por Flávio L. Linquevis.
As questões relacionadas a áreas contaminadas ganharam atenção a partir da década de 70, nos Estados Unidos, caso Love Canal (ainda em remediação) e na Europa, o caso Lekkerkerk na Holanda. Ambos com repercussões maléficas tanto ao ambiente quanto a saúde humana local.
A partir destes dois casos, tanto os Estados Unidos, como em alguns lugares da Europa, foi iniciada a construção de um arcabouço legislativo protetivo e técnicas de gerenciamento de áreas contaminadas, o que acabou por culminar alguns efeitos colaterais como, a redução de valores imobiliários, questões consequentes de segurança pública, restrições ao desenvolvimento urbanístico entre outros. Então por um lado temos a preservação da saúde humana e remediação dos ativos ambientais afetados, por outro temos a geração de problemas de ordem financeira e social. A questão então se mostra deveras complexa.
Em nosso país, tal preocupação se deu a partir da década de 80, em especial no estado de São Paulo. O que levou a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), órgão ambiental paulista, a realizar um acordo de cooperação com a agência alemã Gesellschaft für Zusammenarbeit (GTZ), gerando a capacitação necessária de seus técnicos e da instituição em relação ao gerenciamento de tais áreas. Tal capacitação gerou frutos e hoje a CETESB é tida como modelo nacional e internacional no tocante ao gerenciamento de áreas contaminadas.
O Estado de São Paulo, em adição a esta capacitação adquirida, possui atualmente legislação específica para o tema através da Lei Estadual nº 13.577/09, o Decreto nº 59.263/13, e também na instância administrativa as Resoluções SMA nº 10 e 11 ambas de 2017, em destaque, a Decisão de Diretoria nº 038/2017/C e consequente Instrução Técnica nº 39 ambas da CETESB. Mas, infelizmente, tanto a questão legislativa, quanto a administrativa não foram amplamente seguidas no restante do nosso país.
Apenas para ilustrarmos a importância do tema, de acordo com dados coletados em estudo do Ministério da Saúde em 2014, somos 34 milhões de pessoas expostas ou potencialmente expostas a riscos relacionados a áreas contaminadas (https://www.saude.gov.br/vigilancia-em-saude/vigilancia-ambiental/vigipeq/vigisolo/dados-e-acompanhamento-das-populacoes). Vejamos a figura abaixo, onde destaca as áreas mapeadas como contaminadas.
A contaminação no solo é um dano ambiental sorrateiro, pois diferente por exemplo da supressão ou queimada de vegetação ou mesmo a queda de uma barragem, não se apresenta aos olhos facilmente, e seus efeitos a saúde humana e a qualidade dos bens naturais contidos no subsolo muitas vezes só se fazem perceber quando muito alastrados. Devido a essa característica quase “invisível” para a sociedade em geral, temos uma lacuna legislativa muito grande, não somente nas esferas municipais e estaduais, como também na federal.
Como vimos acima, o dano não é visível a um olhar superficial, mas outras características também merecem destaque. Em maior número, uma atividade que gera contaminação no solo e águas subterrâneas é a de postos de gasolina, quase 50% das áreas mapeadas na figura acima, foram produzidas por postos de gasolina. O que nos deixa com o restante, originárias de atividade industrial, áreas de disposição final de resíduos urbanos, áreas de disposição de resíduos industriais, áreas desativadas e outras. Independente da atividade que acaba por gerar a contaminação, esse dano, por muitas vezes é gerado paulatinamente e vai ganhando dimensão aos poucos, e se tratando por exemplo de uma área onde houve o descarte irregular de resíduos de diversas origens, ou então áreas onde existe uma contaminação sistemática por diversos poluidores há muitos anos, por vezes décadas, estamos diante de uma combinação de diversas fontes que acabam por interagir entre si. Então, se faz presente um leque de danos, diretos, ricochete, intermitente entre outros mais.
Esse cenário acaba por demonstrar além da complexidade quanto ao dano e sua extensão, mas também quanto a questão do gerenciamento. Um cenário é aquele que acaba por gerar uma contaminação pontual, contida numa área de fácil mapeamento e posterior remediação, outra é um bairro onde por décadas houve a atividade industrial sem o regramento de hoje, que tanques de armazenamento de produtos químicos eram enterrados sem a preocupação com os danos que poderiam ocasionar. Talvez se estivéssemos neste segundo cenário diante de uma área unificada a remediação pudesse ser mais facilmente viável, mas por estar em uma área antropizada, com diversos responsáveis legais em propriedades distintas, cada qual com um posicionamento quanto a estudos e intervenções, a unicidade chega ser caótica e virtualmente impraticável.
Somado a isso, temos o fato como já descrito, de disparidades legislativas entre os Estados de nossa federação. São Paulo, tanto em nível estadual quanto municipal, conta com legislação específica sobre áreas contaminadas, mas paramos por aí. Temos Estados como Rio de Janeiro, Santa Catarina que possuem normativas na esfera administrativa sobre a questão de contaminação no solo e águas subterrâneas no processo de licenciamento ambiental, em Minas Gerais, as normativas administrativas são para identificação, proteção e gerenciamento ambiental de áreas contaminadas. Merece menção especial o Estado do Espírito Santo, que possui um Decreto, nº 4.109/17, que dispôs sobre a criação do Setor de Áreas Contaminadas do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), fazendo parte da Coordenação de Qualidade do Ar, Áreas Contaminadas e Informações Ambientais (CQAI), mas, somente em 2019 emitiu sua primeira autorização ambiental para gerenciamento de área contaminada, lhe faltando ainda o reforço de um arcabouço legislativo específico.
Em nível federal temos a Resolução CONAMA nº 420, também a contraditória Resolução Conama nº 463, e passagem brevíssima sobre áreas órfãs na Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/10. Pela dimensão do problema e falta de qualificação técnica por alguns órgãos estaduais, temos a carência de uma coordenação federal sobre o tema e uma atuação por vezes subsidiaria.
Como visto, o gerenciamento de áreas contaminadas não é simples, assim como a gestão da questão pelo responsável legal, envolvendo um esforço coordenado e integrado entre várias frentes, como de governança, jurídico, financeiro, comunicação e a técnico, mesmo em locais onde temos os problemas como apontados anteriormente.
Por outra ponta, é necessário o enfrentamento da questão de maneira mais sistematizada em todas as esferas do poder, de forma a se pensar em uma política de áreas contaminadas mais abrangente que preencha as lacunas todas e de forma integrada, dando prestígio a uma subsidiariedade necessária e a partilha da responsabilidade e participação de todos os que são envolvidos e impactados pela contaminação.