por Leonardo Bussolotto.
Na análise do processo ambiental, seja no seu nascedouro, no caso de uma licença prévia, ou já no decorrer do exercício da atividade, surge, por decisão do órgão ambiental em caso de concessão de licenças, a necessidade de serem cumpridas determinadas obrigações impostas pela Administração Pública para o seguimento das medidas instrutórias do procedimento e/ou para continuidade da própria atividade, se já autorizada a operação.
Insta salientar que os processos sob análise do órgão ambiental, na maioria das vezes, demandam a realização de ajustes nos projetos apresentados, especialmente no que tange às obrigações de fazer ou de não fazer geralmente condicionadoras do exercício da atividade, condicionantes essas que, não raras as vezes, demandam a necessidade de realização de trabalhos ou a coleta de dados técnicos in loco para bem acomodar o empreendimento às determinações das autoridades estatais.
Isso sem contar nas corriqueiras medidas de urgência exigidas para o implemento das obrigações impostas pelo Poder Público, providências que se revelam por vezes despidas de verdadeira necessidade, uma vez que depõem contra a própria ideia de unicidade do processo, pois medidas dessa natureza podem ser exigidas nas fases de licenciamento, operação, e até mesmo após o encerramento do trâmite procedimental.
Veja-se ainda que, em face do interesse na preservação ambiental esculpido na legislação vigente, poderá o descumprimento de tais ordens estatais, entre outras consequências, configurar o crime definido no artigo 68 da Lei 9.605/98, na hipótese em que o empreendedor deixar de cumprir o que lhe tenha sido exigido no processo de licenciamento.
Diante desse contexto vivenciado na prática administrativa ambiental, surgem situações peculiares decorrentes das medidas estatais impostas para evitar a proliferação do corona vírus, causador da COVID-19. Isso porque, em determinadas situações, não haverá condições de o interessado adimplir com as obrigações impostas pela autoridade ambiental no processo administrativo de licenciamento, seja por impossibilidades decorrentes do fator humano (técnicos que estejam inseridos no grupo de risco da pandemia), seja pela inviabilidade de ser realizado o levantamento técnico in loco, decorrente das medidas de isolamento social que impõe a impossibilidade de circulação de pessoas como medida preventiva para mitigar a contaminação comunitária.
As medidas que restringem a circulação de pessoas interferem, por óbvio, no contato aproximado entre técnicos, empreendimentos e profissionais com preparo específico (laboratórios de análise, por exemplo), o que acaba por prejudicar a análise adequada dos estudos técnicos que permitiriam atestar o efetivo cumprimento das condições exigidas pelo Poder Público, não raras às vezes impostas como medidas de urgência para viabilizar a continuidade da atividade.
O conflito nesse momento se revela: de um lado as condicionantes ambientais que obrigam o empreendedor a cumprir as ordens emanadas do Poder Público; e de outro, as medidas impostas pelo próprio Estado, que dificultam o cumprimento das medidas oriundas das autoridades ambientais[1].
E essa contenda se apresenta também nas situações em que a Administração Pública impõe medidas de natureza mitigatória, com vistas a diminuir ou evitar possíveis impactos ambientais no exercício de determinadas atividades, condutas contrárias à proteção do meio ambiente o ponto de vista da autoridade que, muitas vezes, se relevam despidas de razoável ocorrência ao ponto de justificarem as medidas compensatórias infligidas ao empreendedor, em especial, as que possam caracterizar uma onerosidade excessiva.
Diante de todo esse contexto, evidencia-se que certas condicionantes ambientais se apresentam, na prática, como impossíveis de cumprimento efetivo, seja pela impossibilidade humana de sua realização, seja pela inviabilidade da coleta de elementos técnicos in loco que permitiriam às equipes multidisciplinares realizar os estudos adequados à demonstração da regularidade do exercício da atividade com potencial agressão ao meio ambiente.
Todavia, a situação no momento apresentada não ilide a necessidade de que o interessado comprove as dificuldades no cumprimento das ordens emanadas pela autoridade ambiental, de maneira que deve ser oportunizada, no bojo do processo de licenciamento, e em decorrência das particularidades decorrentes da situação enfrentada em nível mundial, que o empreendedor demonstre as dificuldades encontradas para o cumprimento das condicionantes ambientes que lhe foram estabelecidas.
Nesse diapasão, e levando-se em conta as situações ditas como fundamentais para a segurança das operações e de acordo com as medidas de proteção ambiental e humanitária, não se percebe óbice quanto à viabilidade da composição e diálogo antecipatório entre a autoridade ambiental e o interessado, não sendo viável a mera alegação das prováveis dificuldades no cumprimento das condicionantes ambientais decorrentes da existência de medidas mitigadoras da proliferação COVID-19, as quais, em tese, dificultariam o cumprimento dos comandos estatais no plano da preservação do meio ambiente.
Assim, percebe-se que a pandemia reconhecida pela Organização Mundial da Saúde – OMS evidencia verdadeira situação de força maior cuja alegação, em que pese não ser aceita pela legislação como excludente de responsabilidade, deverá ser necessariamente invocada naqueles casos no quais, por razões de cunho técnico, econômico e humanitário, tornem extremamente dificultoso o cumprimento das condicionantes ambientais impostas ao empreendedor.
Dessa forma, em não havendo comprovadas condições laborais e de deslocamento para a realização da coleta dos dados técnicos que irão embasar os argumentos apresentados aos órgãos ambientais, e demonstradas as situações fáticas e de onerosidade excessiva que impediriam o cumprimento das condicionantes específicas ou compensatórias que restringiriam o exercício da atividade potencialmente poluidora, tais medidas restritivas devem ser postergadas e mitigadas pelo Poder Público, sob pena da própria atuação estatal exigir que os profissionais da área ambiental fique expostos aos efeitos da pandemia que vem afetando a sociedade em escala global.
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Nota:
[1] Veja que o Decreto Federal nº 10.282 de 20 de março de 2020 e Decreto Estadual nº 52.128 de 19 de março de 2020 impõem que a “fiscalização ambiental” detém caráter essencial nesse momento de proliferação da COVID-19, estando somente suspensos os processos administrativos, não sendo abarcadas, assim, as obrigações decorrentes das condicionantes ambientais.
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