demanda possui pertinência com seus objetivos institucionais, no caso, a proteção do meio ambiente para as atuais e futuras gerações.
6. Por fim, requer a antecipação da tutela recursal e a reforma da decisão para que seja decretada a nulidade da decisão recorrida, ou, alternativamente, seja desde logo reconhecida sua legitimidade para ajuizamento de ação civil pública ambiental.
Autos conclusos, decido.
8. A princípio, razão parece assistir ao agravante.
9. A Constituição Federal estabelece em seu art. 23, incisos VI e VII que é da competência comum da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e preservar as florestas, a fauna e a flora. Competência comum significa que a atribuição conferida pelo Constituinte a uma pessoa jurídica de Direito Público não excluiu a atribuição da mesma função por outra. A defesa do meio ambiente concerne a todas as pessoas de Direito Público da Federação de forma não excludente.
10. A Lei 6.938/2010, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente estabelece, em seu art. 6º, inciso IV, estabelece que compete ao IBAMA executar essa política e atuar supletivamente no licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.
11. Por seu turno, a lei da ação civil pública assegura a legitimidade das autarquias para propor esse tipo de ação (art. 5º, IV da Lei n. 7.347/85). Sobre o tema legitimidade ativa do IBAMA, confira-se o entendimento desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANOS AO MEIO AMBIENTE. DESMATAMENTO ILEGAL NA FLORESTA AMAZÔNICA. ÁREA DE PROPRIEDADE PARTICULAR. LEGITIMIDADE ATIVA DO IBAMA. 1. O IBAMA tem legitimidade para propor ação civil pública que visa à reparação de danos ao meio ambiente, quando o desmatamento ilegal e a queima de vegetação nativa tenham atingido a floresta amazônica, embora ocorridos em imóvel rural particular. Caracterizado, no caso, o interesse federal na lide, por se tratar da maior floresta tropical do mundo, declarada patrimônio nacional pela Constituição da República, nos termos do art. 225, § 4º, sendo também objeto de especial proteção por outro preceito normativo específico (Lei 5.173/66, art. 2º), tanto mais em face de sua vulnerabilidade e da rica biodiversidade do ecossistema da região e seu peso no equilíbrio climático global. 2. A preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, é uma exigência imposta ao Poder Público e à coletividade, os quais têm o dever de defendê-lo. Assim é que, embora seja imprescindível conferir efetividade ao desenvolvimento econômico do País, este, contudo, deve ocorrer de maneira sustentável e, por isso mesmo, sem agressão antijurídica ao meio ambiente. Ressalte-se que tal política pública constitui a positivação legislativa da máxima constitucional que prevê a necessidade da preservação ambiental para as presentes e futuras gerações (CF, art. 225, caput). 3. A legitimação ativa do IBAMA, portanto, resulta da regra do inciso IV do art. 5º da Lei 7.347/85, incluído pela Lei 11.448/2007, a qual conferiu, expressamente, às autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista atribuição jurídica para ajuizar ação civil pública. 4. Apelação do IBAMA e remessa oficial providas para declarar a legitimidade ativa da autarquia federal, determinando o retorno dos autos à Vara de origem, para o seu regular prosseguimento.
(AC 0000774-52.2007.4.01.3902 / PA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUS, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.159 de 26/08/2011)
12 Assim, sendo o IBAMA entidade autárquica constituída com a finalidade de executar a Política Nacional do Meio Ambiente, consequentemente, possui legitimidade para propor ações civis pública de cunho ambiental.
Pelo exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal e reconheço a legitimidade do IBAMA para ajuizar a ação civil pública ambiental, devendo permanecer no feito de origem.
Comunique-se ao MM Magistrado a quo, para conhecimento e cumprimento.
Publique-se.
Intime-se o agravado, facultando-lhe apresentar contraminuta no prazo legal (inciso II do art. 1.019 do CPC/2015).
Brasília, 4 de maio de 2017.
Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN
Relator