quarta-feira , 10 dezembro 2025
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A OMISSÃO DA SECRETARIA DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO (SPU) NA CLASSIFICAÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA E SEUS EFEITOS PARALIZANTES NO REGISTRO DE IMÓVEIS: O PROVIMENTO Nº. 49/2025 DO TJSC COMO PARADIGMA DE SOLUÇÃO

Por Paulo Sérgio Sampaio Figueira

Resumo: A classificação e demarcação de terrenos de marinha, bens da União conforme o artigo 20, VII, da CRFB/88 e o Decreto-Lei nº. 9.760, de 5 de setembro de 1946, representam um dos maiores focos de insegurança jurídica e entrave ao mercado imobiliário brasileiro, especialmente em regiões litorâneas. Este artigo analisa o problema central da omissão técnica-administrativa da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) em concluir os procedimentos demarcatórios, o que, por sua vez, gera uma postura excessivamente cautelosa e muitas vezes indevida dos Cartórios de Registro de Imóveis. Estes, na dúvida, passam a exigir, de forma generalizada e automática, documentos como a Certidão de Dominialidade da SPU, o protocolo do Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) e a Certidão de Autorização de Transferência (CAT) para qualquer transação em áreas supostamente afetadas, paralisando negócios e dificultando o acesso ao crédito. O estudo detém-se na análise pioneira do Provimento nº 49/2025 da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que estabeleceu critérios objetivos e seguros para a qualificação registral dessas áreas. O provimento determina que, para fins cartoriais, só se considera terreno de marinha aquele que já teve sua demarcação técnica concluída e homologada pela SPU, com abertura de matrícula em nome da União. A pesquisa, de natureza qualitativa e dogmática, conclui que a medida catarinense é um modelo de racionalidade jurídica, eficiência administrativa e equilíbrio entre a proteção do patrimônio público e a segurança das transações privadas. Defende-se, por fim, a urgente adoção de normativas semelhantes pelas Corregedorias de todos os Estados, bem como a necessidade de a SPU cumprir seu dever legal de conclusão dos trabalhos demarcatórios antes do término da autorização legislativa em 31 de dezembro de 2025, sob pena de se consolidar um estado permanente de incerteza que prejudica a economia, os cidadãos e a própria credibilidade da administração pública.

1. INTRODUÇÃO

O regime jurídico dos terrenos de marinha é um dos mais complexos e antigos do direito brasileiro, remontando às Ordenações do Reino Português. No ordenamento contemporâneo, estão constitucionalmente definidos como bens da União (art. 20, VII, da CRFB/88) e possuem disciplina específica no Decreto-Lei n.º 9.760, de 5 de setembro de 1946 e na Lei n.º 9.636, de 15 de maio de 1998. A exploração dessas áreas por particulares dá-se, em regra, através dos institutos da enfiteuse (aforamento) ou da mera ocupação precária, gerando obrigações como o pagamento do foro, da taxa de ocupação e do laudêmio nas transmissões onerosas.
Contudo, entre a norma jurídica abstrata e a realidade concreta das milhares de propriedades à beira-mar, insere-se um abismo técnico-administrativo: a efetiva demarcação da linha da preamar média de 1831 e a subsequente classificação oficial da área como terreno de marinha pela SPU. A morosidade e, em muitos casos, a completa inércia da SPU em concluir esse trabalho técnico em larga escala nacional criaram um cenário de profunda insegurança.
Nesse vácuo, os Cartórios de Registro de Imóveis, responsáveis pela publicidade, segurança e fé pública dos negócios jurídicos, viram-se em uma situação delicada. Sem a demarcação oficial, qualquer imóvel próximo ao litoral ou a corpos d’água sujeitos à influência das marés passa a ser visto com suspeita. Para se resguardarem de futuras responsabilidades e anulações de registros, muitos oficiais passaram a adotar uma postura hiper-restritiva, exigindo, de forma quase automática, uma série de certidões e comprovações perante a SPU (Certidão de Dominialidade, RIP, CAT) para proceder a qualquer ato registral, mesmo na ausência de qualquer ato demarcatório concreto da União.
Essa prática, embora compreensível do ponto de vista da cautela, tem efeitos nefastos e extravasantes. Ela paralisa transações imobiliárias, congela o mercado, impede o acesso a financiamentos bancários – pois as instituições financeiras não concedem crédito sem a regularidade registral – e gera um custo burocrático e temporal intolerável para cidadãos e investidores. A omissão da União em agir transforma-se, assim, em um ônus insuportável para o particular, invertendo a lógica da administração pública.
Foi neste contexto que o Estado de Santa Catarina, por meio de sua Corregedoria-Geral da Justiça, editou o pioneiro Provimento n.º 49/2025. Este ato normativo extrajudicial não altera a legislação federal, mas estabelece diretrizes claras e objetivas para a prática registral no estado. Em síntese, determina que, para a qualificação do imóvel como terreno de marinha, é conditio sine qua non a prévia e efetiva demarcação pela SPU, com a consequente abertura de matrícula em nome da União.
Enquanto isso não ocorrer, os cartórios devem considerar a matrícula existente (em nome de particulares) como válida e apta a registrar atos, afastando exigências infundadas com a exigência em Prenotação exigindo Certidão expedida pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), atestando se o imóvel é terreno de marinha ou não (Certidão de Dominialidade, Protocolo do RIP, e Certidão Autorizativa de Transferência (CAT)).
Este artigo tem como objetivo central analisar criticamente o círculo vicioso formado pela omissão demarcatória da SPU e a consequente paralisia registral, utilizando o Provimento nº. 49/2025 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) como paradigma de solução prática, equilibrada e juridicamente segura.
Argumenta-se que este provimento representa um avanço civilizatório no tratamento da matéria, devendo servir de modelo para uniformização da prática registral em todo o território nacional, especialmente diante do prazo fatal de 31 de dezembro de 2025 para a SPU concluir sua atribuição.
A metodologia empregada é a análise dogmático-jurídica, com revisão bibliográfica de doutrina especializada, legislação pertinente (federal e estadual), jurisprudência do STJ e STF sobre a matéria, e o exame detalhado do texto e dos efeitos do Provimento Catarinense.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. O Regime Jurídico dos Terrenos de Marinha e a Competência da SPU

Os terrenos de marinha são definidos como a faixa de 33 metros, medidos horizontalmente para a parte da terra, a partir da linha da preamar média de 1831 (art. 2º do DL nº. 9.760/46). Sua titularidade é originária da União, sendo bens públicos dominicais. A gestão e a outorga do uso ou do domínio útil (através do aforamento) compete à SPU, órgão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
A Lei nº. 9.636/98 regulamentou essa gestão, estabelecendo os procedimentos para demarcação, inscrição no RIP, concessão de aforamento, ocupação e cobrança de laudêmio (art. 33).
É justamente a demarcação administrativa, um ato técnico complexo que envolve a determinação da exata linha de 1831 com base em estudos históricos e geodésicos, o ponto de partida obrigatório para que uma área seja, de jure e de fato, tratada como terreno de marinha.

2.2. A Omissão Demarcatória da SPU e seus Efeitos em Cadeia

A SPU, por décadas, não conseguiu (ou não priorizou) realizar a demarcação completa de todas as faixas litorâneas do país. Estima-se que centenas de milhares de imóveis estejam em áreas potencialmente afetadas, sem que haja uma definição técnica conclusiva.
Essa omissão administrativa estatal gera um estado de incerteza generalizado, com teratologia e imbróglio jurídico nos Cartórios de Registro de Imóveis no país, que por ausência de comprovação acabam repassando ao cidadão a responsabilidade de identificar a classificação de terrenos de marinha.
Sem a demarcação, não há como afirmar com segurança se um imóvel está ou não dentro dos 33 metros. No entanto, a legislação (Lei nº. 9.636/98, art. 33, §2º) impõe aos cartórios a obrigação de exigir a Certidão de Autorização de Transferência (CAT) da SPU para registrar transações envolvendo terrenos de marinha.
Na prática, diante da dúvida e do risco de posterior anulação do ato por vício de legitimidade (já que a União poderia reivindicar a área), os oficiais registrarias optam por exigir a comprovação prévia da situação do imóvel perante a SPU.
Surge, então, a exigência cartorária indevida ou antecipada: para vender, comprar, financiar ou mesmo usucapir um imóvel em zona costeira, o cidadão é demandado a apresentar a Certidão de Dominialidade (que atesta se a SPU tem ou não interesse no bem) ou o número do RIP.
Ocorre que, para obter tais documentos, é necessário que a SPU tenha prévia e justamente ingressado com o procedimento demarcatório, o que muitas vezes não aconteceu.
Cria-se um impasse: o cartório exige um documento que só pode ser emitido se houver ação prévia da SPU, que não ocorreu. O cidadão fica em um limbo jurídico, impossibilitado de exercer plenamente seu direito de propriedade ou posse.
E para complicar ainda mais o próprio SPU, nesse jogo de indefinição junto com os Cartórios de Registro de Imóveis, sem nenhum processo demarcatório e conclusivo em que houve realmente o desenho técnico da linha da preamar média (a chamada demarcação) e a posterior homologação (conforme a IN SPU n.º 28), expede Declaração que o imóvel está encravado nos limites presumidos dos terrenos de marinha e seus acrescidos, fazendo-se a ressalva que, nesse trecho de litoral, a LPM-1831 estará em processo de demarcação e poderá haver alteração na Linha Limite dos Terrenos de Marinha.

2.3. O Provimento nº. 49/2025 do TJSC: Inovação, Segurança e Equilíbrio

O Provimento n.º 49/2025 da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina representa uma ruptura positiva e pragmática com esse cenário de incerteza, teratologia e imbróglio jurídico.
Logo no seu artigo 716-A estabelece o princípio fundamental: “Para fins de qualificação registral, considera-se imóvel situado em faixa de marinha […] somente aquele no qual haja a expressa indicação na matrícula de que houve a devida demarcação pelo órgão federal correspondente, com a consequente transferência da propriedade à União.”
Este dispositivo opera uma mudança de paradigma. O foco deixa de ser a possibilidade teórica ou indícios genéricos (como “conflita com o mar”), e passa a ser a realidade jurídica consolidada pela própria União.
Em outras palavras, se a SPU não moveu um dedo para demarcar e inscrever o imóvel em seu nome no registro, o cartório de registro de imóveis não pode, por conta própria, tratar a área como se demarcada fosse.
Destacam-se os principais avanços do Provimento nº. 49/2025 do TJSC são:
Fim da Presunção Expansiva: Afasta a exigência de autorização da SPU para atos em matrículas de particulares que apenas contenham menções genéricas sobre localização (art. 716-A, §2º).
Segurança das Matrículas Existentes: Estabelece que, enquanto não houver a demarcação final e a consequente abertura de matrícula em nome da União, a matrícula do particular continua a produzir todos os efeitos legais (art. 716-A, §3º).
Estímulo à Regularização: Permite a usucapião extrajudicial em áreas com meros indícios de marinha, desde que não demarcadas (art. 716-G). Isto incentiva a pacificação social da posse, sem prejuízo do direito futuro da União de demarcar.
Viabilização de Empreendimentos: Dispensa a autorização da SPU para unificação de lotes, parcelamentos e incorporações imobiliárias que envolvam áreas ainda não oficialmente demarcadas, agilizando investimentos (art. 716-C e 716-I).
Preservação do Direito da União: É crucial destacar que o provimento não retira nenhum direito da União. Pelo contrário, o artigo 716-A, §5º, ressalva expressamente que a União pode, a qualquer tempo, promover a demarcação e transferir a propriedade para si. O que se altera é o ônus da prova e da ação: cabe à União, e não ao particular, tomar a iniciativa de caracterizar seu domínio.
Em suma, o Provimento nº. 49/2025 do TJSC transfere o risco da inércia para a própria SPU. Se a União não conclui seu trabalho técnico, não pode se beneficiar da paralisia do mercado que sua omissão causou. O mercado segue com base na realidade registral disponível, e a SPU, quando quiser, poderá exercer seu direito, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé.

2.4. A Urgência Nacional: O Prazo de 31/12/2025 e a Necessidade de Uniformização

A Lei nº. 9.636/98, em seu artigo 54, concedeu à SPU um prazo para classificar os terrenos de marinha. Esse prazo, prorrogado sucessivamente, tem data final em 31 de dezembro de 2025. Findo este prazo, sem uma nova prorrogação legislativa, a base legal para a SPU realizar novas classificações poderá ser questionada, aprofundando a insegurança.
Diante desse cenário, a solução catarinense mostra-se ainda mais relevante. Esperar que a SPU, em pouco mais de um ano, resolva décadas de omissão em todo o país é irreal. É necessário, portanto, que o Poder Judiciário de cada Estado, através de suas Corregedorias-Gerais da Justiça, adote provimentos ou normas análogas ao Provimento nº. 49/2025 do TJSC.
A uniformização nacional desta interpretação é imperiosa para:
Desparalisar o Mercado Imobiliário Costeiro: Garantindo fluidez e segurança às transações.
Conferir Previsibilidade Jurídica: Para cidadãos, investidores, incorporadoras e instituições financeiras.
Forçar uma Posição Definitiva da SPU: Ao estabelecer que apenas as áreas efetivamente demarcadas serão tratadas como tal, os estados criam um incentivo concreto para que a SPU priorize e conclua seus trabalhos onde há real interesse patrimonial da União.
Evitar um Colapso Registral em 2026: Com o fim do prazo legal, a indefinição tende a se agravar. Normas claras dos Tribunais de Justiça servirão como guia seguro para os cartórios, independentemente da inércia federal.
Sugestão de Parágrafo para Inserção no Artigo:
Diante da dimensão nacional do problema e da urgência em se estabelecer um marco legal claro que destrave o mercado imobiliário e pacifique as relações jurídicas em todo o território brasileiro, a discussão transcende a esfera administrativa e judicial estadual.
É fundamental que o Poder Legislativo Federal assuma seu papel na solução definitiva desta questão estrutural. Para tanto, será apresentado ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) que objetiva institucionalizar, em âmbito federal, os princípios e critérios consagrados pelo pioneirismo do Provimento n.º 49/2025 do TJSC.
A proposta legislativa visa estabelecer, como regra geral para todos os cartórios do país, que a exigência de documentos da SPU (como a Certidão de Dominialidade, o RIP e a CAT) condiciona-se à prévia e efetiva demarcação técnica e à abertura de matrícula em nome da União.
A tramitação deste PL será oportunidade ímpar para um debate democrático e amplo, envolvendo sociedade civil, especialistas, órgãos técnicos e o próprio Poder Executivo, a fim de converter em lei uma solução equilibrada que ponha fim à insegurança jurídica, proteja o patrimônio público sem se valer da própria inércia e garanta a necessária fluidez e segurança ao direito de propriedade em nossas zonas costeiras.

3. CONCLUSÃO

A problemática dos terrenos de marinha no Brasil é emblemática dos custos da morosidade e da omissão estatal. A falta de conclusão dos procedimentos demarcatórios pela SPU, órgão responsável pela gestão desses bens, gerou um efeito dominó que paralisou setores inteiros da economia, inviabilizou o exercício de direitos de propriedade e posse, e onerou o cidadão com exigências burocráticas infundadas.

O Provimento n.º 49/2025 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina emergiu como uma luz de racionalidade e pragmatismo jurídico. Ao estabelecer que a qualificação como terreno de marinha depende de ato concreto e concluído da própria União (a demarcação e abertura de matrícula), o provimento devolve segurança ao mercado, respeita o princípio da boa-fé registral e, paradoxalmente, protege melhor o patrimônio público ao exigir que a União aja para efetivar seus direitos, em vez de se beneficiar de sua própria inação.
Este artigo conclui que a solução catarinense é juridicamente sólida, constitucionalmente adequada e socialmente necessária. Ela não ofende a dominialidade da União, mas apenas condiciona seus efeitos práticos no mundo registral à materialização de seu direito através de atos administrativos formais.

Portanto, recomenda-se veementemente que:
As Corregedorias-Gerais da Justiça de todos os Estados da Federação editem atos normativos nos moldes do Provimento 49/2025 do TJSC, uniformizando a prática registral e afastando exigências indevidas.

A SPU, diante do prazo fatal de 31 de dezembro de 2025, concentre esforços para concluir os procedimentos demarcatórios nas áreas de maior interesse e conflito, dando transparência e celeridade ao processo.
O Congresso Nacional, ao debater eventuais prorrogações de prazo ou reformas no instituto (como as PECs em tramitação), observe o exemplo de Santa Catarina como um modelo de equilíbrio entre interesse público e privado, que pode ser incorporado à legislação nacional.
A adoção generalizada do paradigma catarinense representa um passo fundamental para superar a letargia administrativa e destravar o potencial econômico e social das zonas costeiras brasileiras, assegurando, em última análise, que o direito de propriedade e a segurança jurídica não sejam reféns da inércia do Estado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 6 dez. 2025.

BRASIL. Decreto-Lei n.º 9.760, de 5 de setembro de 1946. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del9760.htm. Acesso em: 6 dez. 2025.

BRASIL. Lei n.º 9.636, de 15 de maio de 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9636.htm. Acesso em: 5 dez. 2025.

BRASIL. Lei nº 13.139, de 26 de junho de 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13139.htm. Acesso em: 4 dez. 2025.

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Corregedoria-Geral da Justiça. Provimento nº 49, de 03 de setembro de 2025. Dispõe sobre procedimentos registrais e notariais relativos a imóveis em área de marinha. Disponível em: https://www.tjsc.jus.br/web/extrajudicial/normas-e-orientacoes. Acesso em: 3 dez. 2025.

FIGUEIRA, Paulo Sérgio Sampaio. Conflitos Fundiários em Terreno de Marinha. Artigo científico. 2021.

FIGUEIRA, Paulo Sérgio Sampaio. Regularização Fundiária em Terreno de Marinha Envolvendo Decisões do Supremo Tribunal Federal; Projeto de Lei e Emendas Constitucionais do Congresso Nacional. In: Direito Agrário Brasileiro. Rio Grande do Sul: UBAU, 2024.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). AgRg no AREsp 333.934/PE, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/08/2014.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Acórdão na ADPF 1.008, Relatora Min. Cármen Lúcia, julgado em 22-23/05/2023. Textos analíticos e noticiosos sobre o Provimento 49/2025 do TJ/SC.

ANEXO PROPOSTA DE UM PROJETO DE LEI

PROJETO DE LEI N.º , DE 2025

Dispõe sobre a qualificação de imóveis situados em faixa de marinha para fins de registro público, estabelece critérios para a exigência de documentos pelos cartórios de registro de imóveis e dá outras providências.

Art. 1º.  Para fins de qualificação registral perante os cartórios de registro de imóveis, considera-se imóvel situado em faixa de marinha ou terreno de marinha somente aquele que atender cumulativamente aos seguintes requisitos:
I – tenha sido objeto de demarcação técnica específica pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), com a definição da linha da preamar média de 1831, conforme procedimento estabelecido em norma própria;
II – a demarcação referida no inciso I tenha sido homologada pela autoridade competente da SPU;
III – haja matrícula aberta em nome da União no respectivo cartório de registro de imóveis, com indicação expressa da condição de terreno de marinha e do número de inscrição no Registro Imobiliário Patrimonial (RIP).
Parágrafo único. Enquanto não preenchidos os requisitos do caput, o imóvel, ainda que localizado em área litorânea ou com indícios de influência de marés, não será considerado terreno de marinha para os fins desta Lei, devendo os atos registrais relativos a ele obedecer ao regime comum da propriedade privada.
Art. 2º Fica vedado aos cartórios de registro de imóveis exigir, para a prática de atos registrais sobre imóveis que não atendam aos requisitos do artigo 1º, os seguintes documentos:
I – Certidão de Dominialidade da SPU;
II – Protocolo ou número do Registro Imobiliário Patrimonial (RIP);
III – Certidão de Autorização de Transferência (CAT);
IV – Qualquer outro documento que condicione o ato à manifestação ou anuência prévia da SPU.
§ 1º As menções genéricas em matrículas existentes, tais como “conflita com o mar”, “situado em área de marinha” ou similares, não caracterizam, por si só, a condição de terreno de marinha e não autorizam a exigência dos documentos listados no caput.
§ 2º A abertura de matrícula em nome da União, com base em procedimento demarcatório concluído, será promovida pela própria SPU.
Art. 3º A União, por meio da SPU, manterá cadastro público e acessível contendo a relação de todos os imóveis que atendam aos requisitos do artigo 1º, com indicação do número da matrícula e do RIP, para consulta pelos cartórios e pelo público em geral.
Art. 4º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, por meio de suas Corregedorias-Gerais da Justiça, editarão atos normativos no âmbito de suas competências para disciplinar os procedimentos registrais relativos a imóveis em faixa de marinha, observando os princípios e regras estabelecidos nesta Lei.
Art. 5º A autorização concedida à SPU para classificação de terrenos de marinha, com base no artigo 54 da Lei n.º 9.636, de 1998, fica prorrogada por 5 (cinco) anos, contados de 1º de janeiro de 2026.
Parágrafo único. A prorrogação de que trata o caput tem por objetivo permitir que a SPU conclua, de forma prioritária, os trabalhos técnicos de demarcação nas áreas de maior conflito ou interesse socioeconômico, com transparência e publicidade.
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7º Ficam revogadas as disposições em contrário.

JUSTIFICATIVA

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Senadores,

Apresentamos à apreciação desta Casa o presente Projeto de Lei, com o objetivo urgente de superar uma grave crise de insegurança jurídica e paralisia do mercado imobiliário em regiões costeiras e ribeirinhas de todo o país, causada pela omissão técnica da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e pela consequente interpretação excessivamente cautelosa e, muitas vezes, indevida dos cartórios de registro de imóveis.
O cerne do problema reside no instituto dos terrenos de marinha, bens da União definidos constitucionalmente (art. 20, VII, CF/88) e regulados pelo Decreto-Lei n.º 9.760/1946. A SPU detém a competência para, através de complexo trabalho técnico (demarcação da linha de preamar média de 1831), classificar oficialmente uma área como terreno de marinha, abrindo matrícula em nome da União e instituindo o regime de aforamento ou ocupação.
Contudo, a SPU não conseguiu, em décadas, concluir esse trabalho demarcatório em larga escala. Estima-se que centenas de milhares de imóveis permaneçam em um limbo jurídico: sem demarcação concluída, não se pode afirmar com segurança se estão ou não dentro da faixa dos 33 metros.
Nesse vácuo de atuação estatal, os cartórios de registro de imóveis, zelando pela segurança jurídica dos atos, passaram a adotar uma postura hiper-restritiva. Exigem, de forma generalizada e automática, a apresentação de documentos como a Certidão de Dominialidade da SPU, o protocolo do RIP e a Certidão de Autorização de Transferência (CAT) para qualquer transação em áreas potencialmente afetadas.
Ocorre que, para obter tais documentos, é necessário que a SPU já tenha concluído justamente o procedimento demarcatório que não realizou. Cria-se um círculo vicioso impossível para o cidadão: o cartório exige um documento que a omissão da SPU torna inalcançável. O resultado é a paralisação completa de vendas, compras, financiamentos e regularizações, prejudicando famílias, empreendedores, o mercado imobiliário e o acesso ao crédito.
Foi diante desse cenário crítico que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por meio do Provimento nº 49/2025 de sua Corregedoria-Geral da Justiça, instituiu uma solução pioneira, racional e equilibrada. O provimento estabelece que, para fins cartoriais, só se considera terreno de marinha aquele que a própria União já demarcou, homologou e inscreveu em matrícula em seu nome.
Enquanto isso não ocorrer, o cartório deve tratar o imóvel com base na matrícula existente (em nome de particulares), viabilizando os atos registrais. A omissão da União não pode gerar um ônus insuportável e paralisante para o cidadão.
O Provimento catarinense é um exemplo de boa técnica jurídica e eficiência administrativa. Ele:
Restaura a segurança e a fluidez ao mercado imobiliário.
Respeita o princípio da boa-fé registral e os direitos consolidados dos particulares.
Não retira nenhum direito da União, que permanece livre para, a qualquer tempo, promover a demarcação e inscrever o imóvel em seu nome quando concluir seu trabalho técnico.
Transfere o risco da inércia para a própria SPU, incentivando-a a agir onde há real interesse patrimonial.
Este Projeto de Lei visa nacionalizar essa solução bem-sucedida. Ele estabelece, em âmbito federal, a regra clara e objetiva de que a exigência dos documentos da SPU pelos cartórios está condicionada à prévia e efetiva caracterização do imóvel como terreno de marinha pela própria União.
Além disso, o projeto:
Determina a publicação de cadastro público das áreas efetivamente demarcadas, garantindo transparência.
Fomenta a uniformização nacional ao orientar as Corregedorias dos Tribunais de Justiça a editarem normas em consonância.
Prorroga o prazo para a SPU concluir suas classificações, mas vinculando essa prorrogação à adoção de um modelo eficiente que não mais penalize a sociedade.
É imperioso que o Congresso Nacional atue para pacificar esta questão, que há décadas gera litígios, onera os cidadãos e trava o desenvolvimento de vastas regiões do país. Este projeto equilibra de forma justa a necessária proteção do patrimônio público com a indispensável segurança jurídica para as transações privadas, inspirado no exemplo prático e exitoso já implementado em Santa Catarina.
Pelo exposto, contamos com o apoio dos ilustres Parlamentares para a aprovação deste essencial Projeto de Lei.

Atenciosamente,
[Assinatura do Proponente]

Paulo Sérgio Sampaio Figueira – Advogado, Administrador de Empresa, Ciências Agrícolas, Professor Universitário com pós-graduação em metodologia do ensino superior, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Direito Eleitoral, Arquivologia e Documentação, com mestrado em Direito Ambiental e Políticas, Presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/AP, Conselheiro do COEMA, Vice-Presidente da Região Norte da Comissão Nacional de Assuntos Fundiário da UBAU, Presidente Nacional de Meio Ambiente e Agrário da UBAM

 

 

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